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Processo n.º 1045‑A/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A recorrente A., notificada do Acórdão
n.º 332/2007, de 29 de Maio de 2007 – que decidiu não conhecer (cf. n.º 2.2.)
das questões de inconstitucionalidade reportadas às normas dos artigos 28.º do
Código das Custas Judiciais (CCJ) e 146.º e 668.º do Código de Processo Civil
(CPC), e não julgou materialmente inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo
690.º‑B do CPC, aditado pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, nem
organicamente inconstitucional este decreto‑lei, na parte em que procedeu ao
aditamento daquele preceito, e, consequentemente, negou provimento ao recurso
por ela interposto contra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 27
de Junho de 2006 –, apresentou, em 12 de Junho de 2007 (fls. 51), requerimento
em que se limitava a afirmar vir interpor recurso para o Plenário do Tribunal
Constitucional, recurso que, por despacho do relator, de 15 de Junho de 2007
(fls. 52), foi considerado patentemente inadmissível, por, só cabendo recurso
para o Plenário do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 79.º‑D, n.º 1,
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada,
por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), se o Tribunal
“vier a julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido
divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma, por qualquer das
suas secções”, não existir – nem a recorrente a indicar – qualquer anterior
decisão do Tribunal Constitucional que tenha julgado inconstitucional a norma
do n.º 2 do artigo 690.º‑B do CPC, aditado pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27
de Dezembro, nem este decreto‑lei, na parte em que procedeu ao aditamento
daquele preceito.
2. Após a prolação desse despacho, mas ainda
no dia 15 de Junho de 2007, foi junto aos autos novo requerimento da recorrente
(fls. 53‑56), do seguinte teor:
“A., recorrente nos autos à margem indicados, complementando o requerimento de
interposição de recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, já
endereçado aos autos, por ainda estar em prazo para o fazer, vem expor e
requerer o seguinte:
1. O douto Acórdão do Tribunal Constitucional omite pronúncia sobre algumas
questões suscitadas pela ora recorrente no seu recurso.
2. Efectivamente, o recurso da A. não se cinge à inconstitucionalidade material
do artigo 690.º‑B do CPC e à inconstitucionalidade orgânica do Decreto‑Lei n.º
324/2003.
3. Este não é, como erradamente se refere no Acórdão, o objecto do presente
recurso.
4. A recorrente, nas suas conclusões, constantes das páginas 52, 53 e 54 das
alegações de recurso e transcritas no Acórdão a páginas 42, 43 e 44, suscitou
as seguintes inconstitucionalidades, que se transcrevem para melhor
compreensão:
«I. Deve ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 28.º do CCJ
(aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro) quando conjugado com
o n.º 2 do artigo 690.º‑B do CPC (de igual modo aditado ao Código de Processo
Civil pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro), por violação dos
artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da CRP (e também o
artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE), se interpretado, como o foi, no
sentido de esta norma, quando conjugada com o n.º 2 do artigo 690.º‑B do CPC,
ser literalmente aplicável aos recursos jurisdicionais em processos pendentes,
ou seja, instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004, em detrimento do artigo
28.º do CCJ, na sua anterior versão, conjugada com o artigo 14.º, n.º 2, do
Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro.
II. Deve ser declarada a inconstitucionalidade material do n.º 2 do artigo
690.º‑B do CPC, por violação dos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e
268.º, n.º 4, da CRP (e também o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE),
se interpretado, como o foi, por permitir que o incumprimento, de natureza
patrimonial, de crédito de natureza puramente material do Estado possa destruir
o direito de acesso aos tribunais e a um processo justo e equitativo, para
além de consagrar um regime sancionatório mais gravoso que o preconizado para a
contestação, expresso no artigo 486.º‑A do CPC, onde se consagra a sucessiva
notificação à parte, em obediência ao espírito consagrado no Decreto‑Lei n.º
329‑A/95, de 12 de Dezembro.
III. Ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 146.º do CPC, por
violação dos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da
CRP (e também o artigo 6.° da CEDH e o artigo 47.° da CDFUE), se interpretado,
como o foi, no sentido de caber ao juiz avaliar e decidir sobre a
inteligibilidade de uma notificação, quando a parte justificadamente invocou a
sua ininteligibilidade.
IV. Ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 146.º do CPC, por
violação dos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da
CRP (e também o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE), se interpretado,
como o foi, no sentido de que a errónea notificação da Secretaria do Tribunal
Judicial de 1.ª Instância não configura justo impedimento.
V. Ser declarada a inconstitucionalidade orgânica do Decreto‑Lei n.º 324/2003,
de 27 de Dezembro, porque foi aprovado pelo Governo no âmbito de competência
legislativa própria, sob a invocação do artigo 198.º, n.º 1 alínea a), da CRP,
quando a matéria em causa é da competência reservada da Assembleia da
Republica.»
5. Como se verifica, o Acórdão agora sob análise limitou a sua apreciação à
matéria dos items II e V.
6. Tal omissão é vício gerador de nulidade do Acórdão, nos termos do artigo
668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, vício que se invoca para os devidos efeitos.
7. Por outro lado, o Acórdão agora em análise acha‑se em manifesta oposição a
jurisprudência firmada por este mesmo Tribunal no Acórdão n.º 444/91 (in BMJ,
n.º 411, p. 155), relativamente à questão da inteligibilidade dos despachos e
sentenças.
8. Por sua vez, o Acórdão n.º 227/2007, publicado no DR, 2.ª Série n.º 98, de 22
de Maio de 2007, ao declarar inconstitucional os artigos 13.º, n.º 1, 15.º, n.º
1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, o que se
alcançou com base no principio da proporcionalidade decorrente dos artigos 2.º e
18.º, n.º 2, da CRP (aliás jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional,
como se extrai dos Acórdãos n.ºs 352/91, 521/99, 1182/96 e 349/2002), normas e
princípios invocados nos pontos I, II, III, IV das conclusões de recurso,
acha‑se igualmente em oposição com os princípios informadores do Acórdão ora
recorrido.
Termos em que, para além da declaração de nulidade do Acórdão agora impugnado,
se reitera a admissibilidade do presente recurso para o Plenário do Tribunal
Constitucional, nos termos do artigo 79.º‑D, n.º 1, da LTC.”
3. Pelo Acórdão n.º 366/2007 (fls. 60‑68),
constatando‑se que, “com a apresentação dos referidos requerimentos, em que
ostensivamente se ignora a fundamentação do anterior Acórdão do Tribunal
Constitucional proferido nestes autos, e se formulam pretensões flagrantemente
destituídas de fundamentação, é patente que a recorrente pretende tão‑só obstar
à baixa do processo, o que justifica o uso da faculdade prevista nos artigos
84.º, n.º 8, da LTC e 720.º do CPC (imediata remessa do processo ao tribunal
recorrido, precedida de extracção de traslado, onde serão processados os
incidentes suscitados pela recorrente, mas apenas após pagamento das custas em
dívida da sua responsabilidade)”, o Tribunal Constitucional determinou que,
após extracção de traslado integrado por cópia das peças processuais tidas por
relevantes e contado o processo, os autos fossem de imediato remetidos ao
tribunal recorrido, e que só fosse aberta conclusão no traslado para apreciação
do requerimento apresentado pela recorrente em 15 de Junho de 2007 e de
outros que a mesma viesse a apresentar, depois de pagas as custas da sua
responsabilidade.
Em 19 de Julho de 2007, a recorrente
procedeu ao pagamento das custas de sua responsabilidade.
4. Por despacho do relator, de 23 de Julho
de 2007, tendo por objecto o requerimento de 15 de Junho de 2007 (fls. 53‑56),
na parte em que se insistia na interposição de recurso para o Plenário do
Tribunal Constitucional, foi reiterado o juízo de manifesta inadmissibilidade
de tal recurso, por inexistência de oposição relevante, atenta a patente falta
de identidade das normas em causa, entre o juízo de não inconstitucionalidade
material da norma do n.º 2 do artigo 690.º‑B do CPC, aditado pelo Decreto‑Lei
n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, e de não inconstitucionalidade orgânica
deste decreto‑lei, na parte em que procedeu ao aditamento daquele preceito,
constante do Acórdão n.º 332/2007, por um lado, e, por outro lado, os juízos de
não inconstitucionalidade de determinada interpretação do artigo 259.º do CPC e
de não inconstitucionalidade da norma extraída da conjugação dos artigos 13.º,
n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, do CCJ, constantes
dos Acórdãos n.ºs 444/91 e 227/2007, respectivamente, e, muito menos, entre os
juízos de inconstitucionalidade constantes destes dois Acórdãos e a decisão,
tomada no Acórdão n.º 332/2007, de não conhecimento das questões de
inconstitucionalidade reportadas às normas dos artigos 28.º do CCJ e 146.º e
668.º do CPC.
5. Cumpre agora apreciar, em conferência, a
arguição de nulidade do Acórdão n.º 332/2007, por omissão de pronúncia.
A nulidade das decisões judiciais por
omissão de pronúncia, prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do
artigo 668.º do CPC [“1. É nula a sentença: (…) d) Quando o juiz deixe de
pronunciar‑se sobre questões que devesse apreciar (…)”], e extensiva aos
acórdãos dos tribunais superiores por força dos artigos 716.º, n.º 1, e 732.º,
constitui sanção ao desrespeito pelo tribunal do dever, imposto pelo n.º 2 do
artigo 660.º, todos do mesmo Código, de “resolver todas as questões que as
partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão
esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Desta última ressalva resulta
que não padece de omissão de pronúncia a sentença ou acórdão que não conhece de
determinadas questões como consequência de prévia decisão no sentido da
existência de obstáculo legal impeditivo desse conhecimento. Esta decisão
prévia poderá padecer de erro de julgamento, mas o não conhecimento de questões
expressamente afastadas do âmbito de cognição do tribunal nunca envolve omissão
de pronúncia, por se tratar de questões “cuja decisão [foi] prejudicada pela
solução dada a outras”.
É justamente o que ocorreu no Acórdão ora
arguido de nulo, em que o não conhecimento das questões de
inconstitucionalidade reportadas às normas dos artigos 28.º do CCJ e 146.º e
668.º do CPC foi a consequência necessária da decisão que entendeu que tais
questões não integravam o objecto do recurso. Consignou–se, na verdade, no
início do n.º 2 desse Acórdão:
“Quanto à admissibilidade e delimitação do objecto do recurso, há que começar
por referir que este objecto se cinge à questão da inconstitucionalidade
(material) da norma do n.º 2 do artigo 690.º‑B do CPC, aditado pelo Decreto‑Lei
n.º 324/2003, e da inconstitucionalidade (orgânica) deste decreto‑lei na parte
em que aditou aquela norma. Foi essa a delimitação do objecto do recurso
expressamente feita pela recorrente no seu requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, sendo certo que, apesar de se referir
globalmente ao Decreto‑Lei n.º 324/2003, apenas está em causa no presente
recurso, atenta a sua natureza instrumental, a parte desse diploma que aditou o
artigo 690.º‑B ao CPC. Sendo sabido que, delimitado o objecto do recurso pelo
respectivo requerimento de interposição, é lícito às partes, nas subsequentes
alegações, restringi‑lo mas nunca ampliá‑lo, é óbvio, desde logo por essa razão,
ser inadmissível a apreciação das questões de inconstitucionalidade reportadas
às normas dos artigos 28.º do CCJ e 146.º e 668.º do CPC.” (sublinhados
acrescentados)
Na verdade, a recorrente, logo à cabeça do
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional afirmou
peremptoriamente:
“1. Como se referiu, o presente recurso é interposto ao abrigo
do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro.
Com efeito,
2. Pretende a recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade
material do artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC, com a redacção dada pelo Decreto‑Lei
n.º 342/2003, de 27 de Dezembro, e a inconstitucionalidade orgânica do
Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, na interpretação que aos mesmos
foi dada pelo acórdão recorrido,”
Logo a seguir a esta expressa, clara e
inequívoca delimitação do objecto do recurso, a recorrente, após o inciso “Já
que”, alonga‑se por 52 pontos (ocupando 12 folhas), mais próprios de uma
alegação do que de um requerimento de interposição de recurso, em que também
alude à inconstitucionalidade de outras normas, no contexto da argumentação
desenvolvida para procurar demonstrar a bondade da tese da
inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 690.º‑B do CPC, aditado pelo
Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, tendo sido entendido que essas
alusões argumentativas não implicavam alargamento do objecto do recurso, pelo
que nem sequer se considerou necessário apurar se relativamente a essas
hipotéticas novas questões se verificavam os requisitos de admissibilidade do
recurso para o Tribunal Constitucional ou se as mesmas não se haviam de rotular
logo como manifestamente infundadas.
Do exposto resulta que, tendo sido entendido
que a recorrente limitara no requerimento de interposição de recurso o seu
objecto à questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 690.º‑B
do CPC, aditado pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, o não
conhecimento das questões de inconstitucionalidade reportadas às normas dos
artigos 28.º do CCJ e 146.º e 668.º do CPC é insusceptível de integrar nulidade
de decisão por omissão de pronúncia, pois a decisão do mérito destas questões
ficou prejudicada pela solução dada à questão da delimitação do objecto do
recurso.
6. Em face do exposto, acordam em indeferir
a arguição de nulidade do Acórdão n.º 332/2007.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de
justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 24 de Julho de 2007.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos