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Processo n.º 866/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
 1. Relatório
 
                         1.1. A.  interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão da 1.ª Secção do 
 Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 11 de Setembro de 2008, que indeferiu 
 reclamação por ela apresentada contra o despacho do Conselheiro Relator do STA, 
 de 21 de Maio de 2008, que não admitiu recurso para o Plenário do STA interposto 
 do acórdão da “Formação de apreciação preliminar”, de 23 de Janeiro de 2008, 
 que não considerara preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso 
 excepcional de revista, previsto no artigo 150.º do Código de Processo nos 
 Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro 
 
 (CPTA) [por “Formação de apreciação preliminar” entende‑se “a formação 
 constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso 
 Administrativo” à qual compete a apreciação preliminar sumária da verificação 
 dos pressupostos de admissibilidade do recurso excepcional de revista previsto 
 no artigo 150.º e, bem assim, a verificação dos pressupostos do “reenvio 
 prejudicial” previsto no artigo 93.º, ambos do CPTA].
 
                         De acordo com o requerimento de interposição de recurso, 
 a recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade das normas dos 
 artigos 150.º, n.º 5, do CPTA e 29.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e 
 Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (ETAF), “por vedarem 
 a possibilidade de recurso de decisão liminar que não admitiu o recurso de 
 revista por si interposto, ou seja, a impossibilidade legal de sindicância de 
 decisão liminar que não admite o recurso em causa”, referindo que suscitou a 
 questão da inconstitucionalidade dessas normas na aludida reclamação do despacho 
 do relator, designadamente nos n.ºs 12 a 24 das conclusões desse articulado, 
 
 “por colidirem com o direito à tutela jurisdicional, designadamente o direito ao 
 recurso, os quais vão previstos na Constituição da República nos artigos 20.º, 
 n.ºs 1, 4 e 5, e 280.º, e ainda insertos no artigo 6.º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem e no artigo 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e 
 Políticos”.
 
  
 
                         1.2. No presente caso, por acórdão de 23 de Janeiro de 
 
 2008, da “Formação de apreciação preliminar” da 1.ª Secção do STA fora decidido 
 não admitir o recurso excepcional de revista, interposto pela ora recorrente, ao 
 abrigo do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, contra o acórdão do Tribunal Central 
 Administrativo Sul (TCAS), de 11 de Outubro de 2007, que negara provimento ao 
 recurso jurisdicional por si interposto da decisão do Tribunal Administrativo e 
 Fiscal (TAF) de Loulé, de 25 de Julho de 2007, que declarou extinta a instância 
 por desistência da autora (aqui recorrente), assim absolvendo a entidade 
 demandada (a agora recorrida Câmara Municipal de Tavira), recurso excepcional de 
 revista esse que tinha “por objecto a melhor aplicação do direito, no que tange 
 
 à norma ínsita no Decreto‑Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na versão do 
 Decreto‑Lei n.º 177/2001, de 4 de Julho (artigo 104.º, n.º 2), estando tal 
 pedido fundamentado na questão social e na dificuldade no plano exegético da 
 referida norma”.
 
                         O aludido acórdão assentou a sua decisão de não admissão 
 do recurso nas seguintes considerações:
 
  
 
             “2.1. O recurso de revista a que alude o n.º 1 do artigo 150.º do 
 CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso 
 jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo 
 possibilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar 
 assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social ou quando a admissão 
 do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
 
             Temos assim que, de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só 
 se justificará em matérias de maior importância, sob pena de se generalizar este 
 recurso de revista, o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar 
 desconforme com os fins tidos em vista pelo legislador (cf. a «Exposição de 
 Motivos» do CPTA).
 
             Vejamos, então.
 
             2.2. Tal como resulta dos autos, a agora recorrente intentou junto 
 do TAF de Loulé uma acção administrativa especial contra a Câmara Municipal de 
 Tavira para «impugnação do acto administrativo que conduziu ao embargo de obras 
 de edificação e de trabalhos de remodelação de terrenos, que originou o referido 
 Auto de Embargo datado de 14 de Novembro de 2005 (…)» – cf. fls. 2.
 
             Na sequência do requerimento apresentado pela recorrente, em 13 de 
 Junho de 2006, a fls. 61, o TAF de Loulé, por decisão de 25 de Julho de 2006, 
 julgou extinta a instância «por desistência da sua autora», tendo interpretado o 
 dito requerimento no sentido de este veicular a vontade, por parte da autora 
 
 (aqui recorrente), de desistir da instância – cf. fls. 67‑68.
 
             Para assim decidir o TAF invocou, expressamente, o disposto nos 
 artigos 287.º, alínea d), n.º 1 do artigo 296.º e os n.ºs 1 e 3 do artigo 300.º 
 do CPC, por força do artigo 1.º do CPTA, sendo estes os únicos preceitos 
 aplicados na mencionada decisão, que apenas se debruçou sobre o questionado 
 requerimento de fls. 61.
 
             Sucede que tal decisão foi coonestada pelo acórdão recorrido, aresto 
 este que, para além de ter apreciado prioritariamente a questão da invocada 
 nulidade da decisão do TAF de Loulé, com base no preceituado nas alíneas e) e c) 
 do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, acabou por se pronunciar sobre a única questão 
 que foi conhecida e decidida no TAF, a qual, como já se sabe, se centrou na 
 aludida questão da extinção da instância, concluindo o TCA pelo acerto da 
 decisão do TAF, considerando não se estar perante uma situação passível de se 
 reconduzir à figura da inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.
 
             Ora, em fase do quadro jurídico em que se moveram as instâncias (o 
 TAF e o TCA), é patente que o presente de recurso de revista se não pode 
 centrar, como pretende a recorrente, em questões novas não decididas na decisão 
 sob recurso (ver, nesta linha, o acórdão deste STA, de 27 de Abril de 2006, Rec. 
 n.º 377/06), como é o caso das que enuncia, designadamente, a fls. 183, não se 
 podendo aqui falar, propriamente, de uma qualquer melhor aplicação do direito em 
 relação a questões que nunca foram objecto de apreciação nas instâncias e de 
 normas que estas não aplicaram nem tinham de aplicar, por se terem centrado na 
 decisão de questão meramente processual, não tendo entrado na apreciação da 
 questão de fundo, sendo que, com atinência à questão efectivamente apreciada no 
 TCA, se não detecta a existência de erro clamoroso ao nível da pronúncia nele 
 contida, tanto mais que ela assenta, fundamentalmente, na interpretação que se 
 fez do alcance e sentido do já aludido requerimento de fls. 61, pelo que a 
 apreciação de eventual erro de direito de que enferme o dito aresto não preenche 
 os requisitos do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, uma vez que não seria apta para 
 melhorar a aplicação do direito nos moldes pretendidos pela recorrente, limitada 
 que se encontra a questão à especificidade daquela aludida interpretação (vide, 
 neste sentido, o acórdão deste STA, de 20 de Dezembro de 2006, Rec. n.º 
 
 1192/06).
 
             Por outro lado, em face das questões apreciadas no TCA (nulidade da 
 decisão do TAF e a questão da extinção da instância), é patente que as mesmas 
 não se revestem de especial relevo jurídico, não envolvendo a sua resolução 
 operações exegéticas de grande dificuldade.
 
             Finalmente, também se não depara com questões de especial relevo 
 social, na medida em que, atendendo ao já descrito âmbito da pronúncia contida 
 no acórdão recorrido, o dito relevo não vai além do caso concreto, ou seja, do 
 interesse particular das partes.
 
             Em suma, não se verificam os pressupostos de admissão do recurso de 
 revista.”
 
  
 
                         1.3. A recorrente veio interpor recurso deste acórdão 
 para o Plenário do STA, o qual, porém, não foi admitido, por despacho do 
 Conselheiro Relator do STA, de 21 de Maio de 2008, por entender que o dito 
 acórdão “não é passível de recurso jurisdicional fora dos casos de recurso para 
 o Tribunal Constitucional, mas, aqui, apenas, no tocante a questões de 
 constitucionalidade”, acrescentando:
 
  
 
             “Com efeito, o CPTA não prevê recurso dos acórdãos proferidos no 
 modo do n.º 5 do artigo 150.º. Ver, neste sentido, entre outros, o acórdão deste 
 STA, de 11 de Janeiro de 2007, rec. n.º 890/06, e a anotação ao dito preceito 
 por parte de Carlos Cadilha e Mário Aroso de Almeida.
 
             Temos, assim, que não cabe recurso do acórdão que não admitiu o 
 recurso de revista, dele não cabendo, designadamente, recurso para o Plenário do 
 STA, por a situação em análise se não enquadrar na previsão do artigo 29.º do 
 ETAF.”
 
  
 
                         1.4. Notificada deste despacho, a recorrente apresentou 
 reclamação do mesmo para o Presidente do STA, o qual, por despacho de 30 de 
 Junho de 2008, convolou, ao abrigo do artigo 144.º, n.º 4, do CPTA, tal 
 reclamação em reclamação para a conferência, in casu para a formação específica 
 a que alude o artigo 150.º, n.º 5, do CPTA.
 
                         Os fundamentos dessa reclamação foram sintetizados nas 
 seguintes conclusões:
 
  
 
             “1. [O despacho reclamado] Ao não admitir o recurso ao Plenário 
 deste STA admite como inexorável a sua decisão de não admissão do recurso de 
 revista.
 
             2. O despacho do qual se recorreu foi uma decisão preliminar de não 
 admissão de recurso de revista, não tendo havido apreciação da matéria em 
 discussão e, por isso, tal pronúncia não pode ser havida como inexpugnável.
 
             3. A admitir‑se que assim fosse, tal decisão seria discricionária, 
 cabível na previsão do artigo 679.º do CPC, segundo a qual somente os despachos 
 de mero expediente e outros aí contidos não são recorríveis.
 
             4. No caso presente, não estamos em presença de um despacho de mero 
 expediente e por isso a decisão é impugnável.
 
             5. O n.º 5 do artigo 150.º do CPTA confere poderes aos senhores 
 Juízes de, em sede colegial, admitirem ou não o recurso de revista, em sede de 
 apreciação liminar, não prevendo, todavia, que a mesma não seja sindicável.
 
             6. Para que assim fosse, a lei adjectiva administrativa teria que 
 conter normativo que previsse ser tal decisão inatacável, o que não ocorre.
 
             7. Silenciando a lei sobre tal aspecto, nada obsta que da mesma se 
 recorra para diferente órgão do mesmo Tribunal.
 
             8. Apesar de o artigo 29.º do ETAF não consignar que o Plenário 
 deste STA deva ou não conhecer de tais matérias, deve entender‑se que é o órgão 
 próprio para dela conhecer, já que não vai previsto na referida norma (artigo 
 
 29.º) tal proibição.
 
             9. Subsidiariamente aplicando‑se ao processo administrativo a normas 
 do processo civil, deve entender‑se que a impugnação de despacho ou acórdão de 
 não admissão de recurso deve ser dirigida ao Presidente do Tribunal para onde se 
 recorreu (artigo 688.º do CPC).
 
             10. Os argumentos expendidos pela ora reclamante no seu recurso 
 anterior respeitam a questões do conhecimento deste STA (questão social 
 relevante e exegese).
 
             11. O recurso atravessado ao Tribunal Constitucional só é de admitir 
 quando o impugnante ataque, desde logo, qualquer inconstitucionalidade, o que 
 não foi o caso em apreço.
 
             12. Ao estribar a sua decisão no artigo 150.º, n.º 5, do CPTA, 
 combinado com o artigo 29.º do ETAF, está o Sr. Relator a negar o direito ao 
 recurso, o qual vai previsto nos artigos 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 280.º da 
 Constituição, que dispõem da tutela jurisdicional.
 
             13. Tal decisão é inconstitucional na sua interpretação, o que 
 conduz à inconstitucionalidade na aplicação do direito.
 
             14. Deveria o Sr. Relator ter considerado a possibilidade de recurso 
 ao Plenário, assim cumprindo os preceitos constitucionais.
 
             15. Devendo V. Ex.ª conhecer e declarar tal inconstitucionalidade 
 com as legais consequências.
 
             16. Se a não considerar inconstitucional na sua interpretação e por 
 via disso na sua aplicação, a reclamante invoca a inconstitucionalidade da 
 própria norma, a qual afronta os referidos artigos contidos nas conclusões n.ºs 
 
 12, 19 e 20.
 
             17. Porquanto, nenhuma norma, diploma ou disposição legal pode estar 
 em contradição ao texto constitucional.
 
             18. Tal norma está, pois, em arrepio directo à Constituição.
 
             19. Outrossim, afronta ainda diplomas europeus e internacionais, 
 violando o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na parte em 
 que garante a todo o indivíduo o direito a ver a sua causa discutida em 
 Tribunal, o que, aliás, tem sido coarctado à ora recorrente, apesar de todas as 
 alegações e recursos e demais requerimentos.
 
             20. Violando ainda o artigo 14.º do Pacto Internacional dos Direitos 
 Civis e Políticos, na parte cm que a todos garante o direito a estar em Juízo 
 para que a sua causa seja apreciada, o que, e com a devida permissão de Vossas 
 Excelências, vem sendo coarctado à ora recorrente, ao longo de tantos recursos, 
 os quais representam, com a Vossa devida permissão, (e ao jeito de desabafo) 
 tantos sacrifícios intelectuais para poder ver a sua causa apreciada e julgada 
 como é de justiça.
 
             21. Tais diplomas internacionais e europeus constituem direito 
 interno português e, por isso, a nossa legislação deve estar em harmonia aos 
 mesmos.
 
             22. E tanto assim é que o artigo 7.º do CPTA impõe aos senhores 
 magistrados judiciais o dever de, na apreciação das causas, interpretarem as 
 normas por forma a produzirem decisões que apreciem a pretensão dos 
 peticionantes.
 
             23. Deveria o despacho reclamado ter tido em conta tais preceitos, 
 admitindo e fazendo subir o recurso ao Plenário do qual sois Presidente.
 
             24. Se assim houvesse sido, estaria o despacho reclamado a cumprir 
 as normas que acima se deixaram ditas como violadas.
 
             25. Sendo mister ainda afirmar que, em sede de direito 
 administrativo e porque estão em causa actos da Administração Pública, deve a 
 norma ser interpretada no sentido de não coarctarem direitos ao cidadão, 
 tornando‑lhe inacessível a Justiça, ou os meios de atacar os actos públicos, 
 porquanto, sendo o Estado um pessoa de bem, ao serviço dos seus cidadãos, não 
 pode socorrer‑se de preceitos legais que tornem defeso ao individuo discutir as 
 decisões das quais é destinatário e que com as mesmas se não conforma.
 
             26. Cumprindo dizer que, no caso sub judice, a ora reclamante apenas 
 teve o direito a um recurso, o qual dirigiu ao TCAS.
 
             27. Entendendo V. Ex.a que a presente peça processual deve ir 
 atravessada ao Tribunal Constitucional, requer a devida convolação em recurso 
 ao mesmo, porque a tal nada obsta, tendo em conta a vontade da mesma em 
 recorrer.
 
             28. Sempre requerendo que a decisão anterior seja revogada, 
 substituída por outra que atenda a pretensão da reclamante, com as legais 
 consequências, e como é de Justiça.”
 
  
 
                         1.5. Por acórdão de 11 de Setembro de 2008 – ora 
 recorrido –, a “Formação de apreciação preliminar” da 1.ª Secção do STA 
 indeferiu a reclamação da recorrente, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
             “2 – Ora, é patente não assistir razão à recorrente, sendo que a 
 tese sustentada na sua reclamação não tem qualquer apoio legal, destarte se 
 devendo confirmar na íntegra o despacho do relator, de fls. 294, como se verá, 
 de seguida.
 
             Com efeito, tal como se assinala no despacho reclamado, o acórdão 
 proferido pela «formação» deste STA a que alude o n.º 5 do artigo 150.º do CPTA 
 e que se pronuncie pela verificação ou não verificação dos pressupostos que 
 condicionam a admissão do recurso de revista não é passível de recurso 
 jurisdicional, fora dos casos de recurso para o Tribunal Constitucional, mas, 
 aqui, apenas no tocante a questões de constitucionalidade.
 
             Esta tem sido a posição afirmada por este STA – cf. o acórdão de 11 
 de Janeiro de 2007, Rec. n.º 890/06.
 
             Ver, também, quanto a esta questão, Mário Aroso de Almeida e Carlos 
 Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a 
 fls. 755.
 
             Ou seja, como se referiu no despacho reclamado, do acórdão, de 23 de 
 Janeiro de 2008, que não admitiu a revista interposta pela recorrente, não cabe 
 recurso para qualquer das «formações» deste STA, designadamente, para o 
 
 «Plenário», por a situação em análise manifestamente se não enquadrar na 
 previsão do artigo 29.º do ETAF, não estando aqui em causa, obviamente, um 
 conflito de jurisdição, sendo que, neste particular aspecto, a recorrente dá à 
 norma em causa um sentido e alcance que ela não comporta, já que ela tem o seu 
 conteúdo devidamente tipificado no corpo do dito artigo 29.º, na sequência da 
 pertinente opção do Poder Legislativo, não relevando, a este nível, o sentido e 
 alcance que a recorrente lhe pretende dar, atribuindo ao Plenário competências 
 que o legislador lhe não fixou.
 
             Finalmente, contra o que defende a recorrente na sua reclamação, o 
 despacho do relator, de 21 de Maio de 2008, a fls. 294, não aplicou ou 
 interpretou inconstitucionalmente nenhuma norma legal, designadamente, as 
 contidas nos referidos artigos 29.º do ETAF e 150.º, n.º 5, do CPTA, não 
 procedendo a invocação que a recorrente faz do preceituado nos artigos 20.º, 
 n.ºs 1, 4 e 5, e 280.º da CRP, preceitos que não tutelam, nem consagram, o 
 direito ao recurso para o Plenário ou para o Pleno deste STA do acórdão 
 proferido em sede no n.º 5 do artigo 150.º do CPTA, acórdão este, de resto, 
 proferido, de alguma maneira, já em 2.º grau de recurso jurisdicional, depois de 
 a 2.ª instância (o TCA) se ter pronunciado quanto ao recurso jurisdicional 
 interposto pela recorrente da decisão do TAF de Loulé, de 25 de Julho de 2007.
 
             Por outro lado, a posição sustentada pela recorrente também se não 
 pode relevantemente ancorar nas demais fontes normativas invocadas na sua 
 reclamação, em especial, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto 
 Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
 
             Improcedem, assim, todas as conclusões da reclamação da recorrente, 
 não tendo o despacho reclamado violado qualquer dos preceitos nelas mencionado, 
 sendo, por isso, de manter, na íntegra, o despacho do relator, de 21 de Maio de 
 
 2008, a fls. 294.”
 
  
 
                         1.6. É deste acórdão que vem interposto o presente 
 recurso, tendo a recorrente, no termo das alegações apresentadas neste Tribunal, 
 formulado as seguintes conclusões:
 
  
 
             “1. A norma do artigo 150.º, n.º 5, do CPTA é inconstitucional por 
 omissão, porquanto não prevê, na sua redacção, mecanismo processual de 
 impugnação ao acórdão que indefira, liminarmente, o recurso de revista 
 interposto.
 
             2. Tal mecanismo haverá de ser a figura da reclamação, dirigida ao 
 Presidente do STA, a exemplo do que vai previsto na lei processual civil 
 
 (artigo 688.º) e na lei processual penal (artigo 405.º).
 
             3. Tal norma obsta a que a parte recorrente reaja contra decisão que 
 lhe é desfavorável, em contradição ao que vai previsto e garantido na CRP, 
 mormente o artigo 20.º, n.º 4, que dispõe de processo equitativo, devendo 
 entender‑se que tal equidade só existe se houver possibilidade de exame da 
 matéria que foi proposta avaliar‑se.
 
             4. A decisão preliminar de rejeição do recurso de revista não toma 
 conhecimento do objecto do recurso e por isso a questão não é examinada, 
 devendo entender‑se que opera a falta de julgamento, já que a questão não é 
 examinada.
 
             5. Garantindo a CRP, aos cidadãos, a tutela jurisdicional efectiva, 
 corporizada esta no artigo 20.º, deve entender‑se que a mesma só se efectiva 
 com o julgamento da questão que lhe é posta.
 
             6. Para que tal opere, deve tal norma, do artigo 150.º, n.º 5, do 
 CPTA, conter um segmento redaccional que consigne que tal despacho de 
 indeferimento é passível de impugnação, através da peça processual reclamação 
 dirigida ao Presidente do STA.
 
             7. A não consagração de tal possibilidade gera o tratamento mais 
 favorável do Estado contra o cidadão mais desfavorável e subtrai a este, do 
 campo dos seus direitos, o direito de recurso a ver julgada questão sua, não 
 examinada anteriormente, tendo em conta que o recurso de revista 
 administrativo, pela sua especificidade, traz à discussão um tema novo, ainda 
 não submetido às instâncias anteriormente.
 
             8. Tais temas, que só podem ser a questão social com relevância e/ou 
 a exegese, são os únicos assuntos que podem ser submetidos ao STA cm revista e, 
 pela sua própria natureza, hão‑de interessar a todos, porque interesses de 
 dimensão colectiva, tanto para o social como para a comunidade jurídica em 
 particular.
 
             9. Por isso, tanto mais grave a circunstância de tais questões 
 deverem ser sujeitas a julgamento, que não liminar, que este não conhece do 
 objecto e por isso não julga.
 
             10. Não esquecendo que, em se tratando de acto administrativo, actos 
 dos agentes públicos ao serviço do Estado, deve a lei ser ainda mais perfeita, 
 ou pelo menos quase perfeita, por forma a esgotar todas as vias de discussão da 
 conduta do Estado, não se conformando o sistema administrativo apenas com duas 
 decisões, uma de primeira instância e outra, a segunda, de recurso (citando 
 Abraham Lincoln, «leis imperfeitas são a pior espécie de tirania»).
 
             11. Sem que contudo aqui apliquemos tal citação, sempre se dirá que 
 a inconstitucionalidade que aqui se discute vai na omissão da norma, ou na 
 feitura da mesma, no seu momento redaccional, por lapso do legislador, o qual, 
 na sua previsão, cerceou a impugnação de decisão liminar.
 
             12. O legislador não teve presente, na feitura da lei, as previsões 
 constitucionais, mormente o artigo 268.º da CRP, que garante aos administrados 
 o direito a impugnar decisões que os prejudiquem, no âmbito administrativo, 
 devendo entender‑se que a falta de impugnação do referido acórdão de rejeição de 
 recurso opera a sonegação de justiça.
 
             13. A rejeição liminar de tal recurso não pode ser lida como 
 transitada por falta de meio de impugnação, apenas o podendo ser se a parte 
 assim se conformar e não usar tal mecanismo.
 
             14. A ser como é, impeditivo é o acesso ao STA por via do recurso de 
 revista, devendo entender‑se que o direito, como uma ciência especulativa, 
 presta‑se ao subjectivismo da análise, ocasionando que, para uma mesma questão, 
 pode haver várias opiniões, sendo certo que um raciocínio pode conduzir à 
 admissão do recurso e outro não.
 
             15. E porque assim é, deve existir, na previsão legal e como 
 segmento do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA, a figura da reclamação ao Presidente 
 do STA, no sentido de cumprir com a CRP e operando a tal tutela efectiva dos 
 tribunais.
 
             16. Só assim também será possível dar acolhimento, porque direito 
 interno português, às previsões universais e europeias que consagram estas 
 mesmas garantias, designadamente o artigo 14.º do PIDCP e o artigo 6.º da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na vertente redaccional em que 
 garantem a todos o direito a ver o seu caso discutido nas instâncias e a vê‑lo 
 renovado em recurso, se disso for caso.
 
             17. O direito interno dos países subscritores de tais diplomas há‑de 
 estar harmonizado aos mesmos, porque a tal se compromissaram, sob pena de 
 sanção o não fazendo.
 
             18. O direito a recurso ao STA está cerceado pela falta de previsão 
 legal que permita ao recorrente impugnar o tal acórdão liminar de rejeição, o 
 qual, sem que conheça do objecto do recurso, impede que aquele (o recorrente) 
 ataque tal acto de rejeição e possa defender o seu ponto de vista, não sendo 
 admissível contemplar constitucionalmente garantias de defesa ao cidadão e 
 subtrair tais garantias na lei reguladora desses direitos.
 
             19. Porque e como se argumenta, o artigo 268.º da CRP garante a 
 cidadão a faculdade de questionar o acto administrativo, pondo em crise a 
 conduta do Estado, o que só pode significar a tutela completa da lei, traduzida 
 em mecanismos processuais que permitam contrariar decisões desfavoráveis.
 
             20. A norma do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA está em arrepio a esta 
 prescrição; daí a sua inconstitucionalidade. Tal norma, como se argumentou, 
 impede, na rejeição liminar do recurso não admitido, que se questione a 
 decisão, a qual fica sendo de mero expediente quando decide questão abrangendo 
 que discute direitos e não meros actos de tramitação processual.
 
             21. A decisão que retire ou conceda direitos, ainda que liminar, 
 há‑de ser sempre atacável, pelo menos por uma vez. Ao não sê‑lo, como no caso 
 sub judice, resulta inconstitucional porque arbitrária. Julga sem julgamento, no 
 sentido pleonástico de julgar sem conhecer da matéria.
 
             22. Tanto basta para que afirme a ilegalidade por 
 inconstitucionalidade.
 
             23. Nenhum julgamento pode ser proferido sem que os factos estejam 
 todos assentes. A sê‑lo, é a completa ausência de julgamento.
 
             24. Se a norma não for inconstitucional por omissão de redacção, 
 como acima dito, sempre haverá de sê‑lo por erro no seu sentido literal, 
 porquanto permite e impõe que se faça um julgamento sem factos.
 
             25. E por isso tal deve ser conhecido e declarado.
 
             26. Do que acima se aduziu deve ser dado provimento ao presente 
 recurso, conhecendo V. Ex.as da inconstitucionalidade material da norma do n.º 5 
 do artigo 150.º do CPTA, por falta de previsão legal, na sua redacção, de 
 mecanismo que permita ao recorrente impugnar a decisão liminar de rejeição do 
 recurso de revista, por colidir com os preceitos constitucionais que garantem o 
 direito à tutela jurisdicional efectiva, mormente em sede administrativa, 
 porque tal regime, como o é, cerceia o conhecimento do objecto do recurso e, ao 
 permiti‑lo, não permite por isso o próprio recurso, não se podendo admitir que 
 em sede administrativa o direito ao recurso esteja limitado como o está.”
 
  
 
                         1.7. A recorrida Câmara Municipal de Tavira não 
 apresentou contra‑alegações.
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar de decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. A introdução da figura do “recurso excepcional de 
 revista” para o STA, no âmbito da reforma da justiça administrativa empreendida 
 pelas Leis n.ºs 13/2002, de 19 de Fevereiro (que aprovou o novo Estatuto dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF), e 15/2002, de 22 de Fevereiro (que 
 aprovou o CPTA), ambas com início de vigência em 1 de Janeiro de 2004, prende‑se 
 directamente com a reorganização das competências dos tribunais administrativos 
 no âmbito da respectiva jurisdição.
 
                         No sistema precedente, o STA, apesar de ser um “tribunal 
 supremo”, decidia em 1.ª instância um conjunto relevante de questões através 
 sobretudo dos numerosos recursos contenciosos directamente interpostos para as 
 suas Secções (cf. artigo 26.º, n.º 1, do anterior ETAF – Decreto‑Lei n.º 129/84, 
 de 27 de Abril), conhecendo de matéria de direito e de matéria de facto (artigo 
 
 21.º do anterior ETAF), amplitude de cognição que valia igualmente quando 
 intervinha como tribunal de recurso das decisões dos tribunais administrativos 
 inferiores (tribunais administrativos de círculo e, desde 1996, o Tribunal 
 Central Administrativo). A inexistência de alçada nos tribunais administrativos 
 
 (artigo 10.º do anterior ETAF), associada à regra tradicional da existência de 
 um duplo grau de jurisdição [sendo admitido um terceiro grau apenas com 
 fundamento em oposição de julgados – cf. artigo 103.º da Lei de Processo nos 
 Tribunais Administrativos (Decreto‑Lei n.º 267/85, de 16 de Julho)], e ao 
 número considerável de casos em que o TCA intervinha como tribunal de 1.ª 
 instância, determinava que o STA funcionasse essencialmente como um tribunal de 
 
 1.ª instância e como um tribunal de apelação, afastando‑se dos modelos típicos 
 de funcionamento e competência dos tribunais supremos (cf. Ministério da 
 Justiça, Reforma do Contencioso Administrativo, vol. II, Coimbra, 2003, onde 
 foram publicados o “Estudo de organização e funcionamento dos tribunais 
 administrativos”, elaborado por Accenture, SA, e o “Relatório sobre a justiça 
 administrativa em Portugal (1974‑1999)”, realizado, no âmbito do Observatório 
 Permanente da Justiça Portuguesa, por Vital Moreira e Catarina Sarmento e 
 Castro, e, desta última autora, “Organização e competência dos tribunais 
 administrativos”, em A Reforma da Justiça Administrativa, Boletim da Faculdade 
 de Direito, Stvdia Ivridica, n.º 86, Coimbra, 2005, pp. 29‑78).
 
                         Com a opção fundamental, tomada no âmbito da reforma, da 
 consagração da regra de atribuição aos tribunais administrativos de 1.ª 
 instância da competência para o conhecimento da generalidade das acções afectas 
 
 à jurisdição administrativa (incluindo a “acção administrativa especial”, em que 
 foi convertido o anterior “recurso contencioso de anulação”), assumindo agora 
 carácter excepcionalíssimo os casos em que os tribunais superiores julgam em 
 
 1.ª instância (cf. artigos 24.º e 37.º do novo ETAF), mas com a persistência da 
 regra da existência de um duplo grau de jurisdição, colocou‑se naturalmente a 
 questão de assegurar uma intervenção significativa do STA, que não se confinasse 
 
 à função de uniformização de jurisprudência, fundada em oposição de julgados. 
 Para atingir esta finalidade, consagraram‑se três mecanismos: (i) a 
 interposição de recurso de revista per saltum para o STA de decisões de 
 tribunais administrativos de círculo quando o valor da causa for superior a 3 
 milhões de euros ou seja indeterminado e as partes, nas suas alegações, suscitem 
 apenas questões de direito, e desde que não se trate de processos respeitantes a 
 questões de funcionalismo público ou relacionadas com formas públicas ou 
 privadas de protecção social (artigo 151.º do CPTA); (ii) o reenvio prejudicial 
 para o STA, decidido pelo presidente de um tribunal administrativo de círculo, 
 para emissão de pronúncia sobre questão de direito nova que suscite dificuldades 
 sérias e possa vir a ser suscitada noutros domínios (artigo 93.º do CPTA); e 
 
 (iii) o recurso excepcional de revista, interposto de decisão proferida em 2.ª 
 instância pelos TCAs, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, 
 pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou 
 quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor 
 aplicação do direito (artigo 150.º do CPTA).
 
                         Estas opções foram justificadas na “Exposição de 
 motivos” da Proposta de Lei n.º 93/VII (Diário da Assembleia da República, II 
 Série‑A, Suplemento ao n.º 76, de 18 de Julho de 2001, pp. 2434‑(47) a 
 
 2434‑(66)), nos seguintes termos:
 
  
 
             “4 – (…)
 
             No que se refere aos tribunais administrativos de círculo e à secção 
 de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo e do 
 Supremo Tribunal Administrativo, a mais significativa inovação prende‑se com 
 a redistribuição das suas competências. Indo ao encontro de diversas 
 propostas que vinham sendo formuladas na jurisprudência e na doutrina e 
 foram reafirmadas no âmbito da discussão pública, mas também à revelia de 
 algumas reticências desde sempre manifestadas, optou‑se por adoptar um modelo 
 no qual o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Central Administrativo 
 deixam, no essencial, de funcionar como tribunais de primeira instância, para 
 exercerem as competências que são próprias dos tribunais superiores.
 
             Sem prejuízo de algumas ressalvas de limitada expressão 
 estatística, os tribunais administrativos de círculo passam, assim, a 
 conhecer, em primeira instância, da generalidade dos processos e os tribunais 
 superiores a funcionar, essencialmente, como tribunais de recurso. O Tribunal 
 Central Administrativo passa a ser o tribunal de segunda instância, para o qual 
 são interpostos os recursos de apelação das sentenças proferidas pelos 
 tribunais de círculo.
 
             Ao Supremo Tribunal Administrativo fica reservada a tarefa de 
 funcionar como regulador do sistema, função adequada a uma instância 
 suprema. Neste sentido, cabe‑lhe apreciar os recursos para uniformização de 
 jurisprudência, fundados em oposição de acórdãos. Também lhe podem ser, 
 entretanto, dirigidos recursos de revista, interpostos per saltum, com 
 exclusivo fundamento em questões de direito, de decisões de mérito proferidas 
 pelos tribunais administrativos de círculo em processos de valor mais elevado, 
 ou interpostos de decisões de mérito proferidas pelo Tribunal Central 
 Administrativo, relativamente a matérias que, pela sua relevância jurídica ou 
 social, se revelem de importância fundamental, ou em que a admissão do 
 recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito. O Supremo 
 Tribunal Administrativo pode ser, enfim, chamado, por um tribunal 
 administrativo de círculo, a pronunciar‑se, a título prejudicial, relativamente 
 ao sentido em que deve ser resolvida uma questão de direito nova, que suscite 
 dificuldades sérias e se possa vir a colocar noutros litígios.
 
             Repare‑se que a referida admissão de um recurso de revista para o 
 Supremo Tribunal Administrativo vem introduzir no contencioso 
 administrativo português a possibilidade de uma segunda instância de recurso 
 e, portanto, de um triplo grau de jurisdição. Considerou‑se adequada a 
 introdução desta via pelo facto de, no novo quadro de distribuição de 
 competências, ser ao Tribunal Central Administrativo que incumbe funcionar 
 como instância normal de recurso e se afigurar útil que, em matérias de maior 
 importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, 
 mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para 
 orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à 
 respectiva jurisprudência em sectores que devam ser considerados mais 
 importantes. Não há, assim, a intenção de generalizar o recurso de revista, 
 institucionalizando o terceiro grau de jurisdição, com o óbvio inconveniente 
 de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios. Ao 
 Supremo Tribunal Administrativo caberá dosear a sua intervenção, por forma 
 a permitir que esta via funcione, como se pretende, como uma válvula de 
 segurança do sistema.
 
             (…).”
 
  
 
                         Este “doseamento” da intervenção do STA, quando 
 intervenha em terceiro grau de jurisdição, através da instituição de um 
 procedimento prévio de admissão, já havia sido preconizado por Sérvulo Correia 
 
 (“Linhas de aperfeiçoamento da jurisdição administrativa”, Revista da Ordem dos 
 Advogados, ano 51, 1991, pp. 181‑190, em especial p. 183), invocando o 
 precedente instituído pela lei francesa de 31 de Dezembro de 1987 para os 
 recursos de cassação interpostos para o Conseil d’État das decisões das Cours 
 administratives d’appel então criadas.
 
                         Pronunciando‑se sobre o regime agora vigente, refere 
 este Autor (Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, I vol., 
 Lisboa, 2005, pp. 696‑697):
 
  
 
             “Em suma, a revista per saltum e a revista excepcional asseguram 
 que, não obstante o princípio geral da dupla jurisdição e a existência de duas 
 instâncias abaixo do STA, não fiquem necessariamente subtraídas à cognição 
 deste os processos de maior relevância social e económica que tramitem pela 
 ordem jurisdicional administrativa. Mas, a par do propósito de não excluir o STA 
 do julgamento de uma parte das questões mais salientes em termos de impacte 
 social metajurídico, importava igualmente assegurar o acesso ao STA daquelas 
 causas que, pelo tipo de problemas de direito que a sua apreciação suscite, se 
 prestem ao desempenho de uma função de estabelecimento de novos marcos de 
 jurisprudência, de apoio indicativo ao exercício da jurisdição pelos tribunais 
 inferiores e de consolidação de soluções. É esta a finalidade considerada no n.º 
 
 1 do artigo 150.º do CPTA, quando se condiciona a admissibilidade da revista 
 excepcional à importância da questão à luz da sua relevância jurídica ou à clara 
 necessidade da apreciação do recurso para uma melhor aplicação do direito.
 
             Tais pressupostos são expressos através de conceitos claramente 
 indeterminados, cujo preenchimento valorativo através de apreciação preliminar 
 sumária estará a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os 
 mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo (artigo 150.º, n.º 5, do 
 CPTA). A sujeição da admissão do recurso a um livre juízo do tribunal sobre a 
 suficiência do interesse da causa por modo a justificar que dela se ocupe o 
 tribunal supremo é uma solução que tende hoje em dia a vulgarizar‑se no Direito 
 Processual comparado. Representa, simultaneamente, um modo de aliviar o tribunal 
 de cúpula de uma chusma de casos irrelevantes e nocivos para o cabal desempenho 
 da função de renovação jurisprudencial do Direito e de lhe reservar a escolha 
 dos processos que se prestem à prossecução desse objectivo pela natureza das 
 questões neles versadas.”
 
  
 
                         São, no entanto, diversos os sistemas conhecidos, em 
 direito processual comparado, de filtragem de recursos para os supremos 
 tribunais, assinalando Armindo Ribeiro Mendes (Os recursos jurisdicionais no 
 novo contencioso administrativo, comunicação apresentada no Curso de 
 Pós‑Graduação em Contencioso Administrativo da Faculdade de Direito da 
 Universidade Católica Portuguesa, 2002/2003, policopiado, pp. 46‑47) que algumas 
 das soluções têm deparado “com resistência da prática forense e com acusações de 
 inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e do acesso ao 
 direito”.
 
                         Eles revestem‑se de carácter assumidamente 
 discricionário nos países anglo‑saxónicos, dependendo, no sistema inglês, a 
 application for judicial review (AJR) de uma autorização discricionária do juiz 
 
 (leave), que só será concedida se o requerente convencer que se justifica a 
 discussão do seu caso (if an arguable case is shown) (Sérvulo Correia, obra 
 citada, p. 155). Como refere Armindo Ribeiro Mendes (local citado, p. 47), é 
 
 “tradicional no direito processual inglês a distinção entre recursos de direito 
 
 (as of right) e recursos at the discretion of the higher court, em que é 
 necessário, nestes últimos, obter uma permissão do tribunal a quo ou do superior 
 
 (leave to appeal)”.
 
                         Nos sistemas continentais, após a reforma do contencioso 
 administrativo francês de 1987, os recursos de cassação para o Conselho de 
 Estado foram sujeitos a um procedimento prévio de admissão, sendo esta 
 recusada, por uma formação restrita de juízes, se o recurso não se fundar em 
 razões sérias, ou seja, se lhe faltar um mínimo razoável de fumus boni iuris, 
 enquanto o sistema alemão condiciona a admissibilidade de recurso de revista 
 
 (Revision) para o Bundesverwaltungsgericht à verificação dos pressupostos do 
 interesse substancial do recurso à luz dos fins da uniformidade da interpretação 
 e aplicação ou do desenvolvimento do Direito, da oposição com decisões de 
 tribunais superiores ou da violação de uma norma processual que possa ter 
 influenciado o sentido da decisão (Sérvulo Correia, obra citada, pp. 48, 93‑94 e 
 
 697, nota 414; e Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no 
 Contencioso Administrativo, Coimbra, 2007, pp. 69‑77, para o sistema alemão, e 
 pp. 77‑100, para o sistema francês).
 
                         O sistema instituído pelo artigo 150.º do CPTA não deve 
 ser caracterizado como permitindo uma escolha discricionária, pelo STA, dos 
 casos em que conhecerá do recurso excepcional de revista, mas antes a 
 consagração de regras de selecção assentes em conceitos indeterminados. Como se 
 referiu no acórdão do STA, de 29 de Setembro de 2005, P. 938/05 
 
 (www.dgsi.pt/jsta), o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA “não atribui um poder 
 discricionário à referida «formação» do STA, não podendo esta, por isso, eleger 
 uma entre várias soluções, igualmente válidas e legais, antes tendo de proceder 
 casuisticamente à concretização da definição normativa”, tratando‑se, no fundo, 
 
 “de subsumir os factos a uma determinada categoria legal contida no conceito 
 indeterminado”, pois, “se se interpretasse o mencionado n.º 1 do artigo 150.º do 
 CPTA vendo nele a consagração de um poder discricionário, então, poder‑se‑ia 
 questionar a constitucionalidade de tal interpretação, desde logo, com base na 
 exigibilidade, à luz do princípio do Estado de Direito Democrático, de um grau 
 mínimo de previsibilidade de que se devem revestir as normas processuais 
 atinentes com a definição dos casos em que seja de admitir um recurso para um 
 tribunal superior”. Na opinião de José Carlos Vieira de Andrade (A Justiça 
 Administrativa (Lições), 9.ª edição, Coimbra, 2007, p. 443), “a exigir‑se uma 
 fundamentação qualificada da rejeição, a solução não será inconstitucional” 
 
 (para uma desenvolvida defesa da constitucionalidade desta utilização de 
 conceitos indeterminados, quer face ao princípio da igualdade, quer face ao 
 princípio da proporcionalidade, cf. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, obra citada, 
 pp. 227‑237; para a análise dos critérios que têm sido seguidos pela aludida 
 
 “Formação de apreciação preliminar”, cf. a mesma obra, pp. 249‑289; Mário Aroso 
 de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo 
 nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição, Coimbra, 2007, pp. 860‑872; Rosendo 
 Dias José, “Os meios do CPTA próprios para a tutela de direitos fundamentais e o 
 recurso do artigo 150.º”, em Centro de Estudos Judiciários, A Nova Justiça 
 Administrativa, Coimbra, 2006, pp. 207‑235, em especial pp. 219‑232; Elizabeth 
 Fernandez, “Notas sobre a excepcionalidade da revista no processo 
 administrativo”, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 60, 
 Novembro/Dezembro 2006, pp. 18‑31; e Teresa Violante, “Os recursos 
 jurisdicionais no novo contencioso administrativo”, em O Direito, ano 139.º 
 
 (2007), IV, pp. 841‑877).
 
                         Não é, porém, a globalidade do regime instituído para o 
 recurso excepcional de revista, nem designadamente a utilização de conceitos 
 indeterminados, que está em causa no presente recurso, já que a recorrente 
 apenas questiona a constitucionalidade da interpretação normativa, seguida no 
 acórdão recorrido, de que é inimpugnável a decisão da “Formação de apreciação 
 preliminar” que não admita o recurso por considerar não preenchidos os 
 respectivos pressupostos. Esta interpretação tem sido constantemente assumida 
 na jurisprudência do STA, com apoio na doutrina (Mário Aroso de Almeida e Carlos 
 Alberto Fernandes Cadilha, obra citada, p. 869; em sentido divergente, cf. 
 Elizabeth Fernandez, estudo citado, pp. 19‑20), embora sem explícita consagração 
 na letra do preceito [diversamente do que ocorre no artigo 93.º, n.º 3, do CPTA, 
 que refere que a apreciação da questão objecto de reenvio prejudicial pode ser 
 liminarmente recusada, “a título definitivo”, pela “Formação de apreciação 
 preliminar”, e do que viria a ser expressamente consagrado no artigo 721.º‑A do 
 Código de Processo Civil, aditado pelo Decreto‑Lei n.º 303/2007, de 24 de 
 Agosto, que, assumidamente inspirado no artigo 150.º do CPTA (cf. Ministério da 
 Justiça / Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, O Sistema de Recursos 
 em Processo Civil e em Processo Penal, Coimbra, 2006, pp. 149‑156, 168‑170 e 
 
 232; e Armindo Ribeiro Mendes, “A reforma de 2007 dos recursos cíveis e o 
 Supremo Tribunal de Justiça”, em Estudos Comemorativos dos 10 Anos da Faculdade 
 de Direito da Universidade Nova de Lisboa, vol. II, Coimbra, 2008, pp. 545‑573, 
 em especial pp. 563‑565), instituiu, na reforma dos recursos cíveis, a revista 
 excepcional, dispondo o seu n.º 4 que a decisão da “Formação de apreciação 
 preliminar” do Supremo Tribunal de Justiça quanto à verificação dos 
 pressupostos de admissibilidade desse recurso “é definitiva”].
 
                         Como é sabido, não compete ao Tribunal Constitucional 
 pronunciar‑se sobre a correcção, ao nível da interpretação do direito ordinário, 
 do critério normativo adoptado no acórdão recorrido, mas apenas apreciar se tal 
 critério, que é recebido como um dado da questão, se mostra constitucionalmente 
 conforme. Advirta‑se, desde já, que, estando perante um recurso de 
 constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da LTC, o parâmetro a considerar há‑de consistir em norma ou princípio da CRP, e 
 já não em normas ou princípios de convenções internacionais, designadamente os 
 artigos 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 14.º do Pacto 
 Internacional dos Direitos Civis e Políticos, invocados pela recorrente, que, 
 aliás, para o que ora importa, não se afigura que confiram mais intensa 
 protecção que a assegurada pelo artigo 20.º da CRP.
 
  
 
                         2.2. Como se recordou no Acórdão n.º 40/2008 desta 2.ª 
 Secção, relativamente ao direito de acesso aos tribunais, constitui reiterado 
 entendimento deste Tribunal o de que do artigo 20.º, n.º 1, da CRP não decorre 
 um direito geral a um duplo grau de jurisdição. Como se referiu no Acórdão n.º 
 
 638/98 (na senda do já exposto, entre outros, nos Acórdãos n.ºs 210/92, 346/92, 
 
 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98 e 
 
 276/98, e explicitando orientação posteriormente reiterada em numerosos arestos, 
 designadamente nos Acórdãos n.ºs 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 
 
 689/2005, 399/2007 e 500/2007):
 
  
 
             “7. O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição assegura a todos «o acesso 
 ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente 
 protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios 
 económicos».
 
             Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, 
 segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e 
 independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena 
 igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista 
 
 (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal 
 possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral 
 de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos.
 
             Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, 
 incluindo‑se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de 
 jurisdição?
 
             A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito 
 ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em 
 processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional 
 
 (constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, 
 no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, 
 assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta 
 revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em 
 matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra 
 esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º
 
             Para além disso, algumas vozes têm considerado como 
 constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o 
 direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias 
 constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este 
 respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António 
 Vitorino, respectivamente no Acórdão n.º 65/88, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 11.º, p. 653, e no Acórdão n.º 202/90, id., vol. 16.º, p. 
 
 505).
 
             Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não 
 poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
 
             Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com 
 A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III – Recursos, AAFDL, Lisboa, 
 
 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais 
 judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da 
 competência própria do Tribunal Constitucional – artigo 210.º), terá de 
 admitir‑se que «o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais 
 de recurso e os próprios recursos» (cf., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.  9.º, p. 463, e n.º 340/90, id., vol. 
 
 17.º, p. 349).
 
             Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, 
 pode concluir‑se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente 
 a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na 
 prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de 
 liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cf. os 
 citados Acórdãos n.ºs 31/87 e 65/88, e ainda n.º 178/88 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol.. 12.º, p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, 
 ainda Acórdãos n.º 359/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, p. 
 
 605), n.º 24/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 525) e n.º 
 
 450/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13.º, p. 1307).
 
             O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das 
 decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer 
 decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias 
 constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla 
 margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não 
 suprima em globo a faculdade de recorrer.”
 
  
 
                         No aludido Acórdão n.º 40/2008 admitiu‑se que – para 
 além dos casos em que este Tribunal tem tradicionalmente afirmado a imposição 
 constitucional de um direito ao recurso jurisdicional (ou direito a um duplo 
 grau de jurisdição), a saber: as decisões condenatórias em processo penal ou 
 que impliquem a adopção de medidas restritivas da liberdade ou de outros 
 direitos fundamentais do arguido – seria sustentável que, sendo 
 constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer actos 
 lesivos dos direitos dos cidadãos (maxime dos direitos, liberdades e 
 garantias), sejam esses actos provenientes de particulares ou de órgãos do 
 Estado, se garantisse o direito à impugnação judicial de actos dos tribunais 
 
 (sejam eles decisões judiciais ou actuações materiais) que constituíssem a causa 
 primeira e directa da afectação de tais direitos. Considerou‑se, então, que 
 quando uma actuação de um tribunal, por si mesma, afecta, de forma directa, um 
 direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deveria ser 
 reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação, mas que quando a 
 afectação do direito fundamental do cidadão tivesse tido origem numa actuação 
 da Administração ou de particulares e esta actuação já tivesse sido objecto de 
 controlo jurisdicional, não era sempre constitucionalmente imposta uma 
 reapreciação judicial dessa decisão.
 
                         O presente caso não cabe nem no entendimento tradicional 
 deste Tribunal quanto à garantia do direito ao recurso, nem sequer no 
 alargamento admitido pelo Acórdão n.º 40/2008, já que o direito da recorrente 
 afectado pela decisão da “Formação de apreciação preliminar” cuja 
 impugnabilidade se discute – a saber: o direito a um terceiro grau de 
 jurisdição, pois nisso se traduziria a admissão do recurso excepcional de 
 revista – não pode ser qualificado como direito fundamental, para o apontado 
 efeito.
 
                         Conclui‑se, assim, não violar o direito de acesso aos 
 tribunais, na dimensão de direito ao recurso, nos termos em que ele deve ser 
 considerado como constitucionalmente consagrado, o entendimento de que é 
 inimpugnável a decisão da “Formação de apreciação preliminar” que, nos termos do 
 n.º 5 do artigo 150.º do CPTA, não admita o recurso excepcional de revista.
 
                         É certo que do facto de não ser constitucionalmente 
 imposto que o legislador ordinário consagre um terceiro grau de jurisdição no 
 contencioso administrativo, não se segue que o mesmo legislador, se decidir 
 prever esse terceiro grau em determinadas situações, tenha irrestrita liberdade 
 na regulação desse recurso. O Tribunal Constitucional sempre tem entendido que 
 se o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, 
 em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição, na respectiva 
 regulamentação não lhe é consentido adoptar soluções desrazoáveis, 
 desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerar‑se vinculado ao 
 respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da 
 proporcionalidade. Como se referiu no Acórdão n.º 628/2005, a garantia 
 constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a 
 previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso, pois “tal garantia, 
 conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na 
 sua regulação o legislador não adopte soluções arbitrárias e desproporcionadas, 
 limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos 
 apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, 
 vejam‑se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 1229/96 e 462/2003 (…))”.
 
                         Acontece que, no caso, nenhuma destas violações vem 
 alegada nem se descortina a sua existência. Na verdade, a decisão de admissão, 
 ou não, do recurso excepcional de revista: (i) tem de ser adequadamente 
 fundamentada; (ii) está sujeita à verificação de requisitos legalmente 
 predeterminados, que, apesar de definidos através de conceitos indeterminados, 
 não se deve qualificar como puramente discricionária ou arbitrária; e (iii) está 
 confiada a uma formação colegial dos juízes mais experientes do STA (tendo a 
 Lei n.º 4‑A/2003, de 19 de Fevereiro, alterado a redacção originária do n.º 5 
 do artigo 150.º do CPTA no sentido de a decisão de admissão do recurso 
 excepcional de revista deixar de competir à “formação de três juízes à qual 
 caiba o julgamento da revista” para passar a competir a uma “formação 
 constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso 
 Administrativo”, alteração aplaudida pela doutrina, que apontava à opção 
 primitiva três defeitos: ser claro o risco de desincentivo à admissão por parte 
 de quem teria o trabalho suplementar de julgar; dificultar‑se a estabilidade 
 na tarefa de densificação jurisprudencial dos pressupostos de admissibilidade; 
 e haver contradição, desprovida de justificação material, com a solução acolhida 
 no n.º 3 do artigo 93.º do CPTA para a determinação preliminar dos pressupostos 
 do reenvio prejudicial – cf. Sérvulo Correia, obra citada, p. 697, nota 413).
 
                         Neste contexto, a não previsão de qualquer forma de 
 impugnação da decisão de não admissão do recurso excepcional de revista, além de 
 não ser constitucionalmente imposta, não se mostra desconforme com os aludidos 
 princípios que devem nortear a regulação dos recursos apenas legalmente 
 previstos.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do 
 artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela 
 Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, alterada pela Lei n.º 4‑A/2003, de 19 de 
 Fevereiro, interpretado no sentido de ser inimpugnável a decisão da “Formação 
 de apreciação preliminar” que não admita recurso excepcional de revista, por 
 entender não estarem preenchidos os pressupostos referidos no n.º 1 do mesmo 
 preceito; e, consequentemente,
 
                         b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida, na parte impugnada.
 
                         Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
 Lisboa, 28 de Abril de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 João Cura Mariano
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel de Moura Ramos