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Processo n.º 598/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão:
“1. A. Ldª, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 28 de
Março de 2007, mediante requerimento em que diz fazê-lo ao abrigo do disposto no
artigo 70.º, alíneas a) a g) da Lei 28/82, de 15 de Novembro, por este, em
concreto, na interpretação que efectua ao disposto no artigo 282.º n.º 3 do
CPPT, violar o princípio do contraditório e de igualdade de armas consagrado nos
artigos 3.º, 9.º, 13.º, 14.º e 20.º, todos da Constituição da República
Portuguesa.
2. O requerimento de interposição do recurso não cumpre cabalmente as exigências
do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro. Designadamente, não pode
considerar-se modo adequado de indicar a alínea ao abrigo do qual o recurso é
interposto a que é feita mediante uma remissão indiscriminada para “casos de
abertura” do recurso para o Tribunal Constitucional tão diversos e de hipóteses
em vários deles inconciliáveis entre si como são os das alíneas a) a g) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC.
Não se ordena, porém, a correcção desse requerimento porque isso redundaria em
acto seguramente destituído de utilidade.
Com efeito, a única pretensão com um mínimo de razoabilidade, face à questão em
disputa e à evolução do processo, seria a de acobertar o recurso na previsão da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, sendo a exclusão de qualquer das
outras alíneas de flagrante evidência. Ora, não estão presentes os pressupostos
do recurso ao abrigo da referida previsão, pelo que se justifica imediata
decisão de não conhecimento, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
3. Importa começar por recordar que, no sistema português de fiscalização de
constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional se
restringe ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das
questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a
interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com
clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa
inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas
directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. E que apenas
pode recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC, quem haja suscitado a questão de constitucionalidade de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Assim, uma questão de constitucionalidade só pode considerar-se suscitada de
modo processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma a que
imputa a inconstitucionalidade, indica o princípio ou a norma constitucional que
considera infringidos e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da
inconstitucionalidade arguida. Não se considera suscitada uma questão de
constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar que uma
dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse
vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto
administrativo.
4. Isto posto, desde já se tem, pelo menos, como muito duvidoso que um
requerimento de interposição de recurso cujo objecto se identifica dizendo
interpor-se recurso de um dado acórdão “por este, em concreto, na interpretação
que efectua ao disposto no artigo 282.º, n.º 3 do CPT, violar o princípio do
contraditório e da igualdade de armas …” possa interpretar-se como visando obter
uma apreciação de constitucionalidade normativa. Assim apresentado, o juízo de
inconstitucionalidade que se pretende do Tribunal Constitucional visa a decisão
recorrida e não uma norma infra‑constitucional de que essa decisão tenha feito
aplicação.
De todo o modo, o que é indiscutível é que a recorrente não colocou, de modo
processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do artigo 72.º da
LTC para que possa aceder ao Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da mesma Lei.
Com efeito, nas alegações de recurso perante o Tribunal Central Administrativo,
visando o despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que desatendeu a
arguição de nulidade, a recorrente limitou-se a dizer o seguinte (na parte que
pode ter algum relevo):
“Por outro lado, entende a ora recorrente que o seu direito e a sua pretensão
gozam de tutela da Lei Fundamental – artº 20 nº1 e nº5 da Constituição da
República Portuguesa. Na verdade, a ser correcta a interpretação da lei
efectuada pelo Tribunal “a quo”, a ora recorrente ficaria privada de poder”
defender” nos órgãos judiciais junto dos quais se discutem questões que lhe
dizem respeito (V. acórdão do Tribunal Constitucional de 10‑3‑1998, ACTC826O e
Acórdão do TC nº 673/2005 de 15-12-2005, in www.ggsi.pt). Como é dito neste
último acórdão do Tribunal Constitucional “em todas as tramitações de natureza
declarativa que conduzem a um julgamento por parte de um tribunal, tem de
existir discussão entre as partes contrapostas, demandante e demandado (audiatur
et altera pars) ….”. No caso concreto, a ora recorrente vê-se impedida de
apresentar em juízo e em sede de recurso (contra-alegações) a sua posição e os
seus pontos de vista diferentes dos apresentados pela Fazenda Nacional, só pelo
facto de o Tribunal “a quo” não ter procedido ao envio àquela das alegações de
recurso apresentadas por esta.
A decisão do Tribunal “a quo” para além de estar ferida de ilegalidade
encontra-se, ainda, ferida de inconstitucionalidade por violação do artº 20 da
CRP, o que se alega e para os devidos efeitos legais
II- CONCLUSÕES:
a) A decisão de fls... dos autos, no entender da ora recorrente, cerceia os mais
elementares direitos de defesa e acesso de todos os cidadãos ao direito e à
justiça;
b) Na verdade, ao não ter sido o mandatário da ora recorrente notificado das
alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Nacional viu-se impedido de
apresentar as suas contra-alegações e de exercer o seu direito ao contraditório,
direito este, protegido constitucionalmente – artº 20 da CRP
c) A decisão de fls... dos autos viola, ainda, o disposto nos artºs 3 nº 3 e
artº 743 nº 2, ambos do Código de Processo Civil, o que alega e para os devidos
efeitos legais;
d) A decisão de fls... dos autos contraria a mais recente jurisprudência do
Tribunal Constitucional para situações com alguma semelhança com a dos presentes
autos (V. Acs. do TC n° 8260 de 10-3-1998 e acórdão do TC nº 673/2005 de
15-12-2005 in www.dgsi.pt)
e) Atento o supra exposto e a violação das normas legais e constitucionais supra
identificadas a presente decisão deverá ser revogada e alterada.”
Daqui resulta que foi directamente à decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal
de Viseu que desatendeu a arguição de nulidade e não à norma do n.º 3 do artigo
282.º do Código de Processo e Procedimento Tributário que a recorrente imputou a
inconstitucionalidade perante o tribunal a quo, pelo que não pode considerar-se
preenchida a exigência a que se refere o n.º 2 do artigo 72.º, com referência à
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Com efeito, além de não indicar o
sentido normativo que reputa inconstitucional, a recorrente repete, por diversas
vezes, “a decisão… encontra-se, ainda, ferida de inconstitucionalidade”, “a
decisão… cerceia os mais elementares direitos de defesa”, “a decisão… contraria
a mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional”.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar
a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de
conta.”
2. A recorrente reclama para a conferência, ao abrigo do n.º
3 do artigo 78.º-A da LTC, nos seguintes termos:
“(…)
3º- A melhor doutrina ensina que o recurso para o Tribunal Constitucional “não
se circunscreve a decisões que aplicam actos normativos de valor legislativo ou
de valor equiparável; ele pode ter por objecto quaisquer normas desde que elas
tenham sido consideradas relevantes para a causa pelo juiz a quo, e desaplicadas
por inconstitucionalidade (decisão positiva), ou aplicadas, não obstante a
invocação de inconstitucionalidade (decisão negativa) “– V. J.J. Gomes Canotilho
– Direito Constitucional 4ª edição , pág. 799 e sgs.
4º- A ora recorrente não concorda, pois, com a douta decisão sumária proferida
pelo Exmo. Juiz Conselheiro relator.
5º- O recurso apresentado para o Tribunal Constitucional, pela ora recorrente,
foi efectuado no seguimento de uma decisão judicial que aplicou e interpretou
norma – artº 282 do Código de Procedimento e de Processo Tributário – em
desconformidade com preceitos e princípios consagrados constitucionalmente
(decisão negativa)
6º- Para a ora recorrente a interpretação efectuada pelo Tribunal “a quo” à
norma do artº 282 do CPPT está desconforme com os princípios constitucionais da
igualdade, da justiça e do acesso ao direito – artºs 13 e 20 da CRP
7º- Como se referiu em sede de alegações para o Tribunal Central Administrativo
Norte o mandatário da ora recorrente foi surpreendido com notificação que refere
que os presentes autos subiram do Tribunal Tributário de lª instância para o
Tribunal Central Administrativo Norte, sem que tivesse sido notificado pelo
Tribunal das alegações de recurso por parte da Fazenda Nacional.
8º- A ora recorrente viu-se impedida de exercer o seu direito ao contraditório,
direito esse que é um direito fundamental – artº 3 nº 3 do CPC e artº 20 da CRP
– dado que, era sua intenção apresentar contra-alegações e 2 documentos
(decisões judiciais) que põe em causa o alegado pela Fazenda Nacional.
9º- É certo que a ora recorrente, para além de ter levantado a questão da
inconstitucionalidade da norma do artº 282 CPPT, suscitou a
irregularidade/nulidade da decisão judicial, mas, salvo o devido respeito por
melhor opinião, as duas situações são compatíveis uma com a outra, ou seja,
pode-se verificar a existência de uma irregularidade /nulidade e em simultâneo
verificar-se a existência de aplicação de norma em sentido contrário ao
estatuído nos princípios e normas consagrados na Constituição da República
Portuguesa.
10º- E, no entender da ora recorrente, foi o que aconteceu no caso “ sub
iudice”, dado que, a interpretação efectuada, pelo Tribunal a quo, ao disposto
no artº 282 do CPPT, impediu aquela de apresentar as suas contra-alegações e de
exercer o seu direito ao contraditório, violando dessa forma os princípios da
igualdade e do acesso ao direito – artº 13 e 20, ambos da CRP
11º- Ficou, pois, a ora recorrente privada de se poder defender nos órgãos
judiciais junto dos quais se decidem questões que lhe dizem respeito. Aliás,
12º- no seguimento do ora defendido pela ora recorrente o Tribunal
Constitucional em Ac. de 673/2005 , de 15-12-2005 , in www.dgsi.pt” refere o
seguinte no que diz respeito ao principio fundamental do acesso ao direito “em
todas as tramitações de natureza declarativa que conduzem a um julgamento por
parte de um tribunal, tem de existir discussão entre as partes contrapostas,
demandante e demandado (audiatur et altera pars)….”.
13º- A referência da ora recorrente à decisão judicial conforme é referido na
decisão sumária pode, eventualmente, não estar em conformidade com as melhores
técnicas jurídicas de argumentação, mas, isso só não é suficiente para dizer que
não se respeitou o estatuído no artº 72 nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional.
14º- A recorrente entende, pois, que cumpriu todos os requisitos a que alude o
artº 72 n°2 da Lei do Tribunal Constitucional, e que por isso este Venerando
Tribunal Superior deveria ter sido tomado conhecimento do objecto do recurso.”
A Fazenda Pública não respondeu.
3. A argumentação da reclamante não logra abalar os fundamentos da decisão
sumária.
Efectivamente, a decisão reclamada não pôs em dívida que o recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade possa versar sobre a norma na
interpretação ou sentido com que ela foi aplicada no caso concreto. Nem ignorou
a possibilidade de, na mesma peça processual, o interessado atacar uma decisão
imputando-lhe errada interpretação e aplicação de uma determinada norma e, num
plano de apreciação logicamente subsidiária, arguir a inconstitucionalidade
dessa norma, para a hipótese de lhe ser atribuído um sentido diverso daquele que
defende a título principal. O fundamento da decisão reclamada para concluir pelo
não conhecimento do objecto do objecto do recurso é a falta de colocação da
questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado, no recurso para
o Tribunal Central Administrativo, como exige o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Na verdade, as alegações de recurso não identificam com o mínimo de clareza e
assertividade, uma questão de constitucionalidade normativa, em termos de o
tribunal de recurso dever saber que tinha uma questão dessa natureza para
resolver, isto é, em termos de esse tribunal ficar colocado perante a
necessidade de se pronunciar, sob pena de incorrer em nulidade, acerca da
pretensão de recusa de aplicação de determinada norma com fundamento em
inconstitucionalidade, no uso do poder conferido pelo artigo 204.º da
Constituição. Como a decisão sumária põe em destaque, todas as afirmações de
violação de normas e princípios constitucionais (cfr. a transcrição da parte
relevante dessa peça processual no nº 4 da decisão sumária) se referem à decisão
então sob recurso, que teria violado o seu direito constitucionalmente garantido
de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, e não a uma norma
suficientemente identificada, ainda que em determinado sentido mediatizado por
essa decisão.
E não se trata de mera deficiência argumentativa, mas de
insuficiência inultrapassável de referenciação normativa da questão de
constitucionalidade, seja no texto, seja nas conclusões das alegações de recurso
perante o Tribunal Central Administrativo. Para que esse ónus se dê por cumprido
– vista a questão por outra perspectiva, para que o tribunal que proferiu a
decisão recorrida ficasse investido no dever de pronúncia sobre uma questão
dessa natureza – não basta a afirmação de que recorrente entende que o seu
direito e a sua pretensão gozam de tutela na Lei Fundamental. Era necessário
imputar essa desconformidade com a Constituição a uma norma (ou um sentido
normativo) precisamente identificada e não, como nessa peça processual sucede
repetidamente, à decisão impugnada.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas
custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 25 de Julho de 2007
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão