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Proc. n.º 527/03 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - Nos autos de recurso supra identificados em que é recorrente A., com os sinais dos autos, foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 - A., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fls. 810 e segs., pedindo a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 400º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Penal, 'na dimensão interpretativa segundo a qual, aplicando o Tribunal da Relação, em recurso de condenação em pena de prisão de 7 anos, por crime, cuja moldura abstracta é superior a oito anos de prisão, não é admissível recurso do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o recurso for interposto apenas no interesse da defesa, dada a proibição da reformatio in pejus'.
Admitido o recurso, foram os autos remetidos ao Tribunal Constitucional.
Cumpre decidir, o que se faz nos termos do artigo 78º-A n.º 1 da LTC por se afigurar simples a questão a decidir.
2 - O acórdão recorrido rejeitou o recurso interposto pelo arguido, ora recorrente, do acórdão da Relação de Lisboa que, em recurso, manteve a condenação do mesmo arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado p.p. nos artigos 21º n.º 1 e 24º alínea i) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mas baixando para 7 anos de prisão a pena imposta em 1ª instância (9 anos de prisão).
Fê-lo por entender que, tendo havido confirmação da condenação, a pena aplicável, no caso, não excedia oito anos de prisão, o que configurava a situação prevista no artigo 400º n.º 1 alínea f) do CPP; e isto porque, interposto recurso apenas pelo arguido, a proibição da reformatio in pejus obstava à aplicabilidade de uma pena de prisão superior a 7 anos de prisão.
No presente recurso, o recorrente considera que tal interpretação normativa viola o disposto no artigo 32º n.º 1 da Constituição, ou seja, as garantias de defesa do arguido, incluindo o recurso.
Tal significa, em direitas contas, que o recorrente pretende que a Constituição imporia, no caso, um triplo grau de jurisdição, ao abrigo do citado artigo 32º n.º 1.
3 - Sobre a questão da constitucionalidade da norma do artigo 400º n.º 1 alínea f) do CPP pronunciou-se já, por diversas vezes, este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º189/01, onde a norma foi confrontada, entre outros, com o artigo 32º n.º 1 da Constituição.
Aí se escreveu:
'6. – A Constituição da República Portuguesa não estabelece em nenhuma das suas normas a garantia da existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies.
Importa, todavia, averiguar em que medida a existência de um duplo grau de jurisdição poderá eventualmente decorrer de preceitos constitucionais como os que se reportam às garantias de defesa, ao direito de acesso ao direito e à tutela judiciária efectiva.
Não pode deixar de se referir que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tratado destas matérias, estando sedimentados os seus pontos essenciais.
Assim, a jurisprudência do Tribunal tem perspectivado a problemática do direito ao recurso em termos substancialmente diversos relativamente ao direito penal, por um lado, e aos outros ramos do direito, pois sempre se entendeu que a consideração constitucional das garantias de defesa implicava um tratamento especifico desta matéria no processo penal. A consagração, após a Revisão de
1997, no artigo 32º, nº1 da Constituição, do direito ao recurso, mostra que o legislador constitucional reconheceu como merecedor de tutela constitucional expressa o princípio do duplo grau de jurisdição no domínio do processo penal, sem dúvida, por se entender que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa.
Porém, mesmo aqui e face a este específico fundamento da garantia do segundo grau de jurisdição no âmbito penal, não pode decorrer desse fundamento que os sujeitos processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz nas diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto às decisões penais condenatórias e também quanto às respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais (veja-se, neste sentido, o Acórdão nº 265/94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27º V., pág. 751 e ss).
Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional, o recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no nº1 do artigo 32º (O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha vindo a considerar como conformes à Constituição determinadas normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v.g., quer de despachos interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos nºs
118/90,259/88,353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 15º,pg.397;
12º, pg.735 e 19º, pg.563, respectivamente, e Acórdão nº 30/2001, sobre a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação particular quando o Ministério Público acompanhe tal acusação, ainda inédito), como também tenha já entendido que, mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se garantindo a todos os arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ (veja-se, neste sentido, o Acórdão nº 209/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º. V., pg. 553) [sublinhado nosso].
Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a instância superior da ordem judiciária accionada fique avassalada com questões de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta limitação à recorribilidadade das decisões penais condenatórias tem, assim, um fundamento razoável.
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O artigo 400º do CPP foi alterado pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, diploma que veio introduzir modificações no processo penal e deu à alínea f) a redacção que ainda mantém. De acordo com a proposta de revisão do processo penal
(Lei nº 157/VII, Diário da Assembleia da República, IIª Série-A, nº27, de 28 de Janeiro de 1998), as modificações introduzidas na legislação processual penal visavam obter melhorias nos objectivos de economia processual, de eficácia e de garantia, que já informavam a anterior regulamentação.
Assim, e nos termos da exposição de motivos daquela proposta de lei, introduziram-se modificações destinadas a dar mais consistência e eficácia aos meios disponíveis, de entre elas se assinalando as de maior relevo para o caso: pretendeu-se restituir ao STJ a função de tribunal que apenas conhece de direito, mas com excepções; manteve-se a tramitação unitária dos recursos, mas sem haver um único modelo de recurso; faz-se um uso discreto do princípio da
«dupla conforme», harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do STJ a casos de maior gravidade; retoma-se a ideia da diferenciação orgânica, apenas fundada no princípio de que os casos de pequena e média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, etc. (cf. Sobre esta matéria, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 12ª Edição, pg. 754).
A norma que vem questionada refere-se claramente à moldura geral abstracta do crime que preveja pena aplicável não superior a 8 anos: é este o limite máximo abstractamente aplicável, mesmo em caso de concurso de infracções que define os casos em que não é admitido recurso para o STJ de acórdão condenatórios das relações que confirmem a decisão de primeira instância.
Significa isto que o patamar a partir do qual a decisão da relação é irrecorrível é o que fixa em pena não superior a 8 anos a pena aplicável a determinado crime, independentemente de, no caso, terem sido várias as infracções cometidas em concurso. Relevante, para efeitos de (in)admissibilidade de recurso é a pena aplicável ao crime cometido e não a soma das molduras abstractas de cada um dos crimes em concurso.
Como já se referiu, mesmo em processo penal, a Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz e, mesmo admitindo-se o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência, no processo penal, da exigência constitucional das garantias de defesa, tem de aceitar-se que o legislador penal possa fixar um limite acima do qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição: ponto é que, com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
Ora, no caso dos autos, o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior.
Existe, assim, alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos graus de recurso. No caso, o fundamento da limitação – não ver a instância superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de casos de pequena ou média gravidade e que já foram apreciados em duas instâncias
– é um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado e que corresponde aos objectivos da última reforma do processo penal.
Tem, por isso de se concluir que a norma do artigo 400º, nº1, alínea f) do CPP não viola o princípio das garantias de defesa, constante do artigo 32º, nº1 da Constituição.'
As razões aduzidas no aresto que se acaba de, em parte, transcrever são inteiramente transponíveis para o caso.
É certo que a interpretação normativa agora em causa não coincide com a que foi apreciada no Acórdão n.º 189/01 - neste a questão tinha directamente a ver com a pena aplicável em caso de concurso de infracções.
A verdade, porém, é que, no confronto com o artigo 32º n.º 1 da Constituição, a questão da conformidade constitucional da interpretação normativa adoptada no acórdão recorrida se coloca nos mesmos termos.
Com efeito, a resolução da questão de constitucionalidade passa por saber quais os limites de conformação que o artigo 32º n.º 1 da CRP impõe ao legislador ordinário, em matéria de recurso penal.
E a resposta é dada no Acórdão n.º 189/01 no sentido de não haver vinculação a um triplo grau de jurisdição e de ser constitucionalmente admissível uma restrição ao recurso se ela não for desrazoável, arbitrária ou desproporcionada.
Ora, não podendo o Tribunal Constitucional censurar as interpretações normativas que, no estrito plano do direito infraconstitucional, são feitas nas decisões recorridas, a inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de uma decisão proferida em 2º grau de jurisdição que confirma a condenação decretada em 1ª instância, - quando esse recurso é apenas interposto pelo arguido e, por força da proibição da reformatio in pejus, o STJ nunca poderá impor pena superior a 7 anos de prisão -, afigura-se racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o STJ com a resolução de questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação.
Tanto basta para entender que a questionada interpretação normativa não incorre em violação do artigo 32º n.º 1 da Constituição.
4 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
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Notificado desta decisão, dela veio reclamar o recorrente sustentando em síntese que a norma do artigo 400º n.º 1 alínea f) do CPP permite um 3º grau de jurisdição, atendendo à moldura da pena aplicável em abstracto e não à pena aplicada em concreto como foi o caso - e seria este o entendimento do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 189/01, citado na decisão reclamada.
Na sua resposta, o Ministério Público sustenta que a reclamação é manifestamente infundada.
Cumpre decidir.
2 - Deve, antes de mais, registar-se o que constitui jurisprudência reiterada deste Tribunal: no julgamento de constitucionalidade de normas, em fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional não sindica, no estrito plano do direito infraconstitucional, as interpretações normativas feitas na decisão impugnada. O Tribunal Constitucional assume-as como um dado insindicável e é sobre elas que incide o seu juízo de conformidade ou desconformidade à Constituição.
Nesta medida, nada relevaria a circunstância de o Tribunal Constitucional porventura entender que, naquele plano, não seria correcta a interpretação normativa em causa.
No caso, o que sucedeu foi que o tribunal a quo integrou no conceito de 'pena aplicável' constante da norma do artigo 400º n.º 1 alínea f) do CPP, também, as situações em que, confirmada pela relação a decisão condenatória proferida em 1ª instância e sendo o recurso apenas interposto pelo arguido, nunca o STJ pudesse aplicar pena superior a oito anos de prisão.
Ora, em primeiro lugar, a decisão reclamada adoptou o entendimento, pacífico na jurisprudência do Tribunal Constitucional - não discutido, aliás, pelo recorrente - de que a Constituição não garantia, em processo penal, um 3º grau de jurisdição.
Seguidamente, considerou que a limitação do direito de recurso, resultante da interpretação normativa em causa, não era desrazoável, arbitrária ou desproporcionada, uma vez que era ainda a preocupação, fundada e aceitável, de, garantido já o direito de recurso, não assoberbar o STJ com a resolução de questões de menor gravidade (assim se compreendendo a inaplicabilidade, no caso, de pena de prisão superior a 7 anos de prisão, quando um tribunal superior já confirmou a decisão condenatória) que se vislumbrava naquela limitação.
Ora, nenhum destes fundamentos - que a conferência reitera - é abalado pela presente reclamação.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Uc’s, quantia que, em virtude do apoio judiciário concedido, só será paga se o arguido vier a obter possibilidades económicas para suportar o encargo.
Lisboa, 14 de Outubro de 2003
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida