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Proc. n.º 597/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
(Cons. Bravo Serra)
Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, e em que figura como recorrente, A. e, como recorrido, o Ministério Público, o relator, em 15 de Setembro de 2003, proferiu despacho limitador do objecto do recurso, notificando as «partes» para, com essa limitação, produzirem, em vinte dias, as suas alegações.
Tal despacho tem o seguinte teor:
“1. Não se conformando com a decisão instrutória proferida em 29 de Maio de 2002 pelo Juiz de instrução criminal do Funchal na parte em que indeferiu a pretensão do arguido A. no sentido de ser declarada a nulidade das intercepções das comunicações telefónicas efectuadas por via de determinados «cartões» de telefones móveis, recorreu tal arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, na motivação que apresentou, formulado as seguintes «conclusões»:
‘1º Os despachos a ordenar as escutas não estão fundamentados, nem de facto, nem de Direito, tal como é exigido, nem referindo o prazo pelo qual se deve autorizar a escuta.
O M. Juiz ao não ter fundamentado nos despachos, fez errada interpretação das normas contidas no artº 97º nº 4 e 187º nº 1 do C.P.P., por violação do dever de fundamentação - artº 205º nº 1 e direito ao recurso, artº 32º nº 1 da C.R.P., pelo que nos termos supra referidos e do artº 189º são nulos, sendo consequentemente as escutas dependentes desses despachos.
2. Não houve supervisão jurisdicional das escutas realizadas a partir dos postos de escuta, na medida em que se não mostra ter sido ouvida pelo M. Jic qualquer cassete contendo elementos de prova recolhidos a partir da audição das fitas magnéticas com as conversações interceptadas.
3. Atendendo a que o M. Juiz se limitou a ordenar a junção nos termos sugeridos pelos Senhores Inspectores da Polícia Judiciária unicamente obedeceu ao critério escolhido pela entidade policial, não tendo sido respeitado o nº 3 do artº 188º, nem o prazo consignado no nº 1 daquele artigo.
4. Não houve supervisão jurisdicional atempada das escutas telefónicas, constatando-se que toda a iniciativa e verificação do interesse de matéria interceptada ficou a cargo dos elementos da Polícia Judiciária, o que não se coaduna com o vertido no artº 188º nº 1-3 do C.P.P..
5. Não resultaram pois as transcrições da selecção feita pelo M. Jic, mas sim pela Polícia Judiciária, pelo que se está perante acto jurisdicional levado a cabo por quem não está investido desse poder, pelo que tal acto terá de ser considerado inexistente.
6. Consequentemente não deverão as gravações dessas cassetes referentes aos registos magnéticos ser valoradas pelo Tribunal.
7. Assim sendo, considerando que todo a iniciativa e verificação do interesse da matéria interceptada ficou a cargo exclusivo dos elementos da Polícia Judiciária, até fls. as quais não foram de imediato apresentadas ao M. Juiz, entende-se que as escutas realizadas aos postos telefónicos são nulas e consequentemente nulo o valor das provas obtidas mediante o recurso às mesmas, nos termos dos artigos 34º, 32º- 18 da C.R.P. e 189º e 126º do C.P.P.
8. A não se entender desta forma, deve considerar-se inconstitucional por violação das disposições conjugadas dos arts. 32º - 8, 34 - 1- 4 e 18º da C.R.P., a norma constante do artº 188º nº 1 do C.P.P., quando interpretada no sentido de não impor que o auto de gravação de conversações telefónicas, seja de imediato lavrado e levado ao conhecimento do Juiz e que, autorizada a intercepção e gravação por certo período, seja concedida autorização para a sua continuação, sem que o Juiz tome conhecimento do resultado anterior. Neste sentido Ac. do Trib. Constitucional 10/01, 1ª Secção, Proc. 299/01.
9. Devem julgar-se juridicamente inexistentes os autos de transcrição das gravações telefónicas, não podendo ser valoradas como elemento de prova.
10. A não se entender desta forma, o Tribunal fez errada interpretação do artº
189º por não cumprimento do artº 187º e 188º do C.P.P., sendo violados os princípios consignados nos arts. 26º, nº 1 e 32º, nº 6, da C.R.P..”. Por acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2002 pelo Tribunal colectivo do Tribunal de comarca do Funchal, foi o indicado arguido, por entre outros, condenado na pena de nove anos de prisão pela prática de factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 26º, nº 1, do Código Penal, e 21º e 24º, alíneas b), c) e j), estes do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. Desse aresto recorreu o arguido A. para o Tribunal da Relação de Lisboa, com tal recurso vindo, conforme foi decidido pelo acórdão, prolatado pelo mencionado Tribunal de 2ª Instância em 23 de Agosto de 2003, a ser julgado o recurso interposto da decisão instrutória. O dito Tribunal da Relação, por acórdão de 10 de Julho de 2003, concedeu parcial provimento ao recurso do arguido A., condenando-o, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelo artº 21º do Decreto-Lei nº
15/93, na pena de seis anos de prisão. Nesse acórdão de 10 de Julho de 2003, tocantemente ao arguido ora recorrente e pelo que respeita à impugnação da decisão instrutória, na parte em que não declarou a nulidade da intercepção das comunicações telefónicas, discreteou-se assim, para o que ora releva:
‘........................................................................................................................................................................................................................................................................................ A questão a analisar consiste, pois, em saber se, por um lado, os despachos a ordenar as escutas não estão fundamentados e se, por outro, se verifica a invocada nulidade, por o Juiz de Instrução Criminal não ter controlado adequadamente todas as operações de escuta e transcrição. Vejamos: Na redacção dos arts. 187° e 188° do CPP (redacção anterior ao D.L.. 320
C/2000), dispunha-se o seguinte: Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do Juiz que tiver ordenado ou autorizado a operação. Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova fá-los juntar ao processo: caso contrário ordena a sua destruição ficando todos os participantes nas operações ligados por dever de segredo relativamente
àquilo a que tenham tomado conhecimento No tocante às operações de gravação das conversas telefónicas, as mesmas, uma vez efectuada a intercepção do telefone, passam a ser efectuadas automaticamente através de um sistema informático centralizado existente na Polícia Judiciária, sendo tal gravação feita em «disco rígido» de grande capacidade, suporte informático este que congrega, em simultâneo, inúmeras gravações de chamadas telefónicas respeitantes a múltiplos processos de inquérito em investigação. Todas as intercepções telefónicas e consequentes gravações de conversas ficam documentadas no «auto» de inquérito e o órgão de policia criminal apresenta ao juiz competente as gravações das conversas telefónicas. Porém, como a audição pelo juiz do conteúdo dos registos de sons implicaria longo trabalho daquele magistrado em funções executivas de recolha de prova, em prejuízo do exercício de outras funções que lhe são próprias, entendeu o legislador de 1987 que o mencionado auto deveria incluir a transcrição integral ou sumária do conteúdo das comunicações interceptadas. Na verdade, não só a proposta de Lei de autorização legislativa para a aprovação do CPP de 1987 falava na transcrição das conversações interceptadas, como o n.º
3, do art.º 188° do CPP, pressupunha claramente que aquele auto continha tais transcrições, pois só assim se compreenderia a possibilidade do arguido e do assistente poderem verificar a conformidade das gravações com o conteúdo do referido auto. E o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 407/97 decidiu que seria inconstitucional uma interpretação que não impusesse que o auto de intercepção e gravação de conversações telefónicas fosse imediatamente lavrado após toda a escuta efectuada e levado ao conhecimento do juiz, com a necessária transcrição das conversações efectuadas. A justificação para a imediação na apresentação das escutas ao juiz, consagrada pelo legislador e defendida pelo Tribunal Constitucional é a de que o juiz possa controlar atempadamente a necessidade do prosseguimento das escutas por si determinadas. Porém, nada, na lei, ou na Constituição, impõe um prazo de 30 dias para que o
órgão de polícia criminal apresente as gravações ao juiz competente com a documentação, no inquérito, da intercepção e da gravação. Não havendo prazo legal estabelecido, só caso a caso é que se poderá aferir o momento próprio para o órgão de polícia criminal proceder a tal apresentação. Após decorrido o período da intercepção telefónica, o órgão de polícia Criminal deverá, com a brevidade possível, tendo sempre presente a complexidade das investigações e a extensão das gravações, apresentar tais elementos ao juiz de instrução competente, para os efeitos do disposto no art.º 188, nº 3 do CPP, a fim de este controlar as gravações, no tocante à autorização prévia da escuta, à sua localização temporal no período judicialmente autorizado e à sua relevância ou irrelevância para a prova, determinando a sua transcrição e/ou destruição, dessa forma restringindo a invasão da intimidade da vida privada das pessoas. Pretender defender-se que o juiz de instrução é obrigado a controlar permanentemente a evolução das escutas telefónicas é utópico, irrealista e impraticável: sendo conhecida a modéstia dos meios técnicos e humanos da PJ para procedem à gravação das escutas telefónicas e à transcrição das respectivas conversações, a mencionada limitação imposta peto Tribunal Constitucional tornava impossível a realização de qualquer escuta telefónica no nosso país, que não estivesse afectada pelo vício da nulidade, perante a manifesta impossibilidade daquela polícia realizar a gravação da escuta, elaborar de imediato o respectivo auto, com a necessária transcrição da conversa interceptada, e leva-la imediatamente ao juiz. Era a imposição de uma velocidade que o nosso país não estava preparado para atingir, por flagrante escassez de meios. Daí que os nossos tribunais, não se podendo dar ao luxo de prescindir de tal meio de prova, em casos de manifesta justificação na sua utilização, para superar a notória dificuldade de apresentação imediata pela PJ das gravações já realizadas, com o respectivo auto de transcrição, para controle contínuo da necessidade do prosseguimento das escutas, desde logo usaram o método de previamente limitarem no tempo a realização das operações de escutas, não se tornando exigível o mencionado controle contínuo, com a remessa imediata dos resultados das intercepções efectuadas, como pretende o recorrente. Aliás, o Acórdão n° 407/97, do Tribunal Constitucional, limita-se a sublinhar que a exigência de imediação só se enquadra em termos inconstitucionais quando possa afectar, naturalmente negativamente, a decisão do juiz para atempadamente poder tornar posição quanto à junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles e, bem assim, a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas, sendo certo que o recorrente parece estribar-se num quadro teórico-abstracto de inconstitucionalidade desenquadrado da previsão daquele aresto. O imediatismo a que respeita o n° 1, do art. 183° do CPP, deve, pois interpretar-se em termos hábeis, mostrando-se toleradamente respeitado, em adequada ponderação de considerações garantísticas da defesa e superiores exigências da realização do Direito - «Mostrando-se as escutas devidamente autorizadas e tendo o juiz, no despacho que as ordenou determinado, previamente, o tempo durante o qual elas deveriam ocorrer, não é necessário que a Policia Judiciária apresente ao Juiz de Instrução, imediatamente após cada realização, auto contendo a transcrição integral ou sumária das conversas interceptadas e gravadas, mas somente quando finde o prazo concedido, ou as escutas», Acórdão da Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Março de 2001, C.J. Ano XXVI, Tomo II,
128. Conforme resulta dos autos, foram efectuadas diversas escutas telefónicas durante o inquérito, acabando por ser juntas ao processo as transcrições daquelas que foram consideradas com interesse probatório. Tais escutas foram ordenadas e estão fundamentada pelo despacho do Mmo Juiz de Instrução. Com efeito, no despacho proferido a fl. 30 dos autos, o M.º Juiz de Instrução inserindo na parte final do seu despacho a expressão ‘nos termos doutamente promovidos’ faz sua e integrante do seu despacho, a fundamentação que consta da promoção do Ministério Público, de fl. 29. Na referida promoção, de fl. 29, do Ministério Público refere-se, expressamente, que ‘o suspeito Danilo, alvo da presente investigação, e auxiliado na ocultação e no tráfico de heroína por 5 indivíduos frequentadores da zona velha desta cidade, contactando-se entre si através dos respectivos telemóveis’ e ‘Para a cabal investigação do eventual tráfico de estupefacientes impõe-se o acesso às conversações e informações telefónicas dos indivíduos acima referidos, por se revelar de extrema importância para a investigação referida’. Por outro lado, o despacho de fl. 40, foi proferido oito dias depois, pelo mesmo M.º JIC, no mesmo processo, relativamente à mesma investigação e face a nova promoção do Ministério Público, a fl. 39, na qual, expressamente, se refere que a investigação do eventual tráfico de estupefacientes em causa enfrenta óbvias dificuldades, revestindo-se o acesso às conversações e informações telefónicas de importância fundamental para a investigação referida, requerendo-se a intercepção e gravação das conversações telefónicas de novos números. O M.º JIC profere então novo despacho, autorizando a intercepção e gravação das conversações telefónicas dos números referidos na promoção de fl. 39 do Ministério Público. Não deixaram, pois de existir os pressupostos legalmente exigidos para a admissão das intercepções e gravações telefónicas, que constavam do despacho do Ministério Público, e, por outro lado, deverá considerar-se que o despacho de fl. 40 surge no seguimento do despacho de fl. 30, tendo aquele sido produzido em consequência e por causa deste, sendo que a fundamentação inserta no despacho de fl. 30 abrange o despacho de fl. 40. Temos assim, face ao supra exposto, de considerar, contrariamente ao que pretende o arguido A., que os despachos que ordenaram as escutas estão devidamente fundamentados, de facto e de direito, razão porque não se verifica a invocada nulidade dos mesmos. Das várias intersecções autorizadas resultaram diversas cassetes de gravação. Compulsados os autos verifica-se que o M.º JIC autorizou as escutas requeridas pelo OPC e pelo MP, em 2001-03-07 e 2001[-]03-14, cfr. fl. 28,29 e 30 e fl. 38,
39 e 40. Em 2001/04/20, foram os autos presentes ao M.º JIC, juntamente com os suportes magnéticos, gravados no âmbito da intercepção dos telefones do arguido A., além do mais, para que ordenasse a transcrição das sessões de gravação dos telefones do arguido A., sugerindo-se, a fl. 303 e 304, as sessões de gravação que continham elementos com interesse para os autos, cfr . fl. 300 a 306 e 314. Tendo decorrido, entre a data do primeiro despacho que autorizou as escutas e a data em que os autos com as ‘cassetes’ gravadas foram presentes ao M.º juiz, para que ordenasse a transcrição de algumas sessões de gravação, apenas 38 dias, o que, manifestamente, é um prazo muito curto. No seu despacho de fl. 314 o M.º JIC ordenou a transcrição das gravações telefónicas de acordo com a sugestão do OPC de fl. 300 a 305, bem como ordenou a cessação de escutas telefónicas a diferentes números e ordenou a destruição todos os suportes magnéticos gravados no âmbito das intercepções a outros telemóveis, igualmente, de acordo com a sugestão do OPC de fl. 300 a 305. Assim, nada nos autos leva a concluir, que o Mmo Juiz de instrução não as sindicou. O facto de o juiz de instrução ter concordado com a sugestão do OPC de fl. 300 a
305, de que resultaram as transcrições não é, obviamente, fundamento para se chegar à conclusão de que as cassetes não foram sindicadas, uma vez que foi proferido despacho por esse magistrado validando expressamente a intervenção da PJ (ao invocar o n° do artigo 188) e considerando de interesse as transcrições já efectuadas (n° 3 do artigo 188). Resulta, assim, claramente do processo que, relativamente a todas as escutas, o
órgão de polícia criminal as apresentou ao juiz competente, juntamente com o
«auto de inquérito» em que a intercepção e gravação haviam sido documentadas, tendo pelo mesmo sido analisadas e proferida decisão judicial a ordenar a transcrição das gravações relevantes para a prova e a destruição das restantes. Respeitadas que foram as limitações cautelares inerentes à utilização deste meio de prova, nenhuma nulidade relevante ou inconstitucionalidade se prefigura, pelo que improcede a invocada nulidade.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................’
É do acórdão de que parte se encontra transcrita que, pelo arguido A., vem interposto, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recurso para o Tribunal Constitucional. No requerimento interpositor do recurso, é dito:
‘.............................................................................................................................................................................................................................................. A norma constante do artº 188º do C.P.P., quando interpretada no sentido de não impor que o auto de intercepção e gravação das escutas seja de imediato lavrado e levado ao conhecimento do Juiz e que autorizada a intercepção e gravação por certo período, seja concedida autorização para continuar sem que o Juiz tome conhecimento das anteriores. Foi já alvo de várias decisões do T.C., designadamente por Ac. 10/01 - 1ª Secção, Processo 299/01. Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do artº 188º nº 1 e 3 do C.P.P., com a interpretação com que foi aplicada na Decisão recorrida. A interpretação dada às normas do artº 187º-1 e 189º do C.P.P., conjugada com o nº 4 do artº 97º, viola os princípios consagrados nos artº 205º nº 1 e 32º nº 1 da C.R.P. A interpretação dada também pelo Tribunal ‘a quo’ das normas constantes do artº
188º- 1-3 e 126º do C.P.P., viola também os princípios consagrados nos arts.18º,
32º, 34º e 26º nº 1 da C.R.P..
...............................................................................................................................................................................................................................................’
2. Como resulta da transcrição supra efectuada do acórdão ora impugnado perante o Tribunal Constitucional, o mesmo, quanto à parte atinente ao recurso da decisão instrutória, não fez qualquer aplicação, directa ou indirecta, explícita ou implícita dos artigos 97º, 126º e 189º do Código de Processo Penal (versão anterior à redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro), por si só ou quando conjugados com outros normativos. Não é, neste contexto - ou seja, por falta de aplicação, na decisão que se pretende censurar perante este Tribunal -, cabido o recurso, seja ele fundado na alínea b), seja na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, sendo certo que é de sublinhar que se não conhecem quaisquer decisões deste órgão de administração de justiça que tivessem julgado inconstitucionais quaisquer das indicadas normas. Não se tomará, por isso, conhecimento do objecto do recurso incidente sobre os artigos 97º, 126º e 189º do Código de Processo Penal.
3. Debruce-se, agora, a atenção sobre os normativos ínsitos nos artigos 187º e
188º do diploma adjectivo criminal. Quanto àquela primeira norma, ou seja, quanto ao artº 187º, a mesma reza do seguinte modo:
Artigo 187.º
(Admissibilidade)
1. A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos a tráfico de estupefacientes;
c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
d) De contrabando; ou
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone, se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2. A ordem ou autorização a que alude o n.º 1 do presente artigo pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Associações criminosas previstas no artigo 299.º do Código Penal;
c) Contra a paz e a humanidade previstos no titulo III do livro II do Código Penal;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do titulo V do livro II do Código Penal;
e) Produção e tráfico de estupefacientes;
f) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º do Código Penal;
g) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3. É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento do crime. Deverá, neste particular, anotar-se que, muito embora no acórdão tirado no Tribunal da Relação de Lisboa e ora sub iudicio se faça alusão ao artº 187º
(cfr. fls. 3017 dos autos), no respectivo discurso e, o que é mais, para a decisão tomada quanto à questão da impugnação do despacho de pronúncia na parte em que se desatendeu a arguição de nulidade da intercepção das comunicações telefónicas, não são as normas insertas naquele preceito minimamente convocadas quanto às meras condições objectivas de admissibilidade das intercepções das comunicações telefónicas, isto é, quanto aos factos que, indiciariamente, constituam os ilícitos relativamente aos quais o aludido artigo autoriza essa intercepção. Aliás, aquando da motivação do recurso do referido despacho de pronúncia, o ora recorrente questionou o artº 187º do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional tão somente por, na sua óptica, os despachos autorizadores das intercepções das comunicações telefónicas não se encontrarem fundamentados de facto e de direito. Ora, quanto a este ponto, o acórdão em apreço, como deflui da transcrição acima levada a efeito, concluiu que tais despachos se encontravam, de facto e direito, devidamente fundamentados. Isso significa que o Tribunal da Relação de Lisboa, no aresto em causa, não levou a efeito uma interpretação do artº 187º do Código de Processo Penal da qual resultasse que um despacho autorizador de intercepção de comunicações telefónicas não tinha de ser fundamentado de facto e de direito. Não tendo, desta arte, sido esse o sentido interpretativo conferido ao preceito, também aqui não poderá ser tomado do objecto do recurso referente ao citado artº
187º.
3.1. Resta o artigo 188º do Código de Processo Penal. O impugnante, como parece resultar do requerimento de interposição de recurso, terá querido submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a norma inserta no nº 1 daquele artº 188º numa interpretação em duas vertentes:-
- a primeira, na dimensão segundo a qual a mesma não impõe que o auto de intercepção e gravação das escutas seja de imediato lavrado e levado ao conhecimento do Juiz;
- a segunda, no sentido de que, autorizada a intercepção da gravação por certo período, seja concedida autorização para continuar essa intercepção sem que o juiz tome conhecimento da anterior intercepção. Ora, pelo que tange a este último sentido, o acórdão pretendido recorrer, como bem resulta da transcrição supra efectuada, não concluiu que o juiz de instrução, após ter decorrido o prazo durante o qual se autorizou que se efectuassem as «primeiras» intercepções de conversações telefónicas e respectiva gravação, concedesse autorização para a sua continuação sem que tivesse tomado conhecimento do resultado daquelas «primeiras» intercepções, o que vale por dizer que não esteou a sua decisão numa interpretação do artº 183º, nº 1, do Código de Processo Penal segundo a qual é admissível a continuação da intercepção de conversações telefónicas anteriormente autorizada a ser realizada durante um certo período, sem que desta última o juiz tome conhecimento. E, porque essa dimensão interpretativa não foi sufragada no aresto de 10 de Julho de 2003, tirado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, também não se conhecerá do objecto do recurso neste ponto.
3.2. Subsiste a norma constante do nº 1 do artº 188º do Código de Processo Penal
(citada versão) na dimensão interpretativa segundo a qual não é imposto que o auto de intercepção das comunicações telefónicas e respectiva gravação seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz. O acórdão agora sindicado deu por assente que mediaram trinta e oito dias entre a data do primeiro despacho que autorizou a intercepção e a data em que os autos com as «cassetes» gravadas foram presentes ao juiz de instrução, a fim de este determinar a transcrição de algumas das sessões das gravações efectuadas. O impugnante, como se viu, na motivação do recurso do despacho de pronúncia
(parte já focada), questionou a conformidade constitucional de uma interpretação do nº 1 do artº 188º do Código de Processo Penal que não impusesse ‘que o auto de gravação de conversações telefónicas” fosse ‘de imediato lavrado e levado ao conhecimento do Juiz’. Poder-se-á, assim, sustentar que a interpretação conferida pelo acórdão recorrido ao normativo ínsito naquele preceito condiz, ao menos na sua expressão mais literal, com aquela cuja incompatibilidade com a Lei Fundamental foi arguida pelo impugnante. Desta sorte, não se vislumbram obstáculos a que, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, se tome conhecimento do recurso neste particular. Vinque-se que o recorrente também interpõe recurso ao abrigo da alínea g) do nº
1 do artº 70º já mencionado e, porventura baseado no nº 3 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, invoca o Acórdão deste Tribunal nº 10/01. Simplesmente, esse Acórdão nº 10/2001 não veio a julgar inconstitucional ou ilegal qualquer norma, antes se tratando de um aresto que indeferiu um pedido de aclaração de um anterior acórdão. Todavia, como o recorrente, ao invocar aquele acórdão, também faz referência ao processo nº 299/2001, é de presumir que se quis reportar, não ao Acórdão nº
10/2001, mas sim ao Acórdão nº 347/2001.
4. Em face do exposto, limita-se o objecto da vertente impugnação à norma contida no nº 1 do artº 188º do Código de Processo Penal (versão anterior à redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 320-C/2000) na interpretação segundo a qual se não impõe que o auto de intercepção e gravação de conversações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz. Com tal limitação, notifiquem-se as «partes» para a produção de alegações em vinte dias”.
2. Na sequência, o arguido recorrente veio apresentar a sua alegação, na qual concluiu:
“1. O Venerando Tribunal da Relação interpretou o ‘imediatamente’ contido no artº 188-1 do C.P.P., com o sentido que: as intercepções telefónicas poderão ser juntas ao processo e o Juiz tomar conhecimento delas só após terminar o prazo concedido para a escuta, mesmo que sejam passados mais de 38 dias! Sendo utópico, irrealista e impraticável defender-se que o M. Jic é obrigado a controlar permanentemente a evolução das escutas;
2. Foram interceptados diversos postos telefónicos;
3. Em 15.02.01 por despacho de fIs. 20 foi ordenada a intercepção do posto
96-------------, sem se ter estabelecido o prazo;
4. É patente neste caso a total ausência de controle jurisdicional, já que não se tendo estabelecido prazo, entende-se ser o prazo legal, sendo que o prazo legal são 10 dias, artº 105°-1 do C.P.P;
5. Aquele posto só em 20-4-01,através de despacho de fls 314 foi ordenada a transcrição de escutas.
6. Este posto esteve a ser escutado sem autorização desde 3 de Março até 23.4. Estas intercepções são nulas por falta de autorização, artº 189° e 126° do C.P.P. .
7. No posto 91---------------, conversações datadas de 9 e 10 de Março (alvo
9870), só foram presentes ao M.Jic em 20.04.01, passados cerca de 42 dias, despacho de fls. 314.
8. Nenhumas intercepções foram de imediato, ou seja no próprio dia ,ou no dia seguinte, quanto muito 2 dias presentes ao M.JIC, Não se consigna em lado algum que foram ouvidas as intercepções telefónicas,
9. Os autos de transcrição foram feitos, somente após 20.04.01, conforme despacho de fls.314 nem sequer constando a data em que foram lavrados (artº
101°-3 do C.P.P.).
10. A interpretação a dar à expressão imediatamente no contexto das finalidades das operações telefónicas, terá de ser outra que, não aquela que foi dada pelo Tribunal da Relação, aliás munindo-se de jurisprudência já revogada.
11. Terá de ser aquela que já foi dada, quer por esse Tribunal, Rec. 347/01,
407/97, quer do ST J, proc. 111145/98- 5.ª Secção;
12. Resulta claramente, que a interpretação dada pelo Tribunal da Relação, quanto ao segmento da norma do n° 1 do artº 188° do C.P.P., é inconstitucional por violação do artº 32° n° 1 e n° 6 e artº 34°-1-4 da C.R.P.. Consequentemente, deverá ser declarada inconstitucional e, em consequência declararem-se inválidos todos os actos que dependerem das intercepções telefónicas realizadas conforme arts. 122 e 189° do C.P.P.”.
3. Por seu lado, o Ministério Público concluiu assim a alegação por si formulada:
“1 - A exigência constitucional em matéria de ingerência nas telecomunicações, no estrito âmbito da recolha de prova em processo penal, pressupondo um acompanhamento eficaz e um controlo efectivo do juiz de instrução, não vai ao ponto de determinar que essa actividade judicial se processe em tempo real ou com intervalos medidos em horas ou dias.
2 - É perante o caso concreto, face à complexidade das investigações, dos postos telefónicos interceptados e do número das sessões registadas e apelando a critérios de adequação, razoabilidade e proporcionalidade, que se pode aferir da violação de normas ou princípios constitucionais.
3 - Um lapso de tempo pouco superior a um mês desde a autorização judicial para a intercepção até à apresentação ao juiz de instrução da documentação e dos elementos a que se reporta a norma do nº 1 do artigo 188º do Código de Processo Penal, não configura uma compressão inadmissível e desproporcionada das garantias constitucionalmente consagradas.
4 - Termos em que deverá improceder o recurso”.
4. Na sequência foram os autos inscritos em tabela para julgamento, tendo o Relator apresentado memorando onde, pelas razões da sua declaração de voto aposta ao Acórdão deste Tribunal n.º 407/97, sustentou a improcedência do recurso. Não tendo esta posição obtido vencimento, o processo mudou de Relator.
Cumpre, pois, decidir.
II. Fundamentação
6. Como resulta do relato supra efectuado, o recorrente não questionou a limitação do objecto do recurso levada a efeito pelo transcrito despacho de 15 de Setembro de 2003, pelo que a presente impugnação se circunscreve à apreciação da norma constante do n.º 1 do art.º 188º do Código de Processo Penal (versão anterior à conferida pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro), entendida no sentido de que se não impõe que o auto de intercepção e gravação de conversações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz.
7. A questão de constitucionalidade que agora vem colocada à nossa consideração não é nova na jurisprudência do Tribunal Constitucional, que sobre ela já se pronunciou nos Acórdãos n.ºs 407/97 e 347/01 (publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 18 de Julho de 1997 e de 9 de Novembro de
2001).
No Acórdão n.º 407/97, decidiu o Tribunal, na parte que agora importa considerar, “julgar inconstitucional, por violação do disposto no nº 6 do artigo
32º da Constituição, a norma do nº 1 do artigo 188º do Código de Processo Penal quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles”. Para concluir desta forma, escudou-se aquele aresto, designadamente, na seguinte fundamentação:
“[...]
8. Prescreve o nº 1 do artigo 34º da Constituição que 'O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis', particularizando o nº 4 da mesma disposição ser 'proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal'. Corporizam os artigos 187º a 190º do CPP precisamente a excepção indicada no segmento final do comando constitucional transcrito. E apresentam como traços marcantes: estabelecimento de um regime de autorização e controlo judicial
(artigos 187º e 188º nºs 1,2 e 4 do CPP); de um «sistema de catálogo» (artigo
187º nºs 1 e 2), em que a escuta telefónica é reservada exclusivamente a tipos criminais que pelas suas características tornam tal meio de recolha de prova particularmente apto à investigação ou que, pela gravidade dos interesses em jogo (expressa numa moldura penal abstracta qualificada) podem justificar ('se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou da prova' - artigo 187º nº 1 do CPP) a adopção de uma medida consensualmente vista como portadora de um elevado potencial de
'danosidade social' (a fórmula é de Manuel da Costa Andrade, in « Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal», Coimbra 1992, pp. 275, 281, 283 e 285). Expressão desta danosidade constitui, para além do evidente atentado 'ao direito
à palavra' falada que consubstanciam as escutas - atentado só compreensível
(aceitável) numa exigente lógica de ponderação de interesses-, a circunstância de propiciarem a frustração, de forma algo insidiosa, de direitos e privilégios de actuação processual, quando não mesmo de específicas proibições de prova, além de direitos de terceiros estranhos à investigação criminal. Pense-se, a este respeito, na confidencialidade da comunicação entre o arguido e o defensor
(expressamente salvaguardada no nº 3 do artigo 187º do CPP); na tutela a determinados intervenientes numa conversação objecto de escuta; do direito ou dever de sigilo e/ou da legitimidade de recusa de depoimento; na possibilidade de se converterem 'numa forma larvada de obtenção de confissões não livres'
(Manuel Costa Andrade, ob. cit., p.284). Pense-se, enfim, na intimidade exterior
à matéria investigada do arguido e particularmente, de terceiros, para alcançarmos a real dimensão dessa 'danosidade social polimórfica e pluridimensional' (ibidem, p.283) das medidas de intercepção telefónica.
[...] Não obstante, utilizando essa perspectiva de comparação de sistemas, é possível ao mesmo autor [Costa Andrade] definir uma metodologia de aproximação à problemática interpretativa do regime das escutas telefónicas, nos seguintes termos: ' O teor particularmente drástico da ameaça representada pela escuta telefónica explica que a lei tenha procurado rodear a sua utilização das maiores cautelas. Daí que a sua admissibilidade esteja dependente do conjunto de exigentes pressupostos materiais e formais previstos nos artigos 187º e seguintes da lei processual portuguesa ou nos §§ 100 a) e 100 b) da codificação alemã. Tanto o legislador português como o alemão procuram, assim, inscrever o regime das escutas telefónicas sobre a exigente ponderação de bens entre: por um lado, os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica traz consigo; e, por outro lado, os interesses mais relevantes da perseguição penal. Trata-se, como Knauth pertinentemente assinala, de uma «ponderação vinculada» ('gebundene Abwägung'), de que o intérprete e aplicador do direito não estão legitimados a desviar-se. E aqui - no imperativo da fidelidade estrita ao paradigma da ponderação legalmente codificada - residirá uma razão decisiva em abono da exigência de uma interpretação restritiva das normas atinentes às escutas telefónicas. Uma exigência que concita a seu favor o aplauso praticamente unânime da jurisprudência e da doutrina, incluída a doutrina jus-constitucionalística. Louvando-se do que a este propósito vem sendo o seu entendimento recorrente, proclama recentemente (decisão de 16/3/83) o BGH que estas normas « como preceitos limitadores de um direito fundamental deverão - tendo em conta o reconhecimento do eminente significado axiológico dos direitos fundamentais no contexto de um estado democrático assente na liberdade - ser interpretadas restritivamente na direcção da compressão do direito fundamental». No plano doutrinal refere, por seu turno, Walter: «Os atentados contra o sigilo das telecomunicações, o direito à palavra falada e mesmo a liberdade de expressão devem ater-se ao estritamente necessário e salvaguardar sempre a garantia de conteúdo essencial e do princípio de proporcionalidade»'. (ob. cit. pp.286/287). Trata-se aqui de precisar o conteúdo constitucionalmente viável do trecho do artigo 188º nº 1 do CPP, onde surge a expressão «imediatamente». Ora, partindo do pressuposto consubstanciado na proibição de ingerência nas telecomunicações, resultante do nº 4 do artigo 34º da Lei Fundamental, a possibilidade de ocorrer diversamente (de existir ingerência nas telecomunicações), no quadro de uma previsão legal atinente ao processo criminal (a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao artigo 18 nº 2 da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta telefónica, na sua potencialidade danosa, possa afectar) se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente. Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica, aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional. O actuar desta imediação, potenciadora de um efectivo controlo judicial das escutas telefónicas, ocorrerá em diversos planos, sendo um deles o que pressupõe uma busca de sentido prático para a obrigação de levar «imediatamente» ao juiz o auto da intercepção e 'fitas gravadas ou elementos análogos', de que fala a lei.
(...) Ora, já se indicou que o critério interpretativo neste campo não pode deixar de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica. Também já se assentou - e importa lembrá-lo de novo - que a intervenção do juiz é vista como uma garantia de que essa compressão se situe nos apertados limites aceitáveis e que tal intervenção, para que de uma intervenção substancial se trate (e não de um mero tabelionato), pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção telefónica. Com efeito, só acompanhando a recolha de prova, através desse método em curso, poderá o juiz ir apercebendo os problemas que possam ir surgindo, resolvendo-os e, assim, transformando apenas em aquisição probatória aquilo que efectivamente pode ser. Por outro lado, só esse acompanhamento coloca a escuta a coberto dos perigos - que sabemos serem consideráveis - de uso desviado. Com isto, não se quer significar que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz. Contrariamente a tal visão maximalista, do que aqui se trata é, tão só, de assegurar um acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte (imediato, na terminologia legal), acompanhamento esse que comporte a possibilidade real de em função do decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou.
14. Refere-se ainda o Acórdão a dificuldades práticas que a situação é susceptível de criar ('Sabemos, isso sim, que a Polícia Judiciária como muitos outros departamentos do Estado, nos quais se incluem os tribunais, seguramente carece, cronicamente, de meios técnicos e humanos que lhe não permitem cumprir, muitas vezes, as suas tarefas em tempo normal') moldando, no que não deixa de ter um certo sentido correctivo, o conceito de «imediatamente» ('usado por um legislador excessivamente preocupado com a aceleração processual, porém esquecido das grandes lacunas e dos grandes estrangulamentos do sistema') ao que qualifica de entendimento 'em termos hábeis'. A saber: aquele em que
«imediatamente» equivale a «no tempo mais rápido possível». Ora, o 'mais rápido possível' significou aqui longos períodos de tempo em que as escutas não foram acompanhadas (= a controladas) pelo juiz e, mais ainda, espaços muito significativos de tempo em que as escutas já haviam terminado e o processo continuava sem ter qualquer conhecimento do seu teor (vejam-se as conclusões 2ª e 4ª de fls. 4 vº, tendo-se presente que as datas aí indicados obtêm confirmação nos autos).
É a teorização interpretativa que sufraga esta situação que de modo algum se pode ter por conforme ao disposto no artigo 34º nº 4 da Constituição, lido à luz do princípio da proporcionalidade. Se é certo que se não podem ignorar, pura e simplesmente, os aspectos práticos de uma situação, designadamente as dificuldades técnicas que esta ou aquela opção interpretativa possa ocasionar, não é menos verdade que o ónus dessas dificuldades técnicas, num processo crime, sempre correrá por conta do Estado (a quem compete ultrapassá-las) jamais por conta do arguido.
[...]
15. Trata-se, pois, de fixar a interpretação constitucionalmente conforme do artigo 188º nº 1 do CPP no segmento em que se insere a expressão
«imediatamente», sendo certo ser tal expediente possível ainda nos limites da interpretação. Assim sendo, «imediatamente» não poderá, desde logo, reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas (pois ficaria aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à escuta sempre que a transcrição se atrasasse). Em qualquer dos casos, «imediatamente», no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem. De forma alguma «imediatamente» poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz não resulte do processo. Em qualquer caso, tendo em vista os interesses acautelados pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz, deve considerar-se inconstitucional, por violação do nº 6 do artigo 32º da Constituição, uma interpretação do nº 1 do artigo 188º do CPP que não imponha que o auto de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto de escutas posteriormente efectuadas, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas.
É esta, exposta com a minúcia possível, a interpretação conforme à Constituição. A ela importa vincular o intérprete - 'juiz incluído' como este Tribunal tem repetidamente referido em situações onde faz uso deste recurso interpretativo”.[...]
Por sua vez, no Acórdão n.º 347/01, decidiu o Tribunal Constitucional, na parte que ora importa, “julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32º nº 8, 34º nºs 1 e 4 e 18º nº 2 da Constituição, a norma constante do artigo 188º, nº. 1 do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que foi dada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz”. Para concluir desta forma escudou-se aquele aresto na seguinte fundamentação:
“[...] Entre nós, só com o CPP de 1987 o legislador se propôs enunciar os princípios gerais do regime processual penal das escutas telefónicas, nos artigos 187º e seguintes, mas de modo algum se poderá entender que em tais normas se contempla um quadro exaustivo de regulamentação legal positiva abrangente, o que desde logo resulta evidente em matéria do dever de sigilo a que ficam obrigados todos os que intervenham nas operações materiais de transcrição (cfr., nomeadamente, os artigos 101º e 86º do CPP). Daí que, como Costa Andrade bem salienta “Não se estranhará, por isso, que as escutas telefónicas se mostrem particularmente rebeldes à pretensão de verter em forma de lei positiva uma qualquer disciplina generalizadora e acabada. Mesmo as tentativas aparentemente mais logradas nesta direcção acabam, quando confrontadas com a “surpresa” das expressões da vida, por se mostrar incrivelmente lacunosas. É o que a doutrina e a jurisprudência alemãs não têm deixado de, insistentemente, assinalar, mesmo face à regulamentação cuidada dos
§§ 100a) e 100b) da StPO. Também nos sistemas jurídicos de modelo continental, é sobretudo da elaboração doutrinal e da intervenção co-criadora da jurisprudência que há-de esperar-se o necessário e definitivo enquadramento normativo dos problemas práticos suscitados pelas escutas telefónicas” (“Sobre as proibições de prova em processo penal”, Coimbra Editora, 1992, págs. 280 e
281). Os tribunais superiores portugueses têm sido chamados a pronunciar-se sobre a problemática das escutas telefónicas e, em particular, sobre as normas dos artigos 187º e 188º do CPP, podendo dizer-se que, em geral, tal jurisprudência interpreta o inciso “imediatamente” constante do artigo 188º, nº. 1 do CPP no sentido que foi seguido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa
(cfr, a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
29.10.1998, in BMJ nº. 480, 1998, pág. 292). Também na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a problemática das escutas telefónicas tem sido abundantemente apreciada, por referência quer aos direitos internos dos diversos países, quer à própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sendo pacífico o entendimento de que a intercepção das conversas telefónicas - ainda que autorizadas por entidade judicial - constituem uma ingerência da autoridade pública no direito ao respeito pela vida privada e comunicações (cfr, nomeadamente, o affaire Valenzuela Contreras c. Espanha, acórdão de 30.07.1998). A confidencialidade da palavra falada, ou o direito à palavra falada, aparecem assim erigidos em valor a tutelar, enquanto bem jurídico. (Cfr. Costa Andrade, sobre este direito na doutrina e jurisprudência alemãs, ob. cit. págs. 242 e seguintes). O mencionado acórdão (Valenzuela Contreras) reitera jurisprudência anterior pois, nos casos “Klass” (6.09.78) e “Malone” (27.09.83) aquele Tribunal entendera já que as conversações telefónicas se compreendem nos conceitos de
“vida privada” e de “correspondência”, considerando ainda - no primeiro - que, em geral, a mera possibilidade de intercepção produz uma limitação no direito à liberdade de comunicação (cfr. Jacobo López Barja de Quiroga, in Las escuchas telefónicas y la prueba ilegalmente obtenida, 1989, pág. 39). A questão também não é nova para o Tribunal Constitucional, que se pronunciou sobre a constitucionalidade da norma constante do artigo 188º, nº. 1 do CPP no Acórdão nº. 407/97 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional 37º vol. pp. 245 e segs.). Sendo certo que a norma do artigo 32º, nº. 1 da CRP, ao assegurar 'todas as garantias de defesa', pode ser fonte autónoma de direitos dos arguidos, na medida em que naquela expressão se englobam 'todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 202), a verdade é que, para a apreciação do caso sub judicio, aquela norma, como parâmetro de constitucionalidade, é
“consumida” pelas que constam do nº 8 do mesmo artigo e dos nºs 1 e 4 do artigo
34º da CRP, consagrando expressamente a nulidade de todas as provas obtidas mediante “abusiva intromissão (...) nas telecomunicações”, a inviolabilidade do sigilo da correspondência “e dos outros meios de comunicação privada” e a proibição da “ingerência das autoridades públicas (...) nas telecomunicações
(...) salvo os casos previstos na lei em matéria de processo penal”. Ora, no citado Acórdão nº 407/97, a que – diga-se desde já – inteiramente se adere, estava também em causa a interpretação do inciso “imediatamente” do artigo 188º nº 1 do CPP (na redacção anterior à que resultou da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto) que na decisão então recorrida comportaria, sem infracção constitucional, a junção aos autos do auto de transcrição das escutas efectuadas, quatro e seis meses depois da data da intercepção e gravação. Sempre apelando para a ponderação a que necessariamente se tem de operar entre os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica implica e os interesses mais relevantes da perseguição penal, particularmente difícil em matéria de tráfico de estupefacientes - a tensão dialéctica entre os direitos individuais de defesa do arguido e o 'ius puniendi' do Estado - o Acórdão nº. 407/97 do Tribunal Constitucional acolhe as seguintes ideias-chave: a) Consagrada constitucionalmente a proibição de ingerência nas telecomunicações
(artigo 34º nº 4 da CRP), a possibilidade de existir essa ingerência no quadro do que é constitucionalmente tolerado (“matéria de processo criminal”) impõe que ela seja “compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao artigo 18º nº 2 da Constituição”. b) A restrição do direito fundamental em causa deve, assim, limitar-se “ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente” c) “A imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional” d) A garantia que representa a intervenção do juiz “pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção telefónica” e) Não se impondo que a escuta seja materialmente realizada pelo juiz, deve assegurar-se “um acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte (imediato na terminologia legal), acompanhamento esse que comporte a possibilidade real em função do decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou” f) A expressão “imediatamente” “não poderá (...) reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas (pois ficaria aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à escuta sempre que a transcrição se atrasasse)” g) Pressupondo aquela expressão (“imediatamente”) um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado enquanto as operações decorrerem, ela não poderá significar “a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz não resulte do processo”
[...] Ora, no caso dos autos, a norma do artigo 188º nº 1 do CPP, com a interpretação acolhida no acórdão impugnado, não se isenta do mesmo vício de inconstitucionalidade. Na verdade, fazer equivaler o inciso “imediatamente” “ao tempo mais rápido possível”, em termos de “cobrir” situações como a de o auto de transcrição ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e gravação das comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do crime investigado e a necessidade daquele meio de obtenção da prova, restringe desproporcionadamente o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação privada e faculta uma ingerência neste meio para além do que se considera ser constitucionalmente admissível. Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor das comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o controlo judiciais do modo como a escuta se desenvolve, o que se entendeu no citado Acórdão nº 407/97 – como aqui se entende – colidir com os interesses acautelados pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz. E impede, ainda, a destruição, em tempo necessariamente breve, dos elementos recolhidos sem interesse relevante para a prova, a que, só por si, não obsta a fixação pelo juiz de um prazo para a intercepção, no termo da qual esta deve findar.
[...]
É certo que, tal como a decisão recorrida no Acórdão nº 407/97, o acórdão impugnado faz apelo às dificuldades práticas – a reconhecida carência de meios técnicos e humanos – para justificar o entendimento dado ao referido inciso
“imediatamente”, num quadro de exigências de repressão da criminalidade grave, praticada por redes altamente organizadas. A esse argumento se respondeu, ainda no Acórdão nº 407/97, em termos que também aqui se acolhem, que tais dificuldades constituem, num processo crime, ónus do Estado de direito democrático, ónus que não pode estar a cargo do arguido, ainda que, no limite, isso signifique deixar impunes alguns criminosos. Não é de todo admissível num Estado de Direito democrático, caracterizado pela publicização do 'ius puniendi', fazer reverter contra o arguido o ónus da escassez de meios e dificuldades na obtenção de prova para o condenar. Note-se que na nova redacção dada ao artigo 188º (em especial, no nº 3) pela Lei nº 59/98 (actualmente pelo Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro) se procurou obviar às alegadas dificuldades de transcrição imediata dos elementos recolhidos, pois esta só será judicialmente ordenada depois de o juiz considerar tais elementos relevantes para a prova”.[...]
8. Esta jurisprudência mantém inteira validade.
Agora apenas se referirá que, mais recentemente, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem voltou a ter oportunidade para reiterar a sua jurisprudência em matéria de escutas telefónicas. Tal aconteceu, nomeadamente, nos casos “PG e JH v. Reino Unido” (acórdão de 25 de Setembro de 2001) e “Prado Bugallo v. Espanha” (acórdão de 18 de Fevereiro de 2003). Neste último acórdão, aquele Tribunal voltou a sublinhar a necessidade de preenchimento, pelas legislações nacionais, das condições exigidas pela sua jurisprudência, designadamente nos acórdãos “Kruslin v. França” e “Huvig v. França”, para evitar os abusos a que podem conduzir as escutas telefónicas. Referiu-se, então, nomeadamente, à necessidade de definição das infracções que podem dar origem às escutas, à fixação de um limite à duração de execução da medida, às condições de estabelecimento dos autos das conversações interceptadas, bem como às precauções a tomar para comunicar intactas et completas as gravações efectuadas, de modo a permitir um possível controlo pelo juiz e pela defesa.
Assim sendo, verifica-se que a jurisprudência do Tribunal Constitucional atrás referida, que, como se salientou já, mantém inteira validade e a que aqui integralmente se adere, conduz a que, também no caso dos autos, tenha de considerar-se inconstitucional a interpretação do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º
320-C/2000, de 15 de Dezembro, que foi acolhida pela decisão recorrida. Com efeito, entender que situações como as que ocorreram no presente processo - em que os autos de intercepção e gravação de conversações telefónicas que tinham sido entretanto autorizadas só foram levados ao conhecimento do juiz que as ordenou 38 dias depois de elas terem tido início - são ainda abrangidas pela expressão imediatamente, colide frontalmente com os interesses que se pretendem acautelar com aquela exigência, na medida em que impede o seu acompanhamento próximo pelo juiz.
Resta apenas acrescentar, de modo semelhante ao que se fez nos acórdãos deste Tribunal citados supra, que o Tribunal Constitucional somente tem poderes para verificar a constitucionalidade de normas, situando-se já fora do âmbito da sua intervenção retirar as consequências da interpretação da norma com o sentido apontado. Isto significa que é ao tribunal recorrido que compete reformar a sua decisão em conformidade com o presente juízo de constitucionalidade, extraindo dele as consequências pertinentes ao nível do direito infraconstitucional e do concreto processo crime em causa.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se: a) julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos
32º nº 8, 34º nºs 1 e 4 e 18º nº 2 da Constituição, a norma constante do artigo
188º, nº. 1 do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que foi dada pelo Decreto-Lei 320 -C/2000 ,de 15 de Dezembro, quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz; b) em consequência, conceder provimento ao recurso, ordenando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 31 de Outubro de 2003
Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra (vencido pelo essencial das razões que aduzi na declaração de voto que apus ao Acórdão nº 407/97, citado no presente aresto) Luís Nunes de Almeida