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Processo n.º 859/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
        Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
                         1. A., notificado do despacho do Conselheiro 
 Vice‑Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 15 de Outubro de 2008, 
 que – por entender que o recurso se reportava à decisão judicial recorrida “e 
 não a qualquer norma em que a mesma decisão se tenha baseado” – não admitiu 
 recurso por ele interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra 
 o despacho da mesma entidade, de 26 de Setembro de 2008, que indeferira 
 reclamação contra despacho de não admissão de recurso penal para o STJ, 
 apresentou reclamação daquele despacho, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da 
 LTC, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
             “Em face da prolação do douto acórdão proferido pelo Venerando 
 Tribunal da Relação de Lisboa, o aí recorrente interpôs, em tempo, recurso para 
 o Venerando Supremo Tribunal de Justiça (fls. 661 a 692).
 
             Por douto despacho de fls. …, entendeu o Excelentíssimo Juiz 
 Desembargador Relator não admitir o recurso, por entender que «a decisão de 
 fls. 634 a 655 é irrecorrível».
 
             Assim, o aqui reclamante apresentou reclamação do douto despacho de 
 não admissão para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que doutamente 
 entendeu indeferir a reclamação deduzida e manter o despacho de não admissão de 
 recurso, não conhecendo das inconstitucionalidades aí invocadas.
 
             Do despacho de não admissão de recurso, o aqui reclamante interpôs 
 recurso para o Tribunal Constitucional, que não veio a ser admitido por se 
 entender que «o recurso de inconstitucionalidade no nosso sistema jurídico só 
 pode incidir sobre normas e não sobre decisões judiciais, como resulta do n.º 1 
 do artigo 280.º da CRP».
 
             Assim, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça: «não se admite pois o 
 recurso interposto para o Tribunal Constitucional, que se reporta à decisão que 
 indeferiu a reclamação de fls. 124 e segs. e não a qualquer norma em que a mesma 
 se tenha baseado».
 
             Com devido respeito, que é sempre muito, entendemos que o recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional deveria ser admitido, pois a decisão 
 sobre a qual o mesmo recai é, no nosso modesto entender, recorrível, uma vez que 
 se trata da aplicação de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante 
 o processo, designadamente na reclamação deduzida do despacho de não admissão 
 proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. Inconstitucionalidades 
 não conhecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça.
 
             Daí que no requerimento de recurso interposto se refira 
 expressamente que o objecto do recurso interposto se cinge à violação dos 
 princípios constitucionais decorrentes do artigo 13.º, artigo 20.º, n.º 2, 
 artigo 32.º, n.º 1 e n.º 9, da CRP em face da aplicação, que se faz no douto 
 despacho, do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.
 
             Ora, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, o recorrente indicou a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo 
 do qual interpunha recurso, bem como indicou os princípios constitucionais que 
 considerava violados pelo douto despacho de não admissão de recurso.
 
             Salvo o devido respeito, que é sempre muito, parece‑nos que deverá 
 ser admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional nos termos e 
 pelos fundamentos acima expostos, em virtude de processualmente estar conforme 
 aos requisitos e pressupostos exigidos.
 
             Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto 
 suprimento de Vossa Excelência, deve a presente reclamação ser recebida e 
 deferida a pretensão na mesma ínsita, tal significando a admissão do recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional pelo arguido A..”
 
  
 
                         O representante do Ministério Público neste Tribunal 
 emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
             “A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que o 
 reclamante – nem no requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade, nem sequer no âmbito da presente reclamação – tratou de 
 definir e delimitar o objecto normativo de tal recurso, delineando 
 adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa.
 
             Tal situação processual implica a carência de objecto idóneo quanto 
 
 à fiscalização da constitucionalidade pretendida pelo reclamante, o que 
 naturalmente dita a rejeição desta reclamação.”
 
  
 
                         Por despacho do relator, foi determinada a notificação 
 ao reclamante do referido parecer, e ainda para se pronunciar, querendo, sobre 
 a possibilidade de a inadmissibilidade do recurso se fundamentar no facto de 
 não ter sido arguida a inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada no 
 despacho recorrido como ratio decidendi: a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 
 
 400.º do Código de Processo Penal (CPP), na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 
 de Agosto, que declara não admissível recurso de acórdãos proferidos, em 
 recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa da liberdade.
 
                         Pelo reclamante não foi apresentada qualquer resposta.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
                         2. No sistema português de fiscalização de 
 constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional 
 cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões 
 de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a 
 interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com 
 clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa 
 inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas 
 directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
 
                         Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente 
 caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos 
 de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada “durante o 
 processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu 
 a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 
 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua 
 ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 
                         Acresce que, quando o recorrente questiona a 
 conformidade constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar 
 essa interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, 
 o uso de fórmulas como “na interpretação dada pela decisão recorrida” ou 
 similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que 
 
 (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) “ao suscitar‑se a questão de 
 inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte 
 dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido 
 
 (essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso 
 de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua 
 decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição.”
 
                         3.1. No presente caso, na reclamação endereçada ao 
 Presidente do STJ, ao abrigo do artigo 405.º, n.º 1, do CPP, contra o despacho 
 do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu 
 recurso interposto para o STJ, aduziu o ora reclamante:
 
             “Em face da prolação do douto acórdão proferido pelo Venerando 
 Tribunal da Relação de Lisboa, o aí recorrente interpôs, em tempo, recurso para 
 o Venerando Supremo Tribunal de Justiça (fls. 661 a 692).
 
             Por douto despacho de fls. …, entendeu o Excelentíssimo Juiz 
 Desembargador Relator não admitir o recurso, por entender que «a decisão de 
 fls. 634 a 655 é irrecorrível».
 
             Assim, entendeu o Excelentíssimo Juiz Desembargador, ao abrigo do 
 disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1 alínea b), e 432.º, todos do CPP, não 
 admitir o recurso interposto pelo recorrente.
 
             Ora, é precisamente deste douto despacho, na medida em que considera 
 a decisão irrecorrível, que aqui se reclama.
 
             Com devido respeito, que é sempre muito, entendemos que o recurso 
 interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, 
 confirmativo da decisão de 1.ª Instância, deveria ser admitido, pois a decisão 
 sobre a qual o mesmo recai é, no nosso modesto entender, recorrível.
 
             Entende o aqui reclamante que os fundamentos apontados no despacho 
 ora reclamado não podem vingar.
 
             Sustenta o douto despacho ora em crise que o recurso não é admitido 
 ao abrigo do disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 
 
 1, alínea b), do CPP.
 
             Ora, decorre dos apontados normativos legais, e para o que aqui 
 importa, que é permitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos 
 acórdãos proferidos pelas Relações cuja irrecorribilidade não esteja elencada no 
 artigo 400.º do CPP.
 
             No entendimento explanado no despacho de não admissão, entende‑se 
 que tal irrecorribilidade decorre da alínea b) do [n.º 1 do] artigo 400.º do 
 CPP.          Sendo que não nos parece enquadrável o caso em apreço ao estatuído 
 na alínea b) do aludido preceito legal, pois aí trata‑se de decisões proferidas 
 no exercício de poderes discricionários conferidos ao tribunal, tendo em vista a 
 livre escolha quer da oportunidade quer da solução a dar ao caso concreto.
 
             O que não é o caso vertente.
 
             Parece‑nos que, quando se refere alínea b) do n.º 1 do artigo 400.º 
 do CPP, se pretenderia referir a alínea f), que considera irrecorríveis os 
 acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que confirmem a decisão de 1.ª 
 instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
 
             Admitindo‑se que o recurso não foi admitido com base no preceituado 
 na alínea f) do artigo 400.º do CPP (pois não se poderá conceber que a 
 irrecorribilidade nos presentes autos decorra da alínea b)), não poderemos 
 sufragar tal entendimento.
 
             A alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP tem a redacção 
 introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto. Pretendeu o legislador, com a 
 redacção contemplada na Lei n.º 48/2007, resolver uma querela jurisprudencial 
 que se manteve quanto à redacção anterior, qual era a de saber se o limite 
 determinante da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça era 
 estabelecido pela pena aplicável ao crime ou pena efectivamente aplicada.
 
             Ora, com o devido respeito por opinião contrária, entendíamos que 
 para se aferir da admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça 
 se deveria atender à pena abstractamente aplicável ao crime e não à pena 
 efectivamente aplicada.
 
             Contrariamente a este entendimento, a Lei n.º 48/2007 veio a alterar 
 a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, consagrando a solução da pena 
 efectivamente aplicada, restringindo, e muito, a cognição, em sede de recurso do 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 
             Todavia, esta redacção contemplada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto, não se poderá aplicar aos presentes autos.
 
             E isto porque os presentes autos são anteriores à alteração 
 legislativa e como tal a lei processual penal não se aplica aos processos 
 anteriormente iniciados, quando da sua aplicabilidade imediata resulte 
 limitação do direito de defesa do arguido.
 
             Na verdade, a nova redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do 
 CPP, ao aplicar‑se aos presentes autos, resulta numa clara limitação ao direito 
 de defesa do arguido A..
 
             Decorre do artigo 20.º, n.º 2, da Constituição da Republica 
 Portuguesa que a todos é garantido o acesso aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos. Para tanto, a nossa lei fundamental prevê a existência de tribunais de 
 recurso (artigo 215.º, n.ºs 2 e 3, da CRP). Pelo que, em processo penal, o 
 princípio constitucional das garantias de defesa contempla a faculdade do 
 arguido recorrer de sentenças condenatórias.
 
             O princípio das garantias de defesa, emergente do preceituado no 
 artigo 32.º, n.º 1, da CRP, tem o sentido de que o processo penal deve ser um 
 processo justo e leal, ficando, por isso, proibidas restrições à possibilidade 
 de defesa.
 
             Ora, a anterior redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do 
 CPP conferia ao arguido o direito a recorrer do acórdão condenatório proferido 
 pela Relação de Lisboa que confirmou a decisão de 1.ª Instância, uma vez que 
 estamos perante um concurso de ilícitos criminais e a pena abstractamente 
 aplicável é superior a 8 anos.
 
             Pelo que entendemos que, ao aplicar‑se o previsto no actual artigo 
 
 400.º, n.º 1 alínea f), do CPP in casu consubstancia uma inconstitucionalidade 
 material.
 
             Efectivamente, a possibilidade de recurso não pode ficar dependente 
 da medida da pena aplicada pelo tribunal recorrido.
 
             Salvo o devido respeito, parece‑nos que a possibilidade de recorrer, 
 a competência do STJ e a alçada deve, tão‑só, depender da medida da pena 
 abstracta a aplicar e não da pena concreta aplicada.
 
             Atrevemo‑nos a dizer que a decisão contemplada no sistema processual 
 penal viola manifestamente o princípio da igualdade e da não discriminação 
 elencado no artigo 13.º da CRP.
 
             O principio elencado na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP 
 determina que a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se 
 afere, não quanto à gravidade do crime em si e dos factos abstractos dos quais o 
 arguido é acusado, mas sim quanto à concreta interpretação e aplicação da lei 
 feita pelos tribunais recorridos, que deste modo podem determinar se a sua 
 decisão será ou não recorrível.
 
             Parece‑nos que este regime viola os direitos de defesa do arguido e 
 que é face a determinados crimes em abstracto, é imperativa a garantia de três 
 graus de jurisdição. Esta garantia impõe‑se pela gravidade do crime em abstracto 
 e da moldura penal abstractamente aplicável e não pode ficar dependente da 
 aplicação do direito feita nos tribunais recorridos.
 
             Se o artigo 32.º, n.º 1, da CRP confere a todos os cidadãos 
 garantias de defesa, incluindo o recurso, não pode tal garantia de defesa ser 
 limitada pela decisão recorrida. De facto, para estarmos perante uma garantia 
 temos que ter em conta a medida abstracta da pena e não a pena concreta 
 aplicável.
 
             Em suma, a actual versão do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), viola o 
 n.º 1 do artigo 32.º da CRP, n.ºs 1 e 9, inconstitucionalidade que aqui 
 expressamente se invoca.
 
             Em face dos fundamentos indicados supra, entendemos que o douto 
 despacho reclamado, ao não admitir o recurso, por considerar a decisão 
 irrecorrível, é inconstitucional porque viola os direitos fundamentais de 
 defesa do arguido A.. Isto se, conforme acima se referiu, o douto despacho 
 assenta a irrecorribilidade na alínea f) do [n.º 1 do] artigo 400.º do CPP.
 
             Para o caso de tal irrecorribilidade ser sustentada na alínea b) do 
 
 [n.º 1 do] artigo 400.º, conforme nos parece transparecer do despacho, 
 entendemos que não estamos perante qualquer poder discricionário dos 
 
 [tribunais].
 
             Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto 
 suprimento de Vossa Excelência, deve a presente reclamação ser recebida e 
 deferida a pretensão na mesma ínsita, tal significando a admissão do recurso 
 interposto para o Supremo Tribunal de Justiça pelo arguido A..”
 
  
 
                         3.2. A reclamação foi indeferida por despacho do 
 Vice‑Presidente do STJ, de 26 de Setembro de 2008, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
             “I. O arguido A. recorreu para este Supremo Tribunal do acórdão da 
 Relação de Lisboa, confirmativo da decisão da 1.ª instância, que, na parte 
 relevante, o condenara pela prática de dois crimes, um de falsificação, previsto 
 e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alínea c), e 3, do Código Penal, na pena de 
 
 1 ano e 6 meses de prisão, e outro de burla qualificada, previsto e punido 
 pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena 
 de 2 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico destas penas e daquelas em 
 que foi condenado no processo n.º 2219/04.6TALRS, da 2.ª Vara Mista de Loures, 
 nos termos do disposto nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, foi o arguido 
 condenado na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual 
 período, acompanhada de regime de prova.
 
             Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator esse recurso não foi 
 admitido, nos termos dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 1, 
 alínea b), do CPP.
 
             Desse despacho reclama o recorrente, sustentando, além do mais, que 
 lhe parece que o despacho reclamado quando se refere à alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 400.º do CPP se pretendia referir à alínea f), conferindo‑lhe a redacção 
 anterior desta alínea o direito de recorrer, tendo em conta que os presentes 
 autos são anteriores à alteração legislativa e como tal esta não se aplica aos 
 processos anteriormente iniciados quando da sua aplicabilidade imediata resulte 
 limitação do direito de defesa do arguido. Refere ainda que a aplicação da 
 actual redacção do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), viola o artigo 32.º, n.ºs 1 e 
 
 9, da CRP.
 
             A assistente B., L.da, pugna pelo improvimento da reclamação.
 
  
 
             II. Cumpre apreciar e decidir.
 
             O referido acórdão foi proferido em 23 de Abril de 2008 e a decisão 
 da 1.ª instância em 21 de Dezembro de 2007; logo, ambas as decisões foram 
 proferidas na vigência da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que alterou o 
 Código de Processo Penal.
 
             Assim, atentas as datas em que foram proferidas aquelas decisões, e 
 uma vez que para efeitos da conjugação do regime dos recursos com o artigo 5.º, 
 n.º 2, alínea a), do CPP, o regime aplicável deve ser o que vigorava na data em 
 que pela primeira vez se verificaram no processo, em concreto, os pressupostos 
 do exercício do direito ao recurso, não há que considerar qualquer questão no 
 
 âmbito da sucessão de regimes.
 
             Ora, não sendo já hipótese de sucessão de leis, deve ser aplicável o 
 artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP na redacção introduzida pela Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto, que estabelece serem irrecorríveis «os acórdãos 
 proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da 
 liberdade».
 
             Independentemente de uma série de questões de ordem lógica e 
 sistémica que a disposição suscita, que seriamente dificultam a interpretação, 
 no caso, o acórdão questionado, no que aqui interessa, manteve a decisão da 1.ª 
 instância que condenara o arguido pela prática de dois crimes, um de 
 falsificação, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alínea e), e 3, do 
 Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e outro de burla 
 qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, 
 alínea a), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo 
 jurídico desta penas e daquelas em que foi condenado no processo n.º 
 
 2219/04.6TALRS, da 2.ª Vara Mista de Loures, nos termos do disposto nos artigos 
 
 77.º e 78.º do Código Penal, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos de 
 prisão suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de 
 prova.
 
             Assim sendo, uma pena de prisão suspensa na sua execução não pode 
 ser entendida como privativa da liberdade. Daí a irrecorribilidade da decisão, 
 nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.
 
             Nestes termos, tendo em conta que a irrecorribilidade das decisões 
 judiciais, nos termos do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, depende apenas da 
 verificação de uma das situações nele contempladas, fica prejudicado o 
 conhecimento da admissibilidade do recurso ao abrigo da alínea f) do referido 
 artigo.
 
             Por último, uma vez que a norma que serviu de ratio decidendi para 
 não admitir o recurso para o STJ foi a do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do 
 CPP, como atrás se disse, não vamos conhecer da inconstitucionalidade imputada à 
 alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, por irrelevar o seu conhecimento, uma 
 vez que não exerceu qualquer influência nesta decisão.”
 
  
 
                         3.3. O reclamante interpôs recurso desta decisão para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, 
 referindo no requerimento de interposição de recurso que:
 
  
 
             “O objecto do recurso ora interposto é invocar a violação dos 
 princípios constitucionais decorrentes do artigo 13.º, artigo 20.º, n.º 2, e 
 artigo 32.º, n.ºs 1 e 9, da Constituição da Republica Portuguesa, cuja 
 inconstitucionalidade foi suficientemente invocada na reclamação do despacho de 
 não admissão de recurso.”
 
  
 
                         3.4. O recurso de constitucionalidade não foi admitido 
 pelo despacho, ora reclamado, do Vice‑Presidente do STJ, do seguinte teor:
 
  
 
 “O recurso de inconstitucionalidade no nosso sistema jurídico só pode incidir 
 sobre normas e não sobre decisões judiciais, como resulta do n.º 1 do artigo 
 
 280.º da CRP.
 Não se admite, pois, o recurso para o Tribunal Constitucional, que se reporta à 
 decisão que indeferiu a reclamação de fls. 124 e seguintes e não a qualquer 
 norma em que a mesma decisão se tenha baseado.”
 
  
 
                         4. Como resulta do precedente relatório, o recurso que 
 se pretendeu interpor para o Tribunal Constitucional era claramente 
 inadmissível, pela razão apontada no despacho reclamado: o reclamante jamais 
 suscitou, em termos processualmente adequados, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, não apontando a qualquer norma de direito 
 ordinário (ou interpretação normativa, devidamente identificada) a violação de 
 normas ou princípios constitucionais. O que o reclamante questionou, na 
 reclamação endereçada ao Presidente do STJ, foi a correcção, face ao direito 
 ordinário, da decisão de não admissão de recurso penal, imputando a esta decisão 
 judicial, em si mesma considerada, a violação da Constituição. Aliás, nem 
 sequer no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional o reclamante logrou identificar qualquer norma ou interpretação 
 normativa que considerasse desrespeitadora da Constituição.
 
                         A este fundamento acresce (sendo sabido que, face ao 
 disposto no n.º 4 do artigo 77.º da LTC, na apreciação de reclamações de 
 despachos de não admissão de recursos de constitucionalidade, o Tribunal 
 Constitucional pode fundar a decisão de não admissão em causas diversas das 
 invocadas no despacho reclamado) que a norma efectivamente aplicada, como ratio 
 decidendi, no despacho de que se pretendeu interpor recurso, foi a da alínea e) 
 do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, que declara 
 inadmissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que 
 apliquem pena não privativa da liberdade, referindo‑se expressamente nesse 
 despacho que, por isso, se considerava prejudicada a apreciação da 
 aplicabilidade da alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito (que, segundo o 
 reclamante, fora aquela em que efectivamente se baseara o despacho reclamado do 
 Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa). Ora, na presente 
 reclamação (independentemente da questão de saber se esta constituiria ainda 
 momento adequado para definir o objecto do recurso), o reclamante continua a 
 referir como norma aplicada, agora no despacho do Vice‑Presidente do STJ, a da 
 alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, o que manifestamente não corresponde 
 
 à realidade. Assim, também por esta razão – não aplicação pela decisão 
 recorrida da norma identificada na presente reclamação – o presente recurso 
 surge como inadmissível.
 
                         
 
                         5. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                         Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 10 de Dezembro de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos