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Processo n.º 654/03
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Por acórdão de 30 de Abril de 2003 do Tribunal da Relação de Évora foi negado provimento à apelação interposta pelo réu A. contra a sentença de 16 de Julho de 2002 do Tribunal Judicial de Setúbal, que julgara procedente a acção de resolução de contrato de arrendamento contra ele intentada por B. e o condenara a despejar o locado.
Notificado deste acórdão por carta registada expedida em
5 de Maio de 2003 (cf. cota de fls. 217 verso), o réu apresentou, em 23 de Maio de 2003, requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, onde refere:
“(...) pois entende que o mesmo [acórdão] ofende preceitos constitucionais, nomeadamente os fixados pelos artigos 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, e 64.º, n.ºs 1,
2, alínea b), e 3, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (versão da Lei n.º 1/2002), uma vez que o seu direito à saúde e bem estar foi postergado. De facto, a douta decisão proferida não apreciou devidamente os atestados médicos juntos aos autos.
Mas mesmo só os factos provados 13.º e 14.º eram suficientes para decidir pela verificação da causa de exclusão prevista no n.º 1, alínea h) (2.ª parte), e no n.º 2, alínea a), do artigo 64.º do RAU.
Assim, ao não atender à realidade patológica do réu as doutas decisões proferidas e mormente o douto acórdão ora recorrido violou o disposto no artigo 64.º do RAU, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), e bem assim nos artigos 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, e 64.º, n.ºs 1, 2, alínea b), e 3, alínea a), da Constituição da República.
Nos termos do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82 se consigna que o presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, da mesma Lei, alíneas b), f), e i); e as normas em causa são os artigos da Constituição da República Portuguesa; tendo tais questões sido suscitadas na motivação do recurso para o Tribunal da Relação.”
Por despacho do Desembargador Relator, de 3 de Junho de
2003, o recurso não foi admitido, por ser considerado intempestivo, já que, sendo o prazo para a sua interposição de 10 dias e tendo o réu sido notificado por carta registada de 5 de Maio de 2003, o requerimento de interposição de recurso, por fax, tem a data de 23 de Maio de 2003.
É contra este despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade que vem deduzida, pelo réu recorrente, a presente reclamação, nos seguintes termos:
“Tendo o ora reclamante apresentado recurso do douto acórdão proferido, este não foi recebido por se entender, doutamente, que era intempestivo.
Não podemos concordar.
Vejamos:
Como doutamente refere a decisão reclamada, o réu foi notificado do douto acórdão por carta registada de 5 de Maio de 2003, o requerimento de interposição tem a data de 23 de Maio de 2003, e o prazo para interpor recurso
é de 10 dias.
Este douto despacho parece-nos que não atende a duas questões.
A primeira será a data em que o réu terá sido notificado do douto acórdão e que a lei processual presume ter ocorrido no 3.º dia útil após a remessa da carta de notificação.
Porém, esta presunção é ilidível.
Deveria pois ter-se averiguado da data exacta em que tal notificação ocorreu.
E, de facto, ela não ocorreu no prazo presuntivo, pelo que tal recurso estará em prazo, segundo é nossa convicção.
Mas há outra questão que nos parece [não] ter sido considerada, que
[é] o prazo de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional. De facto, os recursos ordinários são interpostos no prazo de 10 dias.
Mas este recurso é ordinário? É nosso entendimento que se trata de recurso extraordinário que terá de ser interposto de decisão já transitada, pelo que o prazo de dez dias se iniciará com o trânsito em julgado da douta decisão que se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
A doutra decisão está pois em contradição com os fundamentos invocados. Assim, e em conclusão:
1 – A notificação do douto acórdão não ocorreu no prazo presumido pela lei processual.
2 – Há que averiguar a data exacta da notificação.
3 – O recurso para o Tribunal Constitucional é um recurso extraordinário, a interpor de decisão transitada.
4 – O prazo de interposição inicia-se com o trânsito em julgado da douta decisão a rever.
5 – A douta decisão proferida violou o disposto na lei processual civil e na Lei do Tribunal Constitucional, nomeadamente artigos 668.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e 70.º e 75.º da Lei n.º 28/82.”
O representante do Ministério Público neste Tribunal Constitucional emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação, porquanto “para além de obviamente se não verificarem os pressupostos do recurso interposto – o qual não tem, aliás, como objecto qualquer questão de inconstitucionalidade de «normas» –, a presente reclamação está inquinada por dois erros grosseiros do reclamante: a qualificação dos recursos de fiscalização concreta como recursos «extraordinários», cuja interposição deve pressupor o trânsito em julgado da decisão recorrida (!), por um lado; e o indesculpável desconhecimento de que é à parte que incumbe naturalmente o ónus de afastar a presunção de que a notificação postal se presume feita no terceiro dia útil seguinte”.
2. Contrariamente ao sustentado pelo reclamante, o prazo de 10 para interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, estabelecido no n.º 1 do artigo 75.º da LTC, conta-se a partir da notificação da decisão recorrida (artigo 685.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 69.º da LTC), e não a partir do trânsito em julgado dessa decisão, solução que, aliás, seria incompatível com a estatuição da segunda parte do n.º 1 do citado artigo 75.º, que determina que a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional interrompe os prazos para a interposição de outros recursos que porventura caibam da mesma decisão.
Depois, e também contra o que sustenta o reclamante, a presunção de que a notificação postal se considera feita no terceiro dia posterior ao do registo (ou, se esse terceiro dia não for dia útil, no primeiro dia útil seguinte) só pode ser ilidida pelo notificado, provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis (artigo 254.º, n.º 2 e 4, do Código de Processo Civil), não incumbindo ao tribunal tomar a iniciativa de comprovar, relativamente a toda e qualquer notificação, se ela se efectivou na data legalmente presumida.
Não merece, assim, qualquer censura o despacho reclamado, que não admitiu, por intempestivo, o recurso de constitucionalidade.
Acresce que, como se salienta no parecer do Ministério Público, o reclamante não identifica, no requerimento de interposição de recurso, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, imputando directamente à decisão recorrida a violação quer da lei ordinária, quer da lei constitucional, e não especificando sequer nenhuma norma legal (ou interpretação normativa dela emergente) que repute desconforme com a Constituição.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Outubro de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos