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Proc. 332/03
1ª Secção Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional:
A., B., C., D. e E. pretendem interpor recurso, ao abrigo das alíneas b) e i) 2ª parte do n. 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, pedindo que se julgue inconstitucional o artigo 76º n. 1 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos “na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal recorrido”.
Porém, o Relator decidiu - ao abrigo do disposto no artigo 78-A da LTC - não conhecer do recurso, pelos seguintes motivos:
Recurso ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70º da LTC: O recurso para o Tribunal Constitucional processado nos termos do artigo 70º n.º1 alínea b) da LTC é interposto das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Concomitantemente, o artigo 72º n. 2 da LTC confere apenas legitimidade para recorrer à parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. A questão de inconstitucionalidade normativa deve, portanto, ser suscitada durante o processo e em termos que permitam que o tribunal recorrido a conheça ao emitir a decisão recorrida. Ora, e apesar dos Recorrentes indicarem as alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo como a peça onde suscitaram a violação da Constituição, a verdade é que da respectiva leitura não se extrai qualquer arguição de inconstitucionalidade da norma (ou da sua interpretação) cuja conformidade constitucional pretendem ver discutida. Ou seja: a questão não foi, efectivamente, suscitada durante o processo. Assim, por não ter sido suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a questão de inconstitucionalidade normativa que pretendiam ver resolvida, não se mostram verificados os pressupostos de admissibilidade deste tipo de recurso. Recurso ao abrigo da alínea i) 2ª parte do n. 1 do artigo 70º da LTC: Este preceito determina que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões judiciais que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional. No caso dos autos, e tendo presente que os Recorrentes invocam a 2ª parte da referida alínea, constata-se que o tribunal recorrido teria feito aplicação de norma legal em desconformidade com uma convenção internacional, contrariando, além disso, o anteriormente decidido sobre essa questão pelo Tribunal Constitucional. Os Recorrentes não identificam a convenção internacional ofendida e mesmo da citação dos arestos não transparece qual ela possa ser, atenta a disparidade de casos neles contemplados. É, pois, totalmente despropositado este fundamento de recurso. Acrescente-se que não pode sequer considerar-se ter ocorrido lapso (ainda que este fosse irrelevante), na identificação da alínea ao abrigo da qual os Recorrentes interpuseram este recurso, pois a referência clara feita no respectivo requerimento à alínea i) 2ª parte do aludido preceito afasta qualquer hesitação sobre a referência legal invocada. Desta forma, não se mostram igualmente verificados os pressupostos de admissibilidade deste tipo de recurso.
É contra este despacho que ora reclamam os Recorrentes, pretendendo que em Conferência se decida pelo conhecimento do objecto do recurso.
Invocam, em conclusão:
«...
1. Esta reclamação tem o fim primordial de reagir contra a forma como se interpreta o regime da fiscalização concreta das normas jurídicas e das decisões jurisdicionais dos tribunais. Com efeito, o artigo 280º n. 1 da Constituição deve ser entendido como uma via para submeter os actos normativos e jurisdicionais ao controlo de um tribunal constitucional independente. A leitura da alínea b) do n. 1 do artigo 70 da LTC não deve ser entendida como um mero proforma para impedir a entrada de recursos no Tribunal Constitucional. A lei deve ser cumprida segundo o espírito que a ditou - fazer justiça, garantir os direitos dos cidadãos que por natureza são iguais.
2. Em relação à alínea i) do n.1 do artigo 70º da LTC, as Convenções acima citadas acolheram os princípios fundamentais relativamente à Administração Pública, nomeadamente aos órgãos administrativos (Câmara Municipal de Setúbal representada pelo seu Presidente) e jurisdicionais (tribunais administrativos),
3. que nos presentes autos violaram os artigos 266º ns. 1 e 2, 267º n.1 e
268º nomeadamente os ns. 4 e 5 todos da Constituição.
Desta forma, o despacho do Relator viola as disposições da alínea i) do n.1 do artigo 70 e n. 2 do artigo 78-A da LTC.
... »
Por seu turno o Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, quando ouvido, entendeu que a reclamação deve ser desatendida, confirmando-se assim a rejeição do recurso.
Cumpre apreciar.
Constitui ónus do recorrente a invocação da alínea do n. 1 do artigo 70º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto e da norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie - tal como expressamente impõe o n. 1 do artigo 75º-A da mesma Lei, no trecho agora citado. O n. 2 do mesmo preceito impõe ainda que, quando o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do aludido n. 1 do artigo 70º, o recorrente deva ainda indicar no requerimento de interposição de recurso qual a norma ou princípio constitucional ou legal que considera violado, identificando a peça processual em que anteriormente suscitou a mesma questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade; no que se reporta aos recursos interpostos ao abrigo da alínea i) do n. 1 do artigo 70º da LTC, é também obrigatório identificar, no dito requerimento, qual a anterior decisão do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pela decisão recorrida.
Trata-se de um regime que se harmoniza totalmente com o disposto no artigo 280º da própria Constituição, preceito que disciplina a matéria relativa ao regime dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade.
Ora, não obstante as considerações agora produzidas na sua reclamação sobre o problema da admissibilidade, em geral, dos recursos de constitucionalidade, o certo é que os Recorrentes não refutam o facto de que não fora por eles anteriormente suscitada qualquer questão de constitucionalidade quanto ao artigo
76º n. 1 da LPTA, argumento que fundamentou o não recebimento do recurso.
E, efectivamente, não foi por eles dado cumprimento a este requisito.
Compreende-se, no entanto, que a lei imponha esta condição, pois por esta via garante, em regra, que o tribunal comum tenha a oportunidade processual de conhecer da matéria, dando-lhe solução, antes de o Tribunal Constitucional ser chamado a resolver definitivamente a questão relativa à inconstitucionalidade.
Temos assim que aceitar que o ónus de suscitação atempada da questão de constitucionalidade não foi cumprido no caso em presença e que o não cumprimento deste ónus, que radica na regra da genérica competência material do tribunal comum, não pode ser suprido na instância constitucional.
Deve, pois, concluir-se pela rejeição do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC.
E igual solução merece o recurso interposto ao abrigo da alínea i) do citado preceito.
Na verdade, conforme se observa no despacho reclamado, perante a invocação da
2ª parte da referida alínea i), visariam os Recorrentes impugnar a interpretação e aplicação que o tribunal recorrido teria feito de uma norma legal em desconformidade com uma determinada convenção internacional, contrariando, além disso, o anteriormente decidido sobre essa questão pelo Tribunal Constitucional.
Todavia, a verdade é que os Recorrentes não identificam a convenção internacional ofendida e mesmo da citação dos arestos não transparece qual ela possa ser, atenta a disparidade de casos neles contemplados.
O que estas omissões traduzem é a efectiva ausência de formulação da questão de constitucionalidade que deveria constituir o objecto do presente recurso e é por essa razão que a pretensão dos Recorrentes deverá liminarmente ser rejeitada, tal como concluiu o despacho reclamado.
É, assim, despropositada a invocação das normas alegadamente violadas no despacho reclamado.
Em face do exposto, decide-se, nos termos do n. 4 do artigo 78º-A da LTC, indeferir a reclamação, com custas pelos Recorrentes.
Taxa de justiça: 15 UC.
Lisboa, 8 de Outubro de 2003
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos