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Proc. n.º 125/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão.
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. A. (ora recorrente), interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso contencioso de anulação da decisão da Direcção dos Serviços da Caixa Geral de Aposentações (ora recorrida) de 21 de Outubro de 1996 que indeferiu o seu pedido de aposentação, requerido a 19 de Setembro de 1996, por extemporaneidade.
2. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por decisão de 31 de Março de
1998, rejeitou o recurso, não por considerar que o pedido de aposentação era extemporâneo – uma vez que considerou inconstitucional a norma constante do artigo 1º do Decreto-lei n.º 210/90, de 27 de Junho, mas sim por entender que o requerente não preenchia o requisito de idade necessário para a aposentação.
3. Inconformado com esta decisão, o ora recorrente, recorreu para o Tribunal Central Administrativo, tendo, na alegação aí apresentada, formulado as seguintes conclusões:
“1) O ora agravante prestou serviço como funcionário português da Administração Ultramarina em Angola, durante mais de cinco anos, e fez descontos legais para a pensão de aposentação.
2) O serviço por cinco anos e a efectivação dos descontos são requisitos suficientes para atribuição do direito de aposentação, segundo o regime especial previsto no Dec.-lei n.º 362/78, de 28.11. 78 (alterado pelo Dec.-lei n.º 23/80, de 29.02.80), pelo Dec.-lei n° 118/81, de 18.05.81 e pelo Dec.-lei n.º 363/86, de 30.10.86).
3) O facto de o ora agravante ter adquirido a nacionalidade angolana, em virtude da independência de Angola, não pode prejudicar o reconhecimento do seu direito
à pensão de aposentação.
4) O preâmbulo do Dec.-lei n° 210/90 dá como justificação para a revogação a presunção de que quem já usou até então a oportunidade de requerer a aposentação já não merece usá-la para futuro, mas essa presunção fez descaso ou menoscaso da realidade sócio-política angolana, que cerceava o livre uso dessa oportunidade.
5) Independentemente do erro de ajuizamento do seu preâmbulo, o Dec.-lei n°
210/90, ao estabelecer um limite temporal para o exercício do direito à atribuição de pensão de aposentação em razão do território de origem, e portanto em razão da nacionalidade subsequente à descolonização e, de qualquer modo, violou o princípio da igualdade perante a lei, consagrado no art. 13°da Constituição Portuguesa.
6) O agravante requereu a aposentação, não ao abrigo do regime de aposentação ordinária, que, segundo o art. 37° do Estatuto da Aposentação, passa pela exigência de 60 anos de idade e 36 anos de serviço ou 70 anos de idade e 5 anos de serviço, mas sim ao abrigo do regime de aposentação especial aludido, que se contenta com 5 anos de serviço independentemente da idade do agente que tenha servido na Administração Portuguesa.
7) Por vício de violação de lei, inclusive por inconstitucionalidade material
(Dec.-lei n° 362/78, de 1978.11.28, alterado pelo Dec.-lei nº 23/80, de
1980.02.29 e pelo Dec.-lei n° 118/81, de 1981.05.18, Dec.-lei n° 363/86, de
30.10.86, e art. 13, nºs 1 e 2 da Constituição da República) deve assim ser revogada a douta sentença do Tribunal “a quo' e substituída por acórdão que, dando provimento ao recurso contencioso de anulação, anule o despacho de indeferimento de 24.02.97 da Autoridade Recorrida,[...].”.
4. A ora recorrida, igualmente inconformada, interpôs recurso subordinado, questionando, nomeadamente o juízo de inconstitucionalidade efectuado pela primeira instância, ao que o ora recorrente respondeu pugnando pela confirmação da “decisão do TAC, objecto do presente recurso jurisdicional, no tocante à inconstitucionalidade material da norma revogatória do Dec-Lei n.º 210/90 (com instituição da data limite de 30.10.1990)”.
5 – O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 4 de Abril de 2002, decidiu negar provimento ao recurso do ora recorrente, concedendo provimento ao recurso subordinado da ora recorrida, pelo que manteve a decisão recorrida, embora com fundamento diverso. Na fundamentação dessa decisão, ponderou aquele Tribunal:
“[...]III - O Direito Do Recurso independente
1- A questão gira em tomo da interpretação do DL n° 362/78, de 28 de Novembro, e do alcance que dele é possível retirar a partir do DL n° 210/90, de 27 de Junho de 1990. Parece não haver já lugar a dúvidas consistentes que o primeiro dos diplomas consagra um regime especial que parte de uma realidade sócio-política emergente da descolonização portuguesa e da independência dos territórios africanos que outrora se encontravam sob administração de Portugal. Também é pacífico que esse regime assenta em factores concretos e bem definidos, conforme se pode ler no preâmbulo desse mesmo diploma: 1ª impossibilidade de ingresso no quadro geral de adidos dos agentes da antiga administração ultramarina, embora reunam condições de facto para a aposentação; 2ª - impossibilidade dos agentes assalariados ou em regime similar dos antigos territórios ultramarinos com mais de 70 anos ingressarem no quadro geral de adidos. Neste pressuposto, o legislador excepcionalmente compôs um quadro legal capaz de satisfazer os anseios daqueles que, desconhecendo ao tempo que o território onde trabalhavam se tomaria independente e livre, deram o seu esforço, trabalho e dedicação à causa da Administração portuguesa, na mira de algum dia virem a alcançar a aposentação comum de acordo com a legislação então vigente. Foi ao mesmo tempo o reconhecimento de um Portugal respeitador das legítimas expectativas daqueles cidadãos e um sinal de justiça social para com eles mesmos. Por isso, os requisitos com que o legislador se bastou para a concessão do direito à aposentação daqueles foram simplesmente estes: a )- possuírem a qualidade de agentes ou funcionários da Administração Pública das ex-províncias portuguesas ultramarinas; b)- Terem prestado pelo menos quinze anos(posteriormente reduzidos a cinco, pelo DL nº 23/80, de 29 de Fevereiro), c )- Terem realizado descontos para efeito de aposentação. São estes os únicos requisitos, não sendo tão pouco necessário que aqueles tenham mantido a nacionalidade portuguesa (neste sentido: os Acs do TCA, entre outros, de 02/03/2000, no Proc. N° 2706/99 e 3280/99,. no STA, os Acs. de
20/06/89, in BMJ nº 388/309, de 12/12/96, Rec. N° 40. 732, de 22/04/97, Rec. N°
41.378, de 14/05/97, Rec. N° 25.618, de 26/06/97, Rec. N° 41.964, de 21/10/97, Rec. N°41.509). Neste aspecto estamos, por conseguinte, de acordo com a fundamentação da sentença recorrida.
2- Já quanto ao n.º 2 do art. 1° do DL ° 362/78 e sobre a possibilidade de se lhe aplicar o limite de idade do art. 37° do EA, fundamento único para o improvimento do recurso, cremos que a sentença não andou bem.
[...] Temos assim que não é exigência para a aposentação de interessados nestas condições a prova de 60 anos de idade e 36 de serviço, ou 5 de serviço com o limite de idade legalmente fixado para o exercício das funções. Sendo assim, este não deveria ser o fundamento para na decisão recorrida se ter negado provimento ao recurso contencioso.
[...] Do recurso subordinado
4- Vejamos, agora sim, a questão do prazo para o requerimento das respectivas pensões (visto que o legislador as configurou como voluntárias e não obrigatórias). O recurso interposto pela CGA assentou fundamentalmente na circunstância de o M.mo Juiz 'a quo' ter julgado inconstitucional o referido DL 210/90 na parte em que este diploma passou a estabelecer um prazo limite para a apresentação dos pedidos de aposentação por parte dos funcionários das ex-províncias ultramarinas. Segundo o art. 6° do DL n° 362/78 as pensões deveriam ser pedidas no prazo máximo de 120 dias a contar da entrada em vigor do diploma. Prorrogado esse prazo, primeiro pelo art. 2° do DL n° 23/80, de 29/02 e mais tarde pelo art. 2° do DL n° 118181, de 18/05, foi possível que as pensões fossem requeridas até 30 de Setembro de 1981. Com a publicação do DL n° 363/86, de 30/10, e constatada a existência de muitos indivíduos que, com direito a pensão, a não tivessem ainda requerido, consignou-se que ela poderia ser requerida «a todo o momento», conforme n.º1, do art. único. Finalmente, o DL n° 210/90, de 27/06, considerando que o DL n° 362/78 constituiu uma «medida de caracter temporário e excepcional», e que durante mais de dez anos os referidos funcionários e agentes tiveram a possibilidade de requerer a aposentação e, portanto, presumindo que todos os destinatários do diploma tivessem já retirado o beneficio daquela medida de protecção social, revogou o DL n° 363/86. Com este diploma, o prazo limite para a apresentação do requerimento seria agora
01/11/90, conforme art. 2°s e 3°. Estaremos perante uma norma inconstitucional, esta que agora de novo fixa um prazo para o pedido para a aposentação voluntária? Não cremos. Não entendemos, como o recorrente, que o DL n° 210/90 tenha estabelecido uma discriminação «em razão do território de origem e portanto da nacionalidade subsequente à descolonização», em violação do art. 13° da Constituição. O diploma em apreço não discrimina os destinatários, nem em função do território da origem, nem da nacionalidade que detenham. De modo nenhum. Não se pode dizer, efectivamente, que aqueles cidadãos que reunam os requisitos para a aposentação estejam agora em tratamento desigual relativamente aos que beneficiam do regime geral derivado do Estatuto da Aposentação consagrado pelo DL n° 498/72, de 9 de Dezembro. Não está em causa a origem do território, nem a nacionalidade. Como se disse, ele aplica-se a todos os territórios ultramarinos e a todos os agentes e funcionários que neles tenham prestado funções públicas, independentemente da nacionalidade (podendo ser ou não portugueses) como atrás dissemos. De resto, o problema não se pode equacionar em termos comparativos com o regime geral de aposentação no que concerne à fixação de um prazo para requerer a aposentação. Em primeiro lugar, não é de todo verdade que aquele regime geral não estabeleça prazos para exercício do direito à aposentação. Basta ler o art. 40°, n.º1, al. b), do E.A. para se perceber que também ali há limites temporais a respeitar. E como é sabido o exercício de direitos pode estar sujeito a prazo (cfr. art.
298°, n° 2, do C. C.), sem que isso possa ser qualificado 'restrição do direito'. Em segundo lugar, a criação do direito foi desde logo estabelecida com essa limitação temporal. Isto é, quis o legislador que o direito existisse em especiais condições de facto, com a submissão a diferentes requisitos de acesso e com uma regra de caducidade muito própria de um regime peculiar. Ora, como é sabido, o legislador ordinário pode introduzir discriminações positivas ou negativas, desde que nas situações de facto encontre razão séria e não arbitrária para diferenciar o tratamento. Desde que haja fundamento material bastante, sério, razoável e legítimo que não perigue com situações em que as condições objectivas imponham igualdade de regulação, a discriminação na filiação da não é necessariamente violadora do princípio da igualdade (Pareceres n° 1/76 e 14/78 da Comissão Constitucional Ac. do STA, de 26/03/98, Rec. n.º
42.154; do T.C. n° 767/85, de 6/5/95, Rec. n° 72/84; T.C. n° 204/85, de
13/10/85, Proc. N° 1/85; T.C. n° 221/90, de 20/06, BMJ nº 398/213, entre outros). Por isso, é necessário ter presente a razão subjacente em sentido material, para que a igualdade se não confine a um postulado meramente formal. Para ter pleno sentido prático, a criação de direito igual deve obedecer à previsão das mesmas situações, presentear todos os indivíduos com as mesmas características e a todos conferir os mesmos resultados jurídicos( J. GOMES CANOTILHO in Direito Constitucional, 53 ed.. 23 reimpressão, pag. 575; tb. in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pag.388; JOÃO MARTINS CLARO, in O Princípio da Igualdade, na obra Colectiva «Nos Dez Anos da Constituição», da INCM, pag.35 e sgs). A violação dos arts. 13° e 63° da CRP (cfr. tb. art. 204°) só se realiza quando alguém é privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever num quadro de facto igual que devesse justificar uma mesma solução normativa (igualdade na criação do direito) ou administrativa (na aplicação do direito), de que neste segundo caso encontramos eco no art. 5° do C.P.A.( sobre o princípio, vidé GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, ed.
1992, pag. 574 e sgs). Quer dizer, portanto, que situações iguais têm que merecer iguais soluções e é aí que o princípio da igualdade encontra o seu nuclear fundamento, como é sabido. Um princípio assim, que se rebela contra o arbítrio e as discriminações, contudo, não impõe absoluta uniformidade do regime jurídico para todos, antes permitindo diversidade de soluções perante justificada diferença de situações
(Ac. do STA, de 26/3/98, Rec. n° 42.154, do T.C. n° 433/87, in BMJ n.º 371/145). A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou decisão do legislador e só deve considerar-se violado quando não exista o adequado suporte ou fundamento material suficiente para a medida legislativa tomada (Ac. T.C. de 1/12/85, n° 309/85,. n° 103/87, de 24/3/87, in BMJ n°
365/318). É por isso que as diferenciações de tratamento às vezes se tomam legítimas se se basearem numa distinção objectiva de situações, se não se fundamentarem de modo discriminatório em qualquer dos motivos do art. 13°, se tiverem um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo e se se revelarem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo
(Ac. T.C.-Plenário - n° 40/88, de 11/2/88, BMJ n.º347/156). Neste quadro, ao repor a fixação de um prazo para o exercício do direito de aposentação não se pode afirmar que o DL n° 210/90 tenha estabelecido 'menos' ou
'coisa pior' da que o diploma criador do direito (o DL 362/78) estabeleceu para valer apenas como «medida de carácter temporário e excepcional» (sic). Portanto, as situações são completamente diferentes, como diferentes são os pressupostos objectivos e subjectivos do âmbito de incidência do Estatuto Geral da Aposentação. O referido diploma partiu da conclusão de que, ao fim de todos esses anos, «os seus destinatários tenham já disposto de oportunidade de beneficiar daquela medida de protecção social», e que, em consequência disso,
«deixou de justificar-se a vigência do Decreto- Lei n° 362/86» (lê-se no preâmbulo). Sendo aquelas as razões, não se pode, em suma, afirmar que o referido DL n°
210/90 contrasta com o E.A., de forma arbitrária, discriminatória e desigual pelo que se não pode ver aqui uma violação do princípio da igualdade previsto no art. 13° da C.R.P., nem a violação de princípios materiais da constituição. Nesta óptica, portanto, a sentença da 1ª instância também não pode sufragar-se ao ter tomado por inconstitucional o art. 1 o do DL n° 210/90. Porém, não sendo inconstitucional, haveria que extrair os devidos efeitos decorrentes da entrada extemporânea do pedido da pensão (sobre as consequências da apresentação tardia do pedido de aposentação à luz do DL n° 210/90, vejam-se os Acs. deste TCA de 26/03/98, no Proc. N° 525/97 e de 16/11/2000, no Proc. N°3688/99). Ora, se por via daquele diploma os pedidos só poderiam dar entrada até 01.11.90, tem que dar-se por acertado o acto administrativo ora sindicado, fundado na extemporaneidade da pretensão (fls. 36/38 dos autos), uma vez que o requerimento do recorrente apenas deu entrada nos serviços respectivos da Caixa em 19/09/96
(fls. 13/18 os autos).
IV- Decidindo Nesta conformidade, acordam os juizes do TCA em:
1- Negar provimento ao recurso independente e conceder provimento ao recurso subordinado; e, em consequência,
2 - manter, embora pelos fundamentos expostos, a sentença recorrida.”
6. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do art.
70º da LTC, o presente recurso, no qual o recorrente “pretende ver apreciada a inconstitucionalidade material do art.º 1º do Dec-Lei n.º 210/90, na parte em que esta norma estabelece uma data limite para apresentação na CGA do pedido de aposentação respectivo”, entendendo que “o referido art.º 1º do Dec-Lei n.º
210/90 viola os princípios constitucionais contidos nos art.º 13.º e 63.º, n.º
4, da CRP, conjugados com os artigos 13.º, 18.º, 53.º e 266.º, n.º 2 da CRP”.
7. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
“1) O Dec.-lei n.º 363/86 permitia a apresentação de pedidos de pensão de aposentação 'a todo o momento', devendo presumir-se que esta expressão não é redundante e portanto quis reconhecer como temporalmente ilimitado o direito a fazer essa apresentação.
2) Esta expressão quis, de algum modo, fazer interpretação autêntica do regime da pensão instituído e estatuído nos diplomas precedentes.
3) O Dec.-lei n.º 210/90 é falacioso no seu preâmbulo, inclusive quando toma como desinteresse o decurso de mais de 10 anos (cerca de 11), em relação aos interessados sem iniciativa tomada, desde que foi instituído o dito regime de pensão.
4) O acórdão do TCA proferido no recurso jurisdicional n.º 3715/99 (l.ª Secção) considerou viciado de inconstitucionalidade material o Dec.-lei n.º 210/90 no tocante à fixação da data-limite de 30.10.1990 para efeito de apresentação na CGA de pedidos de aposentação anteriormente permitidos ao abrigo do Dec.- lei n.º 363/86.
5) Segundo tal acórdão, a instituição da data-limite de 30.10.1990 pelo Dec.-lei n.º 210/90 não é compaginável com os princípios constitucionais contidos nos art.ºs 13º e 63º, n.º 4, da CRP e a motivação do seu preâmbulo 'não só não é juridicamente correcta na análise das razões de existência do regime excepcional de aposentação para aqueles ex-funcionários, como não contém qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional que justifique a introdução desse limite temporal no nosso ordenamento jurídico'.
6) Uma data-limite, como a de 30.10.1990 imposta pelo Dec.-Lei n.º 210/90, desconsidera a própria sinalagmaticidade da relação jusprevidenciária entre os funcionários e a Administração que serviam.
7) A boa fé, a segurança jurídica e a confiança legítima são corolários do princípio da justiça, inerente a um Estado de Direito democrático, obstando à introdução legislativa duma data-limite ao exercício dum direito constitucionalmente protegido.
8) A DS/CGA ora Recorrida agiu com arbitrariedade ao dar tratamento diverso a situações iguais apenas separadas diacronicamente pela data-limite instituída de
30.10.1990.
9) O Dec.-Lei n.º 210/90, com a arbitrariedade que consagra por via dessa data-limite que instituiu, atinge efeitos jurídicos 'gerados' no passado, em relação aos quais os cidadãos ex-funcionários públicos têm expectativa legítima de não serem perturbados com arbitrariedade por qualquer lei adversa.
10) Esta rectroactividade 'inautêntica' (ut jurisprudência alemã) ocorre quando, como no caso vertente, um diploma legal se propõe vigorar 'ex nunc' mas acaba por 'tocar em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidas no passado mas ainda existentes (rectroactividade referente a efeitos jurídicos)'.
11) A rectroactividade operada, nesta perspectiva, pelo Dec.-lei no. 210/90, gravemente atentatória, como é, de direitos fundamentais, é materialmente inconstitucional.
12) Os princípios da segurança e da confiança jurídica, que afinal densificam o próprio Estado de Direito, implicam a durabilidade e permanência da ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas em geral, assim como a confiança na permanência das situações jurídicas cidadão a cidadão.
13) O Dec.-Lei n.º 210/90 não veio criar uma meta cronológica entre prudentes e imprudentes mas, antes de tudo, uma distinção entre afoitos e timoratos ( ou entre informados e mal informados).
14) O art.º 13º da CRP proíbe que sejam discriminadas pessoas em situações iguais, apenas distanciadas por uma data-limite de apresentação de pedido de pensão de aposentação.
15) O art.º 1º do Dec.-lei n.º 210/90 viola os princípios constitucionais contidos nos art.ºs 13º e 63º, n.º 4, da CRP, conjugados com os art.ºs 18º, 53º e 266º, n.º 2, da CRP. Nestes termos, deverá ser julgado procedente o presente recurso de constitucionalidade, sendo declarado pelo Tribunal Constitucional que o art.º
1.º do Dec.-Lei n.º 210/90, na parte em que estabelece uma data-limite para apresentação na CGA do pedido de aposentação respectivo, é materialmente inconstitucional, e sendo ordenada a reforma do recorrido acórdão do TCA quanto ao julgamento da questão da constitucionalidade, como é de JUSTIÇA.”
8. Contra-alegou o recorrido, tendo sustentado a improcedência do recurso e concluído do seguinte modo:
1.ª O Decreto-Lei n.º 210/90 só seria inconstitucional - por violar o direito à segurança social - se o prazo por si fixado para a apresentação do requerimento de aposentação fosse desadequado e desproporcionado, em termos de dificultar gravemente o exercício concreto do direito à pensão ou - por violar o princípio da igualdade - se estabelecesse distinções discriminatórias, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional, em suma, se constituísse medida arbitrária.
2.ª Considerando que o prazo - de cerca de 4 meses - fixado pelo Decreto-Lei n.º
210/90 se seguiu a um outro de mais de 10 anos, resultante de sucessivas prorrogações do prazo inicial (de duração inferior ao daquele diploma), conclui-se que não era desadequado, nem desproporcionado, pelo que não violou o direito - social - à segurança social cujo exercício condicionou, mas não restringiu.
3.ª A disciplina que o legislador reservou para os destinatários dos Decretos-Leis n.ºs 362/78, 23/80, 118/81 e 210/90 - diferente da prevista no Estatuto da Aposentação para os subscritores da CGA, quer quanto ao prazo para requerer a aposentação, quer quanto aos requisitos cujo preenchimento é exigível aos interessados para o acesso à mesma [na concepção que vem obtendo acolhimento na jurisprudência: tempo de serviço mínimo - inicialmente de 15 anos, depois de
5 anos - com descontos para aposentação, sem dependência de se acumular tal requisito com incapacidade absoluta reconhecida por junta médica ou com limite de idade para o exercício de funções (70 anos)] - está em consonância com a especificidade da situação daqueles (os quais não se encontravam já vinculados à função pública, não estando sujeitos aos direitos e obrigações do estatuto de funcionário público, além de que não colheriam qualquer benefício com a não dedução imediata do pedido de pensão ).
4.ª Acresce que, sendo o direito de requerer uma pensão ao abrigo do regime excepcional do Decreto-Lei n.º 362/78 - de natureza eminentemente assistencial - essencialmente distinto do direito à aposentação de um funcionário público - de carácter estatutário -, não faz qualquer sentido chamar à colação a ideia de igualdade.
5.ª Não faz, igualmente, qualquer sentido considerar que o referido princípio da igualdade é violado por, alegadamente, o Decreto-Lei n.º 210/90 estabelecer uma discriminação inaceitável e sem fundamentação fáctica suficientemente demonstrada entre os funcionários com direito à aposentação, porque a requereram antes de 1 de Novembro de 1990, e os funcionários sem esse direito, porque a requereram depois dessa data.
6.ª Na verdade, uns (os «privilegiados») e outros (os «discriminados») - que são, afinal, os mesmos, na perspectiva, neutra, da legislação que nos ocupa - puderam requerer, em condições de perfeita igualdade, também temporal, uma pensão ao abrigo do Decreto-Lei n.º 362/78. Se alguns optaram por não exercer tempestivamente o direito que lhes era concedido, apenas de si se podem queixar
. Assim, pelos fundamentos aduzidos, deverá declarar-se que o Decreto-Lei n.º
210/90, de 27 de Junho, não é inconstitucional.”
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
9. Pretende o recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade material do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho, “na parte em que esta norma estabelece uma data limite para apresentação na CGA do pedido de aposentação respectivo”
Estatuindo aquele preceito, no seu teor literal, apenas que “é revogado o Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro”, há que ter em conta, para a compreensão do pedido, que o citado Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro, tinha apenas um artigo único, com a seguinte redacção:
“Artigo único - 1 - A pensão de aposentação prevista no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Leis n..ºs
23/80 e 118/81, respectivamente de 29 de Fevereiro e de 18 de Maio, pode ser requerida «a todo o momento».
2 - A pensão requerida ao abrigo do disposto no número anterior vence-se a partir do dia 1 do mês imediato ao da recepção do requerimento no serviço competente.
3 - Para os efeitos consignados nos números anteriores, consideram-se recebidos na data da entrada em vigor deste diploma os requerimentos entrados no referido serviço no período compreendido entre 1 de Outubro de 1981 e aquela data”.
Ora, em rigor, ao revogar o Decreto-Lei n.º 363/86, a norma em questão, que entrou em vigor no dia 1 de Novembro de 1990, extinguiu a possibilidade - introduzida após a criação deste excepcional direito à pensão de aposentação - de a referida pensão, prevista no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, poder ser requerida “a todo o momento”. De facto, nos termos do disposto no artigo 2º do Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho, “as pensões de aposentação previstas no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, requeridas até à data da entrada em vigor do presente diploma vencem-se a partir do mês seguinte ao da recepção do respectivo requerimento no serviço competente”, pelo que tais pensões passaram a só poder ser requeridas até àquela data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 210/90, o que, no entender do recorrente, viola o princípio da igualdade e o direito à contagem de todo o tempo de trabalho para o cálculo das pensões, contidos nos art.º 13.º e 63.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, conjugados com os artigos 18.º, 53.º e 266.º, n.º 2 da mesma Constituição.
Vejamos.
10. Da alegada inconstitucionalidade, por violação do artigo 13º da Constituição.
Entende o recorrente que o art.º 1º do Decreto-Lei n.º 210/90, na parte em que esta norma estabelece uma data limite para apresentação na CGA do pedido de aposentação respectivo, viola o princípio da igualdade. Mas sem razão, como sumariamente se demonstrará de seguida.
Na verdade, como se sabe e tem sido sistematicamente reafirmado na jurisprudência deste Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual a situações desiguais (cfr., por todos, o Acórdão n.º
232/03, publicado no Diário da República, I-Série-A, de 17 de Junho de 2003, que, nomeadamente, inventariou, sintetizou e sistematizou a anterior jurisprudência deste Tribunal). Tal princípio proíbe, assim, que situações de igual relevância jurídica sejam tratadas de modo diverso, sem justificação razoável. No essencial, o princípio constante do artigo 13º da Constituição impõe, sobretudo, uma proibição do arbítrio e da discriminação. Como afirma Vieira de Andrade (“Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de
1976”, 2ª edição, Coimbra, 2001, pág. 272) o que importa é que não se discrimine para discriminar. Assim sendo, o princípio da igualdade não impõe absoluta uniformidade do regime jurídico, permitindo ao legislador não só uma diversidade de soluções para situações diversas, mas também a introdução de distinções em situações aparentemente idênticas, desde que exista fundamento material bastante, ou seja, uma justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes, pressupondo, todavia, a comparação dessas situações.
Ora, tal como vem interpretada na decisão recorrida, a pensão de aposentação conferida pelo Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, apresenta características únicas, que lhe conferem, assim, natureza excepcional. De facto, desde logo, a sua criação foi estabelecida com uma limitação temporal, o que, como se afirma naquela decisão, inculca a ideia de que “quis o legislador que o direito existisse em especiais condições de facto, com a submissão a diferentes requisitos de acesso e com uma regra de caducidade muito própria de um regime peculiar”. Por outro lado, ao contrário do que acontece com a normal pensão de aposentação, ainda segundo a decisão recorrida, os requisitos com que o legislador se bastou para a concessão daquela pensão de aposentação, a quem estava impossibilitado de ingressar no quadro geral de adidos, foram simplesmente, “[...] possuírem a qualidade de agentes ou funcionários da Administração Pública das ex-províncias portuguesas ultramarinas,[...] terem prestado pelo menos quinze anos (posteriormente reduzidos a cinco, pelo DL n.º
23/80, de 29 de Fevereiro, [...] terem realizado descontos para efeito de aposentação'. Não é “tão pouco necessário que aqueles tenham mantido a nacionalidade portuguesa”, tal como “não é exigência para a aposentação de interessados nestas condições a prova de 60 anos de idade e 36 de serviço, ou 5 de serviço com o limite de idade legalmente fixado para o exercício das funções'.
Assim sendo, e isto basta, tratando-se, nestes casos, de uma situação diversa, não é a mesma comparável com as situações dos restantes subscritores ou ex-subscritores da Caixa Geral de Aposentações que têm direito à aposentação de acordo com o regime geral, cujos pressupostos de atribuição são diferentes. Não
é, portanto, possível, com esse argumento, fundamentar uma violação do princípio da igualdade. Acresce, contudo, que, como, aliás, ficou demonstrado - bem e de forma exaustiva - na decisão recorrida, em qualquer caso, não há nenhuma discriminação, nem em função do território de origem, nem da nacionalidade que detenham.
Excluída a correspondência da pensão de aposentação prevista no Decreto-Lei n.º
362/78, de 28 de Novembro com o regime geral da aposentação, que pudesse fundar uma eventual violação do princípio da igualdade pelo disposto no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 210/90, importa apenas responder ao argumento de que os beneficiários daquela pensão teriam sido tratados de forma arbitrariamente diversa, uma vez que teria sido dado “tratamento diverso a situações iguais apenas separadas diacronicamente pela data-limite instituída de 30.10.1990”. Também aqui não tem razão o recorrente.
Na verdade, como resulta evidente dos próprios autos, todos os potenciais beneficiários da pensão de aposentação prevista no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro foram tratados da mesma forma, ou seja todos eles tiveram um determinado prazo para requerer a citada pensão. O que aconteceu foi que uns exerceram esse direito, enquanto outros o deixaram caducar. Ora, não funcionando o princípio da igualdade em termos diacrónicos, não pode considerar-se discriminatória a diferenciação entre quem exerceu tempestivamente o direito e quem, ao invés, o deixou caducar.
Improcede, assim, a alegação de violação do princípio da igualdade.
11. Da alegada inconstitucionalidade, por violação do artigo 63º, n.º 4, da Constituição
Entende ainda o recorrente que o art.º 1º do Decreto-Lei n.º 210/90, na parte em que esta norma estabelece uma data limite para apresentação na CGA do pedido de aposentação respectivo, viola o disposto no artigo 63º, n.º 4, da Constituição, que estatui o seguinte: “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”.
Mas também aqui sem razão, como sumariamente se demonstrará de seguida.
Na verdade, mesmo no caso de uma pensão de aposentação criada em termos excepcionais, como é a que resulta do Decreto-Lei n.º 362/78 na interpretação que lhe é dada pela decisão recorrida, nada impediu que todo o tempo de trabalho fosse contado, nos termos da lei, para o cálculo da referida pensão. Ponto é que, tal pensão tenha sido tempestivamente requerida.
A isto acresce que, como este Tribunal já por várias vezes tem afirmado (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 247/02, disponível na página Internet do Tribunal Constitucional, no endereço, http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), a existência de um prazo de caducidade não constitui, por si só, uma restrição ao direito, apenas condiciona, regulamentando-o, o exercício desse direito, sem diminuir as faculdades que o integram. Como se afirma naquele acórdão,
“[...] Só as normas restritivas dos direitos fundamentais (normas que encurtam o seu conteúdo e alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de exigências e cautelas consignado no artigo 18º, nºs 2 e 3 da Lei Fundamental (cfr. Acórdão n.º 413/89, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Setembro de 1989). Mas, não basta que o referido prazo se não apresente prima facie como uma restrição ao direito, e tão-só como uma sua regulamentação ou condicionamento, para que daqui se conclua pela não inconstitucionalidade da norma, ao fixar esse prazo. Importante é que não redunde efectivamente numa restrição, ou seja, tal prazo também não se mostre desadequado e desproporcionado, ou, como se referiu no já aludido Acórdão n.º 70/00, torna-se necessário ver as coisas de um ponto de vista material ou substantivo. A violação só existirá se o prazo, por desadequado e desproporcionado, dificultasse gravemente o exercício concreto do direito, uma vez que, em tal caso, estar-se-ia perante uma restrição a esse direito e não em face de um simples condicionamento ao exercício do mesmo. [...]”
Ora, no caso dos autos, em que é inquestionável que o recorrente teve oportunidade de exercer o seu direito a uma pensão de aposentação de natureza excepcional durante um período superior a dez anos, é óbvio que se não pode falar de prazo desadequado ou desproporcionado, em nada se mostrando afectado ou restringido o direito à contagem de todo o tempo de trabalho para o cálculo da pensão.
Não se vislumbra, assim, qualquer violação do artigo 63º, n.º 4 da Constituição.
12. Da alegada violação dos princípios da segurança e da confiança jurídica, que densificam o próprio Estado de Direito.
Invoca ainda o recorrente a retroactividade 'inautêntica' do Decreto-Lei n.º
210/90, já que “se propõe vigorar 'ex nunc' mas acaba por 'tocar em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidas no passado mas ainda existentes
(re[]troactividade referente a efeitos jurídicos)', a qual, por ser “gravemente atentatória, como é, de direitos fundamentais”, seria “materialmente inconstitucional”, por violação dos princípios da segurança e da confiança jurídica. Ainda aqui, uma vez mais sem razão, como se verá de seguida.
Este Tribunal Constitucional já teve oportunidade, por inúmeras vezes, de se pronunciar sobre os princípios da segurança e da protecção da confiança, essenciais no Estado de direito democrático, correlacionados com a questão da
'retroactividade inautêntica' ou 'retrospectividade' das leis. Assim aconteceu, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 95/92, (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 21, 1992), 156/95, 486/97 e, mais recentemente, no Acórdão n.º 449/02 (todos eles entretanto disponíveis na página do Tribunal Constitucional na Internet, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm).
Da jurisprudência do Tribunal Constitucional decorre, de forma clara, que, fora do Direito Penal (e também do domínio das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias), “uma lei retroactiva não é, em si mesma, inconstitucional”, embora possa sê-lo “se essa retroactividade se traduzir na violação de princípios ou de disposições constitucionais autónomas”. Mas, então, tanto nos casos de retroactividade não previstos no n.º 3 do artigo 18º da Constituição, como nos de retroactividade inautêntica ou mera retrospectividade, a afectação de expectativas daí resultante só é inaceitável, para utilizar as expressões do Acórdão n.º 156/95 já citado, “se implicar nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente”.
Como se afirmou no Acórdão n.º 486/97 já citado,
“[...] Uma norma retrospectiva é uma norma que prevê consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm nessa data (cf. o Acórdão n.º 232/91, publicado nos Acórdãos citados, volume 19º, páginas 341 e seguintes). Uma lei retrospectiva não levanta o problema da retroactividade da lei. Coloca, porém, como se anotou - e semelhantemente ao que acontece com as leis retroactivas que não sejam leis penais, nem leis restritivas de direitos liberdades e garantias - a questão da eventual violação do princípio da confiança, que vai ínsito no princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição. Mas essa violação só se verifica, se a lei atingir “de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm que respeitar” (cf. Acórdão n.º 365/91, publicado nos Acórdãos citados, volume 19º, páginas 143 e seguintes), ou seja, “a ideia de segurança, de certeza e de previsibilidade da ordem jurídica' (cf. citado Acórdão n.º 232/91). E tal sucede, quando os destinatários da norma sejam titulares de direitos ou de expectativas legitimamente fundadas que a lei afecte de forma 'inadmissível, onerosa ou demasiadamente onerosa”. Nos dizeres do citado Acórdão n.º 232/91, “uma norma retrospectiva só deve ser havida por constitucionalmente ilegítima quando a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada [...]”.
E se acrescentou no Acórdão 156/95, também já citado:
“[...] Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrente do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a licitude (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam «tocadas» relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte. Um tal equilíbrio, como o Tribunal tem assinalado, será alcançado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação pela lei nova, esta [não]vai implicar, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações. Nesses casos, impor-se-á que actue o sub-princípio da protecção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, por forma a que a nova lei não vá, de forma acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança que todos têm de respeitar. Como reverso desta proposição, resulta que, sempre que as expectativas não sejam materialmente fundadas, se mostrem de tal modo enfraquecidas 'que a sua cedência, quanto a outros valores, não signifique sacrifício incomportável'
(cfr. Acórdão n.º 365/91 no Diário da República, 2ª Série, de 27 de Agosto de
1991), ou se não perspectivem como consistentes, não se justifica a cabida protecção em nome do primado do Estado de direito democrático.[...]
Ora, não parece difícil concluir, no caso dos autos, que o preceito questionado não atingiu, de forma “inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente” as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação, de características excepcionais, prevista no Decreto-Lei n.º
362/78.
De facto, por um lado, tendo em atenção a natureza daquela pensão, nada justificaria que os seus potenciais beneficiários adiassem o seu requerimento. Mas mesmo que razão houvesse para tal, o facto é que, por outro lado, o Decreto-Lei n.º 210/90 permitiu que o exercício do direito àquela pensão,
“medida de carácter temporário e excepcional”, inicialmente susceptível de ser requerida num prazo máximo de 120 dias a contar da entrada em vigor do diploma que a criou - Decreto-Lei n.º 362/78 – (prazo, posteriormente renovado até ao Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro que admitiu que ela fosse requerida “a todo o momento”), viesse a ser efectuado até 1 de Novembro de 1990, isto é, quase doze anos após da sua criação. Acresce, ainda, que o Decreto-Lei n.º
210/90 teve uma “vacatio legis” de quatro meses, permitindo, assim, uma derradeira possibilidade a quem, tendo deixado passar todas as sucessivas prorrogações do prazo inicial, ainda não tivesse utilizado a faculdade conferida pelo Decreto-Lei n.º 363/86.
Por tudo quanto já se disse, pode concluir-se que não há qualquer violação dos princípios da segurança e da confiança ínsitos no princípio do estado de direito. Se tal, porém, não bastasse, o facto de, na situação específica dos autos, o requerimento para obtenção da pensão apenas ter dado entrada mais de seis anos após a publicação do Decreto-Lei n.º 210/90, eliminaria, liminarmente, qualquer invocação de uma frustração sequer “demasiado onerosa” da expectativa do possível exercício do direito “a todo o momento”.
Improcede, portanto, o recurso, não se verificando, ao contrário do que pretende o recorrente, qualquer violação dos “princípios constitucionais contidos nos art.ºs 13º e 63º, n.º 4, da CRP, conjugados com os art.ºs 18º, 53º e 266º, n.º
2, da CRP”, nem de quaisquer outros.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Outubro de 2003
Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Luís Nunes de Almeida