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Processo n.º 474/03
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Nos presentes autos foi proferida, pelo relator, a seguinte decisão sumária:
“Vem o presente recurso interposto pelo arguido A., ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro
(doravante designada por LTC), contra o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3 de Julho de 2002, que rejeitou, por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o recurso por ele interposto da sentença condenatória.
No referido acórdão, constatando-se que a questão suscitada no recurso penal respeitava a alteração da matéria de facto, entendeu-se que o recorrente não dera cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 412.º do mesmo Código por não haver especificado, nas conclusões da motivação do recurso, os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados nem as provas que imporiam decisão diversa da recorrida, indicação esta que, nos termos do subsequente n.º 4, uma vez que se procedera a gravação da prova, deveria ser feita por referência aos suportes técnicos.
A admissibilidade do recurso interposto depende da efectiva aplicação, pela decisão recorrida, de uma concreta norma que anteriormente haja sido julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Para este efeito não basta que se possa entender que um determinado juízo de inconstitucionalidade emitido a propósito de outra norma deveria, por argumento de paridade ou maioria de razão, conduzir a idêntico juízo a respeito da norma efectivamente aplicada na decisão recorrida.
Ora, como o próprio recorrente reconhece, as anteriores decisões do Tribunal Constitucional por ele invocadas não julgaram inconstitucional a norma aplicada na decisão recorrida.
Na verdade, no Acórdão n.º 337/00 foi declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante dos artigos 412.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), quando interpretada no sentido de que a falta de concisão das conclusões da motivação implica a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência. E no Acórdão n.º 320/02 foi declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência.
Nenhuma das decisões do Tribunal Constitucional invocadas pelo recorrente julgou (ou declarou) inconstitucional a norma aplicada pela decisão recorrida – a que resulta da conjugação dos artigos 420.º, n.º 1, e 412.º, n.ºs
3, alíneas a) e b), e 4, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que determina imediata rejeição do recurso penal em que se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto a falta de especificação, nas conclusões da motivação do recurso, dos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados e das provas que imporiam decisão diversa da recorrida, especificação esta que, quando as provas tenham sido gravadas, deve ser feita por referência aos suportes técnicos.
Como se disse, é irrelevante, para efeito de admissibilidade do recurso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que se possa entender que os argumentos que estiveram na base das citadas declarações de inconstitucionalidade possam eventualmente vir a ser utilizados para fundar idêntico juízo a respeito da norma aplicada na decisão recorrida. Aquele preceito exige uma coincidência efectiva entre a norma aplicada e a norma anteriormente julgada inconstitucional, que no caso não ocorre.
Em face do exposto, decide-se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LCT, não conhecer do objecto do recurso.”
2. Notificado desta decisão sumária, dela veio o recorrente reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 do referido artigo
78.º-A, sem explicitar qualquer razão conducente à alteração do decidido.
O representante do Ministério Público neste Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da confirmação da decisão sumária reclamada, por “a presente reclamação – deduzida sem que o reclamante tenha cumprido minimamente o ónus de fundamentar as razões da sua discordância quanto
à decisão reclamada – [ser] manifestamente improcedente”.
3. A natureza colegial dos tribunais superiores implica que, em regra, a formação de julgamento integre, no mínimo, três juízes e a tomada de decisão exija, também no mínimo, dois votos conformes. Admitindo, porém, a lei, por óbvias razões de economia e celeridade processuais, que certas decisões sejam tomadas individualmente pelo relator, esta possibilidade não podia deixar de ser acompanhada pela outorga à parte que se sinta prejudicada com tais decisões da faculdade de as fazer reexaminar pela conferência, de composição colegial. Assim sendo, a circunstância de o reclamante não ter explicitado as razões pelas quais discorda do despacho reclamado não conduz inexoravelmente ao indeferimento da reclamação (e muito menos ao seu não conhecimento), antes se impõe que a conferência repondere a questão, bem podendo acontecer que, mesmo na ausência de críticas do reclamante ao despacho reclamado, no colectivo de juízes acabe por prevalecer entendimento diverso do inicialmente assumido pelo relator.
Procedendo a essa reponderação, entende-se, porém, que, no presente caso, pela razão indicada no despacho reclamado – não existir anterior decisão do Tribunal Constitucional a julgar inconstitucional a concreta norma aplicada no acórdão recorrido –, o presente recurso de inconstitucionalidade é inadmissível.
Termos em que se indefere a reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Outubro de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos