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Proc. n.º 653/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, foi proferida, em 23 de Junho de 2003, decisão que declarou extinto um determinado procedimento criminal, pelo decurso do prazo de prescrição, por o juiz ter entendido não perfilhar “o entendimento expresso no Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, n.º 10/2000, que fixou jurisprudência no sentido de que «no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal»”, e, simultaneamente, ter julgado “o artigo
336º, n.º 1, do Código de Processo Penal (ou 335º, n.º3, na redacção dada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto) orgânica e materialmente inconstitucional no entendimento de que permite entender a declaração de contumácia como causa de suspensão do procedimento criminal à luz do artigo 119º, n.º 1, do Código Penal de 1982”, por violar o disposto nos artigos 2º, 20º, n.º 4, parte final, 27º, n.º 1, 29º, n.º 1, 30º, n.º 1, 32º, n.º 1 e 2 da Constituição.
2. Desta decisão foi interposto pelo representante do Ministério Público naquela comarca, ao abrigo dos artigos 70º, n.º 1, al. a) e 72º, n.º 1, al. a) da LTC, recurso obrigatório de constitucionalidade. O recurso não foi, porém, admitido, por decisão (fls. 17) que se fundou, para tanto, na seguinte fundamentação:
“Dispõe o artigo 70º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional que não é admissível “recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da lei processual.”(...) Ora, no presente caso, a verdade é que, nos termos do artigo 446º, do Código de Processo Penal, caberá ao Ministério Público recorrer obrigatoriamente da decisão proferida nos autos, por ter sido proferida contra o Acórdão do STJ n.º
10/2000. Apesar de o artigo 446º do Código de Processo Penal estar inserido no título II do livro IX do Código de Processo Penal (referente aos recursos extraordinários), a verdade é que, como tem vindo a ser entendido pela Jurisprudência Constitucional (v.g. Acórdãos 233/01, de 4/07/2001, da 1ª Secção do Tribunal Constitucional; Ac. 93/02, de 26/02/2002, da 2ª Secção do Tribunal Constitucional; e 281/01, de 26/06/2001e 282/01, de 26/06/2001 da 3ª Secção do Tribunal Constitucional), haverá que, previamente, recorrer dentro da ordem dos tribunais judiciais, nos termos do citado artigo 446º. Assim, pelo exposto, não se admite o recurso interposto a fls. 127.”
3. Inconformado com esta decisão que não lhe admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, apresentou o ora reclamante a presente reclamação, que fundamentou nos seguintes termos:
“1- No âmbito dos presentes autos foi indeferido um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que nos termos do art.º 76 n.º 4 da Lei n.º 28/82 , de 15.11 , se vem, da mesma apresentar reclamação.
2- O que se faz nos seguintes termos :
3- Por decisão proferida pelo Mmo Juiz do Tribunal recorrido, constante de fls.
114 e segs., foi, declarada a inconstitucionalidade material e orgânica do art.º
336 n.º 1 do C. Processo Penal (ou 335 n.º 3 , na redacção dada pela Lei n.º
59/98, de 25.08), no entendimento que permite entender a declaração de contumácia como causa de suspensão do procedimento criminal à luz do artº 119.º n.º 1 do C. Penal de 1982 , por violar o disposto nos art.ºs 2 , 20.º n.º 4 , parte final, 27.º nº 1 , 29.º n.º 1 , 30.º n.º 1 e 32.º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, não se aplicando o respectivo dispositivo, ao abrigo do disposto no art.º 204.º da Lei Fundamental;
4- Como tal, o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Albufeira, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º n.º 1, alínea a), e 72.º n.º
1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, veio interpor recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, requerendo a sua admissão;
5- No entendimento do Magistrado do Ministério Público o despacho que declara a inconstitucionalidade material e orgânica do art.º 336.º n.º 1 do Código Processo Penal (ou 335.º n.º 3, na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25.08), no entendimento que permite entender a declaração de contumácia como causa de suspensão do procedimento criminal à luz do artº 119.º n.º 1 do C. Penal de
1982, só indirectamente é contrário à jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não sendo portanto objecto de recurso obrigatório, nos termos do artigo 446.º C. P. Penal ;
6- Trata-se aqui tão-só da declaração de inconstitucionalidade de uma norma, que foi objecto de recusa de aplicação por um Tribunal curando-se de saber, com o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, se efectivamente tal norma deve ou não ver confirmado o juízo de inconstitucionalidade formulado.
7- Concluindo :
8- Nestes termos se requer que se determine a admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, uma vez que não está em causa, directamente, nenhuma decisão que contrarie jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas tão-só a declaração de inconstitucionalidade de uma norma, mais precisamente o art.º 336.º do C.P.Penal.”
4. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se pronunciou no sentido da improcedência da reclamação, posição que fundamentou nos seguintes termos:
“No caso dos autos, a decisão recorrida afasta, de forma directa e categórica, a aplicação do acórdão de uniformização de jurisprudência do Plenário das Secções Criminais do STJ, n.º 10/2000 – sendo, pois, proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo. Como dá nota a decisão reclamada, este Tribunal tem efectivamente qualificado o recurso obrigatório, previsto no artigo 446.º, n.º 1, do CPP, como recurso
“ordinário”, implicando tal entendimento a sua precedência sobre o recurso de constitucionalidade, previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 28/82 – art.º 70.º, n.º 5, desta Lei. Nestes termos – e perante tal jurisprudência reiterada – nenhuma censura merece a decisão reclamada.”
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação.
Como refere o representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional, “a decisão recorrida afasta, de forma directa e categórica, a aplicação do acórdão de uniformização de jurisprudência do Plenário das Secções Criminais do STJ, n.º 10/2000 – sendo, pois, proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo.”
Ora, é jurisprudência constante e reiterada deste Tribunal (cfr., por exemplo, os Acórdãos nºs 281/01, 282/01, 323/01, 334/01, 335/01 e 93/02, disponíveis na página Internet do Tribunal em, em http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm) que, em situações idênticas às dos presentes autos, não se pode conhecer do objecto do recurso,
“por não ter sido previamente interposto o recurso obrigatório previsto no artigo 446.º do Código de Processo Penal”. É esta jurisprudência que, por manter inteira validade, agora mais uma vez há que reiterar, uma vez que tem precedência sobre o recurso de constitucionalidade o recurso a interpor obrigatoriamente para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento específico no artigo 446.º do Código de Processo Penal.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 14 de Outubro de 2003
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida