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Processo n.º 19/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I. Relatório
 
  
 
  
 A. recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de 
 Coimbra que negou provimento ao recurso de apelação interposto de decisão 
 condenatória em processo penal, nos seguintes termos:
 
  
 Por entender que a interpretação e aplicação do disposto nos arts. 40°, n.° 2 e 
 
 71.° do Código Penal, pelo Tribunal da 1ª Instância é francamente 
 inconstitucional por violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade 
 das penas, designadamente da norma constante no art.° 18º da Constituição da 
 República Portuguesa conjugadas com os art.°s 50.° e 70.° do Código Penal. 
 E ainda por se entender se haver verificado nos presentes autos uma violação das 
 suas garantias de defesa, constitucionalmente consagradas no art. 32° da 
 Constituição da República Portuguesa, na medida em que entendeu o Tribunal da 
 Relação de Coimbra que caberia ao arguido infirmar o valor dos depoimentos, que 
 o mesmo Tribunal cataloga como “indiciante”, atribuindo-lhe dessa forma um ónus 
 da prova que de forma alguma lhe poderá ser assacado, violando, assim, o direito 
 de defesa do arguido constitucionalmente consagrado no art. 32° da nossa 
 Constituição da República, pois que, o direito ao silêncio, consagrado no art. 
 
 343°, n.° 1, do Código de Processo Penal, é tido unanimemente como “uma das mais 
 importantes manifestações do direito de defesa no direito processual moderno” 
 
 (cfr. Ac. do STJ, proferido em 18-10-95, no âmbito do Proc. 048366). 
 E ainda por entender que a interpretação e aplicação do disposto no art. 108°, 
 n° 1, do DL n.° 422/89, de 2.12, conjugado com os artigos 3° e 4°, n° 1, al. g), 
 do mesmo diploma, pelos Tribunais de 1.ª e 2.ª Instância é francamente 
 inconstitucional por violação dos princípios da liberdade individual e da 
 proporcionalidade, designadamente, da norma constante no art.° 18° da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
  
 Por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº, da Lei 
 do Tribunal Constitucional, não se tomou conhecimento do objecto do recurso com 
 os seguintes fundamentos:
 
  
 O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo das alíneas 
 b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 A primeira interpretação que constitui o objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade – reportada aos artigos 40º, n.º 2, e 71º do Código Penal – 
 foi, conforme a indicação constante do requerimento de interposição de recurso, 
 aplicada pelo tribunal de 1ª instância.
 Não é essa, no entanto, a decisão recorrida, e não só o recurso para o Tribunal 
 Constitucional se encontra precludido quanto a essa decisão de 1ª instância, 
 como não seria possível a sua interposição, com base no disposto no artigo 70º, 
 n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, face ao princípio da 
 exaustão dos recursos ordinários que consta do n.º 2 desse artigo (cfr., também, 
 o n.º 4).
 Acresce que, não tendo o Tribunal Constitucional adoptado em momento anterior 
 qualquer pronúncia de inconstitucionalidade ou ilegalidade relativamente às 
 normas dos artigos 40º, n.º 2, e 71º do Código Penal, não pode conhecer-se do 
 objecto do recurso, na parte em que foi interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 
 
 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que pressupõe que a decisão 
 recorrida tenha contrariado um anterior julgamento de inconstitucionalidade ou 
 ilegalidade do próprio Tribunal Constitucional.
 A segunda interpretação normativa identificada no requerimento de interposição 
 do recurso é a de que “caberia ao arguido infirmar o valor dos depoimentos, que 
 o mesmo Tribunal cataloga como “indiciante”, atribuindo-lhe dessa forma um ónus 
 de prova”.
 O recorrente não indica qualquer preceito legal a que se reporte tal 
 interpretação normativa, o que, em princípio, justificaria um despacho de 
 aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal 
 Constitucional; todavia, tal consubstanciaria, no caso concreto, a prática de um 
 acto inútil, atendendo a que é, desde já, manifesto que este Tribunal não pode 
 tomar conhecimento de tal interpretação.
 Com efeito, nem o recorrente suscitou, durante o processo, a questão da 
 inconstitucionalidade de tal interpretação normativa (na verdade, o recorrente 
 não imputou, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra, 
 qualquer inconstitucionalidade a qualquer norma ou interpretação normativa, 
 nomeadamente àquela que identifica no requerimento de interposição do presente 
 recurso de constitucionalidade, o que, no caso dos recursos interpostos ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é 
 também exigido pelo artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei), nem o Tribunal 
 Constitucional alguma vez emitiu um juízo de inconstitucionalidade sobre uma 
 interpretação normativa desse preciso teor: não é, assim, no que diz respeito a 
 essa segunda interpretação normativa, possível conhecer-se do objecto do recurso 
 de constitucionalidade, tanto na parte em que foi interposto ao abrigo da alínea 
 b), como na parte em que foi interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 Finalmente, e quanto à terceira e última interpretação normativa indicada no 
 requerimento de interposição do recurso – reportada ao artigo 108º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, conjugado com os artigos 3º e 4º, n.º 
 
 1, alínea g), do mesmo diploma -, verifica-se, percorrendo o texto do acórdão do 
 Tribunal da Relação de Coimbra, que, seja qual for essa interpretação, na 
 fundamentação do acórdão não se faz referência aos citados preceitos legais, o 
 que obsta ao conhecimento do presente recurso, tanto na parte em que foi 
 interposto ao abrigo da alínea b), como na parte em que foi interposto ao abrigo 
 da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (exigem 
 estes recursos, com efeito, que a norma ou interpretação normativa cuja 
 apreciação se requer tenha sido aplicada na decisão recorrida).
 Além de que, na parte em que se recorre ao abrigo da alínea g), não se verifica 
 o pressuposto aí previsto, que é o de ter havido uma anterior pronúncia do 
 Tribunal Constitucional no sentido da incons-titucionalidade dos preceitos em 
 causa.
 
 É, por outro lado, irrelevante que se impute essa mesma interpretação normativa 
 ao tribunal de 1ª instância, visto que não é essa a decisão que constitui 
 objecto de recurso de constitucionalidade.
 
  
 Desta decisão sumária reclama o recorrente para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, aduzindo o 
 seguinte:
 
  
 
 1. Sempre com o devido e muito respeito, permite-se o Reclamante discordar como 
 entendimento explanado pelo Exmo Senhor Juiz Conselheiro Relator onde procura 
 justificar a inadmissibilidade do recurso interposto pelo arguido, aqui 
 Reclamante, para este Egrégio Tribunal Constitucional, decidindo pelo não 
 conhecimento do mesmo. 
 
 2. Ora, salvo melhor opinião e com todo o devido respeito, entende o Recorrente 
 que tal decisão se mostra prematura, na medida em que, decide, desde logo, não 
 tomar conhecimento do recurso quando na sua própria alegação admite que o 
 requerimento de interposição de recurso justificava um despacho de 
 aperfeiçoamento nos termos do disposto no art.° 75°-A, n.°s 5 e 6, da L.T.C. 
 
 3. Com efeito, a interposição de recurso tinha por fundamento a apreciação da 
 decisão recorrida à luz do preceituado nos artigos 70.° n.° 1, als. b) e g), da 
 L.T.C., sendo que, uma das interpretações aplicadas na decisão recorrida 
 prendia-se com a atribuição do ónus da prova ao arguido, colidindo esta com o 
 princípio geral penalmente consagrado quanto a tal questão. 
 
 4. Nesta sequência, entende o Exmo juiz relator que não foi indicado qualquer 
 preceito legal a que se reporte tal interpretação normativa e, assim sendo, 
 impunha-se que efectivamente fosse proferido um despacho de aperfeiçoamento de 
 molde a permitir que o Recorrente suprisse as deficiências do seu requerimento 
 de interposição de recurso. 
 
 5. Assim não tendo acontecido, vê o Recorrente a sua posição processual 
 prejudicada, coarctando-lhe a possibilidade de ser apreciada a questão de 
 inconstitucionalidade suscitada. 
 
 6. Afrontando, além do mais, o disposto no art.° 75°- A, nºs. 5 e 6, da L.T.C. 
 que assegura a possibilidade do Recorrente colmatar eventuais deficiências do 
 seu requerimento antes de ver precludido o seu direito de conhecimento do 
 recurso. 
 Termos em que, sopesados os argumentos acabados de aduzir, vem o aqui 
 Reclamante, requerer a Vs. Exas. se dignem revogar a douta decisão sumária 
 proferida pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator, devendo, nessa sequência, ser 
 conhecido o recurso por si interposto para este Egrégio Tribunal Constitucional. 
 
 
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 O reclamante parece insurgir-se apenas contra a decisão de não conhecimento do 
 recurso na parte em que se refere à segunda interpretação que vinha posta em 
 causa, alegando que seria caso para proferir despacho de aperfeiçoamento ao 
 abrigo do disposto no artigo 75º-A, nº 5, da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 Sucede que o convite para aperfeiçoamento do requerimento de recurso só se 
 justifica, como resulta com evidência do próprio contexto literal do nº 5  do 
 artigo 75º-A citado, quando o recorrente não indique qualquer dos elementos 
 previstos nesse artigo, referindo-se à indicação da alínea do nº 1 do artigo 70º 
 ao abrigo do qual o recurso foi interposto, à norma cuja inconstitucionalidade 
 se pretende que o Tribunal aprecie, e, quando o recurso tendo sido interposto ao 
 abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, à norma ou princípio 
 constitucional que se considera violado, e, quando o recurso seja interposto ao 
 abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC, à identificação da decisão 
 anterior do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional a norma aplicada 
 pela decisão recorrida (cfr. artigo 75º-A, nºs 1, 2, e 3, da LTC).
 
  
 Ora, a decisão reclamada não tomou conhecimento do recurso, não porque tenha 
 faltado a menção de qualquer uma dessas especificações, mas por se ter entendido 
 que o recorrente não suscitou, durante o processo, a questão de 
 inconstitucionalidade, e também porque, na parte em que o recurso é interposto 
 ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC, não existe qualquer 
 jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre o preceito em causa.
 
  
 E é evidente que os vícios que determinaram o não conhecimento do recurso não 
 são sequer susceptíveis de serem supridos, porquanto o recorrente não está agora 
 em tempo de suscitar a questão de constitucionalidade (que apenas poderia ter 
 suscitado em momento anterior à interposição do recurso para que o tribunal 
 recorrido sobre ela pudesse pronunciar-se – cfr. artigo 72º, nº 2 da LTC), nem 
 está na sua disponibilidade satisfazer o requisito  da existência da 
 jurisprudência anterior.
 
  
 O convite para o aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso 
 seria inútil, conforme, aliás, logo, se afirma na decisão reclamada, e, sendo, 
 assim, a única decisão admissível era a de não conhecer do recurso.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se  a reclamação.
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.    
 
  
 Lisboa, 12 de Março de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lucia Amaral
 Gil Galvão