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Proc. nº 347/2003
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu Decisão Sumária, ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso, por não se verificarem os pressupostos processuais do recurso interposto (cf. fls. 1308 e ss.).
A recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, concluindo nos seguintes termos:
1. O recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo dos arts. 70º, nº 1 al. b), 72º, nº 2 da L.C.T. e 280º, nº 4 da C.R.P. e sua admissão depende da verificação cumulativa de vários requisitos específicos, nomeadamente que tenha sido o recorrente a suscitar essa inconstitucionalidade durante o processo.
2. Arguir a questão de inconstitucionalidade “durante o processo”, significa que a mesma tenha de ser colocada em termos de o Tribunal recorrido poder decidir essa questão.
3. Mas se esta é a regra, existem casos excepcionais ou anómalos em que o interessado, por não ter disposto de oportunidade processual para levantar a questão antes de proferida a decisão, a levantou após a sua prolação e o T.C. a considerou atempadamente suscitada.
4. Dentro desses casos excepcionais sobressai a situação de o interessado não ter a possibilidade de suscitar a questão, dado que à luz da tramitação normal do processo em causa e das oportunidades de intervenção nela consentida ao recorrente, não lhe é exigível o cumprimento de tal requisito, para além de que a interpretação dada à norma era algo que não era liquidamente sufragado pela doutrina jurídica, pelo que sempre se poderia dizer que a mesma não constituía um dado com que os operadores jurídicos, inequivocamente, contem.
5. Nesses casos excepcionais está englobado, o recurso apresentado pela reclamante onde suscitou a inconstitucionalidade do art. 410º, nº 2 al. c), - no entendimento dado à norma pelo Tribunal da Relação de Guimarães, - por violar conjugadamente os arts. 20°, nº 1, 32° nº 1 e 18°, nº 2 e ainda autonomamente os arts. 206° e 32°, nº 2 da Constituição, dado que a reclamante só após a prolação do acórdão daquele Tribunal, com o entendimento dado à norma acima referida, pôde suscitar a referida inconstitucionalidade, entendimento esse que não era de uma forma unânime sufragada pela doutrina, não constituindo um dado com que os operadores jurídicos, inequivocamente contem.
6- Nesses termos, verificado o pressuposto processual do recurso interposto, consistente na suscitação, durante o processo da questão de constitucionalidade normativa, deverá tomar-se conhecimento da questão reportada ao art. 410°, nº 2 do C.P.P.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
2. A recorrente concorda expressamente com a Decisão Sumária na parte em que se decidiu não tomar conhecimento da questão relativa à norma do artigo 51º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
Nessa medida, quanto a tal questão nada há a acrescentar aos fundamentos da Decisão Sumária.
3. A recorrente discorda da parte da Decisão Sumária em que se não tomou conhecimento da questão reportada ao artigo 410º. nº 2, do Código de Processo Penal. O fundamento de tal decisão foi a não suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa (ao contrário do que a então recorrente afirmou no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade).
A reclamante sustenta, porém, que não teve oportunidade processual para intervir no processo antes da prolação da decisão recorrida.
No entanto, foi a agora reclamante quem interpôs o recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães na sequência do qual foi proferido o acórdão impugnado por via do recurso de constitucionalidade. Desse modo, e uma vez que pretendia impugnar, na perspectiva da constitucionalidade, a dimensão normativa correspondente ao teor literal do preceito em questão, podia, e por isso devia, suscitar nas respectivas alegações as questões de constitucionalidade que considerasse pertinentes.
Por outro lado, é a própria reclamante que afirma que a interpretação do preceito impugnado consubstancia uma questão que não é “líquida na doutrina”. Ora, estando perante um preceito que permite, em face do seu teor literal, uma interpretação que, na perspectiva da então recorrente, não é “líquida”, impendia sobre si o ónus de suscitar as questões de constitucionalidade que entendesse serem adequadas.
Não tendo cumprido tal ónus, a reclamante inviabilizou definitivamente a possibilidade de o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
4. Improcede, pois, a presente reclamação.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC’s.
Lisboa, 14 de Outubro de 2003 Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos