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Processo n.º 487/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., vem reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 78.º –
A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
decisão sumária proferida nos autos, na qual se decidiu não tomar conhecimento
do recurso de constitucionalidade interposto para este Tribunal.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“1 – A., com os demais sinais dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), f) e g), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver apreciada
“a constitucionalidade da interpretação dada pelo Tribunal da Relação, quanto ao
disposto no n.º 1 do artigo 422.º e n.º 4 do artigo 312.º do C.P.P.”
2 – Compulsados os autos, importa relatar, com interesse para a
decisão do caso sub judicio:
2.1 – Notificado do despacho, de 2 de Novembro de 2006, que designou
o dia 29 de Novembro de 2006 para a audiência de julgamento no Tribunal da
Relação de Coimbra, o mandatário do recorrente, informando o Tribunal que se
encontrava impedido noutras diligências previamente agendadas, requereu que a
audiência de julgamento se realizasse numa de três datas alternativas que
indicou ao Tribunal, tendo esse requerimento sido indeferido, por despacho de
fls. 505, “nos termos do art. 422.º do C.P.Penal”.
2.2 – Na sequência, o mandatário do recorrente fez juntar aos autos o
seguinte requerimento:
“(...) tendo sido notificado do despacho que indefere o seu pedido de
transferência da Diligência de Julgamento para as datas por si indicadas, por se
encontrar impedido em outras diligências judiciais previamente agendadas, o que
o Tribunal faz com base no art. 422.º do C.P.P., vem esclarecer que, salvo o
devido respeito por diferente opinião, não se tratará de um verdadeiro
adiamento, antes, uma vez que se trata de notificação para Julgamento, de
concertação de datas entre os sujeitos processuais – ex vi art. 312.º, n.º 4,
do C.P.P. – disposição aplicável mesmo em caso de patrocínio oficioso, sob pena
de inconstitucionalidade, conforme já decidido no Ac. do Tribunal Constitucional
de 12.10.2004, publicado no Diário da República.
Conforme já referido, não pode o Advogado signatário estar presente
nesse Colendo Tribunal na data designada em virtude de impossibilidade
ontológica”.
2.3 – Realizada a audiência de julgamento no dia 29 de Novembro de
2006 e notificada a decisão ao arguido, este veio, nos termos do disposto no
artigo 380.º do C.P.P., requerer a sua aclaração nos seguintes termos:
“1. O arguido/recorrente ajuizou um requerimento aos autos na
sequência de um despacho que indeferia a concertação de agendas, requerimento
que não mereceu qualquer decisão por banda do Tribunal.
2. Pese embora essa realidade processual, foi efectuada a diligência
de julgamento do recurso interposto pelo arguido, sem a presença do Advogado por
si escolhido para o patrocínio, o que fez no exercício do direito constitucional
de escolha de defensor.
3. Afigura-se-nos, assim, salvo o devido respeito por diferente
opinião, que foi cometida pelo Tribunal a nulidade a que alude a al. c) do art.
119.º do C.P.P., pelo que,
4. Todo o processado ulterior, nomeadamente a decisão que antecede se
encontra ferido de invalidade – art. 122.º do C.P.P..
5. Na verdade, em julgamento, os agendamentos têm de ser concertados
com os advogados intervenientes, quer constituídos, quer oficiosos, sob pena de
inconstitucionalidade, conforme já decidido no Ac. do Tribunal Constitucional de
12.10.2004, publicado no Diário da República, não distinguindo a Lei os
julgamentos nos Tribunais de Primeira Instância dos Julgamentos nos Tribunais
Superiores.
6. Ora, a não proceder tamanha interpretação, estando nós no domínio
dos Direitos Fundamentais, resulta inevitavelmente a inconstitucionalidade de
entendimento diverso, o que aqui expressamente se argui.
7. O recorrente requer, ainda, a V.ª Exª. se digne aclarar a
referência que o Tribunal faz a fls. 22 da decisão que antecede, a saber: “o que
de todo se mostra insubsistente e diz bem dos termos em que se vai litigando nos
nossos Tribunais...”
2.4 – Conclusos os autos ao Presidente da Secção Criminal do Tribunal da Relação
de Coimbra, foi por este lavrado o seguinte despacho:
“O n.º 1 do art. 422.º do CPP estipula que “a não comparência de
pessoas convocadas só determina o adiamento da audiência quando o tribunal o
considerar indispensável à realização da justiça”.
Ora, o requerente não invocou quaisquer razões, nem o tribunal as
descortinou, que nos permitissem considerar como indispensável a presença dos
defensores do arguido.
Consideramos pois que não foram postos em causa quaisquer direitos ou
garantias do arguido pelo que não se verifica qualquer nulidade e muito menos
inconstitucionalidade, pelo que se indefere o requerido”.
2.5 – Por requerimento entrado na secretaria em 15 de Janeiro de 2007, o arguido
interpôs recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
“A., recorrente nos autos à margem referenciados e neles devidamente
identificado, tendo sido notificado do Acórdão proferido por esse Colendo
Tribunal, bem assim do despacho que antecede, inconformado, vem do mesmo
interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
1 – O presente recurso é interposto ao abrigo das al.s b), f) e g) do nº. 1 do
Art. 70º da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro na redacção que lhe foi dada pela
Lei nº 85/89, de 07 de Setembro e pela Lei nº 13-A/1998, de 26 de Fevereiro.
2 – Pretende o recorrente ver apreciada a constitucionalidade da interpretação
dada pelo Tribunal da Relação, quanto ao disposto no nº 1 do Art. 422º e nº 4 do
Art. 312° do C.P.P.
3 – O recorrente interpôs recurso da decisão proferida pelo Tribunal de Primeira
Instância, que, lhe determinou uma pena de prisão efectiva. Insurgindo-se contra
a natureza daquela pena pugnou o arguido, ora recorrente, pela sua substituição
por outra não privativa da liberdade, nos termos e com os fundamentos expendidos
na motivação de recurso.
4 – O recurso foi recebido e o Tribunal da Relação de Coimbra designou data para
a realização de Julgamento, todavia, na data que veio a ser designada os
mandatários/defensores escolhidos pelo arguido não tinham disponibilidade de
agenda, pelo que requereram houvesse concertação de agendas, o que o tribunal
indeferiu com fundamento no Art. 422º do C.P.P. (fls. 505).
5 – Notificados de tamanho despacho, os mandatários do arguido ajuizaram um
requerimento, onde, em suma, concluíam: não estamos face a verdadeiro adiamento,
antes, uma vez que se trata de notificação para Julgamento, de concertação de
datas entre os sujeitos processuais – ex vi Art. 312º n°. 4 do C.P.P. –
disposição aplicável mesmo em caso de patrocínio oficioso, sob pena de
inconstitucionalidade, conforme já decidido no Ac. do Tribunal Constitucional de
12.10.2004, publicado no Diário da República.
6- A tamanho requerimento, sequer o Tribunal recorrido se pronunciou, pelo que,
notificado o arguido do Acórdão que antecede, requereu o mesmo a sua aclaração,
o que fez, com base nos seguintes fundamentos:
1- O arguido/recorrente ajuizou um requerimento aos autos na sequência de
um despacho que indeferia a concertação de agendas, requerimento que não mereceu
qualquer decisão por banda do Tribunal.
2- Pese embora essa realidade processual, foi efectuada a diligência de
Julgamento do recurso interposto pelo arguido, sem a presença do Advogado por si
escolhido para o patrocínio, o que fez no exercício do direito constitucional de
escolha de defensor.
3- Afigura-se-nos, assim, salvo o devido respeito por diferente opinião,
que foi cometida pelo Tribunal a Nulidade a que alude a al. c) do Art. 119° do
C.P.P., pelo que,
4- Todo o processado ulterior, nomeadamente, a decisão que antecede se
encontra ferido de invalidade – Art. 122° do C.P.P..
5- Na verdade, em Julgamento, os agendamentos têm de ser concertados com os
Advogados intervenientes, quer constituídos, quer oficiosos, sob pena de
inconstitucionalidade, conforme já decidido no Ac. do Tribunal Constitucional de
12.10.2004, publicado no Diário da República, não distinguindo a Lei os
Julgamentos nos Tribunais de Primeira Instância dos Julgamentos nos Tribunais
Superiores.
6- Ora, a não proceder tamanha interpretação, estando nós no domínio dos
Direitos Fundamentais, resulta inevitavelmente a inconstitucionalidade de
entendimento diverso, o que, aqui, expressamente, se arguí.
7 – Na sequência de tamanho requerimento, proferiu o Tribunal recorrido despacho
de indeferimento de tamanha pretensão manifestada pelo arguido/recorrente.
8 – A tese sufragada pelo Tribunal recorrido traduz uma interpretação que gera a
inconstitucionalidade do nº 4 do Art. 312° e do Art. 422° do C.P.P., por
violação dos direitos constitucionalmente consagrados, entre outros, de livre
escolha de defensor e de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
9 – A norma do nº 4 do Art. 312° do C.P.P., consubstancia uma imposição ao
Tribunal de concertação de agendas, não diferenciando a Lei, os Julgamentos em
cada uma das diferentes Instâncias, concertação que se verifica, como esse
Colendo Tribunal já o impôs, mesmo em caso de a defesa ser exercida por Defensor
oficioso.
10 – De resto, a nosso ver, não se tratava de um adiamento, mas sim, de
concertação de agendas, todavia, a tratar-se de adiamento, sempre o Tribunal
recorrido teria de atender à impossibilidade justificada de os defensores
escolhidos pelo arguido não poderem estar presentes, sob pena de a norma do Art.
422° do C.P.P. interpretada de modo diverso afrontar os direitos do arguido,
nomeadamente de se fazer representar pelo defensor que escolheu em todos os
actos processuais.
11- Com efeito, em recurso, tem de haver concertação de agendas entre os
diversos sujeitos processuais para a realização do julgamento, conforme resulta
do disposto no nº 4 do Art. 312° do C.P.P., aplicável, igualmente, às Instâncias
de Recurso, sob pena de interpretação inconstitucional de tamanho preceito
legal, por violação dos direitos fundamentais supra.
12 – A questão da inconstitucionalidade ora invocada, é suscitada em virtude de
já o haver sido, quer no requerimento acima transcrito, quer no requerimento de
aclaração do acórdão.
13- Por conseguinte, foi o vício, tempestivamente, suscitado, logo que se
entendeu que o mesmo se verificava.
14- O presente recurso deve ser admitido, com subida imediata e com efeito
suspensivo.
Termos em que, nos melhores de direito cujo proficiente suprimento de Vª. Exa.
se invoca, deve o presente recurso ser admitido, devendo, igualmente, ser-lhe
fixado por esse Colendo Tribunal o regime da subida e os seus efeitos,
seguindo-se os ulteriores termos da lei”.
2.6 – Na sequência, foi proferido o despacho de fls. 555 e 556, no
qual se decidiu:
“(...)
Ressalvado o devido respeito, o despacho inicialmente indicado,
datado de fls. 505, transitou em julgado no dia 30 de Novembro de 2006, pois
então se perfez o prazo da sua impugnação normal, acrescido dos três dias a que
se reporta o artigo 145.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (e, natural e
implicitamente com esta afirmação se diz que fls. 538 se mostra inócuo para os
autos atentos os termos em que foi apresentado). Por outro lado, porque não era
questão que envolvesse objecto de apreciação no recurso interposto pelo
recorrente A., também a questão aí suscitada não mereceu qualquer ponderação no
aresto de fls. 508 e segs.
Ora, neste circunspecto, e pese embora a pronúncia que é fls. 546,
1.ª parte, não pode agora repristinar-se uma questão transitada em julgado.
É que a tanto se reconduziria, objectiva e concretamente, a
possibilidade da interposição do recurso de fls. 549/552.
Também de mencionar-se que ao menos intempestiva se mostraria tal
interposição pois que ainda pendente da aclaração do aresto em causa.
De todo o exposto, então, a conclusão:
-De não recebimento do recurso de fls. 549 e segs, porquanto
intempestivamente feito.
-Também a irrecorribilidade da decisão recorrida, pois que nela não
se fez apreciação de questão cuja constitucionalidade houvesse sido suscitada
durante o processo [cfr. artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15
de Novembro]”.
2.7 – Por acórdão de 14 de Fevereiro de 2007, o Tribunal da Relação decidiu
indeferir o requerimento de aclaração, e, notificado o recorrente dessa decisão,
veio o mesmo renovar o requerimento de interposição de recurso para este
Tribunal, o qual foi admitido por despacho prolatado a fls. 576.
3 – Por estar em causa uma situação integrável na hipótese normativa recortada
no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e atento o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do
mesmo diploma, passa a decidir-se com base nos seguintes fundamentos.
4 – Vem o presente recurso interposto ao abrigo das alíneas b), f) e g) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC.
4.1 – A alínea b) dessa disposição admite o recurso para o Tribunal
Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo.
Concretizando o sentido deste último requisito, tem este Tribunal estabelecido
que «“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo
tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão
de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que
(...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um
segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem
suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte
o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a
norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de
uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao
acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa
decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa
determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs
37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República II Série,
de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas sacramentais para
formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de
constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro
que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua
interpretação (...)» – cf. o referido Acórdão n.º 618/98 e os acórdãos para os
quais remete.
Por outro lado, o recurso para este Tribunal apenas pode traduzir-se numa
questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida
haja feito efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do
aí decidido.
Trata-se, neste caso, de um pressuposto específico do recurso de
constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e
incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra
recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da
constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da
natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa,
«A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no
mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de
pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de
20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o
Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de
2000).
Passando a considerar o caso sub judicio, importa ainda reter que este Tribunal,
por mor das suas particulares competências cognitivas e dos poderes que lhe
estão consignados ex constitutionis, não pode assumir-se como uma instância de
amparo, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da
Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub
species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais
tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação
(directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este
Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in
concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não
incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a
conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida.
Vale isto por dizer, então, que as questões relativas à definição do direito
infra-constitucional aplicável ao caso concreto estão qua tale subtraídas à
esfera de competência deste Tribunal.
Importa, ainda, dizer que, para se poder conhecer deste tipo de recurso, se
torna, igualmente, necessário que a inconstitucionalidade da norma sindicanda
tenha sido suscitada durante o processo, devendo este requisito ser entendido,
segundo a jurisprudência constante deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o
Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994),
“não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser
suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal
modo “que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a
quo ainda pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional
do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade)
respeita”, por ser este o sentido que é exigido pelo facto de a intervenção do
Tribunal Constitucional se efectuar em via de recurso, para reapreciação ou
reexame, portanto, de uma questão que o tribunal recorrido pudesse e devesse ter
apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 560/94, Diário da República II
Série, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º 155/95, in Diário da
República II Série, de 20 de Junho de 1995).
Por último, deve notar-se que, de acordo com o disposto nos nºs 2 e 3 do art.º
70.º da LTC, os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do mesmo artigo
“apenas cabem de decisões que não admitem recurso ordinário”, sendo equiparadas
a recursos ordinários “as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a
conferência”.
4.2 – Confrontando, agora, o caso sub judicio com os pressupostos específicos
que vêm de analisar-se, importa começar por reter que a ratio decidendi
precipitada no despacho de fls. 505 e no despacho de fls. 546, que decidiu da
nulidade arguida pelo recorrente, funda-se exclusivamente na norma constante do
artigo 422.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na qual se dispõe que “a não
comparência de pessoas convocadas só determina o adiamento da audiência quando o
tribunal o considerar indispensável à realização da justiça”.
Ora, a constitucionalidade desta norma, seja no seu teor semântico-gramatical,
seja projectada num critério normativo que o desenvolva, nunca foi questionada
pelo recorrente durante o processo.
Na verdade, a menção à “inconstitucionalidade (...) do artigo 422.º do C.P.P.”
apenas surge no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal,
o que se traduz numa suscitação extemporânea à luz das exigências postas pelo
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, para efeito de admissibilidade do recurso
interposto ao abrigo desta norma.
Não se olvida que o recorrente considerou que o caso concreto não configurava
uma situação de “verdadeiro adiamento”, mas outrossim de “concertação de datas
entre os sujeitos processuais”, ao abrigo do disposto no artigo 312.º, n.º 4, do
Código de Processo Penal.
No entanto, como é incontornável, não foi essa a ratio decidendi cristalizada
nos despachos que indeferiram a sua pretensão, além de que, perfilhando tal
entendimento e uma vez notificado do despacho de fls. 505, o recorrente teve
oportunidade processual para controverter sub species constitutionis a norma
efectivamente aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, não o tendo, porém
feito.
Na verdade, e independentemente da questão de saber se o recorrente
não estaria obrigado a dar cumprimento ao estabelecido nos referidos n.º 2 e 3
do art.º 70.º da LTC, sempre poderia colocar, então, em qualquer dessas duas
sedes, a questão de inconstitucionalidade da norma do art.º 422.º, n.º 1, na
dimensão com que foi aplicada no despacho de fls. 505.
No mesmo contexto, importa, ainda, relevar que a referência consignada pelo
recorrente em termos de, relativamente à aplicabilidade do artigo 312.º, n.º 4,
do Código de Processo Penal, considerar que “a não proceder tamanha
interpretação, estando nós no domínio dos Direitos Fundamentais, resulta
inevitavelmente a inconstitucionalidade de entendimento diverso, o que, aqui,
expressamente [se alega]”, não constitui forma adequada de suscitar a questão de
constitucionalidade aqui em causa, porquanto aí não se individualiza ou define,
em termos minimamente perceptíveis, qualquer critério normativo susceptível de
ser inferido a partir do artigo 422.º do C.P.P., sendo que, tendo a questão da
constitucionalidade de ser suscitada de forma clara e perceptível (cf., entre
outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República II Série, de 18 de Junho de
1994), sempre se impõe que, quando se questiona apenas uma certa interpretação
de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em
termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição,
o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o tribunal recorrido que
houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os
operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em causa que não
pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.
Já quanto à norma do artigo 312.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, torna-se
claro, pelo exposto, que a mesma não foi aplicada pelo Tribunal recorrido, que
fundou a sua decisão no disposto no artigo 422.º, n.º 1, do C.P.P., e, não
cabendo ao Tribunal Constitucional sindicar o mérito da definição do direito
aplicável, como acima se precisou, apenas a constitucionalidade deste preceito
poderia ser aqui sindicada.
Mas existe, ainda, um outro fundamento, pelo qual se não poderia
conhecer do recurso interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da
LTC..
É que, mesmo consentindo que o recorrente possa considerar-se
surpreendido por uma interpretação/aplicação do artigo 422.º, n.º 1, do CPP
inesperada, “anómala” ou “excepcional”, e que possa imputar-se essa surpresa,
ainda, ao momento da realização da audiência de julgamento na Relação, sempre
seria inútil o conhecimento da sua questão de constitucionalidade.
Na verdade, segundo a alegação do recorrente, a violação de tal
preceito, com o sentido reputado de inconstitucional, desembocaria na nulidade
processual constante do 119.º, alínea c) e com os efeitos apontados no art.º
122.º, ambos os preceitos do CPP (a este propósito, cf. Acórdão n.º 612/99, in
Diário da República II Série, de 22/2/2000).
Todavia, no seu requerimento de interposição de recurso, que fixa o
objecto do recurso constitucional e que seria, ainda, um momento adequado face à
conjecturada surpresa, o recorrente não questiona a constitucionalidade destas
normas enquanto delas não deflui o efeito da nulidade, com as consequências
apontadas no art.º 122.º do CPP, quando precedentemente tenha havido lugar à
aplicação do art.º 422.º, n.º 1, do CPP, com o sentido reputado de
inconstitucional.
Deste modo, a falta de impugnação constitucional dos art.ºs 119.º,
alínea c) e 122.º, ambos do CPP, conduziria ao resultado de, mesmo a ser julgada
inconstitucional a dimensão do art.º 422.º, n.º 1, do mesmo CPP, não resultar
necessariamente daí a anulação do processo.
E a ser assim, estaremos perante a falta do pressuposto do recurso de
constitucionalidade da utilidade do seu conhecimento, cuja exigência deriva não
só da natureza da função jurisdicional como do seu carácter instrumental.
Donde, por esta razão, não se poderá, também, tomar conhecimento do
recurso.
4.3 – Como se deixou referido, vem o presente recurso interposto também ao
abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, onde se admite
recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja
ilegalidade – com fundamento em violação de lei com valor reforçado (alínea c),
do artigo 70.º, n.º 1, da LTC), em violação do estatuto de região autónoma ou de
lei geral da República, no caso de normas constantes de diploma regional (alínea
d), do artigo 70.º, n.º 1, da LTC), ou em violação do estatuto de uma região
autónoma, no caso de normas emanadas de um órgão de soberania (alínea e), do
artigo 70.º, n.º 1, da LTC) – haja sido suscitada durante o processo.
Perscrutando os autos, resulta claro que o recorrente não suscitou
qualquer questão de ilegalidade normativa susceptível de ser integrada no âmbito
material das questões jurídicas supra indicadas.
Vejamos.
Como é consabido, o objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade/ilegalidade é constituído por normas jurídicas que violem
preceitos ou princípios constitucionais, não podendo sindicar-se nesse recurso a
decisão judicial em sim própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de
preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no
plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma
chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente
determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto
(correcção do juízo subsuntivo).
A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica
do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das
normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse,
nos recursos interpostos ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus
de suscitar o problema de ilegalidade normativa num momento anterior ao da
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88,
publicado no Diário da República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º
618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para
jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no
Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9,
inéditos e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de
18 de Junho de 1994)].
Nessa medida, perante um recurso do tipo do presente, a competência
do Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da legalidade de actos
normativos – e não de decisões judiciais – em face dos fundamentos já invocados:
violação de lei com valor reforçado e violação do estatuto de uma região
autónoma ou de lei geral da República, sendo certo que o recorrente não suscitou
qualquer questão de ilegalidade normativa susceptível de fundar o presente
recurso, sendo certo que a “ilegalidade” da decisão judicial qua tale não
constitui objecto idóneo do recurso para o Tribunal Constitucional.
Não estão assim preenchidos os requisitos processuais determinantes da
admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea
f), da LTC.
4.4 – Por seu turno, a alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, admite, em sede
de fiscalização concreta, recurso das decisões “que apliquem norma já
anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal
Constitucional”.
Como se diz no Acórdão n.º 163/98, “(...) o recurso estribado naquela alínea [g]
tem por fim impedir que subsistam decisões jurisdicionais que no fundo venham a
efectuar julgamentos com base em normativos que quanto à respectiva questão de
constitucionalidade sejam ajuizados de forma diversa daquela que foi levada a
efeito pelo Tribunal Constitucional”, e, para tal, é necessário que a norma cuja
inconstitucionalidade se pretende ver apreciada tenha sido “anteriormente
julgada inconstitucional por este Tribunal e que tal norma tenha sido aplicada
como ratio decidendi na decisão recorrida” (Acórdão n.º 226/01), pressuposta
sempre, uma identidade normativa entre o objecto de anterior recurso de
constitucionalidade e a norma que se pretende sindicar em recurso de decisões
'que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional” – cf., quanto a
este pressuposto, entre a abundante (e uniforme) jurisprudência deste Tribunal,
o Acórdão n.º 200/02.
Ora, no aresto referido pelo recorrente – o Acórdão n.º 602/04, de 12 de Outubro
– este Tribunal decidiu “confirmar a decisão recorrida na parte em que recusou a
aplicação de uma interpretação literal da norma constante do artigo 312°, n° 4,
do Código de Processo Penal, que viola os artigos 13º e 32º, nºs 1 e 2, da
Constituição, por apenas admitir a concertação da data para a audiência quando
existe advogado constituído, mas não quando existe defensor oficioso”; e fixou
“como interpretação a seguir, ao abrigo do nº 3 do artigo 80º da Lei do Tribunal
Constitucional – por ser a única compatível com a Constituição –, a que postula
que há concertação da data para a audiência, ao abrigo do nº 4 do artigo 312º do
Código de Processo Penal, quer quando existe advogado constituído, quer quando
existe defensor oficioso”.
Não tendo o Tribunal da Relação de Coimbra aplicado a norma do artigo 312.º, n.º
4, do Código de Processo Penal, não podem dar-se por verificados os requisitos
determinantes do conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da
alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Aliás, mesmo que o Tribunal da Relação tivesse aplicado a referida norma do
Código de Processo Penal no seu sentido textual sempre ficaria por demonstrar a
pressuposta identidade normativa perante esse critério já que no caso dos autos
nunca esteve em causa uma concertação de datas com o defensor oficioso (hipótese
normativa subjacente ao juízo de inconstitucionalidade supra referido), mas com
o advogado constituído.
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente com 8 (oito) UCs. de taxa de justiça”.
3 – Na reclamação vêm aduzidos os seguintes argumentos:
“1-O recorrente interpôs o recurso que antecede, por entender existir uma
interpretação inconstitucional nas normas aplicadas pelo Tribunal da Relação de
Coimbra.
2- Entende agora este Colendo Tribunal que a decisão recorrida não aplicou a
norma cuja interpretação se requer seja declarada inconstitucional, todavia,
resulta dos autos a aplicação da norma do nº 1 do Art. 422º do C.P.P, sendo a
interpretação desta conjugada com a norma do nº 4 do Art. 312º daquele mesmo
normativo que o recorrente pretende ver apreciada à luz da Lei Fundamental,
conforme se refere no requerimento de interposição de recurso para este
Tribunal.
3- É bem certo que o recorrente não alegou a inconstitucionalidade no momento
referido a fls. 10 da decisão que antecede, todavia, afigurando-se-lhe tratar de
um lapso do despacho ali em crise, não podia o recorrente prever que o Tribunal
da Relação iria desatender o aludido preceito legal.
4- O recorrente, salvo o devido respeito por diferente opinião, refere
expressamente no seu requerimento que a norma não poderá ser interpretada no
sentido da inadmissibilidade da concertação de agendas nas instâncias de recurso
– é este o sentido que se pretende seja dado pelo Tribunal Constitucional, pois
que,
5- O Tribunal da Relação não deu ao recorrente a possibilidade, após notificado
da data para Julgamento, de sugerir ao Tribunal datas alternativas, pois,
6- Uma vez por este indicadas, o Tribunal indeferiu entendendo não existir
motivo para adiamento.
7- Deste despacho se insurgiu o recorrente e tentou, não da forma mais adequada
e talvez completa, admite-se, expor ao Tribunal as razões pelas quais entendia
padecer tamanha interpretação de inconformidade com a Lei Fundamental da
República.
8- Ora, Vªs Exªs., melhor decidirão, todavia, afigura-se-nos, salvo o devido
respeito quer pela decisão que antecede, quer por aquela que doutamente virá a
ser proferida por Vªs Exªs., que o recurso interposto pelo recorrente, atentas
as vicissitudes constantes dos autos, estará em condições de poder sobre ele ser
proferida uma decisão a qual, estamos certos, não deixará de declarar
desconforme com a Constituição a interpretação seguida pelo Tribunal da Relação
de Coimbra e, assim, determinará o seguinte:
- É inconstitucional a interpretação do nº 4 do Art. 312º e do nº. 1 do 422º,
ambos do C.P.P., segundo a qual, nas Instâncias de recurso, o Tribunal
respectivo aquando da notificação para Audiência de Julgamento, não está
obrigado a notificar os sujeitos processuais para concertação de agendas.”
4 – Notificado do teor da reclamação, o representante do
Ministério Público junto deste Tribunal pugnou pelo seu indeferimento.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
5 – Perscrutando o teor da presente reclamação, constata-se
que o reclamante não põe em crise os argumentos que determinaram a prolação da
decisão sumária reclamada.
Acresce que, em face do alegado, sempre se dirá que o ora
reclamante, após ter sido notificado do despacho de fls. 505, do qual consta
expressa indicação da norma aplicada, teve oportunidade processual para
controverter a sua bondade constitucional – cf. requerimentos de fls. 538 e 541
–, não procedendo a argumentação de que o Tribunal da Relação não iria atender o
seu pedido.
De facto, não pode olvidar-se que as partes têm um dever de prudência técnica na
antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à
sua conformidade constitucional.
Nestes termos, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a
aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de
conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e
de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da
(in)validade da norma em face da lei fundamental, razão pela qual, tendo o
reclamante conhecimento da decisão que indeferiu o requerido a fls. 503 e do seu
suporte normativo, não pode dar-se por verificada in casu uma daquelas situações
anómalas ou excepcionais que conduzam a uma dispensa do cumprimento do ónus de
suscitação prévia da questão de constitucionalidade.
C – Decisão
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclmante, com 20 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 11 de Julho de 2007
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos