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Proc. n.º 203/02
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Por decisão do Tribunal de Trabalho de Famalicão, de 12 de Julho de 2001, foram os ora recorridos, companhia de seguros A., e B., condenados a pagar ao ora recorrente C. o montante correspondente ao capital de remição relativo a uma pensão, anual e vitalícia, de 122.552$00, com início em 17 de Abril de 2001, sendo a seguradora responsável pelo pagamento daquela pensão relativamente ao montante de 114.383$00 e a entidade patronal relativamente ao montante de
8.169$00.
2. Inconformada com esta decisão dela recorreu a companhia seguradora, alegando, em síntese, que a pensão não é imediatamente remível, por estar sujeita ao regime transitório de remição estabelecido no art. 74º do Decreto-Lei n.º
143/99, de 30 de Setembro.
3. O Ministério Público, na qualidade de patrono oficioso do sinistrado contra-alegou, sustentando, em síntese, que o regime transitório não é aplicável ao caso, em virtude de a pensão em causa não estar em pagamento em 1 de Janeiro de 2000. Afirmou, então, nas alegações de recurso:
“[...] A isto acresce que sendo o DL 143/97 [é 143/99], de 30.04, como legislação regulamentar, um mero desenvolvimento de uma lei da assembleia da república, o mesmo nunca poderia, mesmo que fosse essa a vontade do legislador, contrariar o regime imposto pela al. a), n.º 2 da lei art. 41º da lei, por tal extravasar os limites da competência conferida ao governo pelo art. 198º, n.º 1, al. c) da CRP.
[...]
4 – A interpretação do art. 74º do DL 143/99, de 30.04, no sentido de que a reparação dos acidentes de trabalho ocorridos na vigência da Lei 100/97, de
13.09, estão sujeitos à remição faseada prevista naquele preceito, contraria o disposto na al. a), do n.º 1 da Lei 100/97, uma vez que esta regulamentação foi prevista apenas para as pensões já em pagamento à data da entrada em vigor da Lei 100/97.
5- A mesma interpretação viola o disposto na al. c), n.º 1 do art. 198º da CRP, uma vez que de acordo com esta lei fundamental o governo não pode contrariar o que foi determinado por lei emergente da Assembleia da República[...]”
4. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 17 de Dezembro de 2001, decidiu julgar procedente o recurso. Para o efeito considerou, em síntese, que
“tal como foi decidido no acórdão desta Relação de 15.5.2000 (CJ, III, 244), o regime transitório de remição de pensões estabelecido no artigo 74º do DL n.º
143/99, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 382-A/99, de 22/99, é aplicável a todas as pensões, quer resultem de acidentes ocorridos na vigência da Lei n.º
2.127, quer resultem de acidentes ocorridos na vigência da Lei n.º 100/97 (no mesmo sentido, vide acórdãos da Relação de Lisboa de 5.7.2000 e de 15.11.2000
(CJ, IV, 156 e V, 161, respectivamente)”. A isto acrescentou, aludindo à alegada violação do artigo 198º da Constituição a que se refere o representante do Ministério Público:
“[...] Assim seria se a Lei n.º 100/97 proibisse a fixação de um regime transitório para as pensões que não estivessem em pagamento à data da sua entrada em vigor, mas, como já foi dito, o art.º 41º não contém tal proibição.”
5. É desta decisão que vem interposto, pelo Ministério Público em representação do sinistrado, o presente recurso, ao abrigo da alínea f), com referência à alínea c), do n.º 1, do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Pretende o recorrente ver apreciada a ilegalidade da norma do art. 74º, do Decreto-Lei n.º
143/99, de 30 de Abril, “com a interpretação que lhe foi dada pela decisão recorrida, segundo a qual o regime transitório de remição obrigatória de pensões por acidentes de trabalho, que aí se prevê, se aplica à remição de pensões devidas por acidentes ocorridos na vigência da nova Lei de Acidentes de Trabalho, a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro”, por entender que tal norma, nessa interpretação, “padece de vício de ilegalidade, conforme previsão das disposições conjugadas dos arts 112º, n/2 e 3 e 198º, n/s 1, al. c) e 3, da CRP”, pelo que a referida interpretação, feita no acórdão recorrido, “incorreu em ilegalidade, por violar a lei de prevalência, lei esta com valor reforçado – artigo 112º, n.º 2 e 3 da CRP”.
6. Já neste Tribunal foi o Ministério Público notificado para alegar, o que fez. Após afirmar que o recurso é “fundado na aplicação de norma cuja ilegalidade, decorrente de violação de lei com valor reforçado, foi adequadamente suscitada, durante o processo, pelo recorrente”, concluiu da seguinte forma:
“1º - A Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, configura-se como verdadeira lei de bases em matéria de regime jurídico dos acidentes de trabalho, por conter os aspectos essenciais e estruturantes da disciplina de tal matéria, estando a sua vigência e aplicabilidade condicionadas à edição de diplomas de índole complementar ou regulamentar, legitimados para desenvolver e densificar os regimes genéricos aí instituídos.
2º - A matéria da remição obrigatória das pensões devidas por acidentes de trabalho situa-se na área de competência legislativa reservada da Assembleia da República, por respeitar a direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.
3º - Relativamente às opções parlamentares assumidas explicitamente pela Lei n.º
100/97, apenas dispõe o Governo, no exercício da competência prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 198º da Constituição da República Portuguesa, de poderes de desenvolver as bases gerais contidas na lei que funciona como pressuposto normativo necessário do diploma complementar, de índole regulamentar.
4º - Pelo que não era lícito ao Governo, ao editar o Decreto-Lei n.º 143/99
(alterado pelo Decreto-Lei n.º 383-A/99) ampliar, em detrimento dos interesses e direitos dos trabalhadores, o regime transitório previsto no artigo 41º, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 100/97, submetendo ao regime de remição gradual ou faseada, não apenas as pensões emergentes dos acidentes laborais anteriores a 1 de Janeiro de 2000 (e regidos pela Lei n.º 2127) mas as resultantes dos próprios acidentes posteriores à vigência do novo regime jurídico dos acidentes de trabalho.
5º - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de ilegalidade da interpretação normativa do artigo 74º do Decreto-Lei n.º
143/99, por afrontar lei com valor reforçado – a citada Lei n.º 100/97, no que respeita à opção legislativa plasmada no artigo 41º, n.º 2, alínea a)”.
7. - Por parte da primeira recorrida não foi apresentada, dentro do prazo legal, qualquer alegação.
8. Por determinação do relator, foram as partes notificadas do seguinte parecer:
“Dado que, não obstante ter sido determinada a elaboração de alegações, se configura como eventual solução do presente recurso o seu não conhecimento, elabora-se o presente despacho, nos termos dos artigos 69º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro e 704º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
1. Como é sabido, o recurso previsto na alínea f), do n.º 1, do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, nomeadamente, que o tribunal tenha aplicado, como ratio decidendi, uma norma jurídica, cuja ilegalidade o recorrente tenha suscitado durante o processo e de forma processualmente adequada, com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c) - violação de lei com valor reforçado - d) – violação de estatuto de uma região autónoma ou de lei geral da República, por norma constante de diploma regional – ou e) – violação de estatuto de uma região autónoma por norma emanada de órgão de soberania - do citado n.º 1, do artigo 70, da LTC. Importa, pois, começar por averiguar se o recorrente suscitou, durante o processo e de forma processualmente adequada, alguma questão de ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, reportada às normas aplicadas na decisão recorrida, em termos de permitir o recurso que pretendeu interpor.
2. Ora, como se verifica ao ler as alegações do Ministério Público no recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, este nunca levanta, ao menos expressamente, uma questão de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado, única aqui relevante, pois só desse tipo cabe ao Tribunal conhecer. Suscita sim a questão da violação do artigo 168º, n.º 1, alínea c) da Constituição, a qual, todavia, só parece dever ser configurada como uma questão de inconstitucionalidade.
3. A questão de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado só vem expressamente referida no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional. Mas, a ser assim, ao contrário do que afirmou o Digmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional, não se pode considerar que a questão “foi adequadamente suscitada, durante o processo, pelo recorrente”. Nestas circunstâncias, parecem não estar preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso exigidos pela alínea f), do n.º 1, do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que não se poderá, com este fundamento, conhecer do seu objecto.
4. Por todo o exposto, entendemos ser plausível que não possa conhecer-se do objecto do recurso. Nestes termos, em cumprimento do disposto no artigo 704º, n.º 1, do Código de Processo Civil, (aplicável por força do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional), notifiquem-se as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a questão prévia suscitada, no prazo de 10 (dez) dias.”
9. Notificadas as partes, veio o recorrente responder, propugnando pelo conhecimento do mérito do recurso, o que fez nos seguintes termos:
“1°. A questão prévia colocada pode enunciar-se nestes termos: tendo a parte suscitado, durante o processo, uma questão que então configurou e qualificou como de inconstitucionalidade, poderá interpor, após prolação da decisão final, um recurso estribado- não na alínea b) - mas na alínea f) do n° 1 do artigo 70° da Lei n° 28/82, por qualificar a mesma questão jurídica como integrando antes violação de lei com valor reforçado?
2º. Note-se que, a nosso ver, a questão controvertida, tal como se mostra suscitada durante o processo e delineada no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional} é substancialmente a mesma, apenas variando a respectiva qualificação jurídico-constitucional, perspectivada, num caso, como envolvendo violação do disposto no n° 3 do artigo 198° da Constituição, e, ulteriormente, como traduzindo violação do estatuído em precedente 'lei de bases'.
3º. Ora, estando em causa apenas a estrita qualificação jurídico-constitucional do vício, motivador da interposição de certo recurso de fiscalização concreta, parece-nos perfeitamente desrazoável - e funcionalmente inadequado - vincular irremediavelmente a parte ao enquadramento e qualificação jurídica que inicialmente formulou, para certa questão de direito, durante o processo, impedindo-lhe - em termos absolutos a reponderação de tal qualificação jurídico-constitucional face, nomeadamente, ao teor da decisão final proferida pelo tribunal 'a quo'.
4°. Não pode, efectivamente, rigidificar-se, em termos desproporcionados, a tipificação dos recursos, tal como é delineada pelas várias alíneas do artigo
70° da Lei n° 28/82: nem tal será, aliás, possível já que - como sempre se, entendeu pacificamente, na jurisprudência' do Tribunal Constitucional - é a este Tribunal que compete a definitiva qualificação jurídico-constitucional do vício normativo em causa, podendo perfeitamente convolar de um recurso de constitucionalidade para uma decisão de ilegalidade qualificada, ou vice-versa.
5°. Parece-nos, deste modo, inquestionável que se, v .g., a parte interpôs um recurso fundado na alínea a) do n° 1 do artigo 70° pelo facto de o tribunal 'a quo' ter qualificado como de inconstitucionalidade o vício normativo, motivador de certa recusa de aplicação, o Tribunal Constitucional não irá seguramente deixar de conhecer de tal recurso se - no exercício dos seus poderes cognitivos
- qualificar tal vício normativo como de ilegalidade reforçada.
6°. Fenómeno idêntico ocorrerá, a nosso ver, nos recursos da alínea b) - podendo perfeitamente a parte ter inicialmente qualificado o vício normativo como de inconstitucionalidade, convolando tal qualificação - no momento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (e face, nomeadamente ao teor e sentido da decisão recorrida) para ilegalidade reforçada, ou vice-versa.
7°. Tal como nos parece inquestionável que - apesar de tal qualificação ou enquadramento jurídico-constitucional, feito pelo recorrente, - pode o Tribunal Constitucional - detentor da última palavra sobre tal qualificação jurídico-constitucional - convolar, no julgamento, ele próprio, para diferente vício normativo, sem que tal precluda naturalmente a apreciação do recurso, inviabilizando-se um recurso sugerido pela própria qualificação feita na decisão recorrida (cfr. os Acórdãos 232/97, 100/92 e 277/92, em que o Tribunal Constitucional não rejeita a possibilidade de convolar do recurso interposto pelo recorrente para o que, no seu entendimento, seria adequado, caso os respectivos pressupostos de admissibilidade se verificassem).
8°. Afigura-se, deste modo, que, numa perspectiva teleológica ou funcional - que terá naturalmente de ser prevalecente na interpretação das normas do processo constitucional - a tipificação dos recursos de fiscalização concreta, realizada pelo artigo 70°, n° L, da Lei n° 28/82 visa obstar tão somente a uma voluntária e inadmissível - por intempestiva - alteração pelo recorrente do tipo de recurso que interpôs; mas já não obsta a que, como decorrência de uma alteração da qualificação jurídico-constitucional da questão controvertida:
- O Tribunal Constitucional, no uso dos seus poderes de qualificação jurídica definitiva do vício, convole, ele próprio, na decisão final, do vício normativo invocado pelo recorrente ( e, porventura, verificado pela decisão recorrida) para o que considera inquinar efectivamente a norma objecto do recurso;
- a parte, no momento da interposição do recurso de fiscalização concreta, possa reponderar a estrita qualificação jurídico-constitucional do vício normativo invocado fundando, nomeadamente, o recurso para o Tribunal Constitucional em inconstitucionalidade 'directa'(quando a havia precedentemente configurado como
'indirecta' (ou vice-versa),e representando tal opção uma mera alteração jurídico-constitucional, sem que a questão controvertida se modifique ou altere substancialmente.
9°. Termos em que - salvo melhor entendimento - deverá conhecer-se do presente recurso.
10. Por parte da primeira recorrida não foi apresentada, dentro do prazo legal, qualquer resposta.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
11. Admitido o recurso no Tribunal da Relação do Porto e não obstante ter sido determinada a produção de alegações, cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do seu objecto, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76º, n.º 3, da LTC).
Emitido o parecer do relator, veio o recorrente propugnar pelo conhecimento do recurso, nos termos supra transcritos, alegando fundamentalmente duas ordens de razões, a saber: a) a questão controvertida, tal como se mostra suscitada durante o processo e delineada no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional} é substancialmente a mesma, apenas variando a respectiva qualificação jurídico-constitucional; b) é desrazoável - e funcionalmente inadequado - vincular irremediavelmente a parte ao enquadramento e qualificação jurídica que inicialmente formulou, pelo que, competindo a definitiva qualificação jurídico-constitucional do vício normativo em causa ao Tribunal Constitucional, pode este perfeitamente convolar de um recurso de constitucionalidade para uma decisão de ilegalidade qualificada, ou vice-versa.
Não tem, porém, razão o recorrente. E não tem razão, em rigor, não só porque, ao contrário do que afirma, não se trata apenas de uma mera diferença de qualificação jurídico-constitucional quanto à questão controvertida, mas também porque não pode o Tribunal proceder à convolação que pretende.
De facto, não se trata de mera diferença de qualificação jurídico-constitucional, em primeiro lugar, porque há, desde logo, uma diferença de parâmetro - na questão de alegada inconstitucionalidade o parâmetro é a norma constitucional, enquanto que no caso de ilegalidade por alegada violação de lei de valor reforçado o parâmetro é a norma constante da lei de valor reforçado.
Por outro lado, decisivamente, porque o que está em causa é, efectivamente, não uma mera qualificação jurídico-constitucional da questão, mas sim o preenchimento dos pressupostos necessários para que, no particular sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade - ou de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado- existente entre nós, seja possível ao Tribunal Constitucional apreciar as questões que lhe são postas. Ora, é manifesto que, no
âmbito de um recurso interposto ao abrigo da alínea f), com referência à alínea c), do n.º 1, do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a via de recurso só está aberta se, como se explicita no n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, a parte tiver suscitado “a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Não se trata aqui, portanto, ao contrário do que sustenta o recorrente, de um caso em que tivesse cabimento a doutrina que formula no ponto 5 da resposta ou a solução que procura deduzir dos acórdãos que cita no ponto 7. É que, mesmo admitindo que se aceitasse a doutrina do Acórdão n.º 100/92 (único dos citados nesse ponto 7 onde se efectua uma convolação e se conhece do objecto do recurso), se trata aí de um caso de recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º em que - tal como nos casos das alíneas c), d), e) ou i) do mesmo artigo - o pressuposto de admissibilidade do recurso é o facto de o tribunal a quo recusar a aplicação da norma, isto é, em que a via de recurso para este Tribunal Constitucional fica aberta pela mera decisão do tribunal que profere a decisão recorrida. Daí que, nalguns casos (cfr. Acórdãos n.ºs 100/92,
323/92 e 282/94) a antiga primeira secção do Tribunal Constitucional tivesse aceitado conhecer de um recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, por referência à, então, nova alínea i) do n.º 1 do mesmo artigo. Mas o Tribunal, pela antiga segunda secção, entendia não se poder convolar os recursos interpostos ao abrigo da alínea b) em recursos da alínea i) do citado n.º1 do artigo 70º da LTC (cfr., por exemplo, acórdãos n.ºs 277/92, 351/92, 162/93 e 405/93). E, afirmava (cfr. Acórdão
351/92) que, “ainda que se pudesse convolar, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º para o recurso previsto na alínea i) do mesmo preceito, ainda assim não se deveria conhecer do presente recurso, uma vez que não se verificam, in casu, os pressupostos do recurso constantes desta última alínea”. Isto é, sempre se teriam de verificar os requisitos próprios do recurso para que se pretendia convolar.
Ora, nos casos das alíneas b) ou f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como já se afirmou supra, só a suscitação da questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” permite abrir a via de recurso. Daí que, como se escreveu no Acórdão n.º 348/2002, onde estava em causa uma eventual convolação de um recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, num recurso da respectiva alínea f), não seja possível a convolação,
“não só por terem pedidos diferentes (julgamento de ilegalidade ou de inconstitucionalidade), mas também por serem diversas as condições de admissibilidade, como se pode verificar da simples leitura do artigo 70.º da Lei n.º 28/82.” Aliás, numa situação-espelho da actual, o Tribunal Constitucional concluiu no acórdão 468/2002, que, “estando-se em face de um recurso fundado na alínea b) do n.º 1 do artº 70.º da Lei n.º 28/82, possível não será aferir, na presente impugnação, da alegada ilegalidade, por violação de lei com valor reforçado, da norma constante do artº 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, quando interpretada no sentido de o regime transitório previsto na alínea a) do n.º 2 do artº 41º da Lei n.º 100/97 ser aplicável às pensões a remir fixadas posteriormente a 1 de Janeiro de 2000. Por isso, o pedido subsidiário ínsito na
«conclusão» 5ª da alegação da entidade recorrente não poderá ser, de todo, atendido, pois que, não só aquando da suscitação da questão em apreço aquilo que foi sustentado foi um vício de desconformidade com a Lei Fundamental, como a impugnação da decisão sub iudicio se estribou, como se disse, naquela alínea b).”
Assim sendo, em face do exposto e também pelas razões expostas no parecer do relator notificado às partes, que em nada são infirmadas pela resposta do recorrente e, por isso, aqui se reiteram, não pode efectivamente este Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso, por se verificar que o recorrente não suscitou, durante o processo e de forma processualmente adequada, a questão de ilegalidade, reportada às normas aplicadas na decisão recorrida, que pretendeu ver apreciada.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Sem custas, por não serem elas devidas.
Lisboa, 14 de Outubro de 2003- Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Luís Nunes de Almeida