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Processo n.º 189/02
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. intentou, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção de processo comum por violação de contrato de trabalho contra o banco A., entretanto substituído pelo banco B., no qual se integrou, por fusão.
Na sequência de declaração do Réu, antecedendo o oferecimento da respectiva contestação, em que aquele informava o Tribunal da impossibilidade de
“obter o consenso necessário para pôr termo aos presentes autos por acordo das partes” (cfr. fls. 271), veio o Autor requerer o desentranhamento da mencionada declaração, “por irrelevante”, e ainda o suprimento “da lacuna motivada pela ausência de fundamentos que motivam a persistência do litígio, na perspectiva do Réu”, o qual não teria atendido “ao comando normativo ínsito no n.º 3 do artigo
53º do C.P.T.” (cfr. fls. 451-453).
Em seu entender, tal lacuna resultaria de o réu, na audiência anteriormente realizada, não ter indicado os fundamentos que, em seu entender, justificavam a persistência do litígio.
O requerimento foi desatendido por despacho de fls. 499, tendo o tribunal dito que não via qualquer razão para “mandar desentranhar o requerimento que capeou a apresentação da contestação, surgindo como despropositada a supressão da alegada lacuna”.
O Autor interpôs recurso de agravo do despacho, conforme consta de fls. 514 e seguintes, com fundamento em nulidade por omissão de pronúncia, que foi admitido pelo despacho de fls. 557, com o seguinte teor: “Por ter legitimidade e estar em tempo, admito o recurso interposto pelo requerimento de fls. 514 o qual é de agravo e sobe diferidamente - art. 86º do Cód. Proc. Trab.”
Inconformado, A. veio reclamar do regime de subida fixado ao recurso, invocando que a sua retenção “o tornaria absolutamente inútil, designadamente tendo em conta a finalidade do recurso interposto” e ainda que a retenção do recurso coloca em crise “a garantia constitucional, ínsita no n.º 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no que respeita à decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo de uma causa em juízo” (cfr. fls. 559 e seguintes).
2. Por despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Dezembro de 2001, constante de fls. 569-570, foi indeferida a reclamação, por se entender que o despacho recorrido não se enquadrava “manifestamente em qualquer das situações prevenidas no art. 84º n.º 1” e não se verificar a inutilidade prevista no n.º 2 do mesmo artigo 84º, valendo, portanto, o regime de subida diferida regulado no artigo 86º do Código de Processo do Trabalho.
Disse-se então: “A questão colocada diz respeito ao momento de subida do recurso.
Com interesse, e para além do que fica referido, os autos mostram que:
– Designada que foi a audiência das partes, o A e o R., em conjunto, vieram declarar ter iniciado negociações para alcançar um acordo que pusesse termo ao processo e requereram a suspensão da instância por sessenta dias;
– O aludido requerimento conjunto foi deferido;
– Por requerimento/declaração a fls. 271, o R. veio informar que, e transcreve-se, ’apesar de todos os esforços feitos, que foram muitos, e ao contrário do que confiadamente esperava, não foi possível obter o consenso necessário para pôr termo aos presentes autos por acordo das partes. Assim, o banco C., apresenta a sua contestação’... O momento de subida do recurso em processo laboral é regulado nos arts. 84º e
86º do CPT. No art. 84º n.º 1 indicam-se discriminadamente os agravos que sobem imediatamente. E no imediato n.º 2 dispõe-se que sobem também os recursos cuja retenção os tornaria inúteis. Por outro lado, o art. 86º do CPT determina que os agravos que não sobem imediatamente, sobem com o primeiro recurso que, depois da sua interposição, haja de subir imediatamente. O Despacho aqui em causa não se enquadra manifestamente em qualquer das situações prevenidas no art. 84º n.º 1, o que o Reclamante, ao defender a subida imediata do recurso unicamente com base no art. 84º n.º 2, implicitamente aceita. Conforme é jurisprudência corrente (entre outras, a referida na anotação ao art.
734º do ‘Código de Processo Civil Anotado’ do Dr. Abílio Neto), a retenção de um agravo só o torna absolutamente inútil quando a eficácia do despacho recorrido produz um resultado irreversível, oposto ao efeito jurídico que se pretende com a interposição do recurso, por forma a que o seu provimento não possa aproveitar ao agravante. Não há inutilidade, nomeadamente, se o provimento do agravo conduzir à anulação de actos processuais, incluindo o julgamento, já que isso é próprio dos recursos com subida diferida.
(...) No caso, o eventual provimento do recurso – com subida diferida – aproveita ao ora Reclamante porque produz efeitos no processo, já que implicaria a anulação do processado posterior à decisão a fls. 499”.
A. veio ainda arguir várias nulidades, designadamente a “nulidade por omissão de pronúncia sobre a questão de constitucionalidade suscitada”, arguição essa que motivou o despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Fevereiro de 2002, constante de fls. 585 e seguintes.
Em tal despacho afirma-se que, “como decorre do artigo 82º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo de Trabalho (...), as atribuições do presidente do tribunal superior limitam-se às questões que se prendem directamente com a não admissão do recurso ou com a retenção do recurso”. Nesta conformidade, o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa apreciou apenas a invocada “nulidade do despacho sob reclamação por omissão de pronúncia quanto à questão da inconstitucionalidade dos artigos 84º, n.º 2, e 86º do CPT”, tendo, a propósito, afirmado o seguinte:
“O artigo 20º, n.º 4, da Constituição dispõe que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão e prazo razoável e mediante processo equitativo.
Em abstracto, o legislador, ao estabelecer o regime de subida diferida dos agravos, quis precisamente assegurar o princípio da celeridade processual, a fim de as partes poderem ver decidido em prazo razoável os conflitos que as opõem.
É que, como é intuitivo, a subida imediata dos recursos de decisões interlocutórias, a ser admitido em termos alargados, seria um expediente fácil, eficiente e barato para retardar a decisão final dos processos e levar a parte contrária a ceder o que não cederia se não fosse a demora do processo. Vale a pena recordar, a propósito, o que escreveu Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, ed. de 1953, p. 98): ‘Uma das formas de chicana mais empregada no regime da subida imediata dos agravos era a de recorrer sistematicamente de todos os despachos proferidos no curso do processo. Tivesse ou não razão, fosse ilegal ou legal o despacho do juiz, a parte agravava sistematicamente, única e simplesmente para moer e cansar o seu adversário e levá-lo a entregar-se’.
Por outro lado, ao menos no campo dos princípios que presidem à ideia dos recursos, a circunstância de, pelo provimento de um agravo, virem a ser inutilizados actos processuais, com as necessárias repetições de maior ou menor processado e os consequentes efeitos temporais, é uma das garantias do processo equitativo.
Portanto, não estão feridas de inconstitucionalidade as normas dos artigos 84º, n.º 2, e 86º do CPT quando interpretadas no sentido decidido na reclamação, mesmo quando essa interpretação possa ter como efeito – socialmente negativo, mas imposto, em abstracto, pelas exigências de celeridade processual e do processo equitativo – que o processo se desenvolva ao longo de anos para, depois, vir a ser repetido quase desde o início.”
3. Novamente inconformado, A. veio “interpor o competente recurso para o Tribunal Constitucional”, o que fez nos seguintes termos:
“1 – É o recurso interposto ao abrigo do disposto no art. 280.º, n.º
1, alínea b) da Constituição da República (CRP , doravante) e do art. 70.º, n.º
1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 5/11;
2 – As normas arguidas de inconstitucionalidade são as extraídas dos arts. 84.º e 86.º do Código do Processo de Trabalho (CPT, doravante) aprovado pelo Dec. Lei n.º 480/99, de 6 de Novembro, aplicados nos Doutos Despachos supra referidos, segundo as quais o recurso interposto de decisão que indefere arguição de nulidade processual por falta de auto de conciliação, nos termos do disposto nos arts. 51.º, n.º 2 e 53.º, n.º 3, do mesmo Código, tem subida deferida e efeito meramente devolutivo;
3 – A questão da inconstitucionalidade normativa arguida, foi suscitada nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, de fls.
562 e 563, na reclamação deduzida perante o Exmo. Presidente do mesmo Tribunal, de fls. 559 a 564, e também na reclamação deduzida por omissão de pronúncia sobre a mesma questão de inconstitucionalidade normativa;
4 – As normas e os princípios constitucionais violados pelas normas arguidas de inconstitucionalidade, encontram-se consignadas nos arts. 20.º, n.º
4 e 13.º da CRP;
5 – Os termos em que o Ilustre Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa acabou por se pronunciar, no seu Douto Despacho de 5/02/2002, revelam ter a questão de inconstitucionalidade suscitada sido equacionada apenas em função de dois dos três parâmetros de constitucionalidade perante ele invocados, que ao legislador ordinário cumpre observar no domínio procedimental relativamente ao contencioso em geral e ao contencioso labora1 em especial; a) Emissão de normas insusceptíveis de serem interpretadas e aplicadas com sentido e efeito de implicarem que uma causa não seja objecto de decisão em
prazo razoável;
b) Emissão de normas que assegurem que o desenvolvimento da instância se processe permanentemente de modo equitativo;
5.1 – O terceiro parâmetro de constitucionalidade – o respeito pelo princípio da igualdade, na veste de igualdade processual ou de armas – autonomamente invocado apesar de já informar o imperativo constitucional do processo equitativo, não foi sequer objecto de pronúncia.
5.2 – Por outro lado, salvo o devido respeito, a solução dada à questão posta, revela-se errónea, em virtude de ter sido apreciada: a) ‘Em abstracto’ e em termos incongruentes, tratando-se de recurso relativo a omissão de acto estruturante do processo e de conteúdo substantivo;
b) ‘No campo dos princípios’, em que a inutilização de actos processuais por efeito do provimento do recurso constituiria uma das garantias do processo equitativo; c) com reconhecimento de que a interpretação arguida de constitucionalidade pode ter efeito socialmente negativo, imposto, em abstracto, pelas exigências da celeridade processual e do processo equitativo.”
4. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou as suas alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“1.ª As normas e os princípios constitucionais violados pelas normas aplicadas nas decisões recorridas, são as dos art.ºs 20.º, n.º 4, 12.º, n.º 1, 13.º, n.º
1, e 9.º b) da CRP;
2.ª As normas e princípios constitucionais violados pelas normas sindicadas foram tidas em conta no preâmbulo do DL n.º 480/99, de 9/11, e foram consagrados nos art.ºs 51.º, n.º 2, 52.º, n.º I, 53.º, n.º 3, 55.º, n.º 2, e 84.º, n.º I, do CPT;
3.ª Em substância, o Ilustre Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, reconheceu a inconstitucionalidade das normas sindicadas;
4.ª Os preceitos dos art.ºs 84.º, n.º 2, e 86.º, do CPT, têm de ser interpretados e aplicados em conformidade com os parâmetros constitucionais que se projectam sobre as soluções normativas consagradas por via dos preceitos referidos na conclusão 2.ª;
5.ª As normas extraídas dos preceitos dos art.ºs 84.º, n.º 2, e 86.º, do CPT, segundo as quais: a) não é absolutamente inútil o recurso interposto de decisão que incumpre uma fase processual específica estruturante do novo processo do trabalho, configurada nos termos dos art.ºs 51.º, n.º 2. 52.º. n.º 1, 53.º. n.º 3, 55.º. n.º 2, e, b) Que o recurso sobe com o primeiro que depois da sua interposição, haja de subir imediatamente, São inconstitucionais por violarem as normas e princípios dos art.ºs 20°, n.º 4,
12°, n.º 1, 13.º, n.º 1, 9.º b), e 18.º, e por via reflexa, os dos art.ºs 59.º, n.º 1, alínea b), relativamente à inutilidade do trabalho dos intervenientes processuais produzido enquanto a retenção não cessa, e 1.º e 2.º, todos da Lei Fundamental.
6.ª Pelo que, com o douto suprimento desse Alto Tribunal, se impõe seja declarada a inconstitucionalidade das normas sindicadas, e ordenada reforma da decisão recorrida em conformidade com essa declaração, em ordem a que os autos sejam imediatamente distribuídos à Secção competente para conhecimento do recurso retido.”
A recorrida, igualmente notificada, não apresentou alegações
5. Nas alegações apresentadas neste Tribunal, o recorrente censura a
“ausência, no artigo 84º, n.º 1 [do CPT], de uma norma que determine a subida imediata do recurso interposto de decisão que indefira reclamação por supressão da ‘primeira e decisiva fase de saneamento’ do processo, e por escamoteamento da mesma mediante um legalmente descabido requerimento de ‘informação’ sobre insucesso de tentativa de conciliação não presidida pelo Juiz” (cfr. fls. 602). Naturalmente que as observações que apresenta relativamente à solução prevista na lei vigente, nos vários aspectos que foca, não vão ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional.
Para além disso, manifesta por diversas vezes a sua discordância relativamente à decisão que impugna, em termos que não podem ser controlados no recurso de constitucionalidade.
Assim, e tal como se observou no acórdão n.º 83/99 (não publicado), no qual se tratou da inconstitucionalidade de norma idêntica, constante do n.º 2 do artigo 734º do Código de Processo Civil (“2. Sobem também imediatamente os agravos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”), “não cabe a este Tribunal, limitado nos seus poderes de cognição à resolução da questão de constitucionalidade, apreciar da justeza da aplicação do direito ordinário ao caso concreto; não lhe compete, por isso, decidir se, no caso, a retenção do agravo o torna absolutamente inútil em contrário do que julgou o” tribunal recorrido.
6. O objecto deste recurso, que o recorrente define no requerimento de interposição, consiste, assim, nas “normas (...) extraídas dos arts. 84.º e 86.º do Código do Processo de Trabalho, aprovado pelo Dec. Lei n.º 480/99, de 6 de Novembro, segundo as quais o recurso interposto de decisão que indefere arguição de nulidade processual por falta de auto de conciliação, nos termos do disposto nos arts. 51.º, n.º 2 e 53.º, n.º 3, do mesmo Código, tem subida deferida e efeito meramente devolutivo”.
Tendo em conta esta definição e a dimensão com que os artigos 84º e 86º foram efectivamente aplicados pela decisão recorrida (cfr. artigo 79º-C da Lei nº
28/82), o Tribunal vai então analisar a questão de saber se as normas neles contidas, interpretadas em termos de não existir inutilidade do agravo, sujeito a um regime de subida diferida, quando a sua retenção o não torne absolutamente inútil por ser possível, em caso de provimento do recurso, a anulação do processado, violam os preceitos e princípios constitucionais mencionados pelo recorrente.
7. É o seguinte o texto dos artigos 84º, n.º 2, e 86º do Código de Processo de Trabalho (Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro):
Artigo 84º Agravos que sobem imediatamente
(...)
2 – Sobem ainda imediatamente os agravos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
Artigo 86º Subida diferida
Os agravos não referidos nos artigos anteriores sobem com o primeiro recurso que, depois da sua interposição, haja de subir imediatamente.
8. O recorrente invoca a violação do n.º 4 do artigo 20º da Constituição, ou seja, do direito (constitucionalmente garantido) a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
Tal acusação não tem, porém, fundamento, como justamente observa a decisão recorrida, quando afirma que “em abstracto, o legislador, ao estabelecer o regime de subida diferida dos agravos, quis precisamente assegurar o princípio da celeridade processual, a fim de as partes poderem ver decidido em prazo razoável os conflitos que as opõem”.
Uma vez que os agravos com subida diferida não têm efeito suspensivo, como decorre do disposto no artigo 83º, n.º 4, do Código de Processo de Trabalho, tal regime de subida permitirá a obtenção mais rápida de uma decisão sobre o mérito da causa. É, aliás, com este mesmo objectivo que o n.º 1 do artigo 83º do Código de Processo do Trabalho define como regra para o próprio recurso de apelação a de que o mesmo tem apenas efeito devolutivo.
As considerações tecidas pelo recorrente sobre o tempo perdido com
“actividade processual inútil” – e com a alegação, manifestamente infundada, de uma violação “reflexa” da al. b) do n.º 1 do artigo 59º e dos artigos 1º e 2º da Constituição – não se afiguram relevantes, desde logo porque assentam no pressuposto de a decisão do recurso vir a ser forçosamente favorável à posição do recorrente.
A verdade, porém, é que, na hipótese contrária, que não pode ser afastada, seria antes inútil todo o tempo em que o processo se encontraria paralisado, com o consequente adiamento de uma decisão sobre a pretensão do próprio recorrente.
Ora, a possibilidade de repetição dos actos processuais entretanto praticados, em caso de provimento do recurso (repetição, aliás, que não pode deixar de ser encarada como uma das garantias do próprio processo equitativo, como bem se afirma na decisão recorrida), é o lado reverso do objectivo de evitar a demora introduzida na obtenção de uma decisão de mérito, em caso de não provimento.
Por outro lado, se o que está em causa é a violação do direito ao processo equitativo, “na sua vertente de igualdade perante a lei”, parece evidente que as normas impugnadas não a põem em causa, uma vez que a solução que delas decorre não tem necessariamente o efeito de conduzir a um “diferimento da decisão do mérito da causa”, como erradamente pretende o recorrente. Pelo contrário, tal “diferimento” poderá, em igualdade de circunstâncias, decorrer de uma solução que atribuísse ao recurso em análise um regime de subida imediata e o efeito suspensivo a ele associado.
Em suma, o diferimento da decisão do mérito da causa associado ao regime de subida diferida do recurso atinge igualmente ambas as partes no processo, sendo uma consequência inevitável da interposição do mesmo, que deve ser ponderada por quem exerce o direito ao recurso. O que se pretendeu evitar através das normas impugnadas (bem como através da fixação, em regra, de um efeito devolutivo ao recurso de apelação, nos termos previstos no artigo 83º do Código de Processo de Trabalho, como já se referiu) foi que o exercício do direito ao recurso por uma das partes causasse à outra maiores delongas na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa.
9. A questão que constitui o objecto do presente recurso foi já tratada pelo Tribunal Constitucional, embora a propósito do n.º 2 do artigo 734º do Código de Processo Civil, atrás transcrito, em termos absolutamente transponíveis para a norma agora em apreciação, nomeadamente nos Acórdãos n.ºs
208/93 (Diário da República, II série, de 28 de Maio de 1993), 501/96 (Diário da República, II série, de 3 de Julho de 1996) e 83/99.
Assim, escreveu-se no Acórdão n.º 208/93, confrontando a norma então em apreciação com os princípios do estado de Direito e do acesso à justiça:
“(...) como só se permite a subida imediata nos casos em que, de todo, não seja possível ao agravado alcançar aquela eficácia, então se mesmo sem essa subida, ainda pode o agravado atingir os efeitos desejados, não está ele, pela subida diferida, despojado dos meios processuais capazes de fazer valer a sua pretensão
(...)”
Ora, por não existir qualquer restrição ao direito de recurso da recorrente e por esta poder ainda obter, com o regime de subida diferida, a satisfação do seu interesse processual – confirmando-se, assim, a utilidade do recurso – não se viola a garantia de acesso à justiça e aos tribunais, nem o princípio do Estado de Direito. Pelo exposto, a absoluta inutilidade dos agravos que aparece como condição para a sua subida imediata, constante do artigo 734º, nº. 2 do Código de Processo Civil, em nada contende com a garantia de acesso à justiça e aos tribunais, nem com o princípio do Estado de Direito.» No mesmo sentido, no Acórdão n.º n.º 83/99 escreveu-se que “Sobre o direito de acesso à justiça tem o Tribunal Constitucional firmado uma extensa jurisprudência, interpretando-o no sentindo de que ele é “ um direito à solução dos conflitos por banda de um órgão independente e imparcial face ao que concerne à apresentação das respectivas perspectivas, não decorrendo desse direito (nomeadamente, no que ora releva, se em causa estiver a litigância civil obrigacional) o asseguramento às partes da garantia de recurso das decisões que lhes sejam desfavoráveis (cf., por todos, o Acórdão nº. 210/92, publicado na 2ª série do Diário da República, de 12 de Setembro de 1992)”.
(Acórdão nº. 208/93 in DR, II Série, de 28/5/93)
(...) Ora, no caso em apreço, não existe qualquer restrição ao direito de recurso. À recorrente está amplamente reconhecido o direito de recurso, que ela pôde efectivamente exercer. O que a norma do artigo 734º, nº. 2 do CPC prevê é apenas um regime de subida – a subida diferida, por não se verificar a absoluta inutilidade, excepção que permite a subida imediata do recurso – ou seja, o que está em causa é o diferimento da subida de alguns recursos, diferimento que é ditado por importantes razões de celeridade e economia processuais. A subida diferida do recurso impõe-se nos casos em que, apesar desse mesmo regime de subida, o recorrente pode ainda – em sede de recurso – obter a adequada tutela da sua pretensão processual. O mesmo é dizer que, embora a subida do recurso seja diferida, a recorrente pode ainda vir a obter os efeitos pretendidos mediante a revogação do despacho agravado, mesmo que essa revogação implique a anulação/reformulação dos actos praticados em obediência ao despacho revogado pela decisão do tribunal de recurso.»
10. Relativamente ao artigo 16º, n.º 1, da Constituição – que o ora recorrente aponta como parâmetro para a interpretação da norma em apreciação – e à alegada violação do princípio da igualdade, consagrado nos artigos 12º, n.º 1 e 13º da Constituição, disse-se no mesmo Acórdão n.º 208/93 « que se não vê em como o segmento da norma em apreço possa, por qualquer meio, violar directamente o artigo 16º da Constituição, o qual define o âmbito e modo de interpretação e integração dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais.
Em verdade, o que há, neste ponto, que averiguar, é se algum direito fundamental é atingido pelo arco normativo em apreço, sendo certo que, na integração e interpretação desse direito, se estas se tornarem necessárias, se tem de fazer apelo ao consagrado no nº 2 do citado artigo 16º.
5. Isto posto, incumbirá analisar se o mencionado segmento é conflituante com o princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Lei Fundamental. Aquele princípio exige a dação de tratamento igual àquilo que, essencialmente, fôr igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento desigual para o que fôr dissemelhante, não proibindo, por isso, a efectivação de distinções. Ponto é que estas sejam estabelecidas com fundamento material bastante e, assim, se não apresentem como irrazoáveis ou arbitrárias (cfr., na jurisprudência deste Tribunal, por todos, o Acórdão nº 188/90, publicado na 2ª Série do Diário da República de 12-SET-90). Não se pondo em causa que a norma em crise, necessariamente, confere o mesmo tratamento a todos os agravantes de despachos ou decisões não incluídos no nº 1 do artº 734 - e, bem assim, nos artigos 738º, 739º e 1185º, nº 2 - , o que interessa dilucidar é se a exigência da absoluta inutilidade do agravo, comparativamente com as situações decorrentes dos preceitos atrás referidos, posta aqueles agravantes numa situação desigual injustificada, irrazoável ou arbitrária.
5.1. A esta questão entende o Tribunal ser de dar uma resposta negativa.
É evidente que o legislador ordinário dispõe de liberdade para, no que tange ao regime de subida dos agravos, poder não subordinar uma subida imediata a quaisquer condições ou ao conteúdo das decisões impugnadas - assim subindo logo ao tribunal superior os agravos mal sejam interpostos e recebidos; mas, no domínio dessa mesma liberdade, igualmente poderá subordinar a subida imediata tendo em conta o conteúdo dos despachos ou decisões agravadas - desta arte subindo logo os agravos referentes a determinados despachos ou decisões, e subindo diferidamente os agravos que digam respeito a outros despachos ou outras decisões.
Na realidade, um dos valores que a administração da justiça deve prosseguir, a isso não podendo ser indiferente o Diploma Básico, é o da sua celeridade, pois que uma justiça demasiadamente arrastada não pode, verdadeiramente, ser considerada «justa». Daí que seja razoável que ao legislador seja consentido - sem coarctar a possibilidade que o acedente à justiça tenha de fazer impugnar perante um tribunal superior, face ao elenco de tribunais visualizado na Constituição, decisões tomadas por tribunais de inferior hierarquia - efectuar distinções quanto ao regime de subida dos agravos, se, efectivamente, de uma indiscriminada
«abertura» tocante a esse regime viesse a resultar um «arrastar» processual com a inerente demora na resolução dos feitos judiciais.
Mas, se isto é assim, haverá também de concluir-se que as razões que aconselham a que se não proceda àquela indiscriminada «abertura» (com a consequente demora na resolução das questões de fundo sujeitas ao veredito dos tribunais) tornam- -se muito menos procedentes quando em causa estejam situações exigentes de uma célere resposta quanto à matéria dos agravos.
Por isso - ou seja, face à diferenciação que tem de reconhecer-se existir entre essas situações e aqueloutras que já não são tão exigentes de uma rápida decisão quanto ao agravo interposto - é que no nº 1 do artº 734º do C.P.C. se elencam casos em que o regime de subida é imediato e em que, sequentemente, o «desvalor» consistente no «arrastamento» processual já não possui um peso tão acentuado que conduza a que os agravos respeitantes àquelas primeiras situações devam ter subida diferida.
Existe, pois, nessa diferenciação, um fundamento material suficiente, baseado num valor a que a Constituição não pode ser alheia - qual seja o da celeridade na administração da justiça - que, razoável e justificadamente ( e, por isso, não se colocando como arbitrário), suporta uma opção legislativa consistente em, de harmonia com o conteúdo dos despachos e decisões judiciais e perante o seu reflexo nos diversos items processuais, condicionar a subida dos agravos a momentos imediato ou diferido.»
5.2. Neste contexto, e porque em nome do exercício da falada liberdade legislativa não poderá o legislador, por via de preceitos reguladores do regime de subida dos agravos, arbitrariamente e na prática, coarctar a possibilidade de se exercer com eficácia aquela espécie de recurso - no que ora releva, em matéria não criminal - (cfr., sobre o tema dos recursos e a chamada garantia do duplo grau de jurisdição, Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 1992, 95 e segs., maxime, 101 a 104), seria injustificado que, concernentemente a certas decisões cujo agravo implicasse a não subida imediata, o resultado favorável ao recorrente advindo do decidido pelo tribunal não viesse de todo ou, se quiser, em absoluto, a ter qualquer repercussão no processo. Tudo se passaria, assim, como se de nada tivesse valido a impugnação. Uma opção legislativa tomada desse jeito certamente postaria o agravante dessas decisões em situação desigual relativamente ao agravante de decisões que demandam a subida imediata do agravo e, então sim, desenhar-se-ia uma ostensiva situação de desigualdade.
5.3. Contudo, se, não obstante a subida diferida do agravo e, consequentemente, a mais tardia prolação da decisão a tomar pelo tribunal superior, o agravante, na hipótese de obter ganho de causa, ainda pode tirar os cabidos benefícios desse ganho, mesmo que isso vá implicar a inutilização ou reformulação de actos processuais anteriormente praticados, então não se pode dizer que uma opção legislativa determinadora da subida diferida do agravo de uma dada espécie de despachos ou decisões seja arbitrária, e isto sopesando o valor que deve ser conferido à celeridade na administração da justiça que deve ser prosseguido pelo legislador.
Não se nega que o diferimento na subida de um agravo não vá, de certo modo, 'contrariar' a posição do agravante que, seguramente em muitos casos, desejaria que a impugnação que levou a cabo fosse objecto de uma mais rápida apreciação pelo tribunal superior, mas que tinha reflexo numa demora na decisão final da causa. Simplesmente, a exigência da absoluta inutilidade do agravo como condição da sua imediata subida fora das hipóteses em que, expressamente, a lei adjectiva civil determina um tal tipo de subida, face aos valores em jogo e que acima se deixaram expostos, não torna tal exigência injustificada, irrazoável e arbitrária. De onde a conclusão segundo a qual o segmento normativo em apreciação não viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.»
No mesmo sentido, o Acórdão n.º 501/96 considerou que «11. No que diz respeito ao regime do agravo, o legislador tipificou os casos de subida imediata deste recurso quando ele é interposto no processo principal (artigo 734º, nº 1), nos procedimentos cautelares (artigo 738º) e nos incidentes (artigo 739º do Código de Processo Civil). Para além dos casos expressamente enunciados, previu uma cláusula geral, subsidiária, que permite a subida imediata de outros agravos, quando se entender que a retenção do recurso o tornaria absolutamente inútil
(artigo 734º, nº 2, do Código de Processo Civil) Ora, não se vê em que medida a norma contida no artigo 734º, nº 2, do Código de Processo Civil pode violar o princípio da igualdade. O legislador, dentro da liberdade de conformação do regime de subida dos recursos de que dispõe, entendeu que uns deveriam ter subida imediata e os restantes subida diferida. A norma subsidiária cuja constitucionalidade se questiona tem um fundamento racional, visto que privilegia recursos cuja retenção faria perder a utilidade.
Também não haverá violação do princípio da igualdade, numa outra perspectiva, por o recorrente ser colocado numa posição desvantajosa relativamente ao recorrido, quando o recurso não haja de subir imediatamente. O legislador atribui ao recorrido, nestas hipóteses, um benefício decorrente de uma presunção de legalidade da decisão judicial impugnada. O critério seguido obedece a uma racionalidade que não contraria a proibição do arbítrio.»
11. Finalmente, cumpre observar, na sequência destas transcrições, que nenhum fundamento se vislumbra para a alegada violação dos artigos 9º, b) e
18º da Constituição.
12. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 14 de Outubro de 2003
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Luís Nunes de Almeida