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Procº nº 576/2003
3ª Secção Relator:- BRAVO SERRA
1. Em 22 de Setembro de 2003 o relator proferiu decisão com o seguinte teor:
“1. Tendo, por sentença proferida em 19 de Fevereiro de 2001 pela Juíza do Tribunal de comarca de Albergaria-a-Velha, sido A. condenada na pena única de cento e cinquenta dias de multa à taxa de Esc. 650$00 ou em cem dias de prisão subsidiária, pela prática de factos que foram subsumidos ao cometimento de três crimes de difamação através da imprensa, previsto e punível pelos artigos 180º, nº 1, e 183º, nº 2, ambos do Código Penal, 25º, nº 1, e 26º, números 1 e 5, estes do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro, para além, ainda, de ser condenada no pagamento das indemnizações de Esc. 150.000$00, 350.000$00 e
550.000$00 a favor, respectivamente, dos assistentes B., C. e D., da mesma recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Neste Tribunal de 2ª instância, o Procurador-Geral Adjunto aí em funções exarou «parecer» no qual, a dado passo, escreveu:
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Tendo havido documentação da prova e respectiva transcrição, o Tribunal da Relação poderia conhecer de facto e de direito (art.s 428º e 410º do CPP).
No entanto, procurando questionar a matéria de facto, a recorrente não deu o mínimo cumprimento ao disposto no artigo 412º, n.º 3 e 4 do CPPenal, pelo que a mesma deve ter-se por fixada.
De resto, a recorrente não deu igualmente cumprimento ao que se determina no n.º 1 do mesmo artigo (412º), pois as conclusões da motivação, em vez de serem um resumo desta, são praticamente uma cópia da mesma.
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Pelo exposto, somos de parecer que, por ser manifestamente improcedente, o recurso poderá ser rejeitado em conferência (arts. 420º, nº 1 e
419º, n.º 4, al, a) do CPPenal)”.
Tendo o «parecer» de que parte se encontra transcrita sido, nos termos do nº 2 do artº 417º do Código de Processo Penal, notificado à arguida e aos assistentes, nenhum dos mesmos efectuou qualquer pronúncia.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 9 de Setembro de 2002, rejeitou o recurso, em síntese, por dois fundamentos:
- por um lado, por entender que, incidindo o recurso, primacialmente, sobre a matéria de facto, e não tendo a impugnante, de harmonia com os números 3 e 4 do artº 412º do Código de Processo Penal (versão decorrente da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto), especificado as provas que imporiam decisão diversa da recorrida, bem como as provas que haveriam de ser renovadas, por referência aos suportes técnicos, estava-lhe vedado modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto;
- por outro, por entender que as «conclusões» do recurso se limitavam a transcrever, quase ipsis verbis, os fundamentos da motivação, quer em número, quer em conteúdo, ao que acrescia que, no atinente ao recurso de direito (a que a impugnação se deveria circunscrever, dado que se não poderia, em face do primeiro entendimento, conhecer da matéria de facto), não foram, nas
«conclusões», indicadas as normas jurídicas violadas, o que acarretava o incumprimento dos números 1 e 2 do artº 412º dos indicados diploma e versão.
Daquele aresto recorreu a arguida para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na respectiva motivação, formulado, para o que ora releva, as seguintes
«conclusões»:
‘...................................................................................................................................................................................................................................................................
9 - O artigo 412º, n.º 4, do CPP não obriga a determinadas referências aos suportes técnicos.
....................................................................................................................................................................................................................................................................
15 - A falta de indicações das menções constantes do n.º 3 do artigo 412º do CPP, no caso concreto, obrigava o Tribunal da Relação a convidar a recorrente a aperfeiçoar as suas motivações, em respeito pelo princípio constitucional contido no art.º 32º, n.º 1, da CRP.
16 - A interpretação dada pelo Tribunal da Relação, aos comandos contidos no art.º 412º, n.º 3 e 4, é geradora de um efeito preclusivo muitíssimo duro que colide com a interpretação que deverá ser feita à luz dos princípios constitucionais, no quadro de um procedimento que tem de assegurar todas as garantias de defesa do arguido.
