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Processo nº 220/2003
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 71, foi proferido o Acórdão n.º 413/2002, que julgou procedente o recurso interposto por A., para o Tribunal Constitucional, decidindo
“ a) Julgar inconstitucional, por ofensa do disposto nos artigos 2º e 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a norma ínsita no artigo 405º nº 1 do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a reclamação aí prevista não é meio adequado de impugnação do despacho de não admissão do recurso quando nela se suscitam questões complexas; b) Conceder, consequentemente, provimento ao recurso, devendo o despacho recorrido ser reformado de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.”
O recurso fora interposto do despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto que decidira não conhecer da reclamação, apresentada por A., do despacho de não admissão do recurso que interpusera da sentença do Tribunal de Comarca de Santo Tirso que, por sua vez, confirmara a condenação “pela prática da contra-ordenação p. e p. nos termos dos artigos 41º e 49º nº. 2 do Decreto-Lei nº. 74/90, de 7/3 e 36º e 86º nº. 1 alínea v) e nº. 2 alínea c) do Decreto-Lei nº. 46/94, de 22/2, na coima de 500.000$00”, proferida pela Inspecção-Geral do Ambiente.
O motivo que levara à não admissão do recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto havia sido a extemporaneidade.
2. Pela decisão de 9 de Dezembro de 2002, de fls. 90, o Presidente do Tribunal da Relação do Porto veio executar o acórdão do Tribunal Constitucional, conhecendo da reclamação. Para o que agora releva, disse-se então:
«III - MODO de CONTAGEM A - DURAÇÃO O prazo para a interposição de recurso, cuja não admissão ora se reclama, do despacho que não admitiu, por extemporânea, é, por força do art. 74.º - n.º1, do DL 433/82, de 10 dias. De forma expressa. Segundo a Reclamação, sob pena de violação do princípio constitucional da
'igualdade', que está consagrado pelo art. 13.º da CRP, ocorre uma diferenciação de tratamento dos sujeitos processuais que se baseia em motivos subjectivos ou arbitrários, e é materialmente infundada, na medida em que o recorrente dispõe de 10 dias e o recorrido de 15, ao abrigo do n.º4 e 1ogo do mesmo normativo, na medida em que determina que 'O recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal...'. Porém, seria perfeitamente legítimo não aplicar o prazo de 15 dias concedido pelo art. 413.º – n.º 1, do CPP, porquanto a economia do artigo residiria na
“tramitação” e não nos prazos. De qualquer maneira, o prazo de 15 dias poderá ali justificar-se porque também o do recorrente é do mesmo período, ao abrigo do art. 411.º – n.º1. E é natural que o recorrido, enquanto é apanhado de surpresa, pela iniciativa do recurso, poderá carecer de prazo pelo menos igual. E aqui, em sede de processo contra-ordenacional, não vislumbramos onde haja propriamente
'resposta' – quando muito da Entidade Autuante ou do MP. Daí que o legislador tenha feito a remessa sem esta ressalva. Igualdade? Mas o acto processual aqui em apreço é a interposição de recurso, sendo o 1egislador livre de fixar o prazo que entender por conveniente. Determinado que é de 10 dias, está a operar-se uma inversão, pretendendo fazê-lo equivaler à 'resposta'. Igualdade? Mas trata-se de posições diversas, com sujeitos na posição activa e passiva. Pelo, que não pode enquadrar-se num prisma de igualdade a nível constitucional. Qualquer um deles é tratado de igual modo pela lei e não se trata de benefício/prejuízo a nível da 'dignidade social'. E a demonstrar os lugares que a lei quer que vingue a igualdade estão as várias situações especificadas, sem ser de forma taxativa, no n.º 2. São opções do legislador, pelo que é perfeitamente descabido focar motivos
'subjectivos' e, muito menos, 'arbitrários/arbítrio', bem como concluir que 'é materialmente infundada' a desigualdade. E, se descermos à individualização, ainda menos se equaciona a desigualdade, na medida em que quem amanhã é recorrido não gostará que hoje o recorrente disponha de período mais dilatado para vir reagir à decisão que é favorável ao recorrido. As opções do legislador, em termos de prazos, são as mais variadas. Então haveria que tudo igualar, como aqui se pretende ainda que num sector muito restrito. Todavia, foi já proferido o Ac. TC 1229/96, de 5/12, publicado no BMJ 462/154-9, cujo sumário refere: '0 art. 74.º n.º 1, quando dele decorre, conjugado com o art. 411.º, do CPPenal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso, está ferido de inconstitucionalidade, por violação do art. 13.º da CRP'. Que havemos então nós de fazer? A respectiva argumentação, pese embora refira algumas circunstâncias que estabelecem diferenças entre os vários institutos processuais, rapidamente cai na mera formulação duma conclusão no sentido de que
'ocorre afronta à regra da igualdade', quando o certo é que não nos podemos ficar por «números».
É um acórdão... E o Legislador, que tem de ser conhecedor desta orientação, ao alterar, mais uma vez, o DL 433/82, manteve o art. 74.º- n.º1 com a Lei 109/01, de 24-12. E vamos nós alterar o nosso entendimento? Pretende a Reclamante o alargamento do prazo para 15 dias por força do art. 10.º
- n.º 2, da Lei 59/98, de 25-8, do art. 6.º - n.º 3, do DL 329-A/95, de 12-12, na redacção conferida pelo art. 4.º, do DL 180/96, de 25-9. Porém, assim não temos vindo a entender, porquanto falha o pressuposto da aplicação «subsidiária» do CPC, na medida em que não há lacuna do diploma contra-ordenacional, como vimos, uma vez que o normativo – o art. 74.º - n.º1 –
é expresso. E, como vimos, pesem embora alterações que sofreu posteriormente, este normativo manteve-se. Neste entendimento o Ac. P., de 2-5, no Rec. 164/01-4.ª. Como também o Ac. P., de 9-6-01, CJ XXVI, 53, que, concretamente, analisa o CPC PC e a Lei 59/98: 'A regra da continuidade na contagem dos prazos inculcada pela alteração do CPC, proposta pelo DL 329-A/95, motivou o art. 6.0 deste diploma, que veio adaptar a tal regra os prazos cominados em diplomas a que fosse aplicável subsidiariamente o disposto no art. 144.º, do CPC. Uma vez que o prazo de interposição de recurso em processo contra-ordenacional era de 10 dias, na redacção do DL 294/95, seria admissível a conclusão de que o art. 6.º implicava um alteração do mesmo prazo para 15 dias. Porém, a conclusão não é tão linear, pois que o n.º3 do art. 6.º veio exceptuar daquela adaptação à regra da continuidade os prazos estabelecidos no CPP determinando que, para efeito da remissão operada pelo n.º1 do art.
104.º, se mantinha a contagem de prazos pela forma anterior ao DL 329-A/95, ou seja, mantendo a suspensão dos prazos ... Porém, atento ao absurdo jurídico que significava o facto de manter uma norma, simultaneamente, revogada, em termos de processo civil e em vigor, em termos de processo penal, o legislador, ao proceder à Reforma de Processo Penal, procedeu à adaptação da regra da continuidade e, após, o art. 8.º, da Lei 59/98, revogou aquele art. 6.º - n.º3. Assim, existiu uma opção clara de não aplicar uma norma (art. 6.º) do DL
329-A/95 ..., não obstante o prazo de 10 dias ... do art. 74.º... Entende-se assim que é este prazo que deve ser observado'. CONCLUI-SE, portanto, que o prazo de interposição de recurso da decisão judicial
é de 10 dias, não se alterando o que se dispõe, expressamente, no n.º1 do art.
74.º, do DL 433/82, de 27-10.
B - CONTINUIDADE Segundo a Reclamação, sob pena de violação das garantias de defesa, o prazo deve ser contado não ininterruptamente, antes, sim, descontando os sábados, domingos e feriados. Ora, uma tal alegação não tem qualquer fundamento, face à opção que o legislador processual penal tomou com o art. 104.º - n.º1, segundo o qual ' Ap1icam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil'. E, segundo o art. 144.°-n.º1 , do CPCivil, '0 prazo processual, ..., é «contínuo»...”. Tal legislação é aplicável, uma vez que a lei contra-ordenacional é omissa nesta vertente e o art.º 41.º-n.º1, do DL 433/82, de 17-10, estabelece que 'os preceitos reguladores do processo criminal' são aplicáveis como direito subsidiário,
'Sempre que o «contrário» não resulte deste diploma'. Já vimos defender a suspensão do prazo aos sábados e domingos, ao abrigo do art.
60.º-n.º1, do DL 433/82. De facto, esta norma assim o excepciona. Todavia, para o 'recurso de impugnação judicial' da decisão administrativa. E é em exclusividade, porque a norma contém os termos que delimitam a sua referência ao prazo para tal. Portanto, precisamente, porque o normativo é expresso, tem de entender-se como norma excepcional e, como tal, sem aplicação analógica, nomeadamente, para o recurso da decisão judicial. Por sua vez, o enquadramento jurídico-processual também é o respeitante ao requerimento de interposição, do 'recurso de impugnação' propriamente dito, enquanto segue-se imediatamente à sua 'forma e prazo' – art. 59.º. E o art.
74.º, respeitante ao recurso da decisão de judicial, que apreciou aquela impugnação (da decisão administrativa), não permite, pelo seu teor e pelo seu enquadramento, que se lhe aplique aquele desconto. E porquê? Não se explica. Todavia, não deixam de ser opções do legislador, como também o fez concedendo um prazo superior – 20 dias, ao abrigo do art.
59.º-n.º3. Justifica-se a diferença de tratamento, porque, nos encontramos em sede de procedimento administrativo, onde se descontam sábados e domingos. E a impugnação é de decisão administrativa, que é apresentada a Autoridade Administrativa, ainda que para ser apreciada por Autoridade Judiciária. CONCLUI-SE, portanto, que o prazo de recurso estabelecido pelo n.º1 do art.
74.º, do DL 433/82, de 27-10, é contado de forma contínua, sem descontar sábados, domingos e feriados, de acordo com os seus arts. 41.º-n.º1 e 74.º-n.º4 e com o art. 104.º-n.º1, do CPP, e com o art. 144.º-n.º1, do CPC.
C – REGISTO POSTAL. Questiona-se também a data de entrada em juízo, que ocorreu em 20, pretendendo a Reclamante a validação da remessa por registo postal, que ocorreu em 19. Determina o Assento 1/01, do STJ, pub. no DR-I, de 20/04: Como em processo penal, também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima – arts.
41.º-n.º1, do DL 433/82, de 27.10,4.º, do CPP, e 150.º-n.º 1, do CPC, e Assento
2/00, de 7-2' – rectifica-se que o Assento é de 9-12-99 e foi pub. em 7-2-00. Ora, conforme se constata do envelope junto a fls. 11 (170, do p.p.), o recurso foi remetido ao Tribunal, por correio registado, com aviso de recepção, em
19/03/2001. CONCLUI-SE, portanto, que o recurso foi interposto em 19/03/2001, pelo que deve alterar-se o despacho reclamado ao considerar que o recurso deu entrada a
20/03/2001.
IV - SOLUCÃO FINAL A decisão recorrida - sentença - foi proferida em 2-03-01– fls. 10 (159, do p.p.). 0 dia em que se inicia a contagem do prazo de recurso é no dia imediato (
3 ), não obstando ser sábado, já que todas as normas, que respeitam ao problema, só adiam para o 1.º dia útil imediato quando se trata do termo do prazo. 0
último dia do prazo era 12-03. 0 recurso foi interposto em 19-03-01, pelo que o recurso é extemporâneo. Todavia, é prevista a possibilidade da prática do acto para lá do prazo, desde que tenha sido apresentado num dos 3 dias úteis imediatos, mediante o pagamento da multa prevista pelo art. 145.º-n.º 5. O qual, no presente pleito, não tem interesse, porque o 3.º dia útil seguinte imediato foi '15', portanto, foi ultrapassado.
Em consequência e em conclusão, INDEFERE-SE a RECLAMAÇÃO, apresentada na C.O.27/99-1.º Criminal, do Tribunal Judicial de SANTO TIRSO, pela ARGUIDA, A. por não admissão, por extemporâneo, do recurso da decisão judicial que alterou a da Autoridade Administrativa, CONDENANDO-A na coima de 500.000$00.»
3. Inconformada, A. veio de novo recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas b), c), f) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, pretendendo “ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dada à Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto na parte em que regulou a regra de contagem dos prazos e, por consequência, passou a ser aplicável a alínea c) do n.º 1 do artigo 6° do DL. 329-A/95 de 12 de Dezembro” e “a inconsitucionalidade do n.º 1 do artigo 74° do DL 433/82 de 27 de Fevereiro quando, na conjugação com o artigo 413° do CPP, configura um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso.”
Em seu entender, “tal decisão ou a interpretação dada à norma violam, entre outros, os artigos 13°, 32°, n.º 1 e 10, 202°, n.º 2 e 204° da CRP.”.
Disse ainda que “a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, aquando da reclamação, bem como aquando do pedido de esclarecimento.”
4. Convidada, pelo despacho de fls. 105, a indicar qual é a norma da Lei n.º 59/98 que pretender ver apreciada, a recorrente veio esclarecer que era
“a norma do artigo 8º, alínea a)”.
Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as respectivas alegações. A recorrente concluiu-as da seguinte forma:
“1- A decisão proferida pelo Ex.mo Sr. Juiz Presidente da Relação do Porto foi no sentido de indeferir a Reclamação apresentada por não admissão, por extemporâneo, do recurso da decisão judicial que alterou a da Autoridade Administrativa.
2- Do douto despacho resulta que o prazo para interpor recurso seria de 10 dias, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 74° do D.L. 433/82 de 27 de Outubro, com a redacção introduzida pelo D.L. 244/95 de 14 de Setembro.
3- Tal prazo, até à alteração do Código do Processo Penal operada pela Lei n.º
59/98 de 25 de Agosto, era em dias úteis.
4- Com a publicação do D.L. 329-A/95 de 12 de Dezembro, com as posteriores alterações introduzidas pelo D.L. 180/96 de 25 de Setembro, operou-se uma profunda alteração da legislação processual civil, e dos regimes que lhes estão, de alguma forma, 'ligados'.
5- A regra da continuidade dos prazos, também passou a ter aplicação no C.P.P., mercê da alteração operada pela Lei n.º 59/98.
6- Por força da alínea a) do artigo 8° da Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999, foi revogado o artigo 6°, n.º 3, do D.L. 329-A/95 de 12 de Dezembro, com a redacção decorrente do artigo 4° do D.L.
180/96 de 25 de Setembro,
7- Passaram a ser aplicadas as regras constantes do artigo 6° do D.L. 329-A/95 de 12 de Dezembro, com a redacção decorrente do artigo 4° do D.L. 180/96 de 25 de Setembro, isto é, aos 'prazos de natureza processual estabelecidos em quaisquer diplomas a que seja subsidiariamente aplicável o disposto no artigo
144° do Código de Processo Civil consideram-se adaptados à regra da continuidade'.
8- Assim, o prazo previsto no n.º 1 do artigo 74° do D.L. passou a ser de 15 dias, prazo esse contínuo.
9- Assim é inconstitucional a não aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 6° do D.L. 329-A/95 de 12 de Dezembro ao prazo previsto no n.º 1 do artigo 74° do D.L. 433/82 de 27 de Outubro.
10- O D.L. 433/82 de 27 de Outubro, no n.º 4 do seu artigo 74° refere que o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal.
11- Relativamente ao direito de responder facultado aos sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso o prazo é de 15 dias (contínuo).
12- A fixação de prazo diferente para a interposição do recurso e para a resposta a esse mesmo recurso, é inconstitucional, por violação do artigo 13° da Constituição.
13- Em relação a esta matéria, foi já proferido por este Tribunal Constitucional o Acórdão n.º 1229/96 de 5/12/96 (relativamente ao proc. 169/95), publicado no BMJ n.º 462, a pág. 154 e seguintes., cujo sumário refere o seguinte:
14- O mesmo se passará, nos presentes autos, ou seja, se entendermos que o prazo
é de dez dias, o mesmo está ferido de inconstitucionalidade, já que existem dois prazos processuais distintos.
15- Na nossa óptica, estamos perante uma violação clara do princípio da igualdade, na sua dimensão de princípio de igualdade de armas, à luz do artigo
13° da Constituição da República Portuguesa,
16- Há uma diferenciação de tratamento dos sujeitos processuais que se baseia em motivos subjectivos ou arbitrários, e é materialmente infundada.
17- Este será o aspecto relevante para aferir da violação do princípio da igualdade, aqui na dimensão de igualdade de armas no mesmo processo, enquanto princípio vinculativo da lei, traduzindo a ideia geral de proibição do arbítrio.
18- Deve assim ser reconhecida a inconstitucionalidade da alínea a) do artigo 8° da Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto quando entendida como não aplicável ao regime jurídico das contra-ordenações, em específico o n.º 1 do artigo 74°,
19- Bem como reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 74°, n.º1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, quando dele decorre, conjugado com o artigo 411° do Código do Processo Penal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o seu recurso.
Quanto ao Ministério Público, concluiu as alegações nestes termos:
«1° - A norma constante da alínea a) do artigo 8° da Lei n° 59/98, ao revogar – como consequência da opção do legislador penal por um regime de continuidade de contagem dos prazos – a 'sobrevivência' (restrita à aplicação subsidiária em processo penal) da norma constante do artigo 144°, nº 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à emergente do Decreto-Lei n° 329-A/95, não viola manifestamente qualquer preceito ou princípio da Constituição.
2° - Não viola o princípio da igualdade de armas a interpretação normativa da disposição do artigo 74°, n° 1, do Decreto-Lei n° 433/82 –conjugada com a remissão operada pelo n° 4 de tal preceito – que conduz a limitar a 10 dias o prazo para interpor e motivar e responder ao recurso em matéria contraordenacional.
3º - Termos em que deverá improceder o presente recurso.»
5. Antes do mais, há que observar que o presente recurso é interposto ao abrigo do disposto nas alíneas b), c), f) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, mas que a recorrente não invoca nenhum fundamento susceptível de ser enquadrado, desde logo, nas alíneas c) e f).
Para além disso, cabe ainda verificar que também não tem cabimento a invocação da alínea g), porque o Acórdão n.º 1229/96 (Diário da República, II série, de 14 de Fevereiro de 1997) não versa sobre a mesma norma, mas sobre a sua redacção anterior. Com efeito, o Acórdão n.º 1229/96 pronunciou-se sobre a redacção originária do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, segundo a qual o prazo para a interposição de recurso da sentença da 1ª instância era de 5 dias. No caso presente, a norma em questão resulta da redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, ao mesmo n.º 1 do artigo 74º citado, segundo o qual é de 10 dias aquele prazo.
Finalmente, considera-se, em resultado da leitura da reclamação, do requerimento de interposição de recurso e das alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, que a segunda questão de constitucionalidade colocada pela recorrente respeita à conjugação do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º
433/82 com o artigo 411º do Código de Processo Penal, e não com o artigo 413º, preceito que aparece indicado no requerimento de interposição de recurso, mas que parece ser apontado pela recorrente apenas para fazer a comparação com o prazo da resposta.
6. Posto isto, há que começar por analisar a questão colocada quanto à norma contida na alínea a) do artigo 8º da Lei n.º 59/98 “na parte em que regulou a regra de contagem de prazos e, por consequência, passou a ser aplicável a alínea c) do n.º 1 do artigo 6º do D.L. 329-A/95 de 12 de Dezembro” (requerimento de interposição de recurso), norma que (aparentemente) passa a ser definida nas alegações (conclusão 18) como “quando entendida como não aplicável ao regime jurídico das contra-ordenações”.
Admite-se, pela leitura da reclamação e das alegações apresentadas neste Tribunal, que a recorrente esteja a considerar inconstitucional a não
“conversão” do prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82 em 15 dias.
Segundo afirma, tal norma violaria “os artigos 13º, 32º, n.º 1 e 10 e 202º, n.º
2 e 204º da CRP'.
A verdade, porém, é que se não vislumbra qualquer fundamento para tal afirmação
– a não ser que se trate esta questão em conjunto com a da inconstitucionalidade atribuída ao n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, conjugado com o artigo 411º do Código de Processo Penal, razão pela qual se vai passar à análise desta questão.
7. É certo que não resulta claro da decisão recorrida que o tribunal tenha considerado como seguro que o prazo da resposta seja de 15 dias; na verdade, por um lado tal decisão observa que “seria perfeitamente legítimo não aplicar o prazo de 15 dias concedido pelo artigo 413º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porquanto a economia do preceito residiria no ‘tramitação’ e não nos prazos”; mas, por outro, aponta razões para justificar que não tenham que ser iguais os prazos para o recurso e para a resposta. Para além disso, não se tendo chegado ao momento da resposta, não é possível saber como seria aplicada a norma relativa ao respectivo prazo.
Nestes termos, remete-se para o julgamento constante do citado acórdão n.º
1229/96, nos termos em que o mesmo é feito; é que, embora relativo a diferente norma, como atrás se disse para afastar a possibilidade de o recurso ser baseado na alínea g) do n.º 1 do artigo 70º, o problema de constitucionalidade tratado nos dois recursos é, verdadeiramente, o mesmo.
Assim, escreveu-se nesse acórdão:
«6. Da posição do recorrente decorre ainda a afirmação de que a existência de dois prazos processuais (o de cinco dias, do artigo 74º, nº 1, e o de dez dias, 'para os sujeitos processuais afectados pela interposição de Recurso, que resulta do Código de Processo Penal') 'viola o princípio da igualdade, na sua dimensão de princípio de igualdade de armas', à luz do artigo
13º da Constituição, na medida em que são prazos distintos para motivar e para responder no processo de contra-ordenação.
Partindo dessa afirmação, tudo está em saber se a pretensa diferenciação de tratamento dos sujeitos processuais se baseia em motivos subjectivos ou arbitrários, ou é materialmente infundada, e é este aspecto que releva para aferir a violação do princípio da igualdade, aqui na dimensão de igualdade de armas no mesmo processo, enquanto princípio vinculativo da lei, traduzindo a ideia geral de proibição do arbítrio (na leitura, por exemplo, do Acórdão nº
213/93, publicado no Diário da República, II Série, nº 127, de 1 de Junho de
1993, seguido depois no citado Acórdão nº 47/95).
Na verdade, a aceitar-se um regime distinto para os actos processuais, como não pode deixar de aceitar-se, por aplicação dos nºs 1 e 4 do artigo 74º (o nº 4 manda seguir 'a tramitação de recurso em processo penal'), conjugados com os artigos 411º e 413º do Código de Processo Penal, tem de dizer-se que, sendo assim, ocorre afronta à regra da igualdade constitucionalmente consagrada, não valendo argumentar que o legislador se move no quadro de valores constitucionais, tais como os da celeridade da eficácia da justiça e da eficácia do sistema contra-ordenacional. E não pode também argumentar-se com a ideia de que uma coisa é o acto de interposição do recurso à disposição do arguido, que tem de ser motivado (cfr. artigo 411º do Código de Processo Penal), e outra é a resposta ao recurso, por aplicação do artigo 413º do mesmo Código, pois a igualdade de armas no mesmo processo supõe iguais mecanismos à disposição dos sujeitos processuais (igualdade que estava assegurada à data em que foi editado o Decreto-Lei nº 433/82, pois vigorava então o Código de Processo Penal de 1929, à face do qual a fase da motivação do recurso era posterior à sua interposição e era o mesmo o prazo para alegar e contra-alegar: artigos 645º,
649º e 651º daquele Código). Sendo certo que a decisão recorrida não chegou a envolver-se num juízo de aplicação daquela norma do nº 4 do artigo 74º, pois nem sequer o presente processo chegou à fase de produção da resposta ao recurso pelo recorrido, a verdade é que o prazo mais encurtado para a motivação do recurso da parte do recorrente envolve ofensa do princípio da igualdade, tal como ela vem pelo recorrente delineada (cfr. os Acórdãos deste Tribunal Constitucional nº 208/93 e
263/93, com identificação de mais arestos, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 24º, págs. 527 e 655). Em suma, o artigo 74º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, quando dele decorre, conjugado com o artigo 411º, do Código de Processo Penal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso, está ferido de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13º da Constituição.»
Ora o Tribunal reitera este julgamento de inconstitucionalidade, nos seus precisos termos, para a norma agora em apreciação.
8. Assim, decide-se.
a) Julgar inconstitucional o n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, quando dele decorre, conjugado com o artigo 411º do Código de Processo Penal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição; b) conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 14 de Outubro de 2003
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Gil Galvão
Luís Nunes de Almeida