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Processos n.ºs 111/09, 116/09 e 320/09
 Plenário
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
             Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
  
 
  
 
             1 – Requerentes 
 
  
 
             O Provedor de Justiça dirigiu, em 10 de Fevereiro de 2009, ao 
 Tribunal Constitucional, um requerimento pedindo a apreciação e declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas contidas nos 
 artigos 7.º, n.º 1, alínea o), 47.º, n.º 4, alínea c), 67.º, alínea d), 101, n.º 
 
 1, alínea n), e 130.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos 
 Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, na redacção que, por 
 
 último, lhe foi conferida pela Lei n.º 2/2009, de 12 de Janeiro (de agora em 
 diante, EPARAA).
 
  
 
             Logo depois, no dia 12 de Fevereiro de 2009, um Grupo de deputados à 
 Assembleia da República apresentou outro requerimento, pedindo, agora, a 
 apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, 
 da norma contida no artigo 114.º do EPARAA.
 
  
 
             Finalmente, no dia 29 de Abril de 2009, o Provedor de Justiça 
 dirigiu novo requerimento ao Tribunal pedindo a apreciação e declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas contidas nos 
 artigos 4.º, n.º 4, 1ª parte, 7.º, n.º 1, alíneas i) e j), 34.º, alínea m), 
 
 119.º, nos 1 a 5, 124.º, n.º 2, e 140.º, n.º 2, do EPARAA. 
 
             
 
  
 
             2 – Objecto dos pedidos 
 
  
 
             O teor das normas do Estatuto Político-Administrativo da Região 
 Autónoma dos Açores (na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2009, de 12 de 
 Janeiro) que são, aqui, questionadas é o seguinte:
 
  
 Artigo 4.º
 Símbolos da Região
 
       
 
 4 — A bandeira da Região é hasteada nas instalações dependentes dos órgãos de 
 soberania na Região e dos órgãos de governo próprio ou de entidades por eles 
 tuteladas, bem como nas autarquias locais dos Açores.
 
  
 Artigo 7.º
 Direitos da Região
 
  
 
       1 — São direitos da Região, para além dos enumerados no n.º 1 do artigo 
 
 227.º da Constituição:
 
 […]
 i) O direito a uma política própria de cooperação externa com entidades 
 regionais estrangeiras, nomeadamente no quadro da União Europeia e do 
 aprofundamento da cooperação no âmbito da Macaronésia;
 j) O direito a estabelecer acordos de cooperação com entidades regionais 
 estrangeiras e a participar em organizações internacionais de diálogo e 
 cooperação inter-regional;
 
 […]
 o) O direito a criar provedores sectoriais regionais;
 
  
 Artigo 34.º
 Competência política da Assembleia Legislativa
 
  
 Compete à Assembleia Legislativa:
 
 […]
 m) Aprovar acordos de cooperação com entidades regionais ou locais estrangeiras 
 que versem sobre matérias da sua competência ou sobre a participação em 
 organizações que tenham por objecto fomentar o diálogo e a cooperação inter 
 
 -regional; 
 
  
 Artigo 47.º
 Discussão e votação
 
  
 
 4 — Carecem de maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que 
 superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções:
 
 […];
 c) A eleição de provedores sectoriais regionais.
 
  
 
  
 Artigo 67.º
 Outras matérias
 
  
 Compete ainda à Assembleia Legislativa legislar nas seguintes matérias: 
 
 […];
 d) A criação e estatuto dos provedores sectoriais regionais; 
 
 […].
 
  
 
  
 Artigo 101.º
 Incompatibilidades
 
  
 
 1 — São incompatíveis com o exercício do mandato de deputado à Assembleia 
 Legislativa os seguintes cargos ou funções:
 
 […];
 n) Provedores sectoriais regionais; 
 
 […].
 
  
 
  
 Artigo 114.º
 Audição pelo Presidente da República sobre o exercício de competências políticas
 
  
 Os órgãos de governo regional devem ser ouvidos pelo Presidente da República 
 antes da dissolução da Assembleia Legislativa e da marcação da data para a 
 realização de eleições regionais ou de referendo regional, nos termos do n.º 2 
 do artigo 229.º da Constituição.
 
  
 
  
 
  
 
  
 Artigo 119.º
 Audição qualificada
 
  
 
 1 — A Assembleia da República e o Governo da República adoptam o procedimento de 
 audição qualificada, nos seguintes casos:
 a) Iniciativas legislativas susceptíveis de serem desconformes com qualquer 
 norma do presente Estatuto;
 b) Iniciativas legislativas ou regulamentares que visem a suspensão, redução ou 
 supressão de direitos, atribuições ou competências regionais, nos termos do n.º 
 
 2 do artigo 14.º;
 c) Iniciativas legislativas destinadas à transferência de atribuições ou 
 competências da administração do Estado para as autarquias locais dos Açores, 
 nos termos do artigo 135.º.
 
 2 — O procedimento de audição qualificada inicia-se com o envio para o órgão de 
 governo próprio competente da proposta ou projecto de acto acompanhada de uma 
 especial e suficiente fundamentação da solução proposta, à luz dos princípios da 
 primazia do Estatuto, do adquirido autonómico e da subsidiariedade.
 
 3 — No prazo indicado pelo órgão de soberania em causa, que nunca pode ser 
 inferior a 15 dias, o órgão de governo próprio competente emite parecer 
 fundamentado.
 
 4 — No caso de o parecer ser desfavorável ou de não aceitação das alterações 
 propostas pelo órgão de soberania em causa, deve constituir-se uma comissão 
 bilateral, com um número igual de representantes do órgão de soberania e do 
 
 órgão de governo próprio, para formular, de comum acordo, uma proposta 
 alternativa, no prazo de 30 dias, salvo acordo em contrário.
 
 5 — Decorrendo o prazo previsto no número anterior, o órgão de soberania decide 
 livremente.
 
  
 
  
 
  
 Artigo 124.º
 Relações externas com outras entidades
 
  
 
 2 — No âmbito do número anterior, a Região pode, através do Governo Regional, 
 estabelecer ou aceder a acordos de cooperação com entidades de outros Estados.
 
  
 
  
 
  
 
  
 Artigo 130.º
 Provedores sectoriais regionais
 
  
 
 1 — A Região pode criar provedores sectoriais regionais que, respeitando as 
 atribuições do Provedor de Justiça e em coordenação com este, recebam queixas 
 dos cidadãos por acções ou omissões de órgãos ou serviços da administração 
 regional autónoma, de organismos públicos ou privados que dela dependam, de 
 empresas privadas encarregadas da gestão de serviços públicos regionais ou que 
 realizem actividades de interesse geral ou universal no âmbito regional.
 
 2 — Os provedores sectoriais regionais podem dirigir as recomendações que 
 entenderem às entidades referidas no número anterior e exercer as restantes 
 competências que lhes venham a ser atribuídas por decreto legislativo regional.
 
 3 — Os provedores sectoriais regionais são eleitos pela Assembleia Legislativa e 
 têm um estatuto de independência.
 
 4 — A criação de um provedor sectorial regional não envolve qualquer restrição 
 ao direito de queixa ao Provedor de Justiça ou às suas competências.
 
  
 
  
 Artigo 140.º
 Alteração do projecto pela Assembleia da República
 
  
 
 2 — Os poderes de revisão do Estatuto pela Assembleia da República estão 
 limitados às normas estatutárias sobre as quais incida a iniciativa da 
 Assembleia Legislativa e às matérias correlacionadas.
 
  
 
  
 
  
 
             3 – Fundamentação dos Pedidos
 
  
 
             3.1. O Provedor de Justiça fundamentou o pedido de declaração da 
 inconstitucionalidade dos artigos 7.º, n.º 1, alínea o), 47.º, n.º 4, alínea c), 
 
 67.º, alínea d), 101, n.º 1, alínea n) e 130.º, do EPARAA, em suma, nos 
 seguintes termos: 
 
  
 
             O artigo 7.°, n.º 1, alínea o), do Estatuto, consagra o direito da 
 Região de «criar provedores sectoriais regionais». 
 
  
 
             Nos termos do artigo 130.º, estes provedores receberão 'queixas dos 
 cidadãos por acções ou omissões de órgãos ou serviços da administração regional 
 autónoma, de organismos públicos ou privados que dela dependam, de empresas 
 privadas encarregadas da gestão de serviços públicos regionais ou que realizem 
 actividades de interesse geral ou universal no âmbito regional'. Nos termos do 
 mesmo artigo, os provedores sectoriais podem dirigir as recomendações que 
 entenderem às entidades referidas e exercer as restantes competências que lhes 
 venham a ser atribuídas por decreto legislativo regional. 
 
  
 
             O legislador quis instituir, ao nível regional, instituições com as 
 mesmas características e funções que o órgão consagrado no artigo 23.° da 
 Constituição: o Provedor de Justiça. 
 
  
 
             Ora, ao permitir a criação de provedores sectoriais regionais, o 
 Estatuto ignora o estatuto constitucional do Provedor de Justiça. Com a criação 
 dos provedores sectoriais regionais perde-se a visão sistémica da defesa não 
 jurisdicional dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, subverte-se a 
 função preventiva global de ocorrência de injustiças e ilegalidades nas diversas 
 administrações, deturpa-se o papel unitário de guardião dos direitos e 
 interesses legítimos de todos e de cada um dos portugueses por parte do Provedor 
 de Justiça, e retira-se, sem necessidade e contra a intenção legislativa, 
 efectividade aos direitos.
 
  
 
             Termina o Provedor de Justiça pedindo a apreciação e declaração de 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos 
 artigos 7.º n.º 1, alínea o), 47.º, n.º 4, alínea c), 67.º, alínea d), 101, n.º 
 
 1, alínea n), e 130.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos 
 Açores. 
 
  
 
             3.2. O Grupo de Deputados à Assembleia da República, no requerimento 
 que dirigiu a este Tribunal, fundamentou o seu pedido de declaração da 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 114.º do Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, nos seguintes termos: 
 
  
 
             A Lei n.º 2/2009, de 12 de Janeiro, adita ao Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores o artigo 114°, relativo à 
 
 “Audição pelo Presidente da República sobre o exercício de competências 
 políticas”. 
 
  
 
             O artigo 114° do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma 
 dos Açores estabelece o que se segue: “Os órgãos de governo regional devem ser 
 ouvidos pelo Presidente da República antes da dissolução da Assembleia 
 Legislativa e da marcação da data para a realização de eleições regionais ou de 
 referendo regional, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º da Constituição”. 
 
  
 
             Esta norma vem impor ao Presidente da República novas obrigações que 
 a Constituição não prevê. 
 
  
 
             Na verdade, de acordo com o artigo 234°, n.º 1, da CRP: “As 
 Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ser dissolvidas pelo 
 Presidente da República, ouvido o Conselho de Estado e os partidos nelas 
 representados”. 
 
  
 
             De igual forma, o artigo 133°, alínea j), da Lei Fundamental 
 estabelece que “Compete ao Presidente da República, relativamente a outros 
 
 órgãos: 
 
 (...) j) Dissolver as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, ouvidos o 
 Conselho de Estado e os partidos nela representados (...)“. 
 
  
 
             A Constituição só impõe, portanto, o dever de audição do Conselho de 
 Estado e dos partidos representados na Assembleia Legislativa respectiva. Só 
 estes, e nenhum outro órgão ou entidade, devem ser ouvidos, nos termos 
 constitucionais, pelo Presidente da República, em caso de dissolução de 
 Assembleia Legislativa. 
 
  
 
             Sucede, porém, que o novo artigo 114° do Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores vem impor ao Presidente da 
 República outras audições, para além das constitucionalmente exigidas, no caso 
 de dissolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. 
 
  
 
             Efectivamente, tal norma obriga a que, em caso de dissolução da 
 Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, o Presidente da República 
 ouça, para além do Conselho de Estado e dos partidos representados na Assembleia 
 Legislativa, os próprios órgãos de governo regional, ou seja, no caso, o Governo 
 Regional dos Açores e a própria Assembleia Legislativa dos Açores, cuja 
 dissolução estará em causa. 
 
  
 
             Tal norma cria, assim, obrigações acrescidas ao Presidente da 
 República, sujeitando-o a mais deveres de audição, no que respeita à dissolução 
 da Assembleia Legislativa dos Açores, do que as previstas na Constituição, 
 desfigurando, assim, o equilíbrio de poderes resultante da Constituição.
 
  
 
             Ora, tal não é possível. Nos termos do artigo 110, n.º 2, da 
 Constituição, “A formação, a composição, a competência e o funcionamento dos 
 
 órgãos de soberania são as definidas na Constituição”. O exercício dos poderes 
 do Presidente da República é realizado no quadro da Constituição (cfr. artigo 
 
 110°, n.º 2, da CRP), não podendo ficar à mercê da contingência da legislação 
 ordinária aprovada por maiorias políticas circunstanciais. 
 
  
 
             Não pode, assim, uma lei ordinária restringir o exercício das 
 competências políticas do Presidente da República definidas na Constituição, 
 impondo, em caso de dissolução da Assembleia Legislativa dos Açores, um novo 
 trâmite que não tem cobertura constitucional: a audição dos “órgãos de governo 
 regional”. 
 
  
 
             Acresce referir que a solução normativa contida no artigo 114° do 
 Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores é absurda. O 
 Presidente da República passa a estar sujeito a mais exigências no que toca à 
 dissolução da Assembleia Legislativa dos Açores do que as previstas para a 
 dissolução da Assembleia da República. 
 
  
 
             Para dissolver a Assembleia da República não tem de consultar o 
 
 órgão, mas para dissolver a Assembleia Legislativa dos Açores já terá de o fazer 
 
 [cfr. artigo 133°, alínea e), da Constituição da República Portuguesa].  
 
  
 
             Além disso, é incompreensível a audição autónoma do Governo Regional 
 quando o Presidente de tal órgão tem já assento no Conselho de Estado e é aí 
 ouvido pelo Presidente da República e também não se compreende a audição 
 autónoma da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores quando, nos 
 termos constitucionais, o Presidente da República já ouve os partidos nela 
 representados. 
 
  
 
             O artigo 114.º consubstancia uma redução dos poderes do Presidente 
 da República e uma alteração no equilíbrio de poderes que é manifestamente 
 inconstitucional.
 
  
 
             Em sentido idêntico se pronunciou, aliás, em caso similar, o Acórdão 
 do Tribunal Constitucional n.º 402/08, a propósito da norma do n.º 3 do artigo 
 
 114.º do Decreto da Assembleia da República n.º 217/X.
 
  
 
             O artigo 114.º, do Estatuto Político-Administrativo da Região 
 Autónoma dos Açores, é, portanto, inconstitucional por violação do disposto no 
 artigo 110°, n.º 2, conjugado com os artigos 234°, n.º 1, e 133°, alínea j), da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
             3.3. No segundo requerimento que dirigiu ao Tribunal, o Provedor de 
 Justiça pediu a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória 
 geral, dos artigos 4.º, n.º 4, 1ª parte, 7.º, n.º 1, alíneas i) e j), 34.º, 
 alínea m), 119.º, nos 1 a 5, 124.º, n.º 2, e 140.º, n.º 2, do EPARAA, nos termos 
 e com os fundamentos que, em síntese, se seguem:  
 
 
 
             3.3.1. O art. 4.°, n.º 4, do Estatuto Político-Administrativo da 
 Região Autónoma dos Açores determina que “a bandeira da Região é hasteada nas 
 instalações dependentes dos órgãos de soberania na Região e dos órgãos de 
 governo próprio ou de entidades por eles tuteladas, bem como nas autarquias 
 locais dos Açores”.
 
  
 
             Esta norma impõe, na prática, que a bandeira da Região seja hasteada 
 nas instalações dependentes dos órgãos de soberania que estejam situadas na 
 Região.
 
  
 
             Os órgãos de soberania representam a Nação e o todo nacional. Deste 
 modo, não faz sentido que a utilização da bandeira da Região seja imposta nas 
 instalações deles dependentes, apenas por força da sua localização regional. 
 Trata-se, aliás, de matéria comum às duas Regiões Autónomas, e que não se 
 afigura apresentar especificidades em cada uma delas.
 
  
 
             É certo que o lugar a ser ocupado pela bandeira regional quando, 
 eventualmente, hasteada nas instalações dependentes dos órgãos de soberania na 
 Região teria de respeitar o “lugar de honra” que é devido à bandeira nacional. E 
 
 é, também, naturalmente, aceitável que os órgãos de soberania na Região, por sua 
 vontade e em momentos específicos, de celebração regional (nomeadamente, nos 
 feriados regionais), possam hastear a bandeira da Região juntamente com a 
 Bandeira Nacional. 
 
  
 
             Já não parece, porém, aceitável, pela própria natureza das coisas, 
 que se imponha, aos órgãos de soberania, a utilização obrigatória de um símbolo 
 regional. 
 
  
 
             A imposição, aos órgãos de soberania, que decorre do artigo 4.º, n.º 
 
 4, 1.ª parte, do Estatuto, é violadora do princípio da unidade e da 
 indivisibilidade da soberania, e das ideias de unidade nacional e de integridade 
 do território que lhe estão associadas, sendo certo que, conforme decorre, 
 explicitamente, do art.º 225.°, n.º 3, da Constituição, a autonomia 
 político-administrativa regional não afecta a integridade da soberania do 
 Estado. 
 
  
 
             Tal princípio e seus corolários são institucionalmente 
 representados, na Região, pelo exercício dos poderes pelos órgãos de soberania, 
 como órgãos superiores do Estado (art.º 110.º, n.º 1, da Constituição), e 
 simbolicamente pela Bandeira Nacional (art.º 11.º da Constituição). 
 
  
 
             Ademais, o art. 227.°, n.º 1, da Constituição, não abre a porta à 
 normação pelos estatutos regionais de matérias que extravasem o que nele se 
 consente, pelo que também por essa razão o art.° 4.°, n.º 4, do Estatuto, na 
 parte questionada, viola o disposto no art.° 227.°, n.º 1, da Constituição. 
 
  
 
             Com efeito, o art. 4.º, n.º 4, do Estatuto, impõe procedimentos a 
 
 órgãos de soberania e a órgãos do Estado com instalações na Região, logo, 
 interfere com os poderes destes, o que não cabe, manifestamente, no âmbito 
 próprio da autonomia regional.
 
  
 
             Assim sendo, a imposição, aos órgãos de soberania, do hastear da 
 bandeira regional revela-se violadora dos princípios da soberania, da unidade e 
 integridade territoriais, e da protecção constitucional conferida à Bandeira 
 Nacional como símbolo desses mesmos princípios. 
 
  
 
 3.3.2. Também o artigo 7.º, nas suas alíneas i) e j), ao conferir à região “o 
 direito a uma política própria de cooperação externa com entidades regionais 
 estrangeiras', e os artigos 34.°, alínea m) e 124°, n.º 2, ao permitirem que a 
 Assembleia Legislativa Regional e o Governo regional estabeleça acordos de 
 cooperação com entidades estrangeiras são inconstitucionais. 
 
  
 
             Os mencionados dispositivos legais visam concretizar o conteúdo da 
 norma estabelecida no art. 227.°, n.º 1, alínea u), da Constituição, que inclui, 
 no elenco dos poderes das regiões autónomas, o de estabelecerem cooperação com 
 outras entidades regionais estrangeiras e participarem em organizações que 
 tenham por objecto fomentar o diálogo e a cooperação inter-regional, de acordo 
 com as orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em 
 matéria de política externa. 
 
  
 
             Contudo, o Estatuto omite a parte final da norma constitucional 
 mencionada, no segmento que determina que os poderes das regiões autónomas se 
 exerçam “de acordo com as orientações definidas pelos órgãos de soberania com 
 competência em matéria de política externa”.
 
  
 
             As referidas normas do Estatuto não contêm meros arranjos formais, 
 que permitam, através de uma leitura integrada com a alínea u) do n.º 1 do art.° 
 
 227.° da Lei Fundamental, uma interpretação das mesmas conforme ao texto 
 constitucional. 
 
  
 
             A omissão do segmento final da norma constitucional com a 
 concomitante referência, no texto do Estatuto, a um “direito a uma política 
 própria”, visam, conjugadamente, introduzir uma ideia materialmente distinta e, 
 conforme se concluirá, incompatível, com a orientação da Constituição sobre a 
 matéria. 
 
  
 
             O Estatuto pretende permitir o exercício, pela Região, dos poderes 
 em causa de estabelecer acordos de cooperação com entidades estrangeiras, 
 segundo uma política própria, independentemente da existência de orientações, 
 quanto à matéria, definidas pelos órgãos de soberania. 
 
  
 
             Na prática, e se o exercício de tais poderes não implica, 
 naturalmente, o cumprimento de condutas impositivas por parte dos órgãos de 
 soberania, terá, no entanto, de ser feito de forma vinculada relativamente às 
 orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de 
 política externa, e não independentemente, ou mesmo em contradição, com aquelas. 
 
 
 
  
 
             Ora os poderes das regiões devem ser exercidos nos quadros do Estado 
 unitário e nunca ao arrepio das orientações definidas pelos órgãos de soberania 
 em matéria de política externa.
 
 
 
             3.3.3. São, também, inconstitucionais as normas do artigo 119.°, 
 n.ºs 1 a 5 que estabelecem um procedimento de audição qualificada.
 
  
 
             O art. 119.° do Estatuto vincula a Assembleia da República e o 
 Governo da República à adopção de um procedimento que o legislador qualifica 
 como de “audição qualificada” dos órgãos de governo próprio da Região, nas 
 situações que aparecem discriminadas nas três alíneas do respectivo n.º 1 — 
 iniciativas legislativas susceptíveis de serem desconformes com qualquer norma 
 do Estatuto, iniciativas legislativas ou regulamentares que visem a suspensão, 
 redução ou supressão de direitos, atribuições ou competências regionais, e 
 iniciativas legislativas destinadas à transferência de atribuições ou 
 competências da administração do Estado para as autarquias locais dos Açores. 
 
  
 
             O procedimento, dito de “audição qualificada”, pautado pelo conjunto 
 de regras contidas nos n.ºs 2 a 5 do artigo, não pode, em bom rigor, ser 
 materialmente qualificado como de audição, contendo antes as referidas normas um 
 procedimento que constitui uma verdadeira negociação, de carácter bilateral, 
 entre os órgãos de soberania mencionados e os órgãos de governo próprio da 
 Região.
 
  
 
             É certo que, decorrendo esse prazo, o órgão de soberania decide 
 livremente (n.º 5 do mesmo artigo). Mas, na prática, a referida solução contém 
 uma verdadeira limitação, de natureza temporal, ao exercício das competências 
 legislativas e regulamentares por parte dos órgãos de soberania. 
 
  
 
             O artigo 229.º, n.º 2, estabelece um dever de audição, mas esse 
 dever não pode obrigar os órgãos de soberania a aguardar pelo parecer da região 
 para além do prazo concretamente razoável.
 
  
 
             É notório que o legislador constituinte quis distinguir as formas de 
 audição no âmbito das iniciativas legislativas em geral (art.º 229.º, n.º 2) e 
 para efeitos de elaboração ou de alteração dos estatutos 
 político-administrativos das regiões autónomas (art.º 226.º, n.º 2), pretendendo 
 inequivocamente um procedimento mais exigente nesta última situação, e só nesta 
 situação.
 
 
 
             O procedimento de audição qualificada do art. 119.º do Estatuto 
 imposto, para as matérias elencadas no seu n.º 1, independentemente da situação 
 concreta e da ponderação casuística da necessidade ou não de uma segunda ou mais 
 audições, consubstancia um procedimento materialmente distinto da audição que 
 tem como consequência que o órgão de soberania não possa, no período temporal 
 estabelecido, exercer as suas competências ao nível legislativo e regulamentar. 
 
 
 
             Não podendo, naturalmente, aceitar-se que o procedimento de audição 
 pretendido pelo legislador constituinte, com tradução na previsão do art. 229.°, 
 n.º 2, possa comportar essa limitação de poderes dos órgãos de soberania, as 
 normas constantes dos n.ºs 1 a 5 do art. 119.º do Estatuto são materialmente 
 inconstitucionais no confronto com o referido preceito da Lei Fundamental. 
 
  
 
             3.3.4. É, ainda, inconstitucional a norma do artigo 140.°, n.º 2, do 
 Estatuto.
 
  
 
             O art. 140.°, n.º 2, do Estatuto, determina que “os poderes de 
 revisão do Estatuto pela Assembleia da República estão limitados às normas 
 estatutárias sobre as quais incida a iniciativa da Assembleia Legislativa e às 
 matérias correlacionadas”. 
 
  
 
             Apesar de a Constituição reservar para a Assembleia Legislativa da 
 Região a iniciativa legislativa tendente à revisão do Estatuto, não decorre do 
 texto constitucional, em momento algum, que a Assembleia da República — órgão 
 que, nos termos constitucionais, tem competência para aprovar o Estatuto e as 
 suas respectivas revisões [art.°s 161.°, alínea b), e 226.°, n.ºs 1 a 5, da Lei 
 Fundamental] —, fique limitada na sua competência legislativa à aprovação das 
 normas do Estatuto sobre as quais incida a prévia iniciativa da Assembleia 
 Legislativa. 
 
  
 
             Ou seja, a reserva de iniciativa legislativa da Assembleia 
 Legislativa não implicará, nem nos termos da Constituição, nem por natureza, a 
 vinculação da Assembleia da República a uma espécie de “princípio do pedido”, 
 que é o que acontece com a previsão do art. 140.°, n.º 2, do Estatuto. 
 
  
 
             A regra que se extrai da norma do art. 140.º, n.º 2, do Estatuto, 
 não decorre do texto constitucional, e coloca a Assembleia da República sob a 
 possibilidade de ficar indefinidamente, e contra a sua vontade, refém das 
 soluções legais consagradas, em determinado momento histórico, nas leis 
 estatutárias das regiões autónomas.
 
  
 
             E se tal solução se mostra de alcance compreensível quando estão em 
 causa normas reguladoras de matérias que, de uma forma ou outra, servem o 
 enquadramento e aprofundamento da autonomia político-administrativa da Região, a 
 mesma solução já será inaceitável do ponto de vista constitucional não só quando 
 estão em causa normas que, pese embora constando do Estatuto, não têm essa 
 função específica, como quando estão em causa normas que disciplinam matérias 
 integradas na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, ou 
 seja, normas que claramente extravasem os poderes sobre os quais — e apenas 
 sobre os quais — devem incidir os estatutos das regiões autónomas (art. 227.°, 
 n.º 1, da Constituição). 
 
  
 
             Ora, o actual Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma 
 dos Açores — que pretende ser, na prática, uma verdadeira 'Constituição' da 
 Região — contém várias normas que não têm tal função específica, e que, 
 inclusivamente, regulam matérias inseridas no âmbito da reserva de competência 
 legislativa da Assembleia da República. 
 
  
 
             Um dos exemplos que poderá ser apontado é o das normas dos artigos 
 
 22.° e 23.° do Estatuto, que dispõem sobre o domínio público da Região e do 
 Estado na Região, e, consequentemente, sobre matéria reservada da Assembleia da 
 República [alínea v) do n.º 1 do art. 165.° da Constituição].
 
  
 
             A Assembleia da República tem de poder aprovar, alterar ou suprimir 
 normas respeitantes às matérias que estejam na sua esfera de competência 
 reservada (e não respeitem portanto à autonomia regional), pelo menos no momento 
 em que a Região decide desencadear um procedimento de revisão do Estatuto. 
 
             A solução compromete a possibilidade de alcançar soluções de 
 conjunto que representem o equilíbrio de interesses — possível e desejável — 
 entre o órgão (regional) de iniciativa e o órgão (de soberania) decisor. 
 
  
 
             Tem, além disso, como pressuposto enquadrador o respeito pelo 
 princípio do não retrocesso quanto ao grau lícito de autonomia adquirido pelas 
 regiões autónomas. A Assembleia da República ficaria, na prática, de “mãos 
 atadas” para legislar em matérias que lhe estão desde logo constitucionalmente 
 reservadas. O único expediente que restaria à Assembleia da República para 
 contornar a situação seria a via da revisão constitucional, meio que 
 manifestamente se afigurará desproporcionado aos fins que visa atingir.
 
  
 
             A reserva de iniciativa dos órgãos legislativos regionais é uma 
 reserva de impulso do procedimento legislativo, nas matérias próprias da 
 autonomia regional. Não impede os órgãos de soberania de legislarem sobre as 
 matérias que são da sua competência reservada, ainda que constantes dos 
 Estatutos. 
 
  
 
             O Estatuto contém, na norma do respectivo art. 140.°, n.º 2, uma 
 verdadeira limitação da competência legislativa da Assembleia da República, em 
 sede de revisão do Estatuto, que não encontra suporte, explícito ou implícito, 
 em nenhum momento do texto constitucional. 
 
  
 
             Consagra, pois, uma violação aos princípios e normas que se podem 
 extrair conjugadamente dos art.°s 161.º, alínea c), e 226.°, n.ºs 1 a 4, da 
 Constituição. 
 
  
 
             4. Resposta do órgão autor da norma
 
  
 
             Notificado para se pronunciar, querendo, sobre os pedidos, o 
 Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos, 
 entregando cópia dos diversos documentos relativos aos trabalhos preparatórios 
 da Lei n.º 2/2009. 
 
  
 
             5. Despacho de junção 
 
             
 
             Dada a conexão entre os pedidos, todos eles relativos à Lei n.º 
 
 2/2009, de 12 de Janeiro, que aprovou a terceira revisão do Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, o Presidente do Tribunal 
 ordenou, por despacho, a junção dos autos relativos aos três processos.  
 
  
 
             6. Debate do memorando
 
  
 
             Elaborado pelo Presidente do Tribunal Constitucional o memorando a 
 que se refere o artigo 63.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), e 
 submetido o mesmo a debate, cumpre dar corpo à decisão em função da orientação 
 fixada pelo Tribunal sobre as questões a resolver.
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
  
 
             
 
             7. Questões decidendas
 
             
 
             As questões de constitucionalidade postas ao Tribunal reportam-se às 
 seguintes temáticas: 
 
  
 A) Utilização da bandeira regional nas instalações dependentes dos órgãos de 
 soberania que estejam situadas na Região (artigo 4.º, n.º 4, 1.ª parte);
 B) Poderes da Região em matéria de política externa [artigo 7.º, n.º 1, alíneas 
 i) e j), 34.º, alínea m), e 124.º, n.º 2];
 C) Criação de provedores sectoriais regionais [artigo 7.º, n.º 1, alínea o), 
 
 47.º, n.º 4, alínea c), 67.º, alínea d), 101, n.º 1, alínea n) e 130.º];
 D) Audição dos órgãos regionais pelo Presidente da República, em caso de 
 dissolução da Assembleia Legislativa Regional (artigo 114.º);
 E) Admissibilidade de um procedimento especial de audição qualificada (artigo 
 
 119.º, n.ºs 1 a 5);
 F) Limitação dos poderes de revisão do Estatuto às normas estatutárias sobre as 
 quais incida a iniciativa da Assembleia Legislativa e às matérias 
 correlacionadas (artigo 140.º, n.º 2).
 
  
 Passemos a conhecer de cada uma delas, sendo certo que, embora em relação à 
 alínea D) os requerentes formulem, a final, o pedido de declaração de 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 114.º do EPARAA sem qualquer restrição, 
 resulta da respectiva fundamentação que, apenas, questionam essa norma, na parte 
 em que se refere à dissolução da Assembleia Legislativa, devendo, 
 consequentemente, considerar-se o pedido limitado a este segmento da norma.
 
    
 
  
 
  
 
       A) Utilização da bandeira regional nas instalações dependentes dos órgãos 
 de soberania que estejam situadas na Região (artigo 4.º, n.º 4)
 
  
 
             O artigo 4.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma 
 dos Açores aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, ficou, após a terceira 
 revisão, operada pela Lei n.º 2/2009, de 12 de Janeiro, com a seguinte redacção: 
 
    
 
  
 Artigo 4.º (Símbolos da Região)
 
  
 
 1 — A Região tem bandeira, brasão de armas, selo e hino próprios, aprovados pela 
 Assembleia Legislativa.
 
 2 — Aos símbolos da Região são devidos respeito e consideração por todos.
 
 3 — A bandeira e o hino da Região são utilizados conjuntamente com os 
 correspondentes símbolos nacionais e com a salvaguarda da precedência e do 
 destaque que a estes são devidos.
 
 4 — A bandeira da Região é hasteada nas instalações dependentes dos órgãos de 
 soberania na Região e dos órgãos de governo próprio ou de entidades por eles 
 tuteladas, bem como nas autarquias locais dos Açores.
 
 5 — A utilização dos símbolos da Região é regulada por decreto legislativo 
 regional.
 
             
 
             A redacção, que constava da anterior versão do mesmo Estatuto e que 
 foi aprovada pelo artigo 2.º da Lei nº 9/87, de 26 de Março, era a seguinte:  
 
  
 Artigo 6º (Símbolos da Região)
 
  
 
 1 – A Região tem bandeira, brasão de armas, selo e hino próprios, aprovados pela 
 Assembleia Legislativa Regional.
 
 2 – Os símbolos regionais são utilizados nas instalações e actividades 
 dependentes dos órgãos de governo próprio da Região ou por eles tuteladas. 
 
 3 – Os símbolos regionais são utilizados conjuntamente com os correspondentes 
 símbolos nacionais e com salvaguarda da precedência e do destaque que a estes 
 são devidos, nos termos da lei.
 
  
 
             A comparação entre estas duas disposições sugere as considerações 
 que se seguem. 
 
  
 
             A redacção do EPARAA, aprovada pela Lei n.º 2/2009, mantém a 
 afirmação de que a Região Autónoma tem símbolos próprios e que esses símbolos 
 são utilizados nas instalações e actividades dependentes dos órgãos de governo 
 próprio da Região ou por eles tuteladas e em conjunto com os correspondentes 
 símbolos nacionais, mantendo-se salvaguardada a precedência e o destaque que a 
 estes são devidos.
 
  
 
             Foram, todavia, introduzidas duas alterações fundamentais: 
 
  
 
             (i) Onde, antes, se afirmava que 'os símbolos regionais são 
 utilizados nas instalações e actividades dependentes dos órgãos de governo 
 próprio da Região ou por eles tuteladas', agora acrescentou-se que a bandeira é 
 hasteada 'nas instalações dependentes dos órgãos de soberania na Região […], bem 
 como nas autarquias locais dos Açores”;  
 
             
 
             (ii) Onde, anteriormente, se dizia que 'os símbolos regionais são 
 utilizados conjuntamente com os correspondentes símbolos nacionais e com 
 salvaguarda da precedência e do destaque que a estes são devidos, nos termos da 
 lei', agora retirou-se a expressão 'nos termos da lei' (que se referia à 
 utilização conjunta dos símbolos nacionais e dos símbolos regionais) e 
 acrescentou-se um novo número (restrito apenas à utilização dos símbolos 
 regionais) a esclarecer que 'a utilização dos símbolos da Região é regulada por 
 decreto legislativo regional'.
 
  
 
             O requerente questiona a constitucionalidade do artigo 4.º, n.º 4, 
 na parte em se refere ao uso da bandeira regional nas instalações dependentes 
 dos órgãos de soberania. 
 
  
 
             A questão não se levantaria, porventura, caso se admitisse que o 
 sentido do artigo 4.º n.º 4, do EPARAA não seria senão o de admitir o possível 
 uso da bandeira regional nas instalações dependentes dos órgãos de soberania, 
 nos termos definidos por lei devidamente aprovada pelos órgãos de soberania.
 
   
 
             O alcance do n.º 4 do artigo 4.º do EPARAA parece, contudo, ser 
 outro. 
 
  
 Na verdade, ele situa-se numa sequência lógica que determina o seu sentido e que 
 não pode ser ignorada pelo intérprete. O n.º 3 do artigo 4.º, embora 
 salvaguardando a precedência e o destaque devidos à Bandeira Nacional, 
 estabelece a utilização desta em conjunto com a bandeira da Região. Depois, logo 
 de seguida, a 1.ª parte do artigo 4.º, prescreve que a bandeira da Região é 
 hasteada nas instalações dependentes dos órgãos de soberania.
 
  
 
             Da conjugação do teor literal da 1.ª parte do n.º 4 do artigo 4.º 
 com o teor literal do número 3 desta mesma disposição resulta, assim, que a 
 bandeira regional é hasteada nas instalações dependentes dos órgãos de 
 soberania, em conjunto com a Bandeira Nacional.   
 
  
 
             Assim sendo, o n.º 4 do artigo 4.º, lido no seu contexto normativo, 
 suscita, inevitavelmente, a seguinte questão: 
 
  
 
             Poderá o Estatuto da Região Autónoma impor a utilização da bandeira 
 regional nas instalações dependentes dos órgãos de soberania que estejam, 
 territorialmente, situadas na região (artigo 4.º, n.º 4, 1.ª parte, e n.º 3)? 
 
  
 
             O problema está em saber se o Estatuto da Região, na medida em que 
 impõe o hasteamento da bandeira regional nas instalações dependentes dos órgãos 
 de soberania situadas na Região sempre que aí seja hasteada a Bandeira Nacional, 
 pode restringir a liberdade dos órgãos de soberania regularem, livremente, as 
 regras de uso da Bandeira Nacional.  
 
  
 As instalações dependentes dos órgãos de soberania são o local por excelência 
 onde a Bandeira Nacional deverá ser hasteada. Ora, o uso da bandeira regional é 
 susceptível de interferir com as regras de utilização da Bandeira Nacional. 
 
  
 Desta forma, as regras que regulam a utilização da bandeira regional terão de se 
 relacionar com as que regulam a utilização da Bandeira Nacional. E terão, ainda, 
 que se lhes subordinar. Com efeito, a precedência e o destaque que deverão ser 
 conferidos à Bandeira Nacional, quando hasteada em conjunto com a bandeira 
 regional, têm expressão normativa na prevalência que deverá ser dada à lei da 
 Bandeira Nacional sobre o diploma que regula o uso da bandeira regional.     
 
  
 
             O Estado português é, em todo o seu território e fora dele, 
 representado, exclusivamente, pela Bandeira Nacional, dado que, nos termos 
 expressos pelo artigo 11.º, n.º 1, da Constituição, esta é 'símbolo da soberania 
 da República, da independência, unidade e integridade de Portugal'. E não será, 
 porventura, demais relembrar que a Bandeira Nacional é bandeira de toda a 
 comunidade política. Ela simboliza − com as suas cores, com as suas armas e com 
 a esfera armilar − Portugal e, consequentemente, também os Açores.   
 
  
 
             Como explicam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 4ª ed., Vol. I, Coimbra 2007, p. 291), 
 
  
 
 '[Os símbolos nacionais] são valores de referência de toda a colectividade, de 
 comunhão cultural e ideológica, de identificação e distinção. Assumem, assim, um 
 alto relevo, sob o ponto de vista constitucional […].
 A dimensão simbólica − soberania, unidade e integridade de Portugal − agora 
 claramente reafirmada no texto constitucional (na redacção da LC 1/89) 
 transporta imposições dirigidas aos responsáveis pelo uso da bandeira nacional 
 
 (cfr. Decreto-Lei n.º 150/87, de 30-03). Este uso só pode ser determinado pelos 
 
 órgãos de soberania […]'
 
  
 
             Recorde-se, antes de mais, que o regime dos símbolos nacionais é da 
 exclusiva competência da Assembleia da República [artigo 164.º, alínea s), 
 aditado na 4.ª revisão constitucional, de 1997]. 
 
             Sendo assim, e como se afirmou recentemente no Acórdão n.º 258/07, 
 publicado no Diário da República I Série, de 15 de Maio de 2007, acolhendo a 
 doutrina aí identificada, «a inclusão de qualquer matéria na reserva de 
 competência da Assembleia da República, absoluta ou relativa, é in totum. Tudo 
 quanto lhe pertença tem de ser objecto de lei da Assembleia da República (…). Só 
 não se depara este postulado quando a própria Constituição estabelece 
 diferenciações por falar em ‘bases’, em ‘bases gerais’, ou em ‘regime geral’ das 
 matérias» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, II, 
 Coimbra, 2006, págs. 516-517).
 
             Deste modo, a sede própria da definição do uso da Bandeira Nacional 
 só pode ser uma lei que dê corpo normativo ao estatuto constitucional da 
 Bandeira enquanto símbolo nacional (artigo 11.º, n.º 1). 
 
  
 Anote-se, porém, que, não tendo a Assembleia da República legislado sobre esta 
 matéria após a referida revisão, se mantém o regime constante do diploma 
 conhecido por Lei da Bandeira Nacional (Decreto-Lei n.º 150/87, de 30 de Março). 
 
 
 
  
 Qualquer definição do uso da bandeira regional, em conjunto com a Bandeira 
 Nacional, deverá estar normativamente subordinada às regras de utilização da 
 Bandeira Nacional definidas pelos órgãos de soberania. Nesta linha se posta o 
 actual artigo 8.º, n.º 1, da Lei da Bandeira Nacional que regula o uso desta 
 Bandeira Nacional, em conjunto com outras bandeiras. 
 
  
 
      Abrangendo a reserva todo o regime do símbolo nacional, não é possível 
 inserir no Estatuto da Região uma regra que conduza à utilização conjunta, em 
 instalações dos órgãos de soberania, da Bandeira Nacional e da bandeira 
 regional. 
 
  
 
             Sendo a Bandeira Nacional símbolo da soberania da República, da 
 independência, unidade e integridade de Portugal (art.º 11.º, n.º1, da 
 Constituição), não podem os Estatutos, porque atinentes a parte do seu todo, 
 dispor sobre o regime da sua utilização.
 
  
 
             A Assembleia da República tem competência para aprovar o Estatuto 
 Político-Administrativo da Região [artigo 161.º, alínea b), da Constituição] e 
 tem competência exclusiva para aprovar o regime de uso dos símbolos nacionais 
 
 [artigo 164.º, alínea s)]. 
 
  
 
             Mas o que não pode fazer é impor, sob a forma de Estatuto, o uso de 
 símbolos regionais, nas instalações próprias dos órgãos de soberania (ou seja 
 fora do 'âmbito regional' de um ponto de vista institucional), na medida em que 
 tal exclui o seu poder de regular, com exclusividade, o uso dos símbolos 
 nacionais, nomeadamente quanto a saber quando deve e se deve ser hasteada 
 sozinha ou acompanhada de outros símbolos, livre de qualquer iniciativa das 
 Regiões.   
 
  
 
             É certo que o Estatuto pode autorizar o uso da bandeira regional nas 
 instalações dependentes dos órgãos de soberania. Mas o que não pode fazer é 
 impor essa utilização, pois por esse modo está a interferir na definição do 
 regime de utilização da Bandeira Nacional. 
 
             Nestes termos, impõe-se declarar a inconstitucionalidade do artigo 
 
 4.º, n.º 4, 1.ª parte, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma 
 dos Açores, por violação do disposto nos artigos 11.º, n.º 1 e 164.º, alínea s), 
 da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 
  
 
             B) Poderes da Região em matéria de política externa [artigos 7.º, 
 n.º 1, alíneas i) e j), 34.º, alínea m), e 124.º, n.º 2]
 
  
 
    O artigo 7.º, n.º 1, alínea i), do Estatuto Político-Administrativo da Região 
 Autónoma dos Açores confere, à Região Autónoma dos Açores, 'o direito a uma 
 política própria de cooperação externa com entidades regionais estrangeiras, 
 nomeadamente no quadro da União Europeia e do aprofundamento da cooperação no 
 
 âmbito da Macaronésia'. 
 
  
 
             Neste quadro, em que se admite uma política própria de cooperação 
 externa com entidades regionais estrangeiras, o mesmo Estatuto 
 Político-Administrativo atribui à Região, logo de seguida, na alínea j) do mesmo 
 artigo, 'o direito a estabelecer acordos de cooperação com entidades regionais 
 estrangeiras e a participar em organizações internacionais de diálogo e 
 cooperação inter-regional'. 
 
             
 
             Dentro da mesma linha, o Estatuto Político-Administrativo da Região 
 Autónoma dos Açores confere, por outro lado, à Assembleia Legislativa Regional 
 dos Açores, a competência para 'aprovar acordos de cooperação com entidades 
 regionais ou locais estrangeiras que versem sobre matérias da sua competência ou 
 sobre a participação em organizações que tenham por objecto fomentar o diálogo e 
 a cooperação inter-regional' [artigo 34.º, al. m)] e atribui ao Governo Regional 
 o poder de, em nome da Região, 'estabelecer ou aceder a acordos de cooperação 
 com entidades de outros Estados (artigo 124.º, n.º 2). 
 
  
 Nos termos expressos pelo corpo do artigo 7.º do EPARAA, esses poderes pretendem 
 estar para além dos poderes configurados no artigo 227.º da Constituição. 
 
  
 Poderá, então, questionar-se 'se' e 'até que ponto' tal será possível. É o que 
 de seguida se verá.  
 
  
 A Constituição da República Portuguesa atribui às Regiões Autónomas, 
 nomeadamente no artigo 227.º, poderes com incidência internacional. 
 
  
 Entre esses poderes conta-se o poder de participar na celebração de tratados e 
 acordos internacionais que lhes digam directamente respeito [artigo 227.º, n.º 
 
 1, alínea t), da Constituição]. 
 
  
 Sobre a natureza e âmbito de tal poder diz Rui Manuel Moura Ramos (Da Comunidade 
 Internacional e do seu Direito, Coimbra 1996, pp. 203 e segs.): 
 
       
 
 'Não se trata evidentemente do reconhecimento do próprio treaty-making power, 
 mas de uma forma de participação no seu exercício, o que não é todavia 
 praticado, sequer, em todos os Estados federais […] 
 
       
 
       Precisa-se, no que respeita à sua concretização, que uma tal participação 
 traduzir-se-á na representação efectiva dentro da delegação nacional que 
 negociará o tratado ou acordo, bem como nas comissões de execução ou 
 fiscalização respectivas.' 
 
  
 Além deste poder de participação na celebração de acordos que lhes digam 
 directamente respeito, as Regiões Autónomas possuem, ainda, um poder de 
 estabelecer laços de cooperação com outras entidades regionais estrangeiras e 
 participar em organizações que tenham por objecto fomentar o diálogo e a 
 cooperação inter-regional, de acordo com as orientações definidas pelos órgãos 
 de soberania com competência em matéria de política externa [artigo 227.º, n.º 
 
 1, alínea u)]. 
 
  
 Aqui, já não se trata, apenas, de um poder de participação. Por isso, a 
 Constituição é clara em estabelecer um limite que salvaguarde o princípio da 
 unidade do Estado no exercício da política externa, limite esse ínsito, aliás, 
 nos próprios termos em que o artigo 225.º, n.º 3, da Constituição configura a 
 autonomia político-administrativa regional, ao dispor que esta “não afecta a 
 integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição”.
 
  
 A este propósito, discreteia Rui Manuel Moura Ramos (Da Comunidade Internacional 
 e do seu Direito, cit., p. 206) do seguinte modo: 
 
  
 
 'A legitimidade do estabelecimento de laços de cooperação entre as Regiões 
 Autónomas portuguesas e outras entidades regionais estrangeiras fica portanto 
 assente. E a previsão de uma tal hipótese permite claramente afirmar que não se 
 trata aqui apenas de laços a tecer exclusivamente por referência às formas do 
 direito privado, o que de todo o modo não estava em questão. A fórmula escolhida 
 leva pois a crer que são as Regiões Autónomas enquanto pessoas colectivas de 
 direito público que estão autorizadas a estabelecer esses laços com outras 
 entidades estrangeiras de natureza similar. Não se faz qualquer referência às 
 formas e à natureza que os instrumentos desta cooperação deverão revestir: é, no 
 entanto, certo que todo o processo deverá conformar-se com as orientações 
 definidas pelos órgãos de soberania competentes em matéria de política externa. 
 
  
 
 […]
 
  
 
 É igualmente reconhecido o poder de participar em organizações que tenham por 
 objecto fomentar o diálogo e a cooperação inter-regional, ainda que um tal poder 
 esteja subordinado, no seu exercício, às orientações definidas pelos órgãos de 
 soberania com competência em matéria de política externa'.    
 
                
 
       
 Os poderes das regiões autónomas, em matéria de política externa, não as 
 transformam, portanto, em entidades autónomas e diferenciadas do Estado 
 português, do ponto de vista do Direito Internacional Público. Desse ponto de 
 vista, elas integram-se no Estado português, como afirma, a este respeito, Jorge 
 Miranda (Direito Internacional Público, 3.ª ed. 2006, p. 205):
 
  
 
 '[Os poderes das Regiões autónomas de incidência internacional], embora 
 originais e significativos, não envolvem a transformação das regiões em sujeitos 
 de Direito Internacional.
 Na cooperação inter-regional verifica-se por certo uma actuação externa dos 
 
 órgãos de governo próprios das regiões. Todavia é uma cooperação com entidades 
 também desprovidas de personalidade jurídico-internacional e sempre de acordo 
 com as orientações definidas pelos órgãos de soberania'.  
 
     
 
       
 
       É esta compreensão das relações internacionais que se encontra vertida no 
 artigo 7.º da Constituição, no qual se acham consagrados os princípios 
 fundamentais em matéria de política externa e que subjaz, do mesmo passo, à 
 repartição da competência em razão da matéria entre os diversos órgãos de 
 soberania – Presidente da República (cf. artigo 135.º), Assembleia da República 
 
 [161.º, alínea i)] e Governo [197.º, n.º 1, alíneas b) e c), todos da 
 Constituição]. 
 
  
 
       Na verdade, ao enunciar os diversos vectores em que se decompõem essas 
 relações internacionais, o preceito sedia-as, no que tange à sua titularidade, 
 no Estado. 
 
  
 
       Deste modo, a palavra em matéria de política externa cabe à República. Por 
 outro lado, a unidade de sentido da política externa exigida pelo artigo 7.º só 
 pode ser conseguida mediante a intervenção decisória, apenas, dos órgãos de 
 soberania que interpretam o interesse nacional, representando a injunção 
 estabelecida na parte final da alínea u) do n.º 1 do artigo 227.º da 
 Constituição, exactamente, um postulado de tal posição constitucional. 
 
  
 Nos termos do artigo 227.º, n.º 1, alínea u), da Constituição, as Regiões 
 Autónomas podem 'estabelecer cooperação com outras entidades regionais 
 estrangeiras […]'. 
 Porém − em homenagem ao princípio da integridade da soberania do Estado −, devem 
 fazê-lo, nos termos da parte final do preceito “de acordo com as orientações 
 definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de política 
 externa”.
 
       
 
       Ora, como já se viu, o artigo 7.º do EPARAA pretende, expressamente, 
 através das alíneas i) e j) do seu n.º 1, ampliar os poderes da Região previstos 
 no artigo 227.º da Constituição, ao considerar como 'direitos da Região, para 
 além dos enumerados no n.º 1 do artigo 227.º da Constituição': 'o direito a uma 
 política própria de cooperação externa com entidades regionais estrangeiras' 
 
 [alínea i)] e 'o direito a estabelecer acordos de cooperação com entidades 
 regionais estrangeiras e a participar em organizações internacionais de diálogo 
 e cooperação inter-regional [alínea j)].
 
  
 
       O contraste entre o artigo 7.º, n.º 1, alíneas i) e j), do Estatuto e o 
 artigo 227.º, n.º 1, alínea u), da Constituição, em matéria de poderes com 
 incidência internacional, é evidente: a utilização da expressão 'política 
 própria' na alínea i) do artigo 7.º e a ausência, em ambas as alíneas i) e j), 
 de uma qualquer menção às 'orientações definidas pelos órgãos de soberania com 
 competência em matéria de política externa' como faz o artigo 227.º da 
 Constituição. 
 
  
 E como o corpo do artigo 7.º do Estatuto Político-Administrativo da Região 
 Autónoma dos Açores explica que os direitos nele enunciados pretendem ir além 
 dos contidos na Constituição, não restam dúvidas: trata-se de alargar os poderes 
 da Região para além do que a Constituição prevê.    
 
  
 
       A questão que se coloca é, pois, a de saber se tal será possível. Será a 
 matéria dos poderes das Regiões livremente disponível pelo legislador ordinário 
 ou será, pelo contrário, matéria de reserva de Constituição? 
 
  
 
       É evidente que o alargamento de poderes da Região, que o artigo 7.º do 
 EPARAA explicitamente pretende, é, neste caso, susceptível de afectar os poderes 
 estabelecidos na Constituição para os órgãos de soberania e para efectivação de 
 uma política externa comum. Ou seja, os termos em que a cooperação externa das 
 Regiões aparece consagrada no artigo 7.º, alínea i), implicam uma compressão dos 
 poderes dos órgãos de soberania que não é constitucionalmente possível (artigos 
 
 7.º e 110.º, n.º 2, da Constituição), sendo feita com restrição da unidade do 
 Estado e da integridade da soberania [artigos 6.º e 225.º, n.º 3, e 227.º, n.º 
 
 1, alínea u), da Constituição]. 
 
  
 Esta disposição constitucional implica que não será possível ampliar os poderes 
 regionais constitucionalmente previstos, por via legislativa ou estatutária, 
 quando tal interfira com a competência dos órgãos de soberania em matéria da 
 definição do sentido da política externa.
 
  
 Deste modo, o artigo 7.º, n.º 1, alíneas i) e j), do Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores padece de 
 inconstitucionalidade, por violação das disposições conjugadas dos artigos 6.º, 
 
 7.º, 110.º, n.º 2, 225.º, n.º 3, e 227.º, n.º 1, alínea u), da Constituição.
 
  
 Uma vez admitido que, ao invés do que resulta do confronto entre as alíneas i e 
 j) do n.º 1 do artigo 7.º do EPARAA e do artigo 227.º, n.º 1, alínea u), da 
 Constituição, a cooperação externa terá de se fazer 'de acordo com as 
 orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de 
 política externa', não há obstáculo a considerar que as Regiões, enquanto 
 pessoas colectivas públicas, mantenham, através da Assembleia Legislativa 
 Regional, no âmbito das suas competências e sem prejuízo dos poderes próprios 
 dos órgãos de soberania, o poder de aprovar acordos de cooperação com entidades 
 regionais ou locais estrangeiras. 
 
  
 Assim, porque os artigos 34.º, alínea m), e 124.º, n.º 2, do mesmo Estatuto 
 colhem o seu directo fundamento no artigo 227.º, n.º 1, da Constituição, não 
 correspondendo a quaisquer concretizações do analisado “direito a uma política 
 própria”, eles não são atingidos pelo juízo de inconstitucionalidade imputado ao 
 artigo 7.º, n.º 1, alíneas i) e j). 
 
  
 
             Nestes termos, não há que os declarar inconstitucionais.
 
  
 
  
 
             C) Criação de provedores sectoriais regionais [artigos 7.º, n.º 1, 
 alínea o), 47.º, n.º 4, alínea c), 67.º, alínea d), 101, n.º 1, alínea n), e 
 
 130.º]
 
  
 
             
 
             O Provedor de Justiça coloca a questão da constitucionalidade da 
 criação dos provedores sectoriais regionais.
 
             Dispondo sobre aquele órgão constitucional, diz a Constituição:
 Artigo 23.º
 
 (Provedor de Justiça)
 
  
 
             1. Os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos 
 poderes públicos ao Provedor de Justiça, que as apreciará sem poder decisório, 
 dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e 
 reparar injustiças.
 
             2. A actividade do Provedor de Justiça é independente dos meios 
 graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis.
 
             3. O Provedor de Justiça é um órgão independente, sendo o seu 
 titular designado pela Assembleia da República, pelo tempo que a lei determinar.
 
             4. Os órgãos e agentes da Administração Pública cooperam com o 
 Provedor de Justiça na realização da sua missão.
 
  
 
             Do mesmo passo que institui o órgão constitucional Provedor de 
 Justiça, o preceito procede à conformação dos traços que, sob o ponto de vista 
 constitucional, enformam a sua verdadeira natureza e recortam o núcleo essencial 
 do seu estatuto.
 
             No mais, próprio ou relativo ao seu estatuto, a Constituição 
 reservou à Assembleia da República a competência exclusiva para legislar sobre 
 ele.           Na verdade, o artigo 164.º, alínea m), dispõe que é da exclusiva 
 competência da Assembleia da República legislar sobre a matéria do “estatuto dos 
 titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos restantes 
 
 órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal” (itálico 
 aditado).
 
             É evidente que o Provedor de Justiça é um órgão constitucional, 
 porquanto criado pela Constituição e cuja competência é, também, por ela 
 definida, pelos menos nos seus elementos constitucionalmente caracterizantes.
 
             Segundo emerge daquele artigo 23.º, o Provedor de Justiça é um órgão 
 do Estado, de natureza independente, perante todos os demais órgãos 
 constitucionais, conquanto designado, pelo tempo que a lei determinar (quatro 
 anos – artigo 6.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril), pela Assembleia da República, 
 por uma maioria qualificada de dois terços dos deputados presentes, desde que 
 superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
 
             Enquanto órgão constitucional, é também a Constituição que define a 
 competência que o caracteriza enquanto tal. E fá-lo sob quatro ângulos 
 diferentes. De um lado, evidenciando a sua posição institucional em relação aos 
 cidadãos, dizendo que os cidadãos lhe podem apresentar queixas – é, assim, um 
 
 órgão aberto ao recebimento das queixas dos cidadãos, sem distinções, no todo do 
 Estado unitário; do outro, referindo que essas queixas podem ter por objecto 
 acções ou omissões dos poderes públicos; depois, estatuindo que o Provedor 
 apreciará essas queixas sem poder decisório e dirigindo aos órgãos competentes 
 as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças; e, finalmente, 
 dispondo que essa competência é levada a cabo de modo independente dos meios 
 graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis.
 
             Como se vê, a competência constitucionalmente atribuída ao Provedor 
 de Justiça abrange todos os “poderes públicos” e, decorrentemente, assim, os 
 actos por estes praticados. 
 
             Pela sua própria natureza, ressalvam-se os actos jurisdicionais, em 
 face do disposto nos artigos 203.º e 205.º da Constituição.
 
  
 
             De acordo com a configuração dada pelo legislador 
 constitucionalmente competente [artigo 164.º, alínea m)] ao estatuto do Provedor 
 de Justiça (Lei n.º 9/91), o terreno privilegiado da sua actuação é a 
 Administração, não estando excluído qualquer sector dela, abrangendo assim a 
 administração estadual, regional ou local, directa ou indirecta, civil ou 
 militar.
 
  
 
             Conquanto a inserção constitucional do Provedor de Justiça na parte 
 geral dos direitos fundamentais mostre claramente que ele “é essencialmente um 
 
 órgão de garantia dos direitos fundamentais (de todos, e não apenas dos 
 direitos, liberdades e garantias) perante os poderes públicos, em geral, e 
 perante a Administração em especial” (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 op. cit., Volume I, p. 440), nada impede que ele actue, no terreno daquela 
 Administração, no domínio dos direitos económicos, sociais ou outros, conferidos 
 pelo legislador ordinário.
 
  
 
             A questão que se coloca, no caso, é, todavia, a de saber se o órgão 
 Provedor de Justiça é um órgão do Estado de competência exclusiva nas matérias 
 incluídas no seu estatuto jurídico-constitucional ou se as mesmas podem ser 
 desdobradas ou repartidas através de provedores sectoriais ou especializados, 
 com base numa ideia de que assim se poderão obter maiores níveis de protecção 
 dos direitos dos cidadãos.
 
  
 
             Na doutrina existe uma crítica generalizada à ideia de multiplicação 
 dos provedores sectoriais regionais. 
 
             É, muito em especial, o caso de Jorge Miranda (Artigo 23.º, 
 Constituição Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Tomo I, 
 Coimbra 2005, p. 220), que sustenta:
 
              'A lei não pode criar Provedores de Justiça especializados, como já 
 tem sido preconizado (Provedor para as Forças Armadas, Provedor Ecológico, 
 Provedor do Consumidor, Provedores Municipais, Provedor da Criança, Provedor das 
 Pessoa Idosas, Provedor da Saúde) ou como já chegou a ser estabelecido (Defensor 
 do Contribuinte). 
 
             A competência de um órgão constitucional decorre da norma 
 constitucional, explícita ou implicitamente, ou tem nela a sua base. Daí que não 
 possa o Provedor de Justiça, órgão constitucional, ser despojado de faculdades 
 que lhe pertençam, em proveito de outros órgãos, nem que possam as suas 
 competências ou as matérias delas objecto ser desdobradas ou repartidas através 
 de mais de um Provedor.
 
             Não pode haver dois ou mais Provedores […]”.
 
  
 
             Na mesma linha de pensamento vai Vieira de Andrade, ao declarar o 
 seu 'alinhamento incondicional com aqueles que defendem uma concepção unitária e 
 plurifuncional da instituição e se opõem à proliferação de provedores 
 especializados em função das várias áreas da actividade administrativa' ('O 
 Provedor de Justiça e a protecção efectiva dos direitos fundamentais', in O 
 Provedor de Justiça - Estudos, Lisboa 2006, p. 62).  
 
  
 
             Mas há, também, Autores que, com mais ou menos dúvidas ou limites 
 
 (cfr. João Caupers, in O Cidadão, o Provedor de Justiça e as Entidades 
 Administrativas Independentes, p. 88, e, reportando-se a provedores regionais, 
 Rui Medeiros, Tiago Fidalgo de Freitas e Rui Lanceiro, in Enquadramento da 
 Reforma do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, p. 
 
 124), admitem não existir uma proibição constitucional de provedores 
 especializados.
 
  
 
             Entende, porém, o Tribunal que, sendo a competência do órgão 
 constitucional, Provedor de Justiça, definida pela Constituição, não pode esse 
 
 órgão ser despojado das faculdades que lhe pertençam ou as matérias delas 
 objecto ser desdobradas através de mais de um Provedor. 
 
  
 
             A repartição, com outros órgãos, das faculdades inseridas na 
 competência com que foi dotado constitucionalmente o Provedor de Justiça, ainda 
 que respeitando as suas atribuições constitucionais e obrigando a agir em 
 coordenação ou de forma articulada com este, desfigura o órgão tal como foi 
 concebido pela Lei Fundamental, na medida em que introduz elementos 
 distorcedores da unidade da sua actuação para todo o território nacional e para 
 todos os poderes públicos.
 
  
 
             A existência, ao lado, de um outro órgão, criado pelo legislador 
 ordinário, com atribuições decalcadas ou paralelas às do Provedor de Justiça, 
 especializadas ou não, ainda que de âmbito regional, não deixa de 
 descaracterizar o tipo constitucionalmente construído do mesmo órgão sem 
 agregação a quaisquer especialidades da matéria da sua competência ou a 
 quaisquer entes territoriais, antes atingindo todos os poderes públicos, 
 enfraquecendo, em termos de visibilidade e intensidade práticas, os poderes e 
 faculdades com que foi dotado o órgão constitucional.
 
  
 
             Está vedada ao legislador ordinário a conformação de qualquer outro 
 
 órgão, a quem sejam, concomitantemente, atribuídas as funções de apreciar, sem 
 poder decisório, as queixas dos cidadãos por acções ou omissões dos poderes 
 públicos, e de dirigir aos órgãos competentes as recomendações necessárias para 
 prevenir e reparar injustiças.
 
  
 
             Ora, é exactamente isso que sucede na situação recortada no artigo 
 
 130.º do EPARAA. É que os provedores sectoriais regionais recebem, com autonomia 
 em relação ao Provedor de Justiça, “queixas dos cidadãos por acções ou omissões 
 de órgãos e serviços da administração regional autónoma, de organismos públicos 
 ou privados que dela dependam, de empresas privadas encarregadas da gestão de 
 serviços públicos regionais ou que realizem actividades de interesse geral ou 
 universal no âmbito regional” e podem, igualmente com autonomia em relação ao 
 mesmo Provedor de Justiça, dirigir as recomendações que entenderem àquelas 
 entidades. 
 
  
 
             Temos, assim, que não podem deixar de ter-se por inconstitucionais, 
 por violação do artigo 23.º da Constituição, os artigos 7.º, n.º 1, alínea o), 
 
 47.º, n.º 4, alínea c), 67.º alínea d), 101.º, n.º 1, alínea n) e 130.º do 
 Estatuto Político-Administrativo dos Açores.
 
  
 
  
 
             D) Audição dos órgãos regionais pelo Presidente da República, em 
 caso de dissolução da Assembleia Legislativa Regional (artigo 114.º)
 
  
 
       O artigo 114.º do EPARAA estabelece: “A Assembleia Legislativa, o 
 Presidente do Governo Regional e os grupos e representações parlamentares da 
 Assembleia Legislativa devem ser ouvidos pelo Presidente da República antes da 
 dissolução da Assembleia Legislativa e da marcação da data para a realização de 
 eleições regionais ou de referendo regional”.
 
  
 O Requerente contesta a constitucionalidade desta norma na medida em que impõe, 
 ao Presidente da República, deveres de audição adicionais para além dos já 
 previstos na Constituição, em caso de dissolução da Assembleia Legislativa. 
 
  
 De facto, de acordo com o artigo 133.º, da Constituição, a Assembleia 
 Legislativa Regional pode ser dissolvida 'ouvidos os partidos nela representados 
 e o Conselho de Estado' [alínea j)] em paralelo total com o que sucede a 
 respeito da Assembleia da República [alínea e)]. O que o artigo 114.º do EPARAA 
 faz é introduzir um trâmite adicional no processo de dissolução daquele órgão.  
 
  
 Segundo esse artigo, terão de ser ouvidos não só o Conselho de Estado e os 
 partidos representados na Assembleia Legislativa, mas, ainda, a Assembleia 
 Legislativa, enquanto órgão colectivo no seu conjunto, e o Presidente do Governo 
 Regional, que passaria, assim, a ser titular de um direito de audição autónomo, 
 fora do Conselho de Estado, de que faz parte integrante, nos termos do artigo 
 
 142.º, alínea e), da Constituição.
 
  
 O artigo 110.º, n.º 2, estabelece, porém, a taxatividade do quadro de 
 competências dos órgãos de soberania, nos termos que se seguem: 'A formação, a 
 composição, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os 
 definidos na Constituição'. 
 
  
 Daqui decorre − asseveram Gomes Canotilho e Vital Moreira − 'que a competência 
 dos órgãos de soberania - entre os quais se conta o Presidente da República - é 
 a que consta da Lei Fundamental' (Os Poderes do Presidente da República, Coimbra 
 
 1991, p. 35). 
 
  
 Essa taxatividade dos poderes do Presidente da República impede a sua ampliação 
 por lei, mas impede também, obviamente, a sua restrição por via legal. Trata-se 
 de uma matéria sujeita a “reserva de Constituição” (cf. Jorge Miranda, Manual de 
 Direito Constitucional, Tomo V, 3.ª ed. p. 198). 
 
  
 A taxatividade dos procedimentos a observar pelo Presidente da República 
 colhe-se, por outro lado, directamente do disposto no artigo 133.º, alínea j), 
 da Constituição, ao dispor que compete ao Presidente da República, relativamente 
 a outros órgãos, “dissolver as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, 
 ouvidos o Conselho de Estado e os partidos nelas representados, observado o 
 disposto no artigo 172.º, com as necessárias adaptações”, não sendo de lhe opor 
 a norma do artigo 229.º, n.º 2, da Constituição que prevê um dever genérico de 
 audição das regiões, dado aquela norma regular exaustiva e especificamente o 
 procedimento em causa.
 
  
 Nesta matéria, a lei nada pode fazer. A matéria é reserva de Constituição, ou 
 melhor, constitui reserva de competência do legislador constituinte.   
 
             Esta reserva de Constituição em matéria de poder do Presidente da 
 República e o carácter taxativo dos seus poderes compreende-se como expressão de 
 um princípio do equilíbrio institucional de poderes, cujos termos só o poder 
 constituinte poderá alterar. Nem o legislador ordinário nem o legislador 
 estatutário o poderão fazer. 
 
               
 
             Anote-se que o Tribunal já se pronunciou no Acórdão n.º 402/08, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sobre uma questão algo paralela no 
 que tange à conexão que intercede entre uma norma constitucional atributiva de 
 competência e a norma constitucional que prevê um dever genérico de audição das 
 regiões (artigo 229.º, n.º 2, da Constituição).
 
              
 Conclui-se, assim, que o artigo 114.º do EPARAA, ao prever que a Assembleia 
 Legislativa e o Governo da Região devem ser ouvidos, pelo Presidente da 
 República, antes da dissolução da Assembleia Legislativa Regional, é 
 inconstitucional, por violação dos artigos 133.º, alínea j), e 110.º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 
  
 
             E) Procedimento de audição qualificada (artigo 119.º, n.ºs 1 a 5) 
 
             
 
  
 
             O Provedor de Justiça coloca, ainda, a questão da 
 constitucionalidade do artigo 119.º, nos 1 a 5, do EPARAA. 
 
  
 
             A sua argumentação vai, essencialmente, no sentido de que o artigo 
 
 229.º, n.º 2, da Constituição é insusceptível da interpretação maximalista que 
 lhe é dada pelo citado artigo 119.º do EPARAA. 
 
  
 
             Note-se que, nos termos do n.º 1, o procedimento de audiência 
 qualificada abrange os seguintes casos: a) “Iniciativas legislativas 
 susceptíveis de serem desconformes com qualquer norma do presente Estatuto”; b) 
 
 “Iniciativas legislativas ou regulamentares que visem a suspensão, redução ou 
 supressão de direitos, atribuições ou competências regionais' e c) 'Iniciativas 
 legislativas destinadas à transferência de atribuições ou competências da 
 Administração do Estado para as autarquias locais dos Açores'. 
 
  
 O procedimento previsto no artigo 119.º contém exigências de tramitação, 
 nomeadamente nos seus n.º 2 e 4, cuja constitucionalidade terá de se questionar.
 
  
 Nos termos do n.º 2, do artigo 119.º, do Estatuto Político-Administrativo da 
 Região Autónoma dos Açores, o procedimento de audição qualificada inicia-se com 
 o envio, para o órgão de governo próprio da região que seja no caso competente, 
 da proposta ou projecto de acto. 
 
  
 Ora, essa proposta ou esse projecto deve, segundo o mesmo preceito, estar 
 
 'acompanhado de uma especial e suficiente fundamentação […] à luz dos princípios 
 da primazia do Estatuto, do adquirido autonómico e da subsidiariedade”. 
 
  
 Ou seja, a Assembleia da República, para efeitos de procedimento, terá de 
 fundamentar a legislação, que é da sua exclusiva competência e que visa o todo 
 nacional, à luz dos princípios da primazia do Estatuto, do adquirido autonómico 
 e da subsidiariedade que protegem a autonomia regional. 
 
  
 Note-se que não são os órgãos de governo regional que se pronunciam com base em 
 tais princípios, mas é, sim, a Assembleia da República que o deverá fazer. 
 
  
 O ónus da prova do facto negativo (não violação da primazia do Estatuto, do 
 adquirido autonómico e da subsidiariedade) fica do lado dos órgãos de soberania. 
 Não é a Região que deverá invocar os princípios que a favorecem, ao emitir o seu 
 parecer: é o órgão de soberania que deverá demonstrar que não existe, na solução 
 legislativa proposta, violação desses princípios.
 
  
 
 É evidente que os órgãos de soberania deverão, naturalmente, respeitar os 
 princípios que exprimem a autonomia regional [artigo 6.º, 225.º, 227.º, 228.º e 
 
 288.º, alínea o)]. 
 
  
 Mas o artigo 119.º, n.º 2, não se limita a especificar os princípios que os 
 
 órgãos de soberania devem respeitar ou ponderar: obriga-os a fundamentar a sua 
 proposta de âmbito nacional, perante os órgãos regionais, à luz dos princípios 
 de protecção da autonomia regional, como se eles não fossem uma parte do todo 
 nacional, mas antes um destinatário externo nele não integrado.   
 
  
 O regime da audição qualificada não se contém por aqui. Há mais aspectos a 
 considerar.
 
  
 No caso de o parecer do órgão de governo próprio da Região ser desfavorável ou 
 de não-aceitação das alterações propostas pelo órgão de soberania em causa, 
 deve, nos termos do n.º 4 do artigo 119.º, constituir -se uma 'comissão 
 bilateral'.
 
  
 Essa comissão bilateral deverá ser composta por um número igual de 
 representantes do órgão de soberania e do órgão de governo próprio e formular, 
 de comum acordo, uma proposta alternativa, no prazo de 30 dias (salvo acordo em 
 contrário quanto a este prazo). 
 
  
 Quer dizer, se a Região não emitir parecer favorável o procedimento deixa de ser 
 da audição conformada no artigo 229.º, n.º 2, da Constituição e transforma-se 
 numa negociação. 
 
  
 Aqui, a relação constitucional de poderes desfigura-se: a Região não só será 
 ouvida, como poderá negociar e, eventualmente, impor a sua vontade, nomeadamente 
 quando o órgão de soberania, que seja no caso competente para decidir, possa 
 ter, a seu desfavor, a pressão do tempo de decisão.
 
  
 
 É, aliás, o que caracteristicamente poderá suceder em matérias económicas e 
 financeiras. 
 
  
 Pode dizer-se que o órgão de soberania é livre, no final, de decidir como bem 
 entender (n.º 5 do artigo 119.º). Não poderia, aliás, deixar de ser assim. Mas a 
 verdade é que o órgão de soberania fica impedido de decidir nesse período de 
 tempo em que negoceia com a Região uma solução de âmbito nacional. 
 
  
 A norma contida no artigo 119.º, n.º 4, do Estatuto Político-Administrativo da 
 Região Autónoma dos Açores é susceptível de subverter, totalmente, a lógica e o 
 fundamento do dever de audição, recortado no artigo 229.º, n.º 2, da 
 Constituição. Não se trata já de atender ao que o órgão regional diz a respeito 
 de actos normativos de alcance nacional, mas sim de negociar esses actos 
 normativos com a Região. 
 A ideia que ressalta, em tal situação, é a de que se está perante um processo de 
 co-decisão, com distorção, portanto, do sentido consagrado constitucionalmente 
 relativamente ao direito de audição no artigo 229.º, n.º 2, da Constituição, 
 conduzindo, necessariamente, a que a Assembleia da República e o Governo fiquem 
 diminuídos da sua competência de dispor legislativamente sobre as matérias em 
 causa, a todo o tempo, cumprido que seja o dever genérico de audição e por esta 
 via a violar-se, também, a reserva de Constituição consagrada no art.º 110.º, 
 n.º 2, da Constituição.
 
             
 O procedimento de negociação, durante 30 dias (salvo acordo de ambas as partes 
 em contrário), extravasa, claramente, o âmbito do dever de audição 
 constitucionalmente previsto no artigo 229.º, n.º 2. 
 
  
 Estando o n.º 2 e o n.º 4 do artigo 119.º do EPARAA em contradição com o sentido 
 do dever de audição estabelecido do artigo 229.º, n.º 2 da Constituição, resta 
 perguntar se poderão subsistir os restantes números do artigo 119.º. A resposta 
 
 é, porém, evidente: o n.º 1 delimita o âmbito material do dever de audição 
 qualificada que segue a tramitação dos n.ºs 2 e 4, o n.º 3 mais não faz do que 
 definir um prazo para a resposta da Região ao parecer que deveria ser emitido 
 nos termos do n.º 2 e o n.º 5 apenas se compreende à luz da solução 
 inconstitucional do n.º 4, com o qual literalmente se relaciona. Assim sendo, a 
 inconstitucionalidade dos n.ºs 2 e 4 terá de arrastar consigo a 
 inconstitucionalidade consequente dos n.ºs 1, 3 e 5. 
 
  
 
             Deste modo, impõe-se concluir pela inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, do artigo 119.º, n.º 1 a 5, do EPARAA, por violação dos 
 artigos 229.º, n.º 2, 110.º, n.º 2, e 225.º, n.º 3, da Constituição.  
 
  
 
  
 
  
 
             F) Limitação dos poderes de revisão do Estatuto às normas 
 estatutárias sobre as quais incida a iniciativa da Assembleia Legislativa e às 
 matérias correlacionadas (artigo 140.º, n.º 2).
 
  
 
             Relembre-se que o preceito estabelece que “os poderes de revisão do 
 Estatuto pela Assembleia da República estão limitados às normas estatutárias 
 sobre as quais incida a iniciativa da Assembleia Legislativa e às matérias 
 correlacionadas”.
 
             Ora, sobre a matéria dos Estatutos e leis eleitorais, dispõe o 
 artigo 226.º da Constituição:
 
  
 
             1. Os projectos de estatutos político-administrativos e de leis 
 relativas à eleição dos deputados às Assembleias Legislativas das regiões 
 autónomas são elaborados por estas e enviados para discussão e aprovação à 
 Assembleia da República.
 
             2. Se a Assembleia da República rejeitar o projecto ou lhe 
 introduzir alterações, remetê-lo-á à respectiva Assembleia Legislativa para 
 apreciação e emissão de parecer.
 
             3. Elaborado o parecer, a Assembleia da República procede à 
 discussão e deliberação final.
 
             4. O regime previsto nos números anteriores é aplicável às 
 alterações dos estatutos político-administrativos e das leis relativas à eleição 
 dos deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas.
 
  
 
             Verifica-se, assim, que, apesar de caber à Assembleia da República, 
 no âmbito da sua competência política e legislativa, aprovar os estatutos 
 político-administrativos e as leis relativas à eleição dos deputados às 
 Assembleias Legislativas das regiões autónomas, e respectivas alterações [art.º 
 
 161, alínea b), da Constituição], o certo é que o poder de impulso dessa 
 iniciativa legislativa não reside nela, mas nas Assembleias Legislativas das 
 regiões autónomas. 
 
  
 
             Resulta, todavia, dos n.ºs 2 e 3 do preceito constitucional que o 
 poder de discussão e aprovação dos estatutos e respectivas alterações não se 
 resume somente a um poder de concordância com os projectos elaborados pelas 
 Assembleias Legislativas das regiões autónomas.
 
  
 
             Questão controvertida é a questão da existência dos limites à 
 revisão dos Estatutos por parte da Assembleia da República.
 
             Abordando tal temática dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira 
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 
 
 847):
 
  
 
 “a solução mais consentânea com o regime compartilhado de alteração dos 
 estatutos é a de que a AR não pode fazer alterações em áreas não envolvidas nas 
 propostas de alteração da assembleia regional. Contra isto pode argumentar-se 
 que isso constituiria uma limitação severa da liberdade legislativa e um 
 congelamento inadequado do estatuto. Mas, sendo certo que a AR não pode proceder 
 a nenhuma proposta de revisão sem iniciativa regional, não se compreenderia que 
 aproveitasse uma proposta de revisão de um aspecto menor para proceder a uma 
 revisão geral do estatuto contra a vontade da região; em segundo lugar, a AR 
 pode sempre condicionar a aprovação de uma revisão à proposta de revisão de 
 outras matérias; finalmente o estatuto pode sempre ser superado por via de 
 revisão constitucional”.   
 
  
 Num plano diametralmente oposto encontra-se a posição de Jorge Miranda 
 
 (Estatutos das Regiões Autónomas, págs. 799; Manual de Direito Constitucional, 
 Tomo III, 5.ª ed., pág. 306, nota 1): 
 
  
 
 'A Assembleia da República pode adoptar soluções diversas das preconizadas pelas 
 assembleias legislativas regionais; não tem apenas de aprovar ou rejeitar as 
 propostas estatutárias destas; pode aprovar propostas de alteração de iniciativa 
 
 (superveniente) de Deputados e grupos parlamentares.
 E poderá tratar ex novo matérias não consideradas nas propostas de estatutos? 
 Designadamente, aditar novos preceitos ou fazer alterações aos estatutos em 
 vigor não constantes das propostas vindas das regiões?
 Respondemos afirmativamente, por causa da rigidez e da restrição aos poderes do 
 parlamento − órgão com primado de competência legislativa − que envolveria a 
 posição contrária. De resto, perante quaisquer alterações introduzidas pela 
 Assembleia da República, as Assembleias legislativas regionais terão sempre 
 ainda a faculdade de se pronunciar [nos termos do artigo 226.º, n.º 2]'.
 
       
 
             Num sentido parcialmente convergente defende Rui Medeiros (sub 
 Artigo 226.º, in Constituição Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda/Rui 
 Medeiros, Vol. III, Coimbra 2007, p. 289):  
 
  
 
 'Não se pode olvidar, por outro lado, que o princípio geral que vigora entre nós 
 
 é o de que as situações de iniciativa reservada a certos órgãos respeitam apenas 
 
 à iniciativa originária, pois o essencial se encontra nesta, a colaboração de 
 vários órgãos e sujeitos de acção parlamentar no aperfeiçoamento do texto 
 originário pode revelar-se muito útil e a própria ideia de racionalidade ligada 
 ao debate parlamentar justifica uma tal solução (consultar anotação ao artigo 
 
 167.º). Enfim, a própria referência do n.º 2 do artigo 226.º a propostas de 
 alteração tem, nos termos gerais, um sentido abrangente. Efectivamente, como 
 está bem evidenciado no artigo 142.º do Regimento da Assembleia da República, as 
 chamadas propostas de alteração podem ter a natureza, não apenas de propostas de 
 emenda (propostas que, conservando todo ou parte do texto em discussão, 
 restrinjam, ampliem ou modifiquem o seu sentido) e de eliminação (propostas que 
 se destinem a suprimir a disposição em discussão), mas também de propostas de 
 substituição (propostas que contenham disposição diversa daquela que tenha sido 
 apresentada) e de aditamento (propostas que, conservando o texto primitivo e o 
 seu sentido, contenham a adição de matéria nova)' (veja-se também, em sentido 
 análogo, Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, Estatuto Político Administrativo 
 da Região Autónoma dos Açores Anotado, Lisboa 1997, págs. 22-27)'.
 
  
 
             O Autor acrescenta, porém, que esta posição não significa um poder 
 de revisão ilimitado: 
 
  
 
 'Não significa isto que a Assembleia da República possa desfigurar os projectos 
 de revisão dos estatutos político-administrativos enviados pelos parlamentos 
 regionais, introduzindo alterações substanciais nos projectos apresentados. Não 
 se trata, portanto, de sustentar que “a Assembleia da República goza de um poder 
 irrestrito de livre conformação do projecto de estatuto das Regiões Autónomas” 
 
 (cfr., criticamente, Lucas Pires / Paulo Castro Rangel, Autonomia e Soberania – 
 os poderes de conformação da Assembleia da República, pág. 417). Pelo contrário, 
 
 “pelo menos nas suas dimensões essenciais, a Assembleia da República não pode 
 introduzir alterações ao projecto de um estatuto manifestamente rejeitadas por 
 uma determinada região autónoma” [Gomes Canotilho, Os Estatutos, pág. 14; cfr., 
 em sentido próximo, se bem que a propósito do poder de emenda dos Deputados à 
 proposta de orçamento apresentada pelo Governo, Tiago Duarte, A Lei por detrás 
 do Orçamento, Lisboa, 2004 (polic.), págs. 644 e segs.]. O que se contesta é que 
 um tal limite deva ser concretizado com base no critério puramente formal das 
 matérias objecto dos projectos elaborados pelos parlamentos regionais (cfr., 
 para maiores desenvolvimentos, Rui Medeiros / Jorge Pereira da Silva, Estatuto, 
 págs. 20 e segs.)'. 
 
  
 
             Segundo esta posição, portanto, os deputados e grupos de deputados à 
 Assembleia da República seriam livres de introduzir alterações aos projectos de 
 revisão do estatuto apresentados, desde que não lhes introduzam alterações 
 substanciais. 
 
  
 
             Existem, assim, divergências sobre o limite dos poderes de revisão 
 dos Estatutos e das respectivas alterações por parte da Assembleia da República.
 
  
 
             Ora, o preceito estatutário sobre exame veio conferir aos n.ºs 2 e 4 
 do artigo 226.º da Constituição o sentido de que os poderes de revisão do 
 Estatuto pela Assembleia da República estão limitados às normas estatutárias 
 sobre as quais incida a iniciativa da Assembleia Legislativa e às matérias 
 correlacionadas.
 
  
 
             Porém, tanto o âmbito das alterações dos estatutos 
 político-administrativos das regiões autónomas como os termos do procedimento em 
 que as mesmas devem desenvolver-se são os que se encontram vertidos nos n.ºs 2 a 
 
 4 do artigo 226.º da Lei Fundamental.     
 
             Ao dispor sobre o alcance e os termos em que o procedimento das 
 alterações estatutárias devem desenrolar-se, o preceito em causa acaba por 
 intrometer-se na delimitação ou definição dos poderes constitucionais da 
 intervenção da Assembleia da República sobre a matéria (art.º 110.º, n.º 2, da 
 Constituição).
 
             Ora, o certo é que não pode uma norma de direito ordinário estatuir 
 o nível de rigidez de que a mesma norma se encontra revestida quando esse nível 
 de imperatividade decorra de uma norma de categoria superior, como a norma 
 constitucional.
 
             Deste modo, o legislador ordinário está a usurpar poderes de 
 legislador constituinte.
 
  
 
             O preceito viola, assim, o princípio da reserva de competência 
 constante das disposições conjugadas dos artigos 110.º, n.º 2, e 226.º, n.ºs 2 e 
 
 4, da Constituição. 
 
  
 III – Decisão
 
  
 
             Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 
             
 
             A – Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, 
 das seguintes normas do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos 
 Açores, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 2/2009, de 12 de Janeiro:
 
  
 
 1. Da norma constante do artigo 4.º, n.º 4, primeira parte, por violação 
 conjugada do disposto nos artigos 164.º, alínea s), e 11.º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa; 
 
  
 
 2. Das normas constantes do artigo 7.º, n.º 1, alíneas i) e j), por violação 
 conjugada do disposto nos artigos 6.º, 7.º, 110.º, n.º 2, 225.º, n.º 3, e 227.º, 
 n.º 1, alínea u), da Constituição da República Portuguesa; 
 
  
 
 3. Das normas constantes dos artigos 7.º, n.º 1, alínea o), 47.º, n.º 4, alínea 
 c), 67.º, alínea d), 101.º, n.º 1, alínea n), e 130.º, por violação do disposto 
 no artigo 23.º da Constituição da República Portuguesa; 
 
  
 
 4. Da norma constante do artigo 114.º, na parte relativa à dissolução da 
 Assembleia Legislativa, por violação conjugada do disposto nos artigos 133.º, 
 alínea j), e 110.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa; 
 
  
 
 5. Da norma constante do artigo 119.º, n.ºs 1 a 5, por violação conjugada do 
 disposto nos artigos 110.º, n.º 2, 229.º, n.º 2, e 225.º, n.º 3, da Constituição 
 da República Portuguesa;
 
  
 
 6. Da norma constante do artigo 140.º, n.º 2, por violação conjugada do disposto 
 nos artigos 110.º, n.º 2, e 226.º, n.ºs 2 e 4, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
  
 B – Não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 34.º, 
 alínea m), e 124.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região 
 Autónoma dos Açores, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 2/2009, de 
 
 12 de Janeiro.
 
  
 Lisboa, 30 de Julho de 2009
 Benjamim Rodrigues
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Vitor Gomes
 Carlos Pamplona de Oliveira. Vencido em parte, conforme declaração.
 Mário José de Araújo Torres (vencido quanto à declaração de 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 140, n.º 2 do EPARAA, pelas razões 
 constantes da declaração de voto junta)
 Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, quanto à alínea A) 6 da decisão, conforme 
 declaração anexa)
 Maria Lúcia Amaral (vencida em parte, conforme declaração de voto junta)
 João Cura Mariano (vencido quanto ao ponto A1 da decisão, conforma declaração 
 anexa)
 Maria João Antunes (vencida em parte, nos termos da declaração junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 Tem voto de conformidade do Senhor Conselheiro Carlos Cadilha que não assina por 
 não estar presente.
 Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Votei vencido na parte em que a decisão se pronuncia pela inconstitucionalidade 
 das normas ínsitas no n.º 4 do artigo 4º e no n.º 2 do artigo 140º do Estatuto 
 dos Açores aprovado pela Lei n.º 2/2009 de 12 de Janeiro (EPARAA).
 Quanto à primeira questão, entendo que os estatutos regionais são os diplomas 
 constitucionalmente vocacionados para conterem a disciplina das matérias do tipo 
 da que está em causa. Na verdade, o regime político-administrativo de cada uma 
 das Regiões que deriva – nos termos do artigo 225º n.º 1 CR – das 
 características geográficas, económicas, sociais e culturais próprias, deve 
 naturalmente condensar-se no estatuto de cada Região, salvo quanto às matérias 
 que a Constituição expressamente ressalva. Assim, os regimes autonómicos são 
 moldados, em primeiro lugar, pelas regras uniformes decorrentes do texto 
 constitucional e, depois, pelas normas específicas de cada estatuto. Aprovados 
 necessariamente por lei da Assembleia da República – artigo 226º n.ºs 3 e 4 CR – 
 e por maioria qualificada quanto às disposições que enunciam as matérias que 
 integram os poderes legislativos regionais – artigo 168º n.º 6 alínea f) CR –, 
 os estatutos podem, em princípio, com a já referida ressalva, conter normas 
 sobre todas as matérias da competência deste órgão de soberania, ainda que 
 exclusiva, desde que concernentes ao regime autonómico da Região a que 
 respeitem. A norma em causa, segundo a qual «a bandeira da Região é hasteada nas 
 instalações dependentes dos órgãos de soberania na Região e dos órgãos de 
 governo próprio ou de entidades por eles tuteladas, bem como nas autarquias 
 locais dos Açores», trata de matéria que cabe na competência da Assembleia da 
 República, não está constitucionalmente subtraída ao estatuto, e reporta-se ao 
 regime político-administrativo dos Açores; não é, em meu entender, formalmente 
 inconstitucional.
 No referido artigo 226º, a Constituição impõe uma forma especial de aprovação 
 das leis estatutárias, submetida à reserva de iniciativa das assembleias 
 legislativas regionais; a norma ínsita no n.º 2 do artigo 140º do EPARAA, ora em 
 análise, limita-se a reafirmar este princípio, razão pela qual também não é, em 
 meu entender, constitucionalmente desconforme.
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
                         Votei vencido quanto à decisão de declaração de 
 inconstitucionalidade da norma constante do artigo 140.º, n.º 2, do Estatuto 
 Político‑Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 
 
 39/80, de 5 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 2/2009, de 12 de Janeiro 
 
 (doravante, EPARAA), segundo a qual “Os poderes de revisão do Estatuto pela 
 Assembleia da República estão limitados às normas estatutárias sobre as quais 
 incida a iniciativa da Assembleia Legislativa e às matérias correlacionadas”.
 
                         Interessará começar por esclarecer que, contrariamente 
 ao aludido na correspondente parte do pedido do requerente, a norma em causa 
 tem apenas por objecto as “normas estatutárias” em sentido próprio, isto é, as 
 normas que sejam formal e materialmente estatutárias. Relativamente a normas 
 que, apesar de formalmente inseridas no Estatuto, não revestem a natureza de 
 normas estatutárias, continua a valer o entendimento, desde sempre acolhido por 
 este Tribunal, da “irrelevância” dessa inserção, mantendo a Assembleia da 
 República inteira liberdade para alterar ou revogar tais normas, designadamente 
 através de “lei comum”, sem dependência de prévia iniciativa da assembleia 
 legislativa regional.
 
                         Relativamente às normas estatutárias em sentido próprio, 
 tem sido discutida, na doutrina e na praxe legislativa, a existência de limites 
 
 à capacidade de decisão da Assembleia da República no quadro do procedimento de 
 revisão dos estatutos regionais, limites esses que se podem situar em dois 
 níveis: quanto ao âmbito ou objecto da intervenção da Assembleia da República e 
 quanto ao conteúdo ou sentido dessa intervenção. Isto é: questiona‑se quer a 
 possibilidade de a Assembleia da República introduzir alterações em preceitos 
 não incluídos no projecto de revisão, quer a possibilidade de, cingindo‑se a 
 esse objecto, vir a consagrar soluções que materialmente “desfigurem” o sentido 
 desse projecto.
 
                         No presente caso, está apenas em causa aquele primeiro 
 nível. A norma questionada visa tão‑só a delimitar o âmbito ou objecto da 
 intervenção possível da Assembleia da República, não pretendendo estabelecer 
 quaisquer constrangimentos quanto ao sentido ou conteúdo dessa intervenção.
 
                         A opção tomada corresponde à seguida no relatório da 
 Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre as 
 alterações propostas ao decreto de revisão do EPARAA, relatado pelo Deputado 
 Almeida Santos (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 31, de 16 de 
 Janeiro de 1987, págs. 1280 e seguintes), onde se consignou:
 
  
 
             “Tem sido aceite sem oposição a interpretação do artigo 228.º da 
 Constituição, segundo a qual a reserva de iniciativa das assembleias regionais 
 quanto aos estatutos da respectiva região se estende às alterações dos mesmos 
 estatutos, não podendo a Assembleia da República alterar, por seu turno, 
 dispositivos não abrangidos por aquela iniciativa.
 
             A Comissão debateu o que deve entender‑se por unidade legislativa 
 sujeita a proposta de alteração (se cada artigo, se os respectivos números, se 
 as correspondentes alíneas), tendo‑se esboçado um entendimento em torno de que é 
 o artigo a unidade a considerar, sem se ter desenhado a necessidade de uma 
 tomada de posição a este respeito.”
 
  
 
                         E é posição que, na doutrina, tem sido defendida, 
 designadamente, por J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da 
 Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, pp. 774‑778), J. J. Gomes Canotilho e 
 Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, 
 Coimbra, 1993, p. 847: “a solução mais consentânea com o regime comparticipado 
 de alteração dos estatutos é a de que a AR não pode fazer alterações em áreas 
 não envolvidas nas propostas de alteração da assembleia regional”); Francisco 
 Lucas Pires e Paulo Castro Rangel, “Autonomia e Soberania (Os poderes de 
 conformação da Assembleia da República na aprovação dos projectos de estatutos 
 das Regiões Autónomas”, em Juris et de Jure – Nos vinte anos da Faculdade de 
 Direito da Universidade Católica Portuguesa – Porto, Porto, 1998, pp. 411‑434: 
 
 “A Assembleia da República (…) não [pode], portanto, aditar novos preceitos ou 
 introduzir alterações em preceitos cuja modificação não tenha sido proposta 
 pela Assembleia Legislativa Regional, de acordo, aliás, com o n.º 4 do artigo 
 
 226.”; e Carlos Blanco de Morais, A Autonomia Legislativa Regional, Lisboa, 
 
 1993, p. 215: “Entendemos que a Assembleia da República não poderá 
 inovatoriamente alterar matérias do estatuto originário, não insertas no 
 projecto de revisão”.
 
                         Do exposto resulta que as normas constitucionais 
 pertinentes – n.ºs 2 e 4 do artigo 226.º – permitem o entendimento que veio a 
 ser consagrado na norma estatutária ora questionada, ao que acresce que o mesma 
 se apresenta como o mais conforme ao espírito que rege o regime constitucional 
 de aprovação e revisão dos estatutos regionais, que consagra um procedimento 
 concertado, que parte do reconhecimento de que “o direito à elaboração dos 
 estatutos e o direito de alteração dos estatutos são uma dimensão nuclear da 
 autonomia regional” (J. J. Gomes Canotilho, obra citada, p. 776). Rege nesta 
 matéria um princípio de cooperação dos órgãos de soberania e dos órgãos 
 regionais, sendo no quadro deste “espírito constitucional” que se deve 
 interpretar tal cooperação, referindo Francisco Lucas Pires e Paulo Castro 
 Rangel (local citado, p. 423): “O modelo da Constituição da República Portuguesa 
 
 é, por conseguinte, o modelo de um procedimento concertado – em linguagem de 
 direito comunitário não se lhe poderia decerto chamar «procedimento de 
 codecisão», mas poder‑se‑ia nomeá‑lo, sem forçar, como «procedimento de 
 cooperação». O que se pretende, numa palavra, é que cada órgão actue, pelo 
 menos, numa medida «suportável», «aceitável», «sustentável» para o outro”.
 
                         Ora, afigura‑se que a solução consagrada na norma ora 
 questionada, para além de ser compatível com a formulação constitucional, surge 
 como sendo a que melhor se adequa ao apontado “princípio da cooperação” em 
 matéria estatutária regional. Representaria, na verdade, um desrespeito desse 
 princípio, se, por exemplo, perante um projecto de revisão estatutária que se 
 limitasse, a propor alterações ao artigo relativo aos símbolos regionais, a 
 Assembleia da República aproveitasse o ensejo e introduzisse profundas 
 alterações noutros capítulos estatutários, de todo estranhos ao objecto do 
 projecto de revisão, como, por exemplo, procedendo a uma redução drástica da 
 enumeração das matérias de interesse regional. Em tal hipótese, não seria 
 lícito sustentar que fora respeitado, em termos materiais, a regra 
 constitucional que atribui às assembleias legislativas regionais o exclusivo do 
 poder de iniciativa da revisão estatutária.
 
                         Nem se diga que, dessa forma, se exaspera a chamada 
 
 “rigidez estatutária”. Esta “rigidez” resultou directa e exclusivamente de uma 
 opção do legislador constitucional, ao atribuir em exclusivo às assembleias 
 legislativas regionais o poder de iniciativa em matéria de aprovação e revisão 
 dos estatutos. Tal “rigidez” atingirá o seu grau máximo perante persistentes 
 atitudes de completa inércia de iniciativa regional. Nesta perspectiva, a 
 solução consagrada na norma agora em causa até pode contribuir, em termos 
 práticos, para a atenuação dessa rigidez, uma vez que não é de afastar que a 
 inibição, por parte das assembleias legislativas regionais, de apresentação de 
 projectos de revisão seja condicionada pelo temor de, a entender‑se consagrado 
 um poder ilimitado da Assembleia da República de alterar qualquer parte do 
 estatuto, correr o risco de, face a um projecto de revisão bem delimitado, serem 
 introduzidas, sem iniciativa da Região, alterações profundas e tidas por 
 regressivas da autonomia regional.
 
                         Refira‑se, por último, que a norma questionada não 
 representa qualquer “usurpação do poder constituinte”. A regulação do 
 procedimento legislativo de aprovação e revisão dos estatutos regionais não 
 consta de forma esgotante do texto constitucional, nenhum obstáculo havendo a 
 que seja igualmente desenvolvida nos estatutos regionais (desde que, obviamente, 
 em termos compatíveis com as regras constitucionalmente consagradas, mas então a 
 eventual desconformidade acarretaria inconstitucionalidade material, que não 
 
 “usurpação” pelos estatutos da competência do legislador constitucional). 
 Aliás, no recente Acórdão n.º 402/2008, em processo de fiscalização preventiva 
 do Decreto n.º 217/X, relativo à 3.ª revisão do EPARAA, este Tribunal considerou 
 admissível a inserção no Estatuto de regras relativas ao procedimento 
 legislativo de revisão estatutária, não se tendo pronunciado pela 
 inconstitucionalidade da regra do n.º 3 do artigo 47.º desse Decreto, que exigia 
 maioria qualificada para a aprovação dos projectos de estatuto.
 
                         Mário José de Araújo Torres
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 
  
 Dissenti da decisão, quanto ao ponto A-6, por considerar que o poder da 
 Assembleia da República de introduzir alterações nos projectos de revisão dos 
 estatutos elaborados pelas Assembleias Legislativas regionais (artigo 226.º, nºs 
 
 2 e 4, da CRP) se cinge às matérias sobre que tenha incidido a iniciativa destes 
 
 órgãos. Às Assembleias Legislativas das regiões autónomas não cabe apenas um 
 genérico poder de impulso que, uma vez exercido, ponha nas mãos da Assembleia da 
 República o poder de decidir sobre quaisquer matérias estatutárias, comportando 
 o poder de introduzir matéria nova, não contemplada no projecto recebido. O 
 poder de iniciativa daqueles órgãos regionais não se exerce no vácuo, tem como 
 referente objectivo cada uma das normas projectadas, a elas e só a elas abrange, 
 pelo que é de lhe atribuir valência delimitativa do âmbito material da decisão 
 da Assembleia da República.
 Só esta interpretação está de acordo com o modelo constitucional de concertação 
 e de confluência de vontades entre os órgãos legiferantes regionais e o 
 nacional, em matéria de criação e de revisão dos Estatutos. Esse modelo é o de 
 uma competência partilhada, em que aos primeiros cabe a iniciativa e ao segundo 
 o poder decisório sobre a solução definitiva. Ora, se este poder estivesse 
 legitimado a incidir sobre as áreas não cobertas pelo projecto de alteração, as 
 normas que resultassem do seu exercício não teriam na sua base uma iniciativa 
 prévia da Assembleia Legislativa regional sobre os pontos que elas regulam, o 
 que contraria o balanceamento de poderes constitucionalmente traçado.
 
 É claro que este regime de condicionamento recíproco dos poderes de normação 
 estatutária, com incidência, cada um deles, em distintas fases do iter 
 legislativo, dota os estatutos regionais de uma acentuado grau de rigidez, 
 trazendo consigo um risco forte de bloqueamento dos processos de revisão, por 
 mais aconselháveis que eles se possam afigurar. Mas, contrariamente ao afirmado 
 no acórdão, essa rigidez não é “superior à prevista na Lei Fundamental”, 
 correspondendo antes ao inevitável efeito reflexo do que por esta foi 
 intencionado. Em matéria tão delicada, de definição da “competência das 
 competências”, foi esse o meio encontrado de achar um ponto de equilíbrio entre 
 os poderes regionais e o da República. Uma outra opção, de total desvinculação 
 da Assembleia da República do objecto do projecto regional de revisão, importa a 
 intervenção do legislador constituinte.
 De resto, pode duvidar-se de que a interpretação que fez vencimento contribua 
 para contrariar aquele bloqueamento. Pois não é ousado supor que o receio de um 
 aproveitamento, em sentido indesejado, de uma iniciativa de revisão desincentive 
 a Assembleia Regional de desencadear um procedimento de alteração. E, sem 
 iniciativa deste órgão, não há revisão. 
 Pelo exposto, ter-me-ia pronunciado pela constitucionalidade do artigo 140.º, 
 n.º 2, dos Estatutos da Região Autónoma dos Açores, na versão que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 2/2009, de 12 de Janeiro – norma formulada, aliás, em termos 
 abertos, com margem de flexibilidade aplicativa, na medida em que reconhece o 
 poder da Assembleia da República em adicionar novos preceitos em “matérias 
 correlacionadas” com as versadas no projecto regional.
 Pode dizer-se, num outro plano, que, por fundada que seja esta interpretação do 
 disposto na Constituição, não cabe aos Estatutos afirmá-la. Mas o Tribunal 
 sempre tem entendido que preceitos infraconstitucionais repetitivos do que a 
 Constituição consagra não estão, por isso, feridos de inconstitucionalidade.
 
  
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1.  Votei vencida quanto ao ponto 3 da decisão (declaração de 
 inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 7º, nº 1, alínea o), 
 
 47º, nº 4, alínea c), 67º, alínea d), 101º, nº 1, alínea n) e 130º dos 
 Estatutos: provedores sectoriais regionais) e quanto ao seu ponto 6 (declaração 
 de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 140º, nº 2: procedimento 
 de alteração dos estatutos), pelas razões seguintes. 
 
  
 
 2.  O Tribunal entendeu que eram inconstitucionais as normas estatuárias que 
 previam a possibilidade de criação, por decreto legislativo regional, de 
 provedores sectoriais apenas para a região. Fê-lo com um único fundamento: 
 violação do artigo 23º da Constituição. Quer isto dizer que entendeu como 
 determinante para o juízo de inconstitucionalidade não a dimensão regional da 
 questão (não o facto de a previsão ser constante de norma estatutária) mas a sua 
 dimensão institucional-nacional, ou seja, o facto de o artigo 23º da 
 Constituição consagrar um Provedor único, para todo o território nacional, e 
 plurifuncional, ou com competências para a defesa não jurisdicional dos direitos 
 das pessoas sem acepção de matérias. Concordo inteiramente com o juízo do 
 Tribunal nesta parte. Não sendo a figura dos chamados “provedores sectoriais” 
 constitucionalmente proibida, nenhuma razão haveria para entender que os 
 estatutos não poderiam prever a sua criação só para a região, através de decreto 
 legislativo regional. O nó górdio do problema reside assim (tal como o entendeu 
 o Tribunal) na questão de saber se é inconstitucional a criação por acto 
 legislativo, qualquer que ele seja, de um “provedor” que seja “sectorial”. O 
 Tribunal entendeu que o era; foi desse julgamento que dissenti. 
 
 É certo que o artigo 23º da Constituição consagra, como órgão constitucional, um 
 Provedor de Justiça que é simultaneamente único e plurifuncional: as suas 
 competências de defesa não jurisdicional dos direitos das pessoas valem para 
 todo o território nacional, sendo os actos e omissões da Administração regional, 
 local ou estadual o “terreno privilegiado” da sua expressão, sem acepção de 
 matérias ou sem consideração dos bens substanciais tutelados pelo direitos a 
 defender. Por isso (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, p. 172) é o Provedor de Justiça, nos 
 termos do artigo 23º, um provedor plurifuncional: provedor médico, provedor 
 militar, provedor do ensino ou provedor do ambiente. 
 Sendo tudo isto certo, creio no entanto que fica por demonstrar que seja 
 inconstitucional a criação – desde logo pelo legislador ordinário, qualquer que 
 ele seja - de provedores sectoriais.
 Não o é, seguramente, por força do princípio formal-competencial de reserva de 
 constituição. O Provedor de Justiça a que se refere o artigo 23º da CRP foi 
 primeiro instituído por lei ordinária, e só depois (logo com a primeira versão 
 da CRP) recebido pela Constituição ou constitucionalizado. Tanto basta para 
 demonstrar que não estamos aqui perante “matérias” que sejam, pela sua própria 
 natureza ou por expressa imposição constitucional, reservadas à esfera de 
 normação própria do poder constituinte, com exclusão de qualquer intervenção 
 conformadora por parte do legislador ordinário. O facto de a Constituição 
 portuguesa, ao contrário de muitas outras, ter escolhido atribuir à instituição 
 do Provedor valor e dignidade constitucional, terá seguramente consequências 
 quanto à vinculação do poder legislativo; contudo, tais consequências 
 inserir-se-ão no âmbito do princípio substancial do primado da Constituição, e 
 não no âmbito do princípio formal-competencial da reserva de poder constituinte. 
 Assim, o essencial da argumentação deve encontrar‑se no ponto que segue. 
 Desta opção da CRP, de conferir valor e dignidade constitucional à instituição 
 
 “Provedor de Justiça”, decorrem vínculos seguros para o legislador ordinário. 
 Desde logo, e negativamente, é-lhe vedada a eliminação da instituição; depois, e 
 positivamente, é-lhe imposto um dever de conformação [da mesma instituição] em 
 harmonia com os fins e funções que constitucionalmente lhe são atribuídos. Ao 
 julgar como julgou, o Tribunal partiu do princípio segundo o qual a proibição da 
 existência de provedores sectoriais se incluiria no âmbito deste dever do 
 legislador de conformar a instituição “Provedor de Justiça” em harmonia com as 
 funções que lhe são constitucionalmente conferidas. A meu ver, porém, ficou por 
 demonstrar a necessária inclusão de uma coisa na outra. Como creio que a 
 interpretação da Constituição se não faz pela leitura isolada dos seus preceitos 
 
 – visto que nenhuma constituição se confunde com um “simples corpo articulado de 
 preceitos escritos” – penso que a demonstração, a poder ser feita, requereria 
 argumentos sistémicos fortes, que não vejam onde possam ser encontrados: nem na 
 
 “unidade de sentido dos direitos fundamentais”, razão maior para a existência, 
 constitucionalmente tutelada, do Provedor de Justiça, nem no tipo de 
 competências, não decisórias, que lhe são atribuídas, encontro tais argumentos. 
 Não se discute que a criação de provedores sectoriais poderá corresponder a uma 
 má política legislativa: como é evidente, as magistraturas de influência serão 
 tanto menos influentes quanto mais plurais forem. Também se não discute que, no 
 limite, a má política legislativa possa redundar na emissão de normas 
 inconstitucionais lesivas – i.a. – de um dever de boa administração. Contudo, o 
 que creio é que este último juízo, a fazer‑se, só poderá fundar‑se no exame da 
 instituição em concreto, de cada “Provedor Sectorial”. A condenação em bloco da 
 existência da figura, com fundamento em inconstitucionalidade, é que me parece 
 infundada.
 
  
 
 3.  Dissenti também do juízo que foi formulado a propósito da norma estatuária 
 referente ao procedimento a seguir quanto à alteração do próprio estatuto 
 
 (artigo 140º, nº 2). A questão que aqui se coloca é a de saber se há algum 
 espaço para a conformação do iter procedimental a seguir sempre que estiver em 
 causa a alteração do Estatuto Político‑Administrativo da região. Entre o poder 
 de impulso que, nos termos constitucionais, pertence em exclusivo à Assembleia 
 Legislativa da região, e o poder de deliberação que, nos mesmos termos, pertence 
 
 à Assembleia da República, existe espaço para uma ulterior regulação do 
 procedimento, nomeadamente quanto à competência para o agendamento das matérias 
 objecto da alteração? Em bom rigor, a pergunta subdivide-se em três questões 
 distintas: primeira, a questão de saber se a Constituição responde, ela própria, 
 ao problema; segunda, a questão de saber se pode o mesmo ser respondido pelas 
 normas estatutárias; terceira, a questão de saber se o modo como a norma contida 
 no nº 2 do artigo 140º, agora em juízo, a ele respondeu, ultrapassa, ou não, os 
 limites constitucionais que lhe são aplicáveis. 
 O Tribunal resolveu todas estas questões entendendo o seguinte: 
 
 (i) a Constituição responde, ela própria, a este problema; (ii) de qualquer 
 modo, nunca os Estatutos poderiam versar sobre a matéria (qualquer que fosse a 
 solução neles contida) porque é ela reservada à decisão constituinte. 
 Não creio que a Constituição tenha dado resposta ao problema. O que aparece 
 recortado no texto constitucional, com clareza, é que pertence só às regiões o 
 poder de iniciar o procedimento tendente à alteração dos estatutos; e que 
 pertence só à Assembleia da República a competência para sobre elas deliberar. 
 Entre o poder de impulso e o poder de deliberação existe, pois, um espaço para a 
 conformação ulterior do procedimento tendente à aprovação, pelo Parlamento, das 
 alterações estatutárias. É para mim natural que esse espaço venha a ser 
 preenchido pelas próprias normas estatutárias. Sendo os Estatutos 
 Político‑Administrativos das regiões precisamente aquilo que são – a norma 
 básica da região, que, no quadro dos limites constitucionais, concretiza e 
 organiza as regras fundamentais da autonomia – parece-me que pertencerá 
 naturalmente ao seu âmbito a concretização e a organização das regras de 
 procedimento relativas à alteração das suas próprias normas. 
 
 
 Se – diversamente do que foi o juízo maioritário do Tribunal – se partir do 
 princípio segundo o qual a Constituição, não respondendo ela própria ao 
 problema, deixa algum espaço para a conformação ulterior do iter procedimental, 
 nem outra conclusão se afigura possível: as normas estatutárias poderão ser o 
 lugar adequado para o preenchimento deste espaço. 
 No caso, determinava o nº 2 do artigo 140º do EPARAA que pertencesse à região, 
 não apenas o poder de impulso do procedimento legislativo nacional tendente à 
 aprovação das alterações das normas estatutárias, mas também o poder de 
 agendamento das matérias objecto de alteração. Não me parece que esta 
 conformação ulterior do procedimento legislativo ultrapassasse quaisquer limites 
 constitucionais. Pois que entendi que, não respondendo a Constituição ao 
 problema, deixava ela própria algum espaço para a solução ulterior dele, 
 seguramente que não considero – como considerou o Tribunal – que tenham sido 
 atingidos os limites decorrentes do nº 2 do artigo 110º e dos nºs 2 e 4 do 
 artigo 226º; mas também não vejo que outros limites constitucionais possam ter 
 sido lesados. 
 No modo de feitura dos Estatutos Político-Legislativos (e no modo de feitura das 
 suas alterações) exprime-se o princípio da cooperação entre órgãos de soberania 
 e órgãos da região (artigo 229º). É esse princípio que explica que, neste 
 procedimento legislativo atípico, a iniciativa legislativa esteja reservada a um 
 ente exterior ao Parlamento (o único caso paralelo em que tal acontece é o da 
 elaboração da lei do orçamento). Não me parece que seja consentânea com a razão 
 de ser desta reserva a sua redução a um esquálido impulso procedimental, sem 
 quaisquer consequências na fase ulterior do procedimento; e parece-me, pelo 
 contrário, que se inscreve ainda no seu âmago a possibilidade de agendamento, 
 por parte do titular do poder de inciativa legislativa, das matérias objecto de 
 alteração. Não vejo em que tal possa afectar as competências deliberativas da 
 Assembleia da República, atento precisamente o disposto no nº 2 e 4 do artigo 
 
 226º (poder de rejeição e poder de alteração por parte da AR).
 
  
 Maria Lúcia Amaral
 
  
 
  
 
  
 
                             DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
  
 
  
 Votei vencido a declaração de inconstitucionalidade do artigo 4.º, n.º 4, do 
 Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, que prevê a 
 utilização da bandeira regional nas instalações dependentes dos órgãos de 
 soberania que estejam situadas naquela Região, por entender que essa previsão se 
 encontra abrangida pela reserva estatutária.
 Assumindo os Estatutos a forma de lei estruturante da organização e 
 funcionamento das colectividades regionais, num papel complementar em relação à 
 Constituição, devem incluir a definição e protecção dos símbolos da região 
 
 (vide, neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em “Constituição da 
 República Portuguesa anotada”, vol. I, pág. 291, da ed. de 2007, da Coimbra 
 Editora, e RUI MEDEIROS, TIAGO FREITAS e RUI LANCEIRO, em “Enquadramento da 
 reforma do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, pág. 
 
 179-180, da ed. pol. de Dezembro de 2006), aí estando definidas as regras 
 essenciais da sua utilização.
 Se é certo que a imposição do hasteamento da bandeira regional nas instalações 
 dependentes dos órgãos de soberania situadas na região interfere com a 
 apresentação e gestão destas, encontrando-se essas instalações em território da 
 região, os Estatutos Político-Administrativos são o diploma legislativo adequado 
 para contemplar tal matéria, na lógica duma autonomia cooperativa (vide, neste 
 sentido, RUI MEDEIROS, TIAGO FREITAS e RUI LANCEIRO, na ob. cit., pág. 181).
 A circunstância de nessas instalações ser também hasteada a bandeira nacional, 
 tal como é hasteada nas instalações onde funcionam serviços da administração 
 das regiões autónomas, nos termos impostos pelo artigo 4.º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 150/87, de 30 de Março, não é impeditivo que seja o Estatuto a 
 determinar que nessas instalações seja também hasteada a bandeira regional.
 Na verdade, se o regime dos símbolos nacionais deve ser definido por lei da 
 Assembleia da República (artigo 164.º, s), da C.R.P.), nessa reserva de regime 
 não se inclui a admissão da utilização da bandeira regional, nos mesmos 
 edifícios onde é hasteada a bandeira nacional.
 Ao incluir-se essa matéria no regime dos símbolos nacionais, com o argumento de 
 que lhe compete escolher a “companhia” para a bandeira nacional, já não se 
 estaria a regular a utilização dos símbolos nacionais, mas sim a utilização da 
 bandeira regional.
 Se deve ser o regime dos símbolos nacionais a definir os termos como deve ser 
 compatibilizada a utilização nas mesmas instalações da bandeira nacional com 
 outras bandeiras, nomeadamente as regionais, como faz o artigo 8.º, do 
 Decreto-Lei n.º 150/87, de 30 de Março, não pode ser subtraído aos Estatutos o 
 poder de admitir o hasteamento da bandeira regional nas instalações situadas na 
 região, mesmo naquelas onde deva ser hasteada a bandeira nacional.
 
 É o regime dos símbolos regionais que está em causa, o qual está incluído na 
 reserva estatutária, pelo que o artigo 4.º, n.º 4, do Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, no meu entendimento, não 
 
 é inconstitucional. 
 
  
 João Cura Mariano
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei no sentido da não inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 
 
 4º, nº 4, primeira parte, e 140º, nº 2, do Estatuto Político-Administrativo da 
 Região Autónoma dos Açores.
 
 1. Não acompanho a fundamentação do presente acórdão, por entender que a norma 
 constante do artigo 4º, nº 4, primeira parte, se limita a regular a utilização 
 de um símbolo regional nas instalações dependentes dos órgãos de soberania na 
 Região.
 Ainda que a regra de utilização da bandeira regional em questão contenda com 
 regras de utilização da Bandeira Nacional, sendo matéria da exclusiva 
 competência da Assembleia da República o regime dos símbolos nacionais (artigo 
 
 164º, alínea s), da Constituição), tal regra consta de lei deste órgão de 
 soberania (Lei nº 2/2009, de 12 de Janeiro, que aprova a terceira revisão do 
 Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores).
 
 2. Relativamente ao artigo 140º, nº 2, votei vencida, pelas razões constantes da 
 declaração de voto do Senhor Conselheiro Mário Torres.
 
  
 Maria João Antunes