17 - A não formulação do convite ao aperfeiçoamento pela recorrente das suas motivações, no sentido pretendido pelo Tribunal, consubstancia uma restrição desproporcionada do direito de defesa da arguida, na dimensão do direito ao recurso, garantido pelo n.º 1 do artigo 32º da CRP e, consequentemente, do direito de acesso à Justiça, tanto mais que nas normas do n.º 3 e 4 do artigo
412º do CPP não se prevê expressamente a rejeição do recurso ou a improcedência deste.
18 - Pelo Tribunal Constitucional foi declarado inconstitucional a norma contida no art.º 412º, nº 2, quando interpretada no sentido da rejeição de recurso, sem que seja facultada a oportunidade de suprir a deficiência, por se entender contrária ao preceito constitucional do art.º 32º, n.º 1 da CRP (Acórdão
320/2002 de 7 de Outubro, in Diário da República I Série-A).
19 - Face a esta decisão do Tribunal Constitucional, por maioria de razão e, na medida em que os n.º 3 e 4 do artigo 412º do CPP não prevêem expressamente a rejeição do recurso no caso de não observância do seu normativo, o Tribunal da Relação deveria, no caso sub judice, ter convidado a recorrente a suprir tal deficiência, o que não fez.
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26 - No caso concreto, a Relação rejeita o recurso por considerar que a arguida/recorrente nas conclusões apresentadas ‘limita-se a transcrever quase ipsis verbis os seus fundamentos’, por considerar haver ‘uma repetição da motivação, o que se equipara forçosamente à ausência de conclusões’, bem como
‘por falta de indicação nas conclusões formuladas das normas jurídicas violadas’.
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31 - O Tribunal sempre teria que convidar a arguida/recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões, em respeito pelo princípio constitucional contido no art.º 32, n.º 1 da CRP.
32 - A interpretação dada pelo Tribunal da Relação, aos comandos contidos no art.º 412º, n.º 2, é geradora de um efeito preclusivo muitíssimo duro que colide com a interpretação que deverá ser feita à luz dos princípios constitucionais, no quadro de um procedimento que tem de assegurar todas as garantias de defesa do arguido.
33 - A não formulação do convite de aperfeiçoamento das conclusões pela recorrente (o mesmo se diga quanto à sua ausência) consubstancia uma restrição desproporcionada do direito de defesa da arguida, na dimensão do direito ao recurso, garantido pelo n.º 1 do artigo 32º da CRP e, consequentemente, do direito de acesso à Justiça.
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38 - O Acórdão n.º 320/2002 do Tribunal Constitucional (in Diário da República,
1ª Série-A, de 7 de Outubro) ‘declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 412, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada oportunidade de suprir tal deficiência’.
39 - Deste modo, em 1/10/2002 (data aposta no final do Acórdão da Relação), o Tribunal da Relação decide em sentido contrário a uma norma declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, (cuja publicação ocorreu em
7/10/2002), o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
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O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13 de Fevereiro de 2003, rejeitou o recurso, já que foi entendido que não era admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável a pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos.
Notificada desse aresto, veio a arguida, esteada nas alíneas b) e g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão tirado pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
No tocante ao recurso fundado na alínea b), por seu intermédio, pretende:
i) - a apreciação da inconstitucionalidade da norma extraída dos artigos 412º, nº 3 e 4, e 431º, ambos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual se atribui ao não cumprimento dos ónus previstos naqueles números 3 e 4, por falta de referência aos suportes técnicos, o efeito de imediata improcedência do recurso, sem que seja feito o convite ao recorrente para suprir tal deficiência; ii) a apreciação da inconstitucionalidade da norma vertida no nº 1 do artº 412º do mesmo diploma adjectivo, na interpretação de acordo com a qual ‘quando a totalidade das conclusões é cópia de pontos constantes da motivação, equivalendo
à ausência de conclusões’, isso implica a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja formulado convite ao arguido recorrente para suprir tal deficiência; iii) - a apreciação ‘da ilegalidade e inconstitucionalidade’ da norma ínsita no citado nº 1 do artº 412º, ‘na interpretação de que sendo a totalidade das conclusões cópia de pontos constantes da motivação, equivalendo à ausência de conclusões’, isso acarreta a rejeição do recurso, ‘violando a norma do artigo
414º, n.º 2 do C.P.P., que estabelece taxativamente os casos de não admissão de recurso’.
Pelo que respeita ao recurso baseado na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, a arguida, por seu intermédio, pretende:
i) - a apreciação da inconstitucionalidade da norma extraída dos artigos 412º, nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal, ‘na interpretação de que sendo as conclusões uma repetição da motivação, tem como efeito imediato a rejeição do recurso, sem que previamente seja feito ao recorrente convite para suprir tal deficiência’, sendo que ‘o Tribunal Constitucional anteriormente já tinha declarado, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade dos artigos
412º, n.º 1 e 420º do CPP, quando interpretadas no sentido da falta de concisão das conclusões da motivação levar à imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência
(Acórdãos n.ºs 193/97, 43/99, 417/99, 43/2000 e, sobretudo, 337/2000)’. ii) - a apreciação da inconstitucionalidade da norma do nº 2 do artº 412º do mesmo corpo de leis interpretada no sentido ‘de que a falta de indicação nas conclusões formuladas das normas jurídicas violadas, leva à imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada a oportunidade de suprir o vício detectado - o Tribunal Constitucional, anteriormente, já tinha declarado, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 412, n.º 2 do CPP, interpretado no sentido de que a falta de indicação, [n]as conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas sua alíneas a), b), e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir o vício detectado (Acórdão 320/2002, de 9 de Julho, DR I-A, publicado em 7/10/02)’.
O recurso veio a ser admitido por despacho proferido em 8 de Julho de
2003 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra.
2. Entende-se que, in casu, se justifica a prolação de decisão ex vi do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
2.1. Como acima se viu, a arguida pretende também, com o recurso que interpôs ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, apreciar, concernentemente à norma do nº 1 do artº 412º do Código de Processo Penal, a sua ilegalidade por violação do nº 2 do artº 414º do mesmo corpo de leis.
Obviamente que, por força daquela alínea, não será possível a interposição de recurso por via do qual se possa apreciar uma questão de ilegalidade, anotando-se que, de todo o modo, e fosse porque maneira fosse, o presente caso não podia dar lugar à interposição do recurso a que alude a alínea f) do indicado nº 1 do artº 70º, já que em causa não está uma situação de aplicação, quer de um preceito constante de acto legislativo cuja ilegalidade tenha, antes da prolação da decisão intentada recorrer, sido suscitada com fundamento em violação de lei com valor reforçado, quer de um normativo constante de diploma regional cuja ilegalidade com fundamento na violação de um estatuto de Região Autónoma ou de lei geral da República tenha, também anteriormente, sido equacionada, quer de uma norma emanada de um órgão de soberania cuja ilegalidade, por violação de estatuto de Região Autónoma, tenha sido brandida pela ora recorrente antes do proferimento da decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
Não se tomará, assim, conhecimento do recurso no respeitante à questão de ilegalidade da norma do nº 1 do artº 412º do Código de Processo Penal.
2.2. Reportadamente ao recurso, igualmente fundado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, é sabido que um dos requisitos dele pressupositores consiste, justamente, na suscitação, antes de ser lavrada a decisão impugnada, da questão de inconstitucionalidade das normas cuja apreciação se intenta submeter à apreciação deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa.
Ora, como resulta do relato supra efectuado, a arguida foi notificada do «parecer» do Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra e, muito embora no mesmo se sufragasse a óptica segundo a qual, tendo em conta as circunstâncias de, por um lado, havendo a recorrente impugnado quanto à matéria de facto a sentença condenatória proferida na 1ª instância, não ter cumprido os ónus decorrentes dos números 3 e 4 do artº 412º do Código de Processo Penal e, por outro, de as «conclusões» constantes da motivação serem praticamente uma cópia do «teor» daquela motivação, pelo que, assim, não cumpriu o disposto no nº 1 do mesmo artigo, o que tudo demandaria a imediata rejeição do recurso, que é certo é que a mesma arguida, não obstante a faculdade que lhe é concedida pela parte final do nº 2 do artº 417º do indicado diploma, não respondeu ao citado «parecer».
Significa isto, inquestionavelmente, que a arguida dispôs plenamente de oportunidade processual para, antes da proferenda decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, suscitar a questão de inconstitucionalidade referente aos preceitos decorrentes dos números 3 e 4 do artº 412º, numa dimensão interpretativa de harmonia com a qual o não cumprimento dos ónus aí previstos, com referência aos suportes técnicos, implicam a imediata rejeição do recurso, sem que ao impugnante seja dirigido convite para suprir aquele não cumprimento; e, de igual sorte, desfrutou a ora recorrente de plena oportunidade processual para questionar, do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional, o preceito inserto no nº 1 daquele artigo, quando comportasse uma interpretação por via da qual quando a totalidade das conclusões é cópia de pontos constantes da motivação, isso consequencia a imediata rejeição do recurso, sem que ao arguido recorrente seja formulado convite para suprir essa deficiência.
Não tendo, desta arte, havido suscitação da questão de inconstitucionalidade referente àquelas normas, porque seria plausível que viesse a ser acolhida a interpretação que ficou plasmada no «parecer» do Ministério Público, de concluir é que inexiste, no caso e quanto a estes particulares pontos, o pressuposto do recurso.
2.2.1. Sublinhe-se, por outro lado, que, respeitantemente à norma do nº
1 do artº 412º, até seria possível sustentar-se que o sentido interpretativo que se deseja ser apreciado por este Tribunal não foi objecto de aplicação por banda do aresto impugnado.
Poderia, efectivamente, defender-se que em passo algum do acórdão prolatado no Tribunal da Relação de Coimbra se asseverara que as «conclusões» da motivação de recurso não podiam como tais ser consideradas se as mesmas se consubstanciassem em formulações iguais às utilizadas em diversos pontos ou partes do «teor» da motivação.
Na defesa de um tal modo de ler o acórdão recorrido, dir-se-ia que aquilo que em tal peça processual foi dito foi que não podiam ser consideradas
«conclusões» as expressões assim epitetadas, mas que constituíam a transcrição, quase ipsis verbis, dos fundamentos carreados ao «teor» da motivação (ou seja e no fundo, a repetição da totalidade da fundamentação nesta empregue), pelo que, nessa situação, se haveria de entender que a motivação não fora acompanhada de
«conclusões».
Daí se seguiria, ainda em tal tese, que não seria possível concluir que, face aos termos utilizados pelo acórdão sub iudicio, este perfilhou a perspectiva de acordo com a qual seria de rejeitar um recurso no qual foi apresentada motivação formulando-se, a final, «conclusões» que utilizavam fraseologia igual à usada em diversos pontos ou partes constantes do «teor» da motivação, pelo que o Tribunal da Relação de Coimbra não teria aplicado o sentido interpretativo dado à norma contida no nº 1 do artº 412º do Código de Processo Penal cuja apreciação a recorrente quer que seja levada a efeito pelo Tribunal Constitucional. Assim, faleceria, neste ponto, um dos requisitos do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, justamente o que consiste na aplicação, pela decisão recorrida, da norma que se quer ver submetida ao órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade.
Mas, mesmo que esta leitura do acórdão não fosse a mais correcta, sempre subsistiria o fundamento para o não conhecimento explanado no precedente ponto 2.2..
Neste contexto, não se conhecerá do objecto do recurso ancorado naquela alínea b).
3. Resta o recurso estribado na alínea g) do aludido nº 1 do artº 70º.
Visa este, como já se disse, duas normas:
- a extraída da conjugação dos preceitos do nº 1 do artº 412º e do nº 1 do artº 420º, ambos do Código de Processo Penal, quando interpretada de modo a que, mostrando-se as «conclusões» da motivação uma repetição desta, isso demanda o efeito imediato da rejeição do recurso, sem que seja, previamente, dirigido ao recorrente convite para suprir essa deficiência.
- a do preceito do nº 2 do artº 412º do mesmo Código, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas «conclusões» da motivação, das normas jurídicas violadas, leva à imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada a oportunidade de suprir o vício detectado.
3.1. Começando pela primeira, ou seja, no que tange à norma extraída da conjugação dos preceitos do nº 1 do artº 412º e do nº 1 do artº 420º do Código de Processo Penal, quando interpretada de sorte a que, mostrando-se as
«conclusões» da motivação uma repetição desta, isso implica o efeito imediato da rejeição do recurso, sem que seja, previamente, dirigido ao recorrente convite para suprir essa deficiência, nunca este Tribunal teve ocasião de, naquela precisa dimensão a julgar desconforme com princípios ou normas constitucionais.
De facto, de entre os acórdãos deste Tribunal citados pela recorrente, verifica-se que:
- o Acórdãos números 193/97 e 43/99 julgaram inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição, os artigos 412º nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal (obviamente, atenta a data em que foram proferidas as decisões recorridas, na versão daquele Código anterior à conferida pela Lei nº 59/98), quando interpretados no sentido da falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido;
- o Acórdão nº 417/99 julgou inconstitucionais, por violação do nº 1 do artigo 32º do Diploma Básico, as normas constantes daqueles preceitos, quando interpretadas no sentido de a falta de concisão das «conclusões» da motivação implicar a rejeição liminar do recurso penal, sem que ao recorrente seja previamente dada oportunidade de suprir o vício dessa falta de concisão;
- o Acórdão nº 43/2000, manteve a decisão sumária lavrada pelo Relator, na qual se efectuara juízo idêntico ao do Acórdão nº 417/99;
- o Acórdão nº 337/2000, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, nº 1, da Lei Fundamental, da norma constante dos artigos 412º, nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei nº 59/98, quando interpretados no sentido de a falta de concisão das «conclusões» da motivação implicar a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência.
Assim sendo, é óbvio que a dimensão normativa dada aos aludidos preceitos e que foi julgada inconstitucional pelos acórdãos acima referidos era aquela que se reportava à falta de concisão das «conclusões» da motivação e que implicava imediatamente a rejeição do recurso sem a formulação de convite ao arguido recorrente para suprir a deficiência.
Sucede, porém, que não é essa dimensão aquela a que se reporta o requerimento de interposição do recurso. Este como se viu, elege a interpretação de harmonia com a qual mostrando-se as «conclusões» da motivação uma repetição desta, isso implica o efeito imediato da rejeição do recurso, sem que seja, previamente, dirigido ao recorrente convite para suprir essa deficiência.
E, porventura, uma tal eleição deveu-se à circunstância de ter sido, inequivocamente, esse o sentido normativo que o Tribunal da Relação de Coimbra levou a efeito.
Na verdade, lê-se no acórdão impugnado:
‘...................................................................................................................................................................................................................................................................
Ora no caso, logo constatamos que [a] recorrente ‘sob a epígrafe
‘conclusões’, limita-se a transcrever quase ‘ipsis verbis’ os seus fundamentos, quer em número quer em conteúdo.
....................................................................................................................................................................................................................................................................
- não olvidamos o entendimento do Tribunal Constitucional no sentido de que é inconstitucional a norma constante dos arts. 412º, nº 1 e 420º, nº 1 quando interpretada no sentido de que a falta de concisão das motivações leva à rejeição imediata do recurso sem que previamente seja feito convite para aperfeiçoar a deficiência. É que no caso consideramos que não estamos perante conclusões prolixas, deficientes ou obscuras, mas perante uma repetição da motivação, o que se equipara forçosamente à ausência de conclusões já que não existe uma ‘indicação concisa e clara dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações’. Sublinhe-se que não estamos perante um caso em que a maioria dessas pretensas conclusões é cópia integral de vários pontos constantes do texto da motivação, mas sim a totalidade das conclusões é cópia de pontos constantes da motivação.
...................................................................................................................................................................................................................................................................’
É patente que a dimensão em causa não tem a ver com aqueloutra que já foi alvo dos julgamentos de inconstitucionalidade ínsitos nos arestos acima indicados.
É que, mesmo a configurar-se uma situação em que o «teor» da motivação fosse consubstanciado num escrito que ocupasse muito pouco espaço, e as
«conclusões» se limitassem a repetir o que naquele «teor» foi escrito, o que, naturalmente, impedia que se considerassem as «conclusões» como prolixas, a seguir-se a tese perfilhada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, era de considerar que a motivação não vinha acompanhada de «conclusões».
Vinque-se que não se trata, aqui, de um recurso da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mas sim de um recurso da alínea g) dos mesmos número e artigo, que exige que a norma dele objecto já tenha sido julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional.
Como a norma que se extrai dos preceitos do nº 1 do artº 412º e do nº 1 do artº 420º do Código de Processo Penal, segundo a qual sendo as «conclusões» da motivação uma repetição desta, isso implica o efeito imediato da rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja previamente feito convite para suprir tal deficiência, não foi ainda julgada inconstitucional por este órgão de administração de justiça, designadamente pelos acórdãos citados pela recorrente
(cfr., neste particular, o nº 3 do artº 75º-A da Lei nº 28/82), não se poderá tomar conhecimento do objecto do recurso atinente a essa norma.
3.2. No que concerne ao normativo ínsito no nº 2 do artº 412º do Código de Processo Penal, depara-se claro que nada obsta ao conhecimento do recurso da alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Efectivamente, por intermédio do Acórdão nº 320/2002 (publicado na I Série-A do Diário da República de 7 de Outubro de 2002), este Tribunal declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo
32º, nº 2, da Lei Fundamental, daquela norma, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas «conclusões» da motivação, de qualquer das menções contidas nas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência.
Uma tal norma, em consequência da declaração de inconstitucionalidade operada pelo mencionado Acórdão nº 320/2002, desapareceu, assim, do ordenamento jurídico.
Não obstante, no caso sub specie, o acórdão recorrido também entendeu que o recurso (que, na situação em apreço, era interposta por uma arguida, ora impugnante), quanto à matéria de direito, era de rejeitar, já que quem nele figurava como recorrente não veio, nas «conclusões», a fazer indicação das normas jurídicas que, no seu modo de ver, considerava violadas; e isto sem que dirigisse qualquer convite no sentido de ser suprido o vício que assim se deparava.
Vale isto por dizer que esta parte da decisão se mostra inequivocamente contrária à decisão tomada no Acórdão nº 320/2002.
Merece, pois, provimento o recurso neste particular.
Nestes termos, em aplicação da declaração de inconstitucionalidade constante daquele aresto, julga-se procedente o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 no que concerne à norma do nº 2 do artº 412º do Código de Processo Penal, na versão decorrente da Lei nº 59/98, interpretada ela no sentido de que a falta de indicação, nas «conclusões» da motivação, de qualquer das menções contidas nas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência, consequentemente se determinando a reforma do acórdão impugnado”.
Da transcrita decisão reclamou a arguida A. ao abrigo do disposto no nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Em súmula, veio sustentar:
- que a sua mandatária nunca foi notificada do «parecer» exarado pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra, contrariamente à «cota» existente nos autos, sendo que, de acordo com buscas que posteriormente levou a efeito, veio a comprovar que do registo colectivo do correio remetido por aquele tribunal de 2ª instância em 4 de Junho de 2002 nada constava quanto a uma expedição de carta de notificação à dita mandatária, vincando, ainda, que no recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça invocou a nulidade de falta de tal notificação;
- que, por isso, ocorreu uma nulidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, nulidade que assim argui, devendo ser
“anulados todos os termos posteriores” à ocorrência da nulidade “e que dela não sejam independentes”, ou, a entender-se que se trata de uma irregularidade, igualmente este vício é arguido, devendo-se determinar “a invalidade da cota de notificação constante dos autos e termos subsequentes”;
- que requeria que o Tribunal da Relação de Coimbra fosse “notificado ... para juntar aos autos cópia autenticada do registo colectivo de 4/06/2002 que comprova não ter sido a mandatária da arguida notificada do Parecer do Ministério Público”;
- que, conquanto concorde com o exposto na decisão reclamada quanto ao não conhecimento da questão de ilegalidade, entende que
“sempre o Tribunal Constitucional poderá apreciar a interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra à luz dos preceitos constitucionais, nomeadamente do artigo 32º, n.º 1 da C.R.P. que foi invocado”;
- que, quanto ao que é referido no ponto 3.1. da decisão em análise, deveria o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso, já que se não “entende, em termos práticos, qual será a diferença entre a falta de concisão das conclusões da motivação ou o serem as conclusões da motivação uma repetição desta”.
Na data em que veio a ser apresentado neste Tribunal o requerimento consubstanciador da reclamação, fez igualmente a arguida juntar aos autos um outro requerimento, dirigido ao relator, por intermédio do qual veio arguir “a nulidade e/ou irregularidade da não notificação do Parecer do Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra”, basicamente reiterando as razões que explanara na peça em que deduziu a reclamação.
Ouvido o Representante do Ministério Público junto deste
órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade, veio o mesmo pronunciar-se nos seguintes termos:
“1 - Não se situa obviamente no âmbito dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional a apreciação de pretensas nulidades de processo, cometidas na tramitação dos autos perante os Tribunais Judiciais.
2 - Carece, pois, de fundamento o pedido - ora deduzido - para se valorar a nulidade decorrente de alegada omissão de notificação do ‘parecer’ exarado pelo Ministério Público - sendo evidente que a reclamante podia e devia ter invocado tal facto perante a Relação e no âmbito do recurso que interpôs para o Supremo, estando, pois, - desde logo - tal matéria obviamente precludida neste momento processual.
3- E não podendo, como é óbvio, o Tribunal Constitucional deixar de se fundar - no julgamento que emite acerca dos pressupostos do recurso - naquilo que os tribunais judiciais, no acórdão impugnado, consideraram ter efectivamente ocorrido nos autos.
4 - Relativamente à ausência dos pressupostos do recurso tipificado na alínea g), ela decorre naturalmente do modo como a recorrente entendeu configurar o respectivo objecto, reportando-o - não à ‘falta de concisão’ - mas à falta de
‘autonomia’ das conclusões, relativamente ao teor da motivação do recurso.
5 - E sendo inquestionável que efectivamente tal tipo de recurso implica uma plena identidade entre a questão já dirimida pelo Tribunal Constitucional e a questão de constitucionalidade que o recorrente, por essa via, lhe pretende colocar.
6 - Termos em que deverá improceder a presente reclamação”.
Cumpre decidir.
2. Em primeiro lugar, há que anotar que não cabem nos poderes do Tribunal Constitucional decidir da arguição de nulidades ou irregularidades eventualmente ocorridas, por acção ou omissão, nos feitos processuais que seguiram seus termos nos tribunais das várias ordens judiciais.
Assim, o requerimento de arguição dirigido ao relator não poderá ter atendimento.
2.1. Em segundo lugar, de acordo com os elementos constantes do processo de onde emergiu o recurso de constitucionalidade, consta, efectivamente, um termo de «cota» de onde se extrai que o «parecer» exarado pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra foi notificado à ora reclamante.
Nenhuma censura, por isso, merece a decisão sub iudicio, quando, em face daqueles elementos, concluiu que a ora reclamante dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de (in)constitucionalidade atinente às normas dos números 3 e 4 do artº 412º do Código de Processo Penal.
Neste particular, e caso tivesse a reclamante verificado que ocorrera um vício consistente na falta de notificação, teria a mesma de o arguir, obviamente perante o órgão jurisdicional que eventualmente a ele dera causa.
Refere a reclamante que suscitara tal vício no recurso que interpusera do acórdão proferido no Tribunal da Relação de Coimbra para o Supremo Tribunal de Justiça.
Simplesmente, esse recurso foi rejeitado, por se entender que do mesmo não podia conhecer aquele Alto Tribunal.
Ora, perante tal decisão e nessa eventualidade, uma vez remetidos os autos ao tribunal a quo (no caso, o Tribunal da Relação de Coimbra), deveria então ser arguido o vício que descortinara.
2.3. No que se reporta ao não conhecimento da questão de
(i)legalidade da norma constante do nº 1 do artº 412º do Código de Processo Penal, também nenhuma censura merece a decisão reclamada, no ponto que, sendo aquele recurso estribado na alínea f) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, é de evidência que não se congregavam os requisitos pressupositores desta forma de impugnação.
De todo o modo, a decisão em crise, referentemente
àquela norma e agora na perspectivação de análise num recurso fundado na alínea b) do aludido nº 1 do artº 70º, explanou com suficiência dos motivos pelos quais se não tomava conhecimento do objecto do recurso esteado na mencionada alínea b), motivos esses que o Tribunal não infirma.
E nem se diga, neste ponto, que, em termos práticos, se trata de problema idêntico ao da falta de concisão das «conclusões» da motivação.
Na verdade, basta pensar numa hipótese em que o «teor» da motivação ocupa uma mera meia página, mesmo com «cabeçalho» e «introdução», e as «conclusões» da mesma repetem todo aquele «teor», não repetindo, como é evidente, aqueles «cabeçalho» e «introdução».
Na óptica do Tribunal da Relação de Coimbra, existiria, nessa hipótese, também um caso de falta de «conclusões», sem que, minimamente, se pudesse, sequer, falar numa prolixidade ou falta de concisão de «conclusões».
O exemplo hipotisado (e sem minimamente se querer aferir da «bondade» de uma tal óptica) serve, justamente, para vincar o que ficou escrito no ponto 3.1. da decisão reclamada.
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 29 de Outubro de 2003
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida