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Processo nº 619/2002
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Determinado o arquivamento dos autos devidamente identificados no processo, A., ofendido, requereu a constituição de assistente e a abertura de instrução relativamente a B., na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de C., contra o qual apresentara queixa por crime de dano, previsto no artigo 472º do Código Penal de 1886, abuso de poder, punido nos termos do artigo 26º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 12 de Abril, celebração de contrato em prejuízo do Estado, previsto no n.º 2 do mesmo artigo 26º e atentado contra o Estado de direito, constante do artigo 9º da citada Lei n.º 34/87.
No referido requerimento, A. requereu a produção de determinados meios de prova, produção que foi indeferida pelo despacho de fls. 51, “por não interessarem à Instrução”, já que “nada viriam acrescentar acerca dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena (...)”.
Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto; mas o recurso não foi admitido, “em face do disposto no artigo 291º, n.º 1 do Código de Processo Penal” (despacho de fls. 57), o que motivou a reclamação de fls. 2, apresentada perante o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, e na qual, para o que agora releva, A. suscitou a questão da inconstitucionalidade da interpretação adoptada pelo despacho reclamado para o citado n.º 1 do artigo
291º do Código de Processo Penal.
A reclamação foi indeferida pelo despacho de fls. 79, nos seguintes termos:
«O Reclamante questiona a irrecorribilidade do despacho consagrada pelo art.
291.º n.º1, nomeadamente, pela sua inconstitucionalidade: 'A interpretação não será compaginável com o sentido normativo do texto aduzido, porquanto o mesmo contende com os termos dos n.ºs 5 e 7 do art. 32.º e do n.º2 do art. 202.º, ambos da CRP , uma vez que a interpretação atribuída ao disposto na 2.ª parte do n.º 1 do art. 291.º do CPP, não só afronta a norma preceptiva daquele n.° 5 que institui o princípio acusatório do processo penal, como permite que, por essa via, os agentes do crime deixem de ser punidos pelos actos delitivos perpetrados, vedando ainda ao ofendido o direito de intervir no processo e recusando-lhe a efectivação dos seus direitos e a defesa dos interesses legalmente protegidos, não reprimindo a violação da legalidade democrática ofendida'. De facto, assim acontece. Porém, os assistentes são tão-pouco quem detém o poder da acção penal, visto que ocupam, na acção penal, 'a posição de
«colaboradores» do MP'. A 'estrutura acusatória' está respeitada pelo direito adjectivo, enquanto, precisamente, é o MP quem propõe o julgamento. E afinal,
'obrigando o juiz a fazer as diligências', ainda que pela via do assistente, retirando ao juiz de instrução o poder de discutir a admissibilidade das provas, está, precisamente, a contrariar-se aquela estrutura acusatória. É o que resulta do art. 32.º- n.º 5, da CRP. E o n.º 7 confere ao ofendido 'o direito de «intervir» no processo', mas ...
'nos termos da lei'. O que significa 'com limites”. Por sua vez, o invocado art. 202.º-n.º 2 é uma 'espada de 2 gumes', uma vez que acaba por conferir aos 'Tribunais' a 'função jurisdicional' –não aos assistentes
– que, no caso, consiste em definir o que deve ou não diligenciar-se com vista a um procedimento criminal. De qualquer maneira, concedam-se os direitos que se concedem, outra coisa é a limitação do direito de recorrer. 0 que se encontra noutro segmento, pelo qual a CRP não sai beliscada. De tal maneira, que são já muitas as decisões que obstam
à classificação de 'inconstitucional' do normativo questionado – art. 291.º-n.º
1, do CPP. Assim o Ac. 375/00, de 13-7. A acção penal não deixa de ser controlada por quem detém o poder jurisdicional – o juiz de instrução. Portanto, aquelas entidades públicas, melhor que ninguém, garantem o interesse público de defender o interesse particular. Ainda que, por vezes, este pareça não vencer, como o é, no presente pleito, não vingando a denúncia e a própria instrução – mas só até em parte. Porém, é do interesse público que, no caso vertente, a acção penal não prossiga tal como pretende o Assistente, na medida em que não reúne os requisitos mínimos. E, se afinal, é o juiz quem, no julgamento, define, definitivamente, que 'os agentes do crime deixem de ser punidos pelos actos delitivos perpetrados', nem porque o fez numa fase intermédia não deixa de também 'vedar ainda ao ofendido o direito de intervir no processo e recusando-lhe a efectivação dos seus direitos e a defesa dos interesses legalmente protegidos, não reprimindo a violação da legalidade democrática ofendida'. Portanto, a 'Reclamação' para o Presidente da Relação não tem qualquer apoio legal.
2. A. recorreu, finalmente, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, da decisão do Presidente do Tribunal da Relação do Porto. Pretende a apreciação “da 2ª parte do n.º 1 do art. 291º do Cód. Proc. Penal”, por violação
“dos n.ºs 2 e 3 do art. 18º, 5 do art. 20º, 5 e 7 do art. 32º, n.ºs 1 e 2 do art. 202º e art. 208º, todos da Constituição da República Portuguesa”.
Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as correspondentes alegações, que o recorrente concluiu do seguinte modo:
«EM CONCLUSÃO
1º- Sem embargo de melhor opinião, o impetrante considera que o entendimento conferido, nos presentes autos, pela Mmª Juíza, à 2ª parte do nº 1 do art. 291° do CPP, na redacção dada pela Lei n° 59/98 de 25/08;
2°- 0fende os termos dos números 5 e 7 do art. 32°; nº 2 do art. 202° e indirectamente, afronta o postulado no nº 2 do art. 18°, bem como viola a primeira parte do nº 1 do art. 20°, todos da Constituição da República Portuguesa.
3°- E isto porque ao recusar as diligências de prova consideradas pertinentes e necessárias à descoberta da verdade, sem possibilidade de recurso, atenta contra o principio do acusatório, preconizado nº 5 do art. 32º da CRP.
4°- 0 qual pressupõe num dos seus segmentos que o arguido só possa ser julgado precedido de acusação, sendo esta exigida ao assistente no seu requerimento instrutório face ao art. 287° do CPP.
5º- Mas aquele normativo, ao determinar a irrecorribilidade da rejeição das diligências instrutórias, contende ainda com o direito, previsto naquele nº 7 que permite ao ofendido intervir no processo penal.
6°- E embora esse direito seja condicionado pela lei, o certo é que o legislador ordinário, através daquele nº1 do art.291° levou tão longe a sua restrição que não deixou assegurados ao ofendido 'a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos,' sufragados pelo nº2 do art. 202° da CRP.
7°- Pois sempre que o juiz, como no caso dos autos, entenda recusar as diligências instrutórias e imprescindíveis à descoberta da verdade, os agentes do crime deixam de ser punidos pelos actos delitivos perpetrados.
8°- E por outro, os tribunais recusam reprimir a violação da legalidade democrática, deveres esses que se avistam, nomeadamente, na primeira parte do nº
1 do art. 20° e nº 2 do art. 202°, da CRP.
9°- De resto, o preceito que vem arguido de inconformidade constitucional, limitando a efectivação dos direitos acima observados, ofende ainda directamente o disposto no nº 2 do art. 18° da CRP.
10°- Visto a restrição imposta pelo nº 1 do art. 291° não se limitar ao necessário para salvaguardar aqueles direitos e interesses constitucionalmente protegidos e, de igual sorte, consente que o juiz instrutório, como no caso em apreço, possa rejeitar diligências solicitadas sem qualquer fundamento que se mostre minimamente razoável.
11 °- Para, a seguir, no despacho de não pronúncia, poder afirmar que na instrução não se apurou a verdade material dos factos imputados ao arguido.
12°- A somar a estas situações susceptíveis de configurar crime de prevaricação, por parte dos tribunais, aquele n º1 do art. 291º do CPP, conduz ainda o ordenamento jurídico a uma contradição insanável.
13°- Já que, filosoficamente, a irrecorribilidade do despacho sustenta-se uma celeridade e economia processual, mas por outro lado, em sede de recurso, de não pronúncia, admite uma 2ª fase de recolha da prova que, em tempo oportuno, não se efectuou.
Nestes termos e, nos demais de direito que, doutamente, V. Exas. suprirão, deverá decretar-se a inconstitucionalidade do nº 1 do art. 291º do CPP, com a redacção dada pela Lei nº59/98, de 25 de Agosto, por ofensa aos termos do nº 2 do art. 18°; nº 1 do art. 20º; nº 5 e 7 do art. 32° e n º 2 do art. 202°, todos da CRP, ou quando assim se não entenda, então deverá declarar-se a inconformidade interpretativa, com o sentido que foi consignado na decisão do despacho recorrido, dado o mesmo contender com os normativos acima observados, sendo que deste modo farão V. Exas. a devida JUSTIÇA».
Quanto ao Ministério Público, após lembrar que o Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes no sentido da não inconstitucionalidade “da norma constante do artigo 291º, n.º 1, do Código de Processo Penal, enquanto estabelece a irecorribilidade do despacho do juiz que indefere as diligências probatórias requeridas na fase da instrução”, quando requeridas pelo arguido (Acórdãos n.ºs 371/00, 375/00, 459/00 e 78/01), concluiu as alegações dizendo:
1 - A norma constante do artigo 291°, nº1, do Código de Processo Penal, enquanto estabelece a irrecorribilidade do despacho do juiz de instrução que indefere diligências requeridas pelo assistente, não ofende o direito de acesso à justiça, nem qualquer outro preceito ou princípio constitucional.
2 - Termos em que deverá improceder o presente recurso.
3. Constitui o objecto do presente recurso a norma, constante do n.º 1 do artigo
291º do Código de Processo Penal, segundo a qual é inadmissível o recurso interposto pelo assistente do despacho do juiz que indefere as diligências probatórias requeridas na fase da instrução.
É o seguinte o texto deste preceito, na parte que agora interessa:
'O juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos, que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considera úteis, sem prejuízo da possibilidade de reclamação'.
4. Na verdade, o Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes sobre a questão de constitucionalidade de que se trata neste recurso, quando o recorrente era o arguido (Acórdãos n.ºs 371/2000, 375/2000, 459/2000, publicados no Diário da República, II série, de, respectivamente, de 5 de Dezembro de 2000,
16 de Novembro de 2000 e de 11 de Dezembro de 2000, 388/2000 e 78/2001, não publicados os dois últimos). Assim, no Acórdão n.º 371/2000, o Tribunal entendeu valerem para a norma em causa as razões que o levaram a não julgar inconstitucional «a norma constante do artigo 310º do Código de Processo Penal – em conjunção com os artigos 308º, nºs 1 e 3, 399º e 400º, nº 1, alínea e), do mesmo Código –, (na redacção anterior à da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto) quando interpretada “no sentido de estender a irrecorribilidade da decisão instrutória à decisão nela constante sobre questões prévias que hajam sido suscitadas no requerimento de instrução”, nos Acórdãos nº 216/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Agosto de 1999) e 387/99 (este ainda inédito)».
Como ali se dá conta, nesses acórdãos o Tribunal entendeu, por aplicação da doutrina do Acórdão n.º 265/94 (Diário da República, II série, de 19 de Julho de
1994), que esta norma não afrontava, nem o n.º 1 do artigo 20º da Constituição, nem “o direito ao recurso e a um duplo grau de jurisdição”, já que da Constituição não resulta “a garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies. (...) A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.”
E igualmente se considerou, agora fazendo apelo ao Acórdão n.º 610/96 (Diário da República, II série, de 6 de Julho de 1996), que tal norma também não violava o
«princípio da plenitude das garantias de defesa», pois que a celeridade – comprometida pela multiplicação das possibilidades de recurso ao longo do processo – “não só é compatível com as garantias de defesa, podendo coincidir com os fins de presunção de inocência, como é instrumental dos valores últimos do processo penal – a descoberta da verdade e a justa decisão da causa –, próprios de um Estado democrático de direito.
No Acórdão 375/2000, frisando-se, em síntese, que a instrução é uma fase preparatória, voltou a considerar-se que a norma em causa não afecta o “núcleo essencial (...) das garantias de defesa do arguido (...) e, nomeadamente, nos termos da jurisprudência do Tribunal, o 'direito de recorrer da sentença condenatória e dos actos judiciais que privem ou restrinjam a liberdade do arguido ou afectem outros direitos fundamentais seus” (cfr. Acórdão nº 474/94, Diário da República, II série, de 8 de Novembro de 1994); e que, estando garantido esse direito, também se não violava o artigo 20º, n.º 1, da Constituição.
O Tribunal observou, então, que “A Constituição, relativamente à instrução, institui uma garantia em sentido próprio, visando dar ao arguido, em conformidade com a estrutura acusatória do processo, a possibilidade de infirmar a prova com base na qual poderá ser acusado, em concreto, estabelecendo que os actos instrutórios que a lei determinar estarão subordinados ao princípio do contraditório (artigo 32º, nº 5).”, que a celeridade também é uma valor constitucional (artigo 20º, n.º 4) e que já se haviam julgado não inconstitucionais outras “normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido impugnar determinados despachos interlocutórios do juiz, que se limitam a fazer prosseguir o processo (v. Acórdão nº 353/91, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º vol., entre outros)” bem como “a norma do artigo
310º, nº 1, do Código de Processo Penal, que considera insusceptível de recurso a decisão instrutória que haja pronunciado o arguido pelos factos constantes da acusação pública (v. Acórdão nº 266/98, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Julho de 1998)”.
Nos Acórdãos n.º 459/2000 e 78/2001 reiteraram-se os argumentos já apresentados, concluindo-se, no último, que apenas havia que vincar que
“destinando-se a instrução à comprovação judicial do juízo indiciário que serviu de base à dedução da acusação, constitui ela mesma já um meio garantístico do arguido. Ora, pretender-se que, para além dessa garantia, uma outra deveria existir, e que seria, justamente, a da recorribilidade dos despachos que indeferem a realização de diligências instrutórias requeridas (e não se olvide que o indeferimento só poderá ter lugar se esses actos não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo, razão pela qual se não poderá falar numa discricionariedade que conduza o juiz de instrução a, ad libitum, proferir despachos de indeferimento), isso equivaleria a defender que a «essencialidade» do nº 1 do artigo 32º da Lei Fundamental seria sempre atingida desde que, sobre uma garantia, não estivesse previsto o funcionamento de uma outra.”
5. Mais recentemente, no Acórdão n.º 176/2002 (Diário da República, II série, de 7 de Junho de 2002), o Tribunal Constitucional teve a oportunidade de apreciar a mesma questão da irrecorribilidade mas para o caso de, tal como agora sucede, o recurso não admitido ter sido interposto pelo assistente.
Louvando-se na jurisprudência atrás citada, o Acórdão n.º 176/2002 concluiu também no sentido da não inconstitucionalidade, nos seguintes termos:
«1.É certo que, como se referiu, no Acórdão citado, se apreciava o enquadramento jurídico da questão na perspectiva do arguido, e agora se está antes perante a perspectiva do assistente, a quem igualmente cabe, nos termos do artigo 287º, n.º 1, do Código de Processo Penal, desencadear esta fase processual de
“carácter facultativo” (artigo 286º, n.º 2, do mesmo Código), “o que, desde logo, torna manifestamente deslocada e incongruente a invocação, como princípio de aferição da constitucionalidade, do princípio das garantias de defesa”, como não deixou de notar o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal nas suas alegações. Ora, tendo-se chegado nos arestos citados a um julgamento de inconstitucionalidade da dimensão normativa relativa às diligências probatórias requeridas pelo arguido, não se pode excluir a possibilidade de fundar nessas decisões – e na ideia de que, em questões semelhantes, as garantias constitucionais da posição processual do assistente não hão-de ir mais longe do que as do arguido – um argumento de maioria de razão, igualmente no sentido da não inconstitucionalidade.
2.Mesmo independentemente de tal possibilidade, porém, o certo é que, “vistas as coisas na perspectiva da ordenação funcional do processo' (para retomar uma expressão do Acórdão n.º 375/00), a solução não é diversa.
Como também se escreveu neste Acórdão n.º 375/00:
“o legislador condiciona a aplicação da norma constante do artigo 291º, n.º 1 do Código, sempre exigindo ao juiz a verificação de que os actos requeridos não interessam à instrução ou servem apenas para protelar o andamento do processo. Por outro lado, admite a reconsideração da decisão tomada, por via de reclamação a apresentar pelo requerente.”»
6. A verdade, porém, é que, ainda que se não subscreva o julgamento de não inconstitucionalidade da norma enquanto referida ao recurso interposto pelo arguido (cfr. as declarações de voto apostas aos Acórdãos n.ºs 371/2000 e
459/2000), a diversidade de estatuto de arguido e de assistente, para a qual o Tribunal Constitucional já chamou a atenção por diversas vezes, sempre justificaria um julgamento de não inconstitucionalidade para a norma de que se trata neste recurso.
Desde logo, não podem ser invocados, aqui, para fundamentar um juízo de inconstitucionalidade, nem o princípio da presunção de inocência, nem a infracção das garantias de defesa, por não estar em causa a tutela constitucional da posição de arguido. Como se escreveu no Acórdão n.º 194/2000
(Diário da República, II série, de 30 de Outubro de 2000), “Na verdade, a dimensão garantística do Processo Penal, dada a sua repercussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido, impede qualquer compreensão do Processo Penal como um processo de partes ou uma visão simétrica dos direitos do arguido e do assistente quanto aos modos de concretização das garantias de acesso à justiça.”
E, no Acórdão n.º 259/2002 (Diário da República, II série, de 13 de Dezembro de
2002), observou-se que “A norma do artigo 32º, n.º 1, da Constituição não é aplicável ao assistente, nem existe qualquer preceito constitucional
(nomeadamente, o n.º 7 deste mesmo artigo 32º, que expressamente se refere ao ofendido) ordenando a equiparação do estatuto do assistente ao do arguido. Bem diversamente, as formas de intervenção do ofendido no processo penal são remetidas, pela Constituição, para a lei ordinária (cfr., a este propósito, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 579/2001, de 18 de Dezembro, publicado no Diário da República, II Série, n.º 39, de 15 de Fevereiro de 2002, p. 3050).
(...) Com efeito, a posição do assistente num recurso interposto em processo penal, mesmo que não coincida com a dos recorrentes em processo civil, também não coincide com a do arguido. (...) Não sendo a posição do assistente que recorre idêntica à do arguido que recorre, há que perspectivar a questão sub judice à luz do disposto no artigo 20º, n.º 1, da Constituição e não, obviamente, à luz do artigo 32º, n.º 1.”
Ora, da conjugação entre o n.º 7 do artigo 32º e o artigo 20º, n.º 1, da Constituição resulta, como escreveu o Conselheiro Luís Nunes de Almeida na declaração de voto no Acórdão 205/2001 (Diário da República, II série, de 29 de Junho de 2001), que “a remissão para a lei, constante do n.º 7 do artigo 32º, sendo compreensível, tendo em conta a particular ordenação do processo penal e as suas especiais características, não pode ser interpretada como permitindo privar o ofendido daqueles poderes processuais que se revelam decisivos para a defesa dos seus interesses (...)”.
Ora, se parece inquestionável que entre esses poderes se encontre, como ali também se diz, por exemplo, o poder de acusar – relativamente ao qual se pode considerar instrumental o poder de requerer a abertura da instrução em casos, como o dos autos, em que o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos – ou de recorrer da sentença absolutória, já não se pode dizer o mesmo quanto ao eventual direito de recorrer da decisão de indeferimento de diligências probatórias requeridas na instrução. Têm, aqui, pleno cabimento as observações constantes dos acórdãos citados a propósito do recurso interposto pelo arguido, em particular no Acórdão n.º 375/2000, quanto à função preparatória da instrução, observações que, repete-se, não têm aqui que ser confrontadas com as garantias de defesa do arguido.
Fica, assim, afastada qualquer violação, ainda que indirecta, como sustenta o recorrente, do n.º 2 do artigo 18º da Constituição, desde logo porque não é afectado o núcleo essencial dos direitos constitucionalmente reconhecidos ao ofendido pelo n.º 1 do artigo 20º e pelo n.º 7 do artigo 32º da Constituição.
7. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, no que respeita à questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 14 de Outubro de 2003
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida