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Processo n.º 505/09 
 
 
 
 3ª Secção 
 
 
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I. Relatório 
 
 
 Na presente acção de responsabilidade civil, que A. intentou contra o Estado 
 Português, veio o Autor recorrer para o Tribunal Constitucional do Acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça que absolveu o réu do pedido. 
 
 
 Tendo sido proferida decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, 
 por não ter sido suscitada a questão de constitucionalidade que se pretendia ver 
 apreciada, perante o tribunal recorrido, o recorrente vem reclamar para a 
 conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos (fls. 1030 e seguintes): 
 
 
 
 ?[?] 
 
 
 
 4. Salvo o devido respeito, a perspectiva que vem de se descrever e que fundou a 
 decisão de rejeição do recurso de constitucionalidade é contrariada pelo 
 conteúdo das principais peças processuais que o reclamante, Autor nos autos, foi 
 apresentando ao longo deste processo cível, designadamente, na petição inicial, 
 nas alegações de direito apresentadas na 1.ª Instância, nas alegações de recurso 
 para o Tribunal da Relação e na contra-alegação para o Supremo Tribunal de 
 Justiça. 
 
 
 
 5. Pese embora o elevado número e diversidade das questões jurídicas 
 substanciais com influência para a decisão da causa, nunca ao longo do processo 
 o reclamante deixou de manifestar uma posição expressa acerca do relevo dos 
 princípios constitucionais enunciados para a aferição da legalidade da medida 
 processual privativa da liberdade a que foi sujeito. 
 
 
 
 6. Que tal questão nem sempre constituiu o eixo central e principal da 
 argumentação expendida pelo reclamante é circunstância perfeitamente natural, 
 atenta a pluralidade de pressupostos jurídicos com relevo para a procedência do 
 pedido e a maior atenção que a uns ou a outros se deveria dar nas referidas 
 peças processuais em função dos fundamentos de direito apresentados pelas 
 decisões objecto de recurso ou pelas posições manifestadas pelo Réu a que 
 cumpria responder. 
 
 
 
 7. Mas o que não pode deixar de reconhecer-se é que sempre, desde a petição 
 inicial, o reclamante sustentou a sua pretensão no entendimento de que a sua 
 detenção foi ostensivamente ilegal, em virtude, além do mais, da violação dos 
 princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade e adequação que 
 devem conformar a aplicação das medidas coactivas estaduais na esfera dos 
 liberdades, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. 
 
 
 Senão veja-se: 
 
 
 
 8. No recurso interposto da sentença de 1.ª Instância, dirigido à Relação do 
 Porto, alegou-se o seguinte: 
 
 
 
 ?Como de há muito acentua a doutrina penal alemão mais reputada ? cf., inter 
 alia, Lenckner, Schmidhäuser, Maurach, Zipf, Jescheck e Weigend ? condição para 
 a afirmação da licitude da conduta do funcionário restrititiva de direitos, 
 liberdades e garantias fundamentais do cidadão é que a mesma se mantenha ?dentro 
 dos limites impostos pelos princípios da necessidade e da proporcionalidade, que 
 em geral devem orientar a intromissão dos órgãos estaduais na esfera jurídica 
 dos particulares? (cf. n.os 1 e 2 do art. 18.º da CRP). 
 
 
 Nessa medida, revelando-se o acto oficial materialmente desnecessário para a 
 prossecução da finalidade que lhe é legalmente apontada ? como, aliás, aqui 
 sucedeu de forma paradigmática ? impõe-se a conclusão de que esse acto, in casu 
 de detenção, apesar de formalmente acobertado por uma autorização legal, 
 constituiu, numa perspectiva substancial, um facto ilícito? (ponto 25., pág. 15). 
 
 
 
 9. Acrescentou-se ainda, no ponto 30. daquela alegação apresentada perante a 
 Relação do Porto (p. 17 e s.; retomando-se, sinteticamente, nas conclusões, em b.1.1), 
 p. 37 e s.): 
 
 
 
 ?De notar que a exigência constante da nova redacção dada ao art. 257.º-1 do CPP 
 
 ? ?? quando houver fundadas razões para considerar que o visado se não 
 apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe 
 fosse fixado? não constitutiu senão ?uma explicitação do princípio 
 constitucional da proibição do excesso, fundamentalmente na sua vertente de 
 necessidade, que deve orientar e condicionar qualquer forma de coacção estadual 
 na esfera dos direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas. Nessa 
 medida, a referida exigência devia considerar-se também imposta pelo regime 
 anterior como pressuposto da detenção fora de flagrante delito? (Nuno Brandão, 
 Medidas de Coacção: O Procedimento de Aplicação na Revisão do Código Penal, 2007, 
 in: www.cej.mj.pt, p. 4)?. 
 
 
 
 ?Aduziu-se ainda nos pontos 39. e 40. daquela alegação de recurso que ?atender à 
 mera literalidade dos mandados, para valoração da sua legalidade, tal como 
 pudesse admitir-se no momento da sua emissão, prescindindo de ponderar a 
 legalidade da detenção no momento em que esta ocorre e para efeitos de validação, 
 
 é omitir o dever de controlo da necessidade da compressão de direito fundamental, 
 tal como entendido face à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 
 
 
 Estaríamos, pois, em interpretação materialmente inconstitucional do regime dos 
 artigos 254.º, 257.º e 261.º do C.P.P., por violação daquelas normas 
 supranacionais do art. 5.º, n.º 4, da C.E.D.H. e artigos 27.º e 28.º da 
 Constituição da República Portuguesa com referência ao artigo 18.º do mesmo 
 texto fundamental? (p. 21 e s.; argumento retomado nas conclusões, no ponto d), 
 pág. 39 e s.)?. 
 
 
 
 10. Em face desta argumentação expendida na alegação de recurso para a Relação, 
 não se vê como possa admitir-se que nunca o reclamante ao longo do processo 
 suscitou a concreta questão de constitucionalidade que vem agora apresentar a 
 este Tribunal Constitucional. 
 
 
 
 11. Então não se diz ali que o respeito pelos princípios constitucionais da 
 necessidade e da proporcionalidade constitui condição da licitude da restrição 
 de liberdades fundamentais do cidadão? 
 
 
 
 12. E não se diz também que neste concreto caso, e até de forma paradigmática, o 
 acto oficial privativo da liberdade foi materialmente desnecessário e nessa 
 medida constitui, numa perspectiva substancial, um facto ilícito? 
 
 
 
 13. Não vai aqui já contida uma alegação, fundada em inconstitucionalidade, 
 substancialmente idêntica à da questão de constitucionalidade identificada no 
 requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional? 
 
 
 
 14. A prova de que esta questão expressamente suscitada pelo reclamante foi tida 
 como relevante para a decisão da causa é dada pelo conteúdo do Acórdão da 
 Relação que logo começou por identificar como questões objecto de recurso, entre 
 outras, a ?necessidade da compressão de direito fundamental? e a ?interpretação 
 materialmente inconstitucional do regime dos arts. 254, 257 e 261 do C.P. Penal? 
 
 (cf. pág. 6 desse douto Acórdão). 
 
 
 
 15. Mais, o Acórdão da Relação do Porto decidiu a favor da pretensão do 
 reclamante justamente porque integrou como parâmetro e critério da decisão para 
 apreciar a legalidade da medida processual de detenção o respeito pelos 
 princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação: 
 
 
 
 ?Deve recordar-se que a detenção em causa era fora de flagrante delito e o 
 carácter excepcional das medidas de privação da liberdade atrás enunciado, sendo 
 certo não se vislumbrar qualquer situação de urgência, quer da detenção quer até 
 do interrogatório, como, de certo, veio logo a seguir a ser constatado pelo juiz 
 e expresso no despacho de libertação. 
 
 
 Esse dever de controlo pelo juiz está, aliás, expresso também no art. 261.º, n.º 
 
 1 do C.P. Penal, onde se impõe um dever de libertação (extensível também ao M.P. 
 e à autoridade policial), logo que se tornar manifesto que a medida de detenção 
 se tornou desnecessária. 
 
 
 Portanto, diremos nós, que em caso de manifesta desnecessidade da detenção para 
 os fins por ela visados, qualquer daquelas autoridades se devia abster de a 
 efectivar, se aquela desnecessidade, de forma manifesta, se revelasse antes da 
 detenção. 
 
 
 Nestes termos, a detenção executada a mando do M.P. apesar de formalmente se 
 fundar em mandado legalmente emitido, por provir de autoridade com competência 
 para o efeito, e dentro dos parâmetros previstos no art. 258 (embora no 
 condicionamento já atrás apreciado), era materialmente desnecessária, e como tal 
 ilegítima pelas razões atrás aduzidas. 
 
 
 
 É essa a interpretação que melhor se adequa à defesa do princípio constitucional 
 do direito à liberdade e da admissão da sua limitação apenas em casos 
 excepcionais e por razões de urgência, bem como aos princípios constitucionais 
 da proporcionalidade, da da necessidade e da adequação aludidos no despacho de 
 libertação do A. 
 
 
 Por isso, não deveria ter sido validada, como foi, pelo Juiz que proferiu tal 
 despacho. 
 
 
 A detenção foi pois ilegal e a sua validação posterior enferma da mesma 
 ilegalidade?. 
 
 
 
 16. No recurso que interpôs daquele Acórdão da Relação do Porto, o próprio Réu, 
 o Estado Português, reconheceu que ?há um princípio de tipicidade das privações 
 da liberdade (¼), ao que acresce que, as privações de liberdade, sendo 
 excepcionais, estão sujeitas aos requisitos materiais da necessidade, da 
 adequação e da proporcionalidade? (pág. 11). 
 
 
 
 17. Ou seja, o Réu aceitou que a necessidade, a adequação e a proporcionalidade 
 constituíam pressupostos de legalidade da medida e por isso o que cumpria apurar, 
 considerando a matéria provada, era a sua concreta violação no caso presente (págs. 
 
 11 e 12 das alegações de recurso do MP perante o STJ). 
 
 
 
 18. Exactamente por isto é que na sua contra-alegação o reclamante colocou a 
 
 ênfase não tanto na questão que já parecia absolutamente pacífica para todos os 
 intervenientes do processo, a da aplicabilidade dos sub-princípios da proibição 
 do excesso à verificação da legalidade de uma medida de detenção, mas mais na 
 concreta infracção a esses pressupostos de legalidade considerando a matéria 
 dada como provada. 
 
 
 
 19. Não obstante, na sua contra-alegação perante o STJ o reclamante não deixou 
 de pronunciar-se expressamente sobre o relevo dos princípios da necessidade, 
 proporcionaldiade e adequação, aos quais apontou dignidade constitucional, para 
 a aferição da legalidade de uma detenção fora de flagrante delito. 
 
 
 
 20. Fê-lo em vários passos da sua contra-alegação, invocando as normas e 
 princípios constitucionais pertinentes e louvando-se em jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sempre a 
 propósito das condições de legalidade da detenção: 
 
 
 
 ?11.º 
 
 
 no momento em que ocorre e pelo tempo em que se mantém, ocorreu uma omissão de «dever 
 de análise acerca da manutenção ou não dos pressupostos que determinaram a sua 
 emissão, e, ao fim e ao cabo, um dever de controlo sempre actualizado da 
 necessidade ou não da compressão do direito fundamental, o direito à liberdade. 
 
 
 
 (¼) 
 
 
 
 13.º 
 
 
 mesmo sem necessidade de equacionar o problema à luz da nova lei processual 
 penal ? e a acção foi intentada no domínio da lei anterior ?, o que se pretendeu 
 vincar foi que, a lei constitucional, ao tempo, também exigia que se atentasse 
 na necessidade e proporcionalidade (cfr. argumento doutrinário e jurisprudencial 
 constantes de fls. 12 e sua nota 1). 
 
 
 
 (¼) 
 
 
 
 19.º 
 
 
 
 ?ainda que o legislador deva ter querido fazer uma interpretação declarativa 
 lata, veio a explicitar o que já fluía da ideia da necessidade e 
 proporcionalidade ? artigo 18 da C.Rep ? num caso de medida excepcional e 
 compressiva de um direito fundamental - artigo 27, nº 3, também da lei 
 fundamental. 
 
 
 
 (¼) 
 
 
 
 21.º 
 
 
 Se cessara a razão da necessidade da detenção para fazer comparecer quem para 
 tal se apresentara espontaneamente, logo que teve conhecimento desse interesse 
 processual, 
 
 
 
 22.º 
 
 
 e disso tinham conhecimento ?todos os operadores judiciários que intervieram na 
 execução dos mandados e respectiva validação? (sic a fls. 9 do douto acordão), 
 
 
 
 23.º 
 
 
 a detenção deixara de ser legal, , pois havia que aferir da proporcionalidade da 
 privação da liberdade, da duração e das condições em que se verificou a 
 restrição de liberdade ? ? Acs. T.Const. referidos pelo Ilustre recorrente a fls. 
 
 11. 
 
 
 
 24.º 
 
 
 Estamos perante uma ilegalidade manifesta na execução e manutenção da detenção, 
 por inverificadas as ?circunstâncias em que pode ter lugar a detenção?, para 
 usar expressão do autor referido a fls.17 das doutas alegações de recorrente. A 
 isto alude a douta decisão recorrida falando em ?detenção materialmente 
 desnecessária e, como tal, ilegítima? (fls. 11 da mesma).? 
 
 
 
 21. E no art. 26.º da contra-alegação chegou mesmo a citar-se e a transcrever-se 
 jurisprudência constitucional (Ac. do TC n.º 363/00), para manifestar o 
 entendimento de que ?como acentuam Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., 
 loc. cit.) 'o direito à liberdade, enquanto «direito, liberdade e garantia», 
 está sujeito às competentes regras do art. 18º, nºs 2 e 3, o que quer dizer, 
 entre outras coisas, que só podem ser estabelecidas restrições para proteger 
 outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se 
 ao necessário para os proteger. Tais princípios vinculam o legislador na 
 definição dessas medidas e o aplicador (designadamente o juiz) delas? (negrito 
 nosso) 
 
 
 
 22. Perante o teor desta contra-alegação não se compreende o entendimento 
 expresso nesta douta decisão sumária de que o reclamante não suscitou naquela 
 conta-alegação a questão de constitucionalidade constante do seu recurso para o 
 Tribunal Constitucional. 
 
 
 
 23. Se, efectivamente, a contra-alegação pode parecer não conter uma formulação 
 absolutamente igual àquela que depois veio a integrar no seu requerimento de 
 recurso de constitucionalidade, 
 
 
 
 24. não é menos certo que nela já se encontra perfeitamente expressa a posição 
 de que para a afirmação da legalidade de uma medida cautelar de detenção 
 dependia da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, sob pena de violação 
 constitucionalmente inadmissível do direito fundamental à liberdade e dos 
 princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. 
 
 
 
 25. Não é razoável pretender que o reclamante ? que vinha de conhecer um Acórdão 
 que deu provimento ao seu pedido indemnizatório e se confrontava com uma 
 alegação do MP que reconhecia a necessidade, a adequação e a proporcionalidade 
 como requisitos da detenção; e antes sequer de conhecer, pela própria natureza 
 das coisas, os termos e o modo como o STJ iria tratar os problemas colocados à 
 sua consideração ? enunciasse logo na sua contra-alegação a questão de 
 constitucionalidade de um modo literalmente tão enxuto e ?cirúrgico? como aquele 
 que veio a formular na sua arguição de nulidade e depois neste recurso para o 
 Tribunal Constitucional, em que já conhecia o conteúdo da decisão do Supremo. 
 
 
 
 26. Ora, o que não se pode negar é que na contra-alegação não estivesse já 
 contido aquilo que de essencial e substancial avulta neste problema de 
 constitucionalidade que ora se dirige ao Tribunal Constitucional, 
 
 
 
 27. de molde a que o Supremo Tribunal de Justiça pudesse pronunciar-se 
 expressamente sobre a questão, como pressupõem os arts. 70.º-1, b), e 72.º da 
 Lei do Tribunal Constitucional. 
 
 
 
 28. Exactamente por entender que da sua contra-alegação resultaria para o STJ o 
 dever de apreciar a correlação entre os pressupostos legais da detenção fora de 
 flagrante delito e os princípios constitucionais da necessidade, 
 proporcionalidade e adequação, tendo em conta que através dela haveria lesão do 
 direito fundamental à liberdade, 
 
 
 
 29. é que o reclamante, tendo visto o STJ afirmar, na pág. 21 do douto Acórdão, 
 que ?só por excesso de justificação interessa abordar a questão da adequação, 
 proporcionalidade e necessidade da medida? e ainda que ?a falta destes 
 requisitos não integra o conceito de ilegalidade?, veio ?recordar? o STJ de que 
 na sua contra-alegação suscitara a desconformidade constitucional de um tal 
 entendimento, a qual todavia não chegou a ser apreciada no Acórdão, o que 
 justificou a arguição de nulidade por omissão de pronúncia. 
 
 
 
 30. Arguição que, como se vê, não disse respeito a uma qualquer questão 
 processual à ?boleia? da qual se tivesse enxertado pela primeira vez a questão 
 de constitucionalidade para viabilizar depois o recurso de constitucionalidade, 
 
 
 
 31. mas referiu-se, isso sim, ao próprio problema de constitucionalidade que já 
 emergia da contra-alegação e que, na sua perspectiva, o STJ não havia conhecido. 
 
 
 
 32. Aqui chegados, e sempre com o devido respeito, crê-se demonstrado o 
 desacerto do entendimento do Exmo. Senhor Conselheiro Relator de que o 
 reclamante não suscitou previamente a questão de constitucionalidade nos termos 
 determinados pelos arts. 70.º-1, b), e 72.º da LTC. 
 
 
 Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio, 
 
 
 
 33. Mesmo que improceda o que vai alegado e se considere que o reclamante não 
 suscitou prévia e devidamente o problema de constitucionalidade que o seu 
 recurso, 
 
 
 
 34. nem por isso há motivo para rejeitar o recurso, como se decidiu na douta 
 Decisão Sumária objecto da presente reclamação. 
 
 
 
 35. Isto porque não seria exigível, para efeito do previsto nos arts. 70.º-1, b), 
 e 72.º da LTC, que o reclamante suscitasse a inconstitucionalidade nos termos 
 tão apertados que parecem exigir-se na Decisão Sumária. 
 
 
 
 36. Na realidade, como se viu, o reclamante acabava de receber uma decisão do 
 Tribunal da Relação que afirmava, categoricamente e como fundamento para a 
 procedência do recurso, que a legalidade da detenção fora de flagrante delito 
 dependia do cumprimento dos requisitos, de natureza constitucional, da 
 necessidade, proporcionalidade e adequação; 
 
 
 
 37. e deparava-se com uma alegação do réu Estado Português, subscrita por uma 
 Procuradora-Geral Adjunta que perfilhava esse entendimento. 
 
 
 
 38. O reclamante admitia como teoricamente possível que o Supremo, à semelhança 
 da 1.ª Instância, desse provimento ao recurso do MP em virtude de considerar que 
 no presente caso, e atentos os seus concretos circunstancialismos, a detenção 
 não fora desnecessária, desadequada ou desproporcional. 
 
 
 
 39. Hipótese que não estava absolutamente arredada das suas cogitações 
 precisamente porque levava suposta a premissa de que aqueles corolários do 
 princípio da proibição do excesso constituíam pressuposto de qualquer detenção 
 fora de flagrante delito. 
 
 
 
 40. Mas jamais o reclamante supôs que o Supremo Tribunal de Justiça viesse a 
 decidir como decidiu, i. e., no sentido da afirmação da legalidade da detenção 
 que o reclamante sofreu, com base na ideia de que ?só por excesso de 
 justificação interessa abordar a questão da adequação, proporcionalidade e 
 necessidade da medida?, uma vez que ?a falta destes requisitos não integra o 
 conceito de legalidade?. 
 
 
 
 41. Na verdade, esta fundamentação decisória contraria de um modo tão ostensivo, 
 para não dizer mesmo aberrante, o ideário de um Estado de Direito democrático e 
 liberal, 
 
 
 
 42. que nunca o o reclamante pensou que o Supremo Tribunal de Justiça do Estado 
 Português declarasse que a legalidade de uma detenção não não depende da sua 
 adequação, proporcionalidade e necessidade. 
 
 
 
 43. Pensamento que nunca antes se viu ser sufragado pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça ? repare-se que o Acórdão recorrido não invoca qualquer outro acórdão do 
 STJ nesse sentido; e qualquer pesquisa jurisprudencial em busca de um acórdão do 
 STJ com tal conteúdo será seguramente infrutífera, pela simples razão de que, 
 pelo menos ao que o reclamante apurou, nenhum acórdão mais existe que se tenha 
 pronunciado nessa direcção de que à legitimidade da detenção é alheio o 
 princípio da proibição do excesso ?; 
 
 
 
 44. e que está em franca oposição com tudo aquilo que a jurisprudência 
 constitucional vem decidindo e que a doutrina nacional e estrangeira mais 
 reputada vem defendendo nesta matéria. 
 
 
 
 45. Apelando a uma imagem penal, impõe-se a pergunta: 
 
 
 
 46. numa perspectiva objectiva ex ante, reportada ao momento da elaboração da 
 contra-alegação, seria previsível que o Supremo viesse a entender que para 
 aferir da legalidade de uma detenção se poderia dispensar a verificação da sua 
 necessidade, proporcionalidade e adequação? 
 
 
 
 47. A resposta só pode ser negativa, tão descabida e destituída de sentido se 
 afiguraria uma tal hipótese! 
 
 
 
 48. A interpretação dada pelo STJ às disposições conjugadas dos arts. 225.º, 254.º-1, 
 a), 257.º, 258.º e 261.º do CPP, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, no 
 sentido de que a adequação, a proporcionalidade e a necessidade da medida não 
 constituem pressupostos da legalidade da detenção fora de flagrante delito é tão 
 absolutamente surpreendente que configura uma autêntica decisão surpresa, 
 dispensando nessa medida o ónus da sua prévia arguição de inconstitucionalidade 
 
 ? cf. Guilherme da Fonseca / Inês Domingos, Breviário de Direito Processual 
 Constitucional, 2.ª ed., p. 52; e Ac. do TC n.º 426/2002. 
 
 
 
 49. Razão pela qual, subsidiariamente, deverá deferir-se a presente reclamação?. 
 
 
 O Ministério Público junto do Tribunal Constitucional (fls. 1039 e seguinte), 
 pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação. 
 
 
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
 
 II. Fundamentação 
 
 
 Na decisão sumária ora reclamada considerou-se que não podia conhecer-se do 
 objecto do presente recurso de constitucionalidade por o recorrente não ter 
 suscitado, perante o tribunal recorrido, a questão da inconstitucionalidade da 
 interpretação que constitui tal objecto ? ou seja, da interpretação, reportada 
 aos artigos 225º, 254º, n.º 1, alínea a), 257º, 258º e 261º do Código de 
 Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, segundo a 
 qual a adequação, a proporcionalidade e a necessidade da medida não constituem 
 pressupostos da legalidade da detenção fora de flagrante delito -, o que é 
 exigido pelos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal 
 Constitucional. 
 
 
 Na reclamação ora em análise, o recorrente insurge-se contra esta conclusão, 
 declarando, em síntese, que desde o momento da apresentação da petição inicial 
 sustentara a sua pretensão ?no entendimento de que a sua detenção foi 
 ostensivamente ilegal, em virtude, além do mais, da violação dos princípios 
 constitucionais da necessidade, proporcionalidade e adequação que devem 
 conformar a aplicação das medidas coactivas estaduais na esfera dos direitos, 
 liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos?, transcrevendo depois os 
 excertos da peça processual por si produzida perante a Relação do Porto, que, na 
 sua perspectiva, comprovam a suscitação da concreta questão de 
 inconstitucionalidade agora submetida ao Tribunal Constitucional. 
 
 
 Mas, como é evidente, esta argumentação irreleva, pois que o artigo 72º, n.º 2, 
 da Lei do Tribunal Constitucional exige que a suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade tenha lugar perante o tribunal recorrido, que é, no 
 presente caso, o Supremo Tribunal de Justiça. Dito de outro modo: mesmo que se 
 admita que, no recurso de apelação, o ora recorrente haja suscitado a questão de 
 inconstitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso, a verdade é 
 que tal não bastaria para que se considerasse cumprida a exigência daquele 
 preceito legal, na medida em que era necessário que, nas contra-alegações da 
 revista, o recorrente a suscitasse. 
 
 
 Portanto, para que a presente reclamação procedesse era necessário que o ora 
 recorrente demonstrasse que, nas contra-alegações que produziu perante o Supremo 
 Tribunal de Justiça, sustentou a inconstitucionalidade da interpretação