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Proc. n.º 478/03
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 26 e seguintes, negou-se provimento ao recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes fundamentos:
“[...]
4. O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 103º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, cujo teor é o seguinte:
«Salvo por oposição de julgados, não é admissível recurso dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo que decidam: a) Em 2º grau de jurisdição.
[...]». O recorrente considera que a norma em causa viola os princípios do acesso ao direito e da igualdade, «se se admitir uma única instância de recurso no caso das acções previstas nos arts. 71º e 72º da Lei de Processo».
5. O Tribunal Constitucional foi já por diversas vezes chamado a apreciar a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente. A partir do acórdão n.º 65/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., p.
653 ss), e mantendo uma jurisprudência constante, este Tribunal tem-se pronunciado no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do artigo
103º da LPTA que estabelece limites ao recurso de decisões jurisdicionais no
âmbito do contencioso administrativo – citem-se, entre outros, os acórdãos n.ºs
202/90 (Acórdãos..., cit., 16º vol., p. 505 ss), 447/93 (Acórdãos..., cit., 25º vol., p. 673 ss) e 249/94 (Acórdãos..., cit., 27º vol., p. 667 ss). Mais recentemente, o acórdão n.º 125/98 (publicado no Diário da República, II, n.º
102, de 4 de Maio de 1998, p. 5949 ss), e os acórdãos n.ºs 90/98, 95/98, 170/98 e 542/98, ainda inéditos, continuaram a manter o mesmo entendimento. Nos mencionados acórdãos o Tribunal disse, em síntese, que a Constituição não exige um duplo grau de jurisdição no âmbito do contencioso administrativo. Concluiu assim que a norma em questão respeita o direito de acesso à justiça e aos tribunais, em termos que não se afiguram conflituantes com a nova redacção dada pela revisão constitucional de 1997 aos artigos 20º e 268º, n.º 4, da Constituição, e que não violam o princípio constitucional da igualdade.
É que, como o Tribunal tem afirmado, em jurisprudência constante, «o princípio do duplo grau de jurisdição não dispõe, salvo em processo criminal e quanto às decisões condenatórias, de uma protecção geral no plano constitucional» e, «no domínio dos outros ramos de direito processual, [...] o duplo grau de jurisdição não se acha constitucionalmente garantido, reconhecendo-se ampla liberdade de conformação ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos» (cfr., por exemplo, o citado acórdão n.º 249/94).
É esta jurisprudência que aqui se reitera. Pelos fundamentos constantes dos citados acórdãos – para os quais se remete, pois são inteiramente transponíveis para o caso dos autos –, reafirma-se que a norma questionada não padece de qualquer das inconstitucionalidades apontadas pelo recorrente.
[...].”
2. Notificado desta decisão sumária, A. dela veio reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, em síntese pelos seguintes fundamentos (fls. 33 e seguintes):
a) O recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo ora reclamante
“não se fundamentou em qualquer interpretação de norma constitucional de que se tenha querido extrair a consagração genérica da obrigatoriedade de um grau de recurso ou de um duplo grau de jurisdição”, antes se tendo alicerçado na imposição constitucional de um duplo grau de jurisdição no caso preciso das acções previstas no n.º 1 do artigo 72º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos; b) Mesmo a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional mencionada na decisão sumária reclamada tem uma amplitude muito menor do que a que aparenta, já que “foi fundamentalmente construída (senão exclusivamente) a partir do exame da norma dessa Lei de Processo (o seu art. 103º) que interdita o recurso de acórdãos do S.T.A. proferidos em primeiro grau de jurisdição em pedidos de suspensão de eficácia”, podendo ainda suscitar-se outros problemas de inconstitucionalidade face a outros segmentos da mesma norma; c) Embora se possa aceitar que a Constituição não exige um duplo grau de jurisdição, daí não decorre que ele não seja constitucionalmente imposto em casos pontuais; d) No presente caso, o que sobreleva “é a ofensa do princípio da igualdade, na perspectiva de averiguar se, na concreta acção intentada no presente processo, não se verificará a exigência da recorribilidade das decisões”; e) O próprio Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 68/85, “declarou já a inconstitucionalidade de norma processual que limitava o recurso, justamente com base na ofensa do princípio da igualdade”; f) “[F]ace aos fundamentos invocados no presente recurso, de forma alguma pode ser invocada a jurisprudência constante referida na decisão sumária de que ora se reclama, que assim acabou por se não pronunciar sobre a questão realmente suscitada”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional sustentou, na resposta à reclamação, que esta teria de improceder, pelos seguintes fundamentos (fls. 37 e seguinte):
“1º - O reclamante aceita que a Lei Fundamental não impõe, em nenhuma jurisdição, o triplo grau de jurisdição – sendo certo que o duplo grau foi, no caso «sub judicio» perfeitamente assegurado.
2º - Pretende, todavia, que – no caso peculiar dos autos – a limitação de acesso ao Pleno do Supremo Tribunal Administrativo traduziria violação do princípio da igualdade.
3º - Sem, todavia, conseguir justificar minimamente por que razão é que o peculiar litígio dos autos teria de subir, em triplo grau de jurisdição, à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo.
4º - Efectivamente, não se vislumbra a menor especificidade no caso controvertido que permita configurar como solução legislativa «arbitrária» ou
«discricionária» a aplicação do regime limitativo dos graus de recurso – constante da norma sindicada.
[...].”
Cumpre apreciar.
II
4. O artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, permite ao relator proferir decisão sumária quando a questão a decidir já tenha sido objecto de decisão anterior do Tribunal.
Recorde-se que, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, pediu o ora reclamante a “apreciação da questão da inconstitucionalidade da norma do art. 103º/1, a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada no sentido de que se sobrepõe à regra do art. 72º/1 da mesma Lei de Processo, interditando assim as instâncias de recurso admissíveis no processo civil de declaração, na sua forma ordinária, por ofensa dos preceitos dos arts. 13º e 20º/1 da Lei Fundamental” (requerimento de fls. 20 e seguinte).
Atendendo a que, já por diversas vezes, o Tribunal Constitucional se pronunciara no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do artigo
103º da LPTA que estabelece limites ao recurso de decisões jurisdicionais no
âmbito do contencioso administrativo (como exaustivamente se descreveu na decisão sumária reclamada: supra, 1.), era forçoso concluir no sentido do preenchimento dos pressupostos da regra do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, como tal se tendo proferido decisão sumária.
Vem agora o reclamante contrariar o fundamento em que assentou o proferimento de tal decisão sumária: na sua perspectiva, a questão por si submetida ao Tribunal Constitucional seria diversa da questão tratada na jurisprudência constante que se reiterara na decisão sumária, na medida em que incidente sobre o caso pontual –merecedor de tratamento específico à luz do princípio da igualdade – das acções previstas no n.º 1 do artigo 72º da LPTA
(supra, 2.).
Mas, como bem observa o Ministério Público na sua resposta (supra,
3.), não se alcança qual possa ser a especificidade da questão que o ora reclamante pretendeu ver tratada, relativamente à questão objecto da jurisprudência constante do Tribunal Constitucional citada na decisão sumária reclamada. Concretamente, não se alcança em que medida o princípio da igualdade poderia concorrer para a especificidade do regime dos recursos nas acções previstas no n.º 1 do artigo 72º da LPTA.
Não tendo o reclamante demonstrado a razoabilidade da sua tese – a de que à questão que constitui o objecto do presente recurso não podia ser aplicada a jurisprudência constante citada na decisão sumária, por se tratar, afinal, de questão diversa –, não subsistem concomitantemente motivos para deferir a presente reclamação e alterar a decisão sumária reclamada.
III
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária de fls. 26 e seguintes que negou provimento ao recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 15 de Outubro de 2003
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos