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Processo n.º 423/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é
recorrente Ministério Público e recorrida, A., foi interposto recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal
de 10.01.2007, visando a apreciação da constitucionalidade do artigo 145.º, n.º
5, do Código de Processo Civil (CPC), interpretado no sentido de o Ministério
Público carecer − para beneficiar da “prorrogação” do prazo peremptório aí
estabelecida − de emitir, dentro do referido prazo peremptório, uma declaração
no sentido de pretender praticar o acto nos três dias úteis posteriores ao termo
do prazo, sob pena de, na ausência de tal declaração antecipada, se precludir,
por extemporaneidade, a prática do acto.
2. A decisão recorrida surge na sequência de recurso judicial interposto pelo
Ministério Público da sentença do Tribunal Judicial de Espinho, de 09.02.2006,
que absolveu a arguida A. do crime de falsificação de documento por que esta
estava pronunciada.
Por acórdão de 10.01.2007, o Tribunal da Relação do Porto decidiu rejeitar o
recurso com fundamento na sua extemporaneidade.
Neste acórdão, de que vem interposto o presente recurso, pode ler-se o seguinte,
na parte que agora releva:
«(…) 7. Com relevância para a apreciação da extemporaneidade do recurso, os
autos revelam as seguintes ocorrências processuais:
1) Como consta da acta de fls. 185, a sentença foi lida no dia 9-02-2006, com a
presença do magistrado do Ministério Público.
2) Da declaração de fls. 186 consta que a sentença foi depositada na Secretaria
Judicial no mesmo dia 9-02-2006, ficando à disposição dos sujeitos processuais.
3) O requerimento de interposição do recurso, acompanhado da respectiva
motivação, deu entrada na Secretaria do Tribunal no dia 27-02-2006, conforme
consta de fls. 187.
4) No requerimento de interposição do recurso, o Ministério Público fez constar
a seguinte declaração: «consigna-se que este acto está a ser praticado no
primeiro dia útil após o termo do prazo fixado (cfr. art. 145°, n°5, do Código
de Processo Civil)».
8. Perante esta factualidade, importa apreciar.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 411º do Código de Processo Penal, o prazo
para a interposição do recurso é de 15 dias e conta-se, tratando-se de sentença,
a partir do respectivo depósito na secretaria.
À contagem dos prazos para a prática de actos processuais no âmbito do processo
penal aplicam-se as disposições da lei do processo civil (art. 104º, n° 1, do
CPP). Dispondo o n° 1 do art. 144° do Código de Processo Civil que o prazo é
contínuo, suspendendo-se, apenas, durante as férias judiciais.
Neste caso, a sentença recorrida foi depositada na Secretaria Judicial no dia
9-02-2006, ficando nessa data à disposição dos sujeitos processuais.
Por isso, o prazo de 15 dias para a interposição de recurso dessa sentença
iniciou-se no dia seguinte, 10-02-2006, e terminou no dia 24-02-2006, que era
dia útil (sexta-feira). -
Sucede que o recurso interposto pelo Ministério Público apenas deu entrada na
Secretaria do Tribunal no dia 27-02-2006 (segunda-feira) que corresponde ao
primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, e, portanto, fora do prazo. Sem
que o recorrente tenha alegado justo impedimento.
A prática de actos processuais nos três dias úteis posteriores ao termo do
prazo, fora dos casos de justo impedimento e ao abrigo do disposto no n° 5 do
art. 145° do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal ex vi art.
107°, nº 5, do Código de Processo Penal, está condicionada ao pagamento da multa
prevista naquela primeira disposição legal.
No caso de ser o Ministério Público que pretende praticar o acto em algum dos
três dias úteis após o termo do prazo, ao abrigo do disposto no n° 5 do art.
145º do Código de Processo Civil, por se entender que está isento do pagamento
da multa ali prevista quando age na defesa dos direitos e interesses que lhe são
confiados por lei, como é o caso do exercício do direito de recurso, tem-se
vindo a considerar, no âmbito duma interpretação correctiva daquela norma, que,
em substituição da multa e no respeito pelos princípios do processo equitativo e
da igualdade de armas, deverá apresentar uma declaração no processo, antes de
terminar o respectivo prazo normal, de que pretende utilizar aquela faculdade.
Sob pena de se considerar o acto extemporâneo.
Neste sentido se pronunciam o Ac. nº 355/2001 do Tribunal Constitucional, de
11/07/2001, publicado no D.R., II Série, de 13/10/2001, e o Ac. do STJ de
2/10/2003, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n° 03P2849.
O primeiro definiu a seguinte interpretação: “decide não julgar inconstitucional
a dimensão normativa que resulta do art. 145º, n°s 5 e 6, do Código de Processo
Civil, segundo a qual o Ministério Público está isento da multa aí prevista,
devendo contudo o tribunal a quo fazer aplicação de tal preceito no sentido de
exigir que o Ministério Público, não pagando a multa, emita uma declaração no
sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do
prazo”.
A expressão «declaração no sentido de pretender praticar o acto» não pode ter
outro sentido se não o de exigir que essa declaração seja emitida antes de
terminar o prazo. De outro modo ter-se-ia usado a expressão «declaração no
sentido de que pratica o acto».
Mas a fundamentação do acórdão também aponta no sentido de que a dita declaração
só faz sentido se for emitida antes de terminar o prazo, porquanto “será um modo
suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres
relativos a prazos processuais pelo Ministério Público. Corresponderá a uma
alternativa possível a um pagamento de multas, o qual é exigido,
fundamentalmente, a partir da perspectiva de interesse no processo,
característica de uma actuação processual, não funcional, mas exclusivamente
como parte”. Ou seja, tal declaração destina-se a permitir às demais partes ou
sujeitos processuais controlar o cumprimento dos prazos por parte do Ministério
Público, designadamente no que respeito à interposição do recurso, em que o
Ministério Público age “exclusivamente como parte”. Esse controlo só pode
exercer-se se, antes do prazo, o Ministério Público declarar que pretende
apresentar o recurso num dos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo. Sob
pena de ficar comprometido o princípio da igualdade de armas, por manifesto
desequilíbrio a favor do Ministério Público, e não em seu desfavor, como
desvirtuadamente sugere o parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.
É que, mesmo perante a exigência daquela declaração, ainda há quem considere que
a faculdade permitida ao Ministério Público de praticar os actos processuais nos
3 dias úteis para além do prazo sem pagar a multa referida nos n°s 5 e 6 do art.
145° do Código de Processo Civil, continua a constituir um favorecimento
injustificado gerador de inconstitucionalidade.
É o que defende o Conselheiro PAULO MOTA PINTO, em declaração de voto aposto ao
dito acórdão, dizendo: «a meu ver, as normas do artigo 145°, n°s 5 e 6, do
Código de Processo Civil, interpretadas no sentido de permitir a prática de
actos processuais pelo Ministério Público “dentro dos três primeiros dias úteis
subsequentes ao termo do prazo” sem que a sua validade fique dependente do
pagamento da multa prevista em tais normas, são inconstitucionais, por violação
do princípio da igualdade e do direito a um processo equitativo (artigos 13°,
n.° 1 e 20°, n.° 4 da Constituição)». E justifica: «Não basta, assim, dizer que
“o desempenho processual do Ministério Público é expressão de uma função de
representante da legalidade ou do cumprimento de estritos deveres funcionais,
que integram o essencial do seu estatuto”, para concluir que se justificaria “um
certo tratamento diferenciado”(“nomeadamente no que se refere à possibilidade de
vir a dispor, independentemente de multa, de um alargamento do prazo
processual”). Há que ver em que sentido aponta a diferença de posições. Ora, é
evidente que o Ministério Público, justamente porque na posição processual de
defensor da legalidade, está obrigado (se não a dar o exemplo de cumprimento
estrito dos prazos legais, sem prática do acto em dias subsequentes ao seu
termo, pelo menos) a observar, quanto ao sentido do prazo que deve cumprir
(mesmo que de duração justificadamente maior), um regime igualmente estrito ao
das partes processuais, e não um regime genericamente mais favorável».
Por sua vez, o acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA acima citado, acolhendo
aquela interpretação do Tribunal Constitucional e questionando qual a
«adaptação» que, em razão de o Ministério Público não dever pagar a multa, será
necessário impor ao preceito do n° 5 do art. 145° do Código de Processo Civil,
para que «a justificação da isenção da multa não implique um privilégio do
Ministério Público relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais»,
conclui que «o Ministério Público, não pagando a multa, emite uma declaração no
sentido de pretender praticar o actos nos três dias posteriores ao termo do
prazo». Acrescentando que se trata de uma exigência que “equivalerá, num plano
simbólico, ao pagamento da multa e será um modo suficiente e adequado de
controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais
pelo Ministério Público. O que tem que ver com o princípio da igualdade
processual dos respectivos sujeitos, no âmbito do processo penal”.
É também neste sentido que tem decidido esta Relação, de que são exemplo os
recentes acórdãos desta Secção de 25-01-2006 e de 14-06-2006, ambos publicados
em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, procs. n° 0416298 e 0517031, respectivamente, e ainda
os acórdãos (não publicados), também desta Secção, de 22-03-2006 (proc. n°
1481/04), 07-06-2006 (proc. n° 5870/05), 12-07-2006 (proc. n° 425/06), e
18-10-2006 (procs. n° 2895/06 e n° 4069/06).
Ora, neste caso, não foi alegado justo impedimento para aquele atraso. Pelo que,
querendo praticar o acto nos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo, nos
termos das disposições conjugadas dos arts. 107º, nº 5, do Código de Processo
Penal e 145°, n° 5, do Código de Processo Civil, deveria o Ex.mo magistrado do
Ministério Público recorrente fazer chegar ao processo, dentro do prazo normal
para a interposição do recurso, previsto no n° 1 do art. 411° do Código de
Processo Penal, a declaração de que pretendia apresentar o recurso num dos 3
dias úteis após o termo do prazo. Declaração que não fez.
A declaração feita no requerimento de interposição do recurso é tão extemporânea
quanto este. E, por isso, não pode sanar a extemporaneidade do recurso.
Consequentemente, terá que considerar-se o recurso extemporâneo, com a
consequente rejeição, nos termos das disposições combinadas dos arts. 420º, n°1,
e 414°, n° 2, do Código de Processo Penal. Deste modo ficando prejudicado o seu
conhecimento.
9. O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto questionou a legalidade da exigência ao
Ministério Público de tal declaração, dizendo que não decorre do disposto nos
n°s 5 e 6 do art. 145° do Código de Processo Civil, tal como não é exigida aos
outros sujeitos processuais, e que, com tal exigência, está-se a criar um
desequilíbrio em seu desfavor, que afectaria os princípios de identidade de
armas e da igualdade.
É verdade que, numa interpretação estritamente literal, nenhuma norma legal
existe que imponha ao Ministério Público a exigência do dever de declarar
previamente que pretende fazer uso da faculdade prevista nos n°s 5 e 6 do art.
145º do Código de Processo Civil. Como, do mesmo modo, também não decorre das
referidas disposições legais, nem de qualquer outra, que o Ministério Público
está isento do pagamento da multa aí prevista.
As normas citadas para justificar a isenção do Ministério Público do pagamento
da multa referem-se todas elas à isenção de custas. Sendo certo que custas e
multas não são a mesma coisa. Não são confundíveis nem se identificam entre si.
O que resulta expressamente do preceito do n° 2 do art. 1º do Código das Custas
Judiciais, que integra no conceito de custas apenas a taxa de justiça e os
encargos judiciais. Ficando excluídas as multas. E refere o Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 355/2001, acima citado: “Não está, pois, manifestamente em
causa o pagamento de custas (no sentido de a referida multa não integrar a noção
de custas, cf., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 723/98, de
16 de Dezembro — inédito), pelo que não tem cabimento a invocação do preceituado
no artigo 2° do Código das Custas Judiciais”.
Toda a jurisprudência tem considerado que as isenções de custas não abrangem o
pagamento das multas processuais que lhes forem aplicadas (cfr. os acs. do STJ
de 1602-1983, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. nº 070726, e de 17-03-1993, em
CJ/STJ/1993/I/167, e o ac. da RE de 13-12-1980, BMJ 305/348). O primeiro acórdão
do STJ citado (de 16-02-1983) decidiu que “uma Câmara Municipal está isenta de
pagar custas, mas não esta isenta de pagar a multa prevista no n° 5 do art. 145°
do Código de Processo Civil”.
O que quer dizer que também não são as normas que isentam o Ministério Público
do pagamento de custas que podem fundamentar a sua isenção do pagamento da multa
prevista no n° 5 do art. 145° do Código de Processo Civil. A isenção é aceite,
nos termos do acórdão do Tribunal Constitucional supra citado, pelo “desempenho
processual do Ministério Público” como “expressão de uma função de representante
da legalidade ou do cumprimento de estritos deveres funcionais, que integram o
essencial do seu estatuto”.
Só que, como reconhece o mesmo acórdão e melhor esclarece a declaração de voto
do Conselheiro Paulo Mota Pinto, quando recorre, o Ministério Público age como
parte no processo. E nessa medida, não pode beneficiar de um tratamento que
implique um favorecimento desmedido relativamente aos demais sujeitos
processuais, sob pena de violação dos princípios do processo equitativo e da
igualdade de armas.
Ora, se ao arguido e ao assistente (havendo-o), para poderem apresentar o
recurso num dos três dia úteis após o termos do prazo legal, é-lhes exigido o
pagamento de uma multa, cujo montante aumenta gradualmente consoante o recurso
seja apresentado no 2º ou 3° dia posteriores, é razoável que ao Ministério
Público, ficando isento desse pagamento, se lhe imponha o ónus de, previamente
ao termo do prazo, declarar no processo que vai praticar o acto num dos 3 dias
fora do prazo legal.
Esta declaração justifica-se ainda para não frustrar as expectativas dos demais
sujeitos processuais de que a sentença não vai transitar em julgado no termo do
prazo.
É que importa notar que os 3 dias referidos no nº 5 do art. 145° do Código de
Processo Civil não fazem parte do prazo legal para a prática do acto. Nem tão
pouco podem considerar-se um prolongamento do prazo legal (cfr. o ac. do STJ de
15-11- 2006, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. no 06S1732). Para todos os efeitos,
a prática do acto num dos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo é fora do
prazo. O que consta expressamente do nº 4 do mesmo artigo 145º do Código de
Processo Civil, dispondo que: “O acto poderá, porém, ser praticado fora do prazo
(...)“.
O que quer dizer que a dita declaração, a entender-se como uma exigência
substitutiva do pagamento da multa, como a entendem os acórdãos do Tribunal
Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça supra referidos, só tem
cabimento e utilidade se for apresentada dentro do prazo legal para a prática do
acto. E não fora desse prazo. Como refere, a propósito de um caso similar, o
acórdão da RELAÇÃO DE LISBOA de 19-10-2006, em www.dgsi.pt/jtri.nsf/, proc. Nº
6681/2006-2.
Tem sido, pois, este o entendimento que temos seguido nesta Relação, de que são
exemplo alguns dos acórdãos acima referidos, por nós relatados, como sejam os
acs. de 14-06-2006, publicado em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n° 0517031, de
22-03- 2006 (proc. n° 1481/04), 07-06-2006 (proc. nº 5870/05), 12-07-2006 (proc.
n° 425/06), e 18-10-2006 (procs. nº 2895/06 e n° 4069/06).
Defender interpretação contrária é inverter a lógica da faculdade excepcional
prevista no n° 5 do art. 145° do Código de Processo Civil.
Mantemos, pois, o entendimento de que o recurso interposto pelo Ministério
Público no 1º dia útil posterior ao termo do prazo legal, sem que tenha
declarado no processo, dentro do prazo legal, de que pretendia apresentar o
recurso no prazo excepcional de 3 dias a que alude o n° 5 do art. 145° do Código
de Processo Civil, é extemporâneo. Com a consequente rejeição do recurso, nos
termos das disposições combinadas dos arts. 420º, nº 1, e 414º, n° 2, do Código
de Processo Penal.»
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
concluiu da seguinte forma as respectivas alegações:
«1º
De acordo com a interpretação normativa fixada no Acórdão n° 355/01, o disposto
no artigo 145°, n°5 do Código do Processo Civil deve ser aplicado no sentido de
exigir que o Ministério Público, não pagando a multa aí prevista, emita uma
declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias úteis
posteriores ao termo do prazo peremptório em causa.
2°
Tal declaração do Ministério Público não carece, porém, de ser antecipadamente
formulada, ainda no decurso do prazo peremptório, podendo ser incluída no
requerimento ou peça processual apresentada ao abrigo do referido regime.
3°
Na verdade, a exigência de que a declaração ou intenção Ministério Público fosse
antecipada — implicando uma estratégia processual que, deliberada e
sistematicamente o envolvesse o recurso a tal mecanismo processual — não se
adequa à respectiva funcionalidade típica, que visa essencialmente tutelar a
parte contra qualquer demora imprevista, de natureza ocasional ou acidental — e,
portanto, imprevisível em momento anterior à prática do acto em juízo.
4º
Deverá interpretar-se o Acórdão n° 355/01 em conformidade com as exigências do
acesso ao direito, no sentido de que a declaração, emitida pelo Ministério
Público com vista à prática do acto num dos três dias úteis seguintes ao termo
do respectivo prazo peremptório, poderá sê-lo no próprio requerimento que o
corporiza, não carecendo de ser antecipadamente formulada.
5º
Termos em que deverá proceder o presente recurso, fixando-se a referida
interpretação do nº 5 do artigo 145° do Código do Processo Civil.»
A recorrida não apresentou contra-alegações.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
4. Importa começar por definir, de forma rigorosa e precisa, o objecto do
presente recurso.
Em apreciação está o disposto no artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo
Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 107.º, n.º 5, do
respectivo código.
Aquele preceito reza assim:
«Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos
três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade
dependente do pagamento, até ao termo do 1.º dia útil posterior ao da prática do
acto, de uma multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça inicial por
cada dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 UC».
Decorre desta norma, aplicada ao requerimento de recurso, que ele pode ser
apresentado nos três dias imediatos ao termo do prazo legal, sem necessidade da
prova de justo impedimento. Sobre o interessado apenas recai, neste caso, o ónus
de pagar uma multa, nos termos e montante estabelecidos no preceito.
Tem-se entendido que quando é o Ministério Público, na qualidade de recorrente,
a pretender prevalecer-se desta faculdade, está isento do pagamento de tal
multa, pelo facto de se encontrar isento do pagamento de custas judiciais.
Esta diferença de tratamento está na origem das apreciações de validade
constitucional a que aquele enunciado normativo já foi sujeito, em anteriores
arestos, do ponto de vista do princípio da igualdade de armas processuais e da
garantia do processo equitativo.
No Acórdão n.º 59/91 (DR, II Série, 1.7.1991, 6893 s.), a questão colocou-se nos
seguintes termos:
«(…) o Ministério Público, para poder utilizar o benefício concedido pelos n.ºs
5 e 6 do artigo 145.º do Código de Processo Civil (prática de um acto cujo prazo
peremptório tinha decorrido num dos três primeiros dias úteis subsequentes), não
tendo de pagar a multa que impenderia sobre qualquer outra parte processual por
dela estar isento, tem de produzir uma qualquer manifestação de vontade que
conduza a tal finalidade, sob pena de, não o fazendo, perder o direito à prática
do acto?».
A esta questão o Tribunal respondeu negativamente, mas com dois votos de
vencido, apoiados em fundamento expresso na declaração do primitivo Relator. Aí
se considerou que a possibilidade de o Ministério Público beneficiar do
prolongamento do prazo, “independentemente do facto de ser obrigado a praticar
qualquer diligência”, acarretaria uma disparidade de tratamento, com “as
inevitáveis consequências jurídico-constitucionais”, pelo que se perfilhou o
seguinte entendimento:
«(…) o benefício da prática do acto nos três dias úteis seguintes pressupõe, por
parte do Ministério Público, uma declaração de vontade em tal sentido, que de
algum modo traduza uma aproximação ao regime das partes sujeitas ao pagamento da
multa».
A solução defendida nesta declaração de voto fez vencimento no Acórdão n.º
355/2001 (DR, II Série, 13.10. 2001, 17090 s.), constando da respectiva decisão:
«Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar
inconstitucional a dimensão normativa que resulta do artigo 145.º, n.ºs 5 e 6,
do Código de Processo Civil, segundo a qual o Ministério Público está isento da
multa aí prevista, devendo contudo, e nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da Lei
do Tribunal Constitucional, o tribunal exigir que o Ministério Público, não
pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o acto
nos três dias posteriores ao termo do prazo».
Também este Acórdão teve dois votos de vencido, de sentido oposto: enquanto um
se pronunciou pela manutenção do decidido no Acórdão n.º 59/91, o outro não
considerou bastante, para aproximar posições processuais, a alternativa
“simbólica” ao pagamento de multa, defendendo a sujeição do Ministério Público
ao efeito cominatório previsto no n.º 5 do artigo 145.º do CPP.
O presente recurso não tem por objecto nenhuma destas dimensões normativas do
artigo 145.º, n.º 5, cuja conformidade constitucional foi julgada nos arestos
acima referidos. Não está em apreciação saber se a dispensa de pagamento de
multa representa um privilégio inequitativo do Ministério Público, nem se a
apresentação do recurso, nos três dias posteriores ao termo do prazo, faz
impender sobre este sujeito processual o ónus de emitir uma declaração no
sentido de pretender praticar o acto dentro desse prazo adicional, sob pena de
extemporaneidade.
A questão de constitucionalidade que aqui se suscita é outra. O que está em
causa é a dimensão normativa correspondente à interpretação do preceito no
sentido da exigência de uma tal declaração antes do termo normal do prazo para a
prática do acto. Ou seja, o que se questiona já não é o se da declaração, mas o
quando, o momento processual em que ela deve ser apresentada.
Na decisão recorrida, entendeu-se que integra o conteúdo normativo do preceito a
exigência de que a declaração do Ministério Público manifestando a intenção de
interpor recurso nos três primeiros dias subsequentes ao termo do prazo legal
seja emitida no decurso deste prazo. Nesse entendimento, é pressuposto da
utilização, pelo Ministério Público, do prazo adicional concedido pelo n.º 5 do
artigo 145.º do CPC, a declaração prévia, dentro do prazo normal, de que o virá
a fazer, sob pena de ficar definitivamente precludida a prática do acto.
Para o Ministério Público, pelo contrário, a declaração não tem que ser
antecipadamente formulada, podendo sê-lo no próprio requerimento do recurso,
apresentado nos três dias subsequentes ao termo do prazo. De outro modo, a
exigir-se uma declaração anterior ao esgotamento desse prazo, estar-se-ia a
criar uma situação de desigualdade, constitucionalmente censurável, entre o
Ministério Público e os outros intervenientes no processo.
É esta, e apenas esta, a questão de constitucionalidade objecto do presente
recurso.
5. Não é também inoportuno relembrar que está fora da competência deste Tribunal
ajuizar se a interpretação perfilhada pela decisão recorrida aplicou ou não
adequadamente os cânones hermenêuticos consagrados. Não é a conformidade da
interpretação ao enunciado normativo interpretado que cumpre apreciar, mas antes
a sua conformidade aos parâmetros constitucionais. Como se esclarece no Acórdão
n.º 120/02:
«Nem, sequer, pode este Tribunal sancionar determinada interpretação normativa,
aplicada na decisão recorrida, apenas porque ela se lhe afigura errada – ou,
mesmo anómala, insólita ou imprevisível – se em tal dimensão normativa não
reconhecer uma violação dos preceitos constitucionais».
Significa isto que o resultado interpretativo é, para este Tribunal, um dado
definitivamente inquestionável, sob qualquer ponto de vista que não seja o da
sua compatibilidade com a Constituição da República. Ainda que o sentido e
alcance atribuídos à norma aplicada muito dificilmente possam ser vistos como
inferíveis do teor do preceito, como tendo na letra da lei “um mínimo de
correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, como exige o artigo
9.º, n.º 2, do Código Civil – o que não custa admitir seja o caso dos autos –
sempre a decisão do recurso de constitucionalidade deve ser tomada abstraindo do
mérito intrínseco da interpretação normativa, em si mesma considerada, sobre que
recai. Cumpre apenas confrontar a dimensão que essa interpretação dá à norma
aplicada com as exigências e os limites constitucionais. Tarefa em que, nem
directa nem indirectamente, deve interferir um eventual juízo negativo quanto ao
acerto de tal interpretação, no plano infraconstitucional.
6. Estando em causa aferir da constitucionalidade de uma exigência que uma dada
interpretação normativa coloca ao Ministério Público, explicitamente guiada pelo
propósito de evitar um alegado favorecimento relativamente à posição do arguido,
antolha-se apropriado expender curtas considerações quanto ao estatuto
processual daquele órgão.
Na decisão recorrida, sustenta-se (a fls. 235, verso) que “(…) quando recorre, o
Ministério Público age como parte no processo (…)”.
Com o devido respeito, esta afirmação contraria abertamente os dados que se
extraem da estrutura do nosso processo penal. Ainda que obedecendo a uma
dialéctica acusação-defesa, o processo penal português não é um processo de
partes, como o é, indiscutivelmente, o processo penal anglo-americano.
Ouçamos o que, a este propósito, diz FIGUEIREDO DIAS (“Sobre os sujeitos
processuais no novo Código de Processo Penal”, Jornadas de direito processual
penal. O novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1988, 3 s. (31)):
«Posta assim a questão, não creio que a resposta suscite quaisquer dúvidas: o
processo penal contido no Código português de 1987 não é, seguramente, sob
qualquer perspectiva, um processo de partes: O ministério público, como ficou
dito, não é interessado na condenação mas unicamente na obtenção de uma decisão
justa: nesta medida, ele compartilha com o juiz um dever de intervenção
estritamente objectiva (…). Do início até ao fim do processo a vocação do
ministério público não é a de “parte”, mas a de entidade unicamente interessada
na descoberta da verdade e na realização do direito.»
Participante processual de intervenção relevantíssima na tramitação concreta do
processo, o Ministério Público não assume, porém, o papel de parte. É antes um
sujeito do processo, que nele actua, no dizer do mesmo Autor, “como um órgão de
administração da justiça com a particular função de, nas palavras do art.
53.º-1, ‘colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do
direito’” (ob. cit., 25).
Enquanto titular do exercício da acção penal e defensor da legalidade
democrática, o Ministério Público deve pautar-se por critérios de estrita
legalidade e objectividade (artigo 219.º, n.º 1, da CRP, e artigo 53.º, n.º 1,
do CPP). Desempenha um ofício público, para o qual é dotado de poderes
funcionais, pelo que a sua posição diferencia-se notoriamente da dos titulares
de direitos subjectivos, em tutela de interesses próprios.
Que assim é, prova-o eloquentemente, em matéria de recursos, o disposto na
alínea d) do n.º 2 do artigo 53.º do CPP. Aí se lhe atribui competência para
“interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa” (itálico nosso).
E tem o poder-dever de o fazer, em protecção desse interesse, sempre que o
objectivo de uma boa administração da justiça – o único que lhe cumpre perseguir
– assim o aconselhar.
7. Tendo em conta o que se disse no número anterior, cremos que, na apreciação
da posição processual do Ministério Público, enquanto recorrente, não pode ser
directamente chamado à colação o exercício, por parte deste órgão, do direito do
acesso ao direito (artigo 20.º da CRP).
Este direito fundamental ajusta-se à tutela de posições subjectivadas, radicadas
na esfera dos titulares de interesses particulares que, no quadro do ordenamento
jurídico, reclamam do Estado reconhecimento e efectivação, ou medidas de
reparação. Por sua natureza, o direito de acesso ao direito e à tutela
jurisdicional efectiva dirige-se contra o Estado e contra os seus órgãos de
administração da justiça.
Estando dentro do aparelho estadual que desempenha essa função, o Ministério
Público não pode ser visto como titular activo de um direito exercitável, nesta
dimensão, contra os órgãos do poder judicial com os quais colabora.
Como se sustenta no Acórdão n.º 530/01:
«Pode, desde logo, questionar-se se o direito de acesso à justiça e aos
tribunais, como direito fundamental dirigido contra o Estado, não deverá ser
considerado um direito que apenas sujeitos privados, e não o próprio Estado –
designadamente, entidades nas quais se encabeça o ius puniendi estatal (como é o
caso do Ministério Público) –, podem invocar.
Seja, porém, como for quanto a esta questão em geral, deve entender-se que o
exercício da acção penal pelo Estado (através do Ministério Público) não é
protegido pelo direito fundamental de acesso aos tribunais, previsto no artigo
20.º da Constituição.»
8. Mas, dizer isto não significa, de modo algum, apartar a apreciação da
conformidade constitucional da interpretação normativa aplicada pela decisão
recorrida dos padrões valorativos que inspiram o artigo 20.º da CRP.
Na sua dimensão objectiva, este “é uma norma-princípio estruturante do Estado
de Direito democrático” (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da
República Portuguesa anotada, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 409). Instrumento de
defesa dos direitos subjectivamente encabeçados, aquele preceito dá expressão,
no seu âmbito normativo próprio, a uma exigência geral de realização e
preservação da legalidade democrática.
Ora, o exercício da acção penal pelo Ministério Público é também norteado, como
vimos, por este verdadeiro pilar da ordem constitucional. “Independentemente da
sua subjectivação numa posição jurídica individual”, o acesso à justiça,
corporizado, em matéria de recursos, na efectiva disponibilidade, em termos
equitativos, de meios processuais indispensáveis ao adequado controlo da
conformidade ao direito das decisões tomadas em juízo, é um valor tutelável em
si mesmo (cfr. o voto de vencida da Conselheira Maria Fernanda Palma, aposto no
Acórdão n.º 530/01). Por detrás do direito fundamental de acesso à justiça está
o mesmo princípio geral de realização do direito actuado pelos órgãos estaduais
com competência nesta matéria.
É em função da plena observância desse princípio e do valor que ele encerra que
o Ministério Público tem o poder-dever de interpor recurso, quando entenda que
uma decisão judicial não assegura a sua realização. Como se proclama no predito
voto de vencida:
«O recurso é essencial ao controlo das decisões judiciais num estado
de direito e quaisquer restrições injustificadas afectam essa importantíssima
função de controlo da correcta fundamentação das sentenças bem como a inerente
preservação da legalidade democrática.»
Destarte, a questão fulcral a apreciar e resolver no presente recurso é a de
saber se a limitação à faculdade de o Ministério Público interpor recurso fora
do prazo, decorrente da interpretação normativa que fez vencimento na decisão
recorrida, é ou não compatível com os parâmetros constitucionais relevantes. Não
o será se inibir aquele órgão, de forma injustificada, do cumprimento cabal do
papel institucional que constitucionalmente lhe está atribuído, de instrumento
da realização do direito.
9. Para a formulação de um tal juízo, é decisivo atender à razão de ser da
concessão, pelo n.º 5 do artigo 145.º do CPC, de um prazo adicional para
interpor recurso, bem como ao impacto que a interpretação em causa tem no
efectivo exercício dessa faculdade.
É pacífico o entendimento de que essa medida visa evitar o efeito
definitivamente preclusivo da não observância de um prazo, com o possível
sacrifício irremediável de uma posição juridicamente tutelável. É para obviar a
essa consequência desproporcionadamente gravosa de uma falha muitas vezes
compreensível, ainda que não integrável no conceito de “justo impedimento”, que
a lei concede um prazo suplementar, de curta duração, para a prática do acto.
A interpretação normativa em apreço força o Ministério Público a prever
antecipadamente, dentro do prazo peremptório normal, a inobservância desse
prazo. Ele tem como que “programar” a utilização da faculdade concedida pelo n.º
5 do artigo 145.º do CPC, antecipando, no decurso daquele prazo, a futura
necessidade ou conveniência de a exercitar.
Ora, uma tal imposição deixa a descoberto muitas das situações em que se deixou
extinguir o prazo legal, mas sem intenção ou consciência disso, ou como
resultado de circunstâncias imprevistas, e não por força de uma estratégia
deliberada de alargamento do prazo disponível.
Como se lembra, oportunamente, nas alegações do Representante do Ministério
Público neste Tribunal:
«(…) tal utilização decorrerá, na maioria dos casos, da ocorrência de situações
acidentais, ligadas, por exemplo, a uma falha burocrática-administrativa (que
frustrou a entrega ou remessa atempada a juízo de peça processual que a parte
pretendia fazer entrar em juízo dentro do respectivo prazo legal) ou a um erro
na contagem do prazo peremptório, susceptível de levar a parte a praticar em
juízo certo acto, supondo que o faria dentro do prazo peremptório respectivo, o
qual, todavia, já se encontraria esgotado.»
Em qualquer destas situações não previstas, o esgotamento do prazo legal fará
com que o Ministério Público perca a possibilidade de recorrer. A menos que,
para se precaver contra essa eventualidade, e na dúvida quanto à observância do
prazo legal, ele passe a adoptar a prática, como medida cautelar, de
apresentação sistemática e quase mecanicamente ritualista da declaração de
utilização do prazo adicional. Mas, a ser assim, corre-se o risco de a solução
vir a provocar, paradoxalmente, uma utilização incontida deste mecanismo. E eis
como um ónus que, no Acórdão n.º 355/2001, aparece caracterizado como “um modo
suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres
relativos a prazos processuais pelo Ministério Público”, poderá produzir, a
validar-se esta interpretação normativa, o efeito perverso de contribuir para o
incumprimento desses prazos.
Ao mesmo tempo que retira campo operativo ao disposto no n.º 5 do artigo 145.º
do CPC, quando o sujeito interessado em recorrer é o Ministério Público, contra
a ratio legis do preceito, esta interpretação não se mostra adequada à
prossecução de qualquer fim processual materialmente relevante.
Na sentença recorrida, vem expresso que ela se justifica “para não frustrar as
expectativas dos demais sujeitos processuais de que a sentença não vai transitar
em julgado no termo do prazo”.
Mas a justificação não procede.
Contra ela se pode arguir, em primeiro lugar, que cai num círculo vicioso, pois,
não sendo tuteláveis expectativas que contrariem os dados normativos, qualquer
representação subjectiva quanto à força da sentença, formada antes de esgotado o
prazo a que se refere o n.º 5 do artigo 145.º, apoia-se necessariamente numa
dada interpretação desta norma – interpretação que, justamente, é objecto do
presente recurso. Ou seja, dá como assente e assume como ponto de partida a
dimensão normativa que o recorrente aqui impugna.
Por outro lado, esta solução nem sequer cumpre aquele alegado objectivo.
Efectivamente, a emissão da declaração, a título preventivo, não impõe ao
Ministério Público uma determinada forma de conduta futura – a menos que se
transforme o exercício de uma faculdade no cumprimento de um dever, o que está
fora de causa. Apresentada a declaração, permanecem em aberto quaisquer das
alternativas possíveis: não interposição de recurso, interposição em prazo, ou
interposição dentro dos três dias adicionais.
Esta interpretação só proporciona uma certeza ao arguido na hipótese inversa, a
de não apresentação da declaração antes de findo o prazo legal. Nessa
circunstância, será para ele seguro que a sentença transitou em julgado, pois,
nesta interpretação, está precludido o exercício do direito ao recurso, por
parte do Ministério Público.
Mas, quanto a esta consequência vantajosa, não se vê porque é que os demais
sujeitos processuais hão-de beneficiar de uma tutela de expectativas de que o
Ministério Público não goza. Na verdade, como esses sujeitos não têm que cumprir
qualquer ónus, em prazo, extinto este, o Ministério Público permanece na
incerteza quanto à interposição ou não de recurso. Essa incerteza só se desfaz
com o decurso do prazo previsto no artigo 145.º, n.º 5, do CPC.
Disfuncional e inadequada, a imposição, ao Ministério Público, do ónus de
“avisar”, em prazo, da interposição de recurso nos três dias úteis subsequentes
ao termo desse prazo é ainda geradora de um injustificado desequilíbrio de
posições processuais. Apresentada como “uma alternativa possível a um pagamento
de multas” (Acórdão n.º 355/2001) – e sem que se problematize aqui, por estar
fora do objecto do presente recurso, a justificação dessa “alternativa” –,
legitimada como um equivalente, “no plano simbólico”, desse pagamento, natural
será que o cumprimento desse ónus acompanhe temporalmente a interposição do
recurso fora do prazo – o acto que, para os restantes sujeitos processuais,
obriga ao pagamento de multa.
A não ser assim, uma interpretação normativa concebida e justificada como meio
de evitar “um favorecimento desmedido relativamente aos demais sujeitos
processuais”, de que beneficiaria o Ministério Público, pelo facto de não estar
sujeito ao pagamento de multa, passará a gerar a situação inversa, de tratamento
desfavorável daquele órgão.
Na verdade, a faculdade concedida no artigo 145.º, n.º 5, do CPC, tem como
previsão a omissão da prática do acto no prazo legal. Nessa eventualidade, o
sujeito processual interessado pode ainda praticá-lo, ficando a sua validade
dependente do pagamento de multa, “até ao termo do primeiro dia útil posterior
ao da sua prática”. Este pagamento pode, aliás, ser dispensado, nos termos do
n.º 7 da referida norma.
Não sendo esse sujeito o Ministério Público, em qualquer circunstância, mesmo
que não haja lugar ao pagamento de multa, a validade do acto não fica dependente
de qualquer conduta processual anterior à sua prática. Extinto o prazo, o
sujeito pode sempre aproveitar do benefício, de acordo com uma ponderação
actualizada do seu interesse. Só posteriormente à prática do acto tem que
desenvolver uma outra actividade: o pagamento da multa, para o qual é, aliás,
notificado, se não o fizer atempadamente (n.º 6).
Se esse sujeito for o Ministério Público, na interpretação normativa defendida
na decisão recorrida, altera-se o pressuposto aplicativo do artigo 145.º, n.º 5:
já não é uma conduta puramente omissiva, mas a apresentação de uma declaração
comunicando a intenção de utilizar o prazo suplementar. Nessa medida, e
contrariamente aos restantes sujeitos processuais, o Ministério Público fica
vinculado rigidamente a prazo – não para a prática do acto, mas para
manifestação da vontade de o vir a realizar.
Pode dizer-se, assim, que, mais do que uma alternativa ao pagamento de multa, a
declaração se configura, nesta interpretação, como uma alternativa à
tempestividade da prática do acto. Por isso é que, sendo, prima facie, uma
exigência de carácter procedimental, de escasso significado, a antecipação
temporal do cumprimento desse ónus acaba por subverter, não só a funcionalidade
do artigo 145,º, n.º 5, como, em detrimento do Ministério Público, o equilíbrio
de posições contratuais.
A vinculação a uma conduta activa substitutiva da prática do acto em prazo, como
condição do seu ulterior exercício no prazo constante do n.º 5 do artigo 145.º,
dá a esta norma uma dimensão consagradora de um critério restritivo, de
aplicação unilateral ao Ministério Público, inibitório do desempenho pleno das
funções que lhe estão constitucionalmente atribuídas.
No que diz respeito à interposição de recursos naquele prazo adicional, a
restrição da sua admissão ao preenchimento daquele requisito prévio pode levar à
irrecorribilidade, por este sujeito, de decisões, num momento e em
circunstâncias em que qualquer outro interveniente tinha ainda ao seu alcance a
prática desse acto. Esse injustificado tratamento de desfavor do Ministério
Público acarreta que possam ficar por controlar, como a defesa da legalidade
impunha, a conformidade dessas decisões aos parâmetros normativos aplicáveis.
Com este passo interpretativo, as funções constitucionalmente outorgadas ao
Ministério Público são comprimidas para além do admissível, ultrapassando-se,
assim, o limiar da compatibilidade com a Constituição.
III − Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por ofensa aos artigos
2.º, 20.º, n.º 4, e 219.º, n.º 1, da Constituição da República, a norma do n.º 5
do artigo 145.º do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de exigir
ao Ministério Público que emita uma declaração manifestando a intenção de
interpor recurso nos três primeiros dias subsequentes ao termo do prazo legal,
antes de esgotado este mesmo prazo.
b) Conceder provimento ao recurso, ordenando-se a
reforma do acórdão recorrido em conformidade com o presente juízo de
inconstitucionalidade.
Lisboa, 30 de Outubro 2007
Joaquim Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos