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Processo n.º 454/03
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Pelo Acórdão n.º 446/2003, proferido nos presentes autos, este Tribunal Constitucional decidiu indeferir a reclamação apresentada por A., nos termos do n.° 4 do artigo 76.° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Abril de 2003, que não admitira recurso de constitucionalidade por ele interposto.
Entendeu-se, em suma, nesse acórdão não ser de conhecer do recurso na parte relativa à questão de constitucionalidade da norma do artigo
400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP), por não ter sido suscitada – devendo e podendo sê-lo – antes de proferido o acórdão recorrido e por ser manifestamente infundada, nem na parte relativa às questões de inconstitucionalidade das normas dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b)
(conjugado com o artigo 420.º, n.º 1) e 411.º, n.º 1, do mesmo Código, por inutilidade no seu conhecimento. A inutilidade no conhecimento destas duas questões assentou no reconhecimento de que as decisões (de rejeição do recurso penal interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e de indeferimento de arguição de nulidade do acórdão que determinara tal rejeição) relativamente às quais eram invocadas as normas questionadas assentavam também noutros fundamentos autónomos, insusceptíveis de serem afectados pelo juízo de inconstitucionalidade que o Tribunal Constitucional viesse eventualmente a emitir, e por si só bastantes para manter o sentido das decisões impugnadas:
(i) relativamente à decisão de rejeição do recurso, entendeu-se que “mesmo que viesse a ser julgada inconstitucional a interpretação dada pelo acórdão recorrido à norma do artigo 411.º, n.º 1, do CPP e, assim, fosse de considerar tempestiva a interposição do recurso penal, sempre persistiria o outro fundamento autónomo da rejeição deste recurso (a irrecorribilidade da decisão, por força do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do mesmo Código), relativamente ao qual, como se viu, não se pode conhecer do recurso de constitucionalidade';
(ii) relativamente à decisão de indeferimento da arguição de nulidade do acórdão que rejeitou o recurso penal, entendeu-se ser inútil a apreciação da questão da constitucionalidade da interpretação dada ao artigo 61.º, n.º 1, alínea b), conjugado com o artigo 420.º, n.º 1, ambos do CPP, atenta a existência de outro fundamento autónomo (o carácter taxativo da enumeração das nulidades de decisão judicial) para o indeferimento da arguição de nulidade, sendo certo que “o ora reclamante não impugnou este outro fundamento, não competindo ao Tribunal Constitucional apreciar oficiosamente a sua correcção face ao direito ordinário nem a sua conformidade constitucional”, pelo que
“mesmo que viesse a ser julgada inconstitucional a interpretação normativa que considerava não ser devida a audição do recorrente prévia à rejeição do recurso, o indeferimento da arguição de nulidades sempre se manteria com base no fundamento – não impugnado – do carácter taxativo da enumeração legal das nulidades de decisão, que não prevê como nulidade essa falta de audição”.
2. Notificado desse acórdão, vem o reclamante arguir a sua nulidade, aduzindo para tanto o seguinte:
“Entende o requerente que ao não tomar conhecimento da conformidade constitucional (ou falta dela) da alínea b) do n.° 1 do artigo 61.º, conjugado com o artigo 420.°, n.° 1, ambos do CPP, o douto acórdão agora em mérito incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, que ainda pode e deve ser reparada, ao abrigo do disposto no artigo 668.°, n.° 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 69.° da LTC.
Importa, antes do mais, evidenciar que o douto acórdão reclamado não toma posição sobre o suposto carácter taxativo da enumeração legal das nulidades de decisão, uma vez que, como muito bem nele se pondera, «não compete ao Tribunal Constitucional apreciar oficiosamente a sua correcção face ao direito ordinário».
Não está em causa, por conseguinte, decidir sobre se a enumeração das causas de nulidade de sentença é ou não taxativa.
O douto acórdão pressupõe que o Supremo Tribunal de Justiça proclamou a natureza taxativa dessas causas e, portanto, que a decisão proferida se baseia também nesse fundamento autónomo e não impugnado de rejeição da reclamação.
E, com base nesse pressuposto considerou inútil o conhecimento da questão suscitada. Acontece, porém e com reserva do muito respeito devido, que esse pressuposto não
é verdadeiro. A invocação desse fundamento autónomo de rejeição do recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça não é mais do que aparente.
Vejamos a parte do acórdão do STJ relativa a esta questão:
«Improcede, pois, a nulidade do acórdão resultante da violação daquele princípio, a qual, aliás, não se encontra no elenco taxativo das nulidades da sentença enunciado no artigo 379.º do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso por força do disposto no artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, pelo que, também por esta razão, tal nulidade não pode proceder.
Obviamente, face à não violação do princípio do contraditório por falta de audição do arguido, ora reclamante, também não se verificam as nulidades invocadas pelo mesmo – artigos 379.º, n.° 1, alínea c), parte final,
119.º, alínea c), e 120.º, n.° 1 [Trata-se de um erro de escrita. É manifesto que se pretende referir o n.º 2 do preceito.], alínea d), do CPP – nem a irregularidade que também invocou para os efeitos previstos no artigo 123.°, n.°
1, do mesmo Código, dado que aquelas e esta assentam no pressuposto da referida falta de audição do arguido [Os sublinhados não constam do original] – audição esta que, como vimos, a lei não impõe.»
Este excerto demonstra com transparência que a enumeração taxativa das nulidades de sentença não foi invocada pelo Supremo Tribunal de Justiça como fundamento autónomo de rejeição da reclamação.
Foi-o como fundamento consequencial, decorrente da não violação do contraditório.
Está escrito no acórdão, com toda a clareza, que as nulidades e a irregularidade da sentença que o arguido invocou «assentam no pressuposto da referida falta de audição do arguido – audição esta que, como vimos, a lei não impõe».
Quer isto dizer que, no entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, se se verificasse aquele pressuposto (exigência legal do contraditório), teriam sido cometidas as nulidades e irregularidade invocadas.
Dito de outro modo: o acórdão decidiu que a enumeração das causas de nulidade de sentença só é taxativa porque não é obrigatório observar o contraditório (audição prévia do arguido).
Por outras palavras: decidiu que, se fosse obrigatório observar o contraditório e porque o não foi, teriam sido cometidas as nulidades invocadas
– que não são apenas, recorde-se, a nulidade da sentença em si mas outras, anteriores, previstas nas alíneas c) do artigo 119.º e na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP.
É óbvio que a argumentação do douto acórdão do STJ envolve uma indesmentível petição de princípio, um círculo vicioso que, todavia, não cumpre debater aqui, uma vez que ao Tribunal Constitucional não compete dirimir conflitos de aplicação do direito ordinário.
Importa, isso sim, relevar, como ficou relevado, que ao contrário do que se afirma do douto acórdão agora reclamado, o, também douto, acórdão do STJ não considera a suposta enunciação taxativa das nulidades de sentença um fundamento autónomo de rejeição.
A questão agora em debate ainda pode ser analisada de outra perspectiva, tendo sempre no horizonte o escopo e a condição da utilidade da decisão.
Se vier a ser apreciada a questão da constitucionalidade do artigo
61.º, n.° 1, alínea b), do CPP (conjugado com o n.° 1 do artigo 420.°) e se a respectiva norma, na interpretação que dela fez o Supremo Tribunal de Justiça, vier a ser julgada inconstitucional, qual o efeito útil para o processo dessa pretendida decisão?
Tem todo o efeito útil, se não erramos.
Dela decorrerá que o Supremo Tribunal de Justiça, para respeitar essa hipotética decisão, terá de assegurar ao recorrente o direito do contraditório, antes de proferir qualquer decisão de admitir ou rejeitar o recurso.
Como o reclamante já teve oportunidade de salientar numa peça anterior, a questão da audição do arguido é anterior à prolação da sentença e, a constituir vício, não o é da sentença, mas do processo.
E, sendo assim, todos os actos praticados no processo após a omissão daquela diligência ficam automaticamente prejudicados e como que desaparecem, pelo que nem sequer se coloca a questão da natureza taxativa das nulidades da sentença.
De onde decorre, afinal, que, mesmo que se considere taxativa a enunciação das causas de nulidade da sentença, para se dar cumprimento à exigência legal de audição prévia do arguido [Decorrente da declaração da inconstitucionalidade da interpretação da alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º adoptada pelo STJ] terão de dar-se sem efeito todos os actos posteriores, pelo que nem sequer se chega a colocar aquela questão da taxatividade.
Ora, o Tribunal Constitucional não está impedido de tomar conhecimento e de se pronunciar sobre esta questão, na exacta mas suficiente medida em que tem de ponderar da utilidade da decisão que lhe é pedida.
Em boa verdade, esta questão do fundamento autónomo de rejeição é uma falsa questão: declarada a necessidade de audição tudo o resto está ultrapassado, porque todos os actos posteriores a essa omissão, por ela contaminados, são apagados do processo, incluindo a sentença proferida – artigo
122.°, n.° 1, do CPP. Repete-se, porque é importante: o que está em causa não é uma nulidade da sentença, antes e apenas uma nulidade do processado anterior à sentença.
Contra este entendimento não colhe nenhuma objecção assente na interpretação da alínea f) do n.° 1 do artigo 400.° do CPP, que hoje é tida por uniforme na Jurisprudência.
Isto porque, mesmo a adoptar-se essa interpretação, o recurso terá de ser admitido, porque dois dos crimes pelos quais o arguido foi condenado neste processo são puníveis com pena de prisão superior a oito anos.
Como salientam os Professores Costa Andrade e Maria João Antunes no Parecer que subscreveram e foi junto aos autos, «dois dos crimes imputados ao arguido A. – dois crimes de peculato, previstos e punidos pelo artigo 20.º, n.°
1, da Lei n.° 34/87, de 16 de Julho – são até puníveis com pena de prisão de máximo superior a oito anos. Dispondo este artigo que o crime de peculato é punível com pena de prisão de três a oito anos e multa até 150 dias, a pena aplicável é, afinal, pena de prisão de três a oito anos e 100 dias [Sublinhado nosso]. Conclusão que se fundamenta na circunstância de, por via do Decreto-Lei n.° 48/95, de 15 de Março, se ter abandonado a 'indesejável prescrição cumulativa de penas de prisão e multa”, segundo a respectiva exposição de motivos, devendo proceder-se à conversão da multa em prisão, de acordo com o disposto no artigo 49.º, n.° 1, do Código Penal.»
Quer isto dizer que, regredindo o processo à fase em que foi omitido o direito de audição do arguido sobre o projecto de rejeição do recurso, a questão da constitucionalidade da alínea f) do n.° 1 do artigo 400.° do CPP poderá nem chegar a colocar-se, desde que o Supremo Tribunal de Justiça seja sensível ao argumento que agora ficou sublinhado e que o arguido não teve oportunidade de esgrimir, porque não lhe foi consentido o contraditório.
Por todas as razões que ficam enunciadas, ainda que de forma sumária, entende o reclamante que a questão da conformidade constitucional da interpretação adoptada da alínea b) do n.° 1 do artigo 61.° do CPP tinha e tem acuidade e interesse, porque o seu conhecimento e decisão pode conduzir, por si só, à anulação de todo o processado posterior à omissão da audição do arguido.
Assim sendo, ao deixar de conhecer dessa questão o douto acórdão reclamado incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, que pode e deve ser reparada, face ao disposto no artigo 668.°, n.ºs 1, alínea d), e 3, do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 69.° da LTC.
Termos em que deve reparar-se a suscitada nulidade, conhecendo-se da questão da inconstitucionalidade da interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça da norma da alínea b) do n.° 1 do artigo 61.° do CPP, conjugada com o n.° 1 do artigo 420.° do mesmo diploma.”
3. Notificado desta arguição de nulidade, o representante do Ministério Público neste Tribunal Constitucional apresentou a seguinte resposta:
“1 – É por demais óbvia a improcedência da arguição de pretensas nulidades do acórdão proferido.
2 – Na verdade, a argumentação do reclamante traduz, em termos substanciais, a dedução de verdadeira impugnação ou «recurso» quanto ao decidido por este Tribunal em sede de instrumentalidade do recurso de constitucionalidade, pugnando o recorrente pela utilidade na dirimição da questão de constitucionalidade suscitada, contra o que este Tribunal decidiu em acórdão insusceptível de impugnação, por traduzir decisão definitiva da reclamação deduzida.
3 – E sendo evidente e incontroverso que não constitui naturalmente
«nulidade por omissão de pronúncia» o facto de um tribunal não se pronunciar sobre determinada questão de mérito, por considerar inverificados os pressupostos ou requisitos de admissibilidade de um recurso.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
4. A nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia ocorre quanto o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º e artigos
716.º, n.º 1, e 732.º do Código de Processo Civil (CPC) e 69.º da LTC), constituindo sanção para o incumprimento do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, que impõe ao juiz o dever de “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
No presente caso, tratando-se de reclamação de decisão de não admissão de recurso de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional pronunciou-se, como lhe cumpria, sobre a verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso que o reclamante pretendeu interpor, analisando as críticas dirigidas aos fundamentos daquele despacho de não admissão do recurso, mas também apreciando os (novos) fundamentos no sentido da inutilidade do conhecimento do recurso (conducente à sua não admissão) aduzidos no parecer do Ministério Público e relativamente aos quais foi assegurada ao reclamante – e por este efectivamente exercitada – a faculdade de contraditório. Na pronúncia exaustiva que emitiu sobre todas essas questões, o acórdão agora arguido de nulo julgou procedente o fundamento do despacho reclamado quanto à não admissibilidade do recurso relativo à norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, por a interpretação acolhida no acórdão de rejeição do recurso penal não constituir decisão surpresa (a que aditou outra razão no sentido do não conhecimento: o carácter manifestamente infundado da questão de inconstitucionalidade a esse propósito suscitada), mas já deu razão ao reclamante ao julgar insubsistentes os fundamentos do despacho reclamado quanto
às duas outras questões de constitucionalidade, considerando inesperada a interpretação dada pelo aludido acórdão à norma do artigo 411.º, n.º 1, do CPP e entendendo que o acórdão que indeferiu a arguição de nulidade fez efectiva aplicação da interpretação do artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código arguida de inconstitucional pelo reclamante. No entanto, quanto a estas duas questões, o precedente acórdão deste Tribunal Constitucional julgou procedentes as objecções suscitadas pelo representante do Ministério Público no sentido da inutilidade do seu conhecimento, e por este motivo indeferiu a reclamação então em apreço.
Conclui-se, assim, que o acórdão agora reclamado se pronunciou sobre todas as questões que devia apreciar no âmbito da reclamação de despacho de não admissão de recurso de constitucionalidade. Consequentemente, não incorreu em omissão de pronúncia.
5. O que, em rigor, o reclamante fez, sob a veste de arguição de nulidade da decisão, foi manifestar a sua discordância com o decidido quanto à inutilidade do conhecimento da questão de constitucionalidade relativa à norma do artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP, propugnando uma interpretação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça diversa da acolhida no acórdão ora reclamado. Neste acórdão, o Tribunal Constitucional entendeu que o indeferimento da arguição de nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que rejeitara o recurso penal assentou num duplo fundamento: (i) a inexistência do dever de ouvir o recorrente penal antes dessa rejeição, pelo que nenhuma irregularidade teria sido cometida; e (ii) mesmo que assim se não entendesse, não implicar essa irregularidade nulidade da decisão judicial, atento o elenco taxativo destas nulidades (artigos 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP), “pelo que, também por esta razão, tal nulidade não pode proceder”, como expressamente refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Na base desta segunda razão, estará o entendimento de que a haver – o que, em primeira linha, não se admitiu
– irregularidade na não audição do recorrente antes da rejeição do recurso penal, tal irregularidade geraria nulidade processual (por omissão de acto processualmente devido: a notificação do recorrente penal para se pronunciar sobre o parecer do relator no sentido da rejeição do recurso penal), que não nulidade de decisão (atento o carácter taxativo destas), cujo modo e tempo de arguição não seriam os próprios das nulidades de decisão. Nesta perspectiva – adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça e que o reclamante não impugnou, designadamente do ponto de vista da conformidade constitucional, e cuja correcção jurídica não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar (embora reconhecendo que já tem sido jurisprudencial e doutrinariamente sustentado que o modo adequado de arguição das “nulidades processuais cobertas por decisão judicial” seja a arguição de nulidade desta decisão e não a habitual reclamação contra a nulidade processual) –, mesmo que viesse a ser julgada inconstitucional a interpretação dada ao artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP, e devida a prévia audição do recorrente penal, manter-se-ia a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de julgar improcedente a arguição de nulidade do acórdão de rejeição do recurso penal, embora então limitada ao seu segundo fundamento autónomo: não integrar essa irregularidade (falta de audição) nulidade da decisão judicial e não ser a arguição de nulidade de acórdão o modo nem o momento adequados para suscitar tal irregularidade.
O reclamante discorda desta interpretação do segundo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça dada pelo acórdão ora reclamado, que, assim, a seu ver, terá incorrido em erro de julgamento, mas tal é insusceptível de integrar nulidade por omissão de pronúncia.
6. Refere, por último, o reclamante que, mesmo de acordo com a interpretação dada ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP pelo Supremo Tribunal de Justiça, o recurso penal para este interposto deveria ter sido admitido por dois dos crimes que lhe forem imputados serem punidos com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, isto porque o crime de peculato previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, como punível com pena de prisão de 3 a 8 anos e multa até 150 dias, se deve considerar, desde o início da vigência do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, como punível com pena de 3 anos a 8 anos e 100 dias de prisão.
Para além de ser altamente contestável o entendimento de que o Decreto-Lei n.º 48/95 operou uma genérica alteração das molduras penais abstractas previstas em toda a legislação penal avulsa no sentido de que todas as penas de prisão e multa seriam transformadas em penas apenas de prisão com acréscimo, no limite máximo, do equivalente à conversão do limite máximo da multa em prisão (a alusão, no relatório desse diploma, à “indesejável prescrição cumulativa das penas de prisão e multa” surge como justificação da opção do legislador de, na parte especial do Código Penal então revisto, abandonar esse regime de cumulatividade por uma solução de alternatividade das penas de prisão e multa; e o artigo 6.º desse decreto-lei, relativamente às normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, limita-se a estatuir, na hipótese de a pena de prisão ser substituída por multa, a aplicação de uma multa única, à qual, tratando-se de multa em tempo, será aplicável o regime previsto no artigo
49.º do Código Penal), tratar-se-ia, a acolher-se este entendimento, de um erro de julgamento do Supremo Tribunal de Justiça, que em nada interfere sobre a
única questão que este Tribunal Constitucional foi chamado a apreciar – a da admissibilidade, no caso, de recurso de constitucionalidade – e sobre a qual efectivamente se pronunciou, pelo que improcede a acusação, que lhe é feita, de ter incorrido no vício de omissão de pronúncia.
7. Em face do exposto, acordam em indeferir a arguição de nulidade ora em causa.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 4 de Novembro de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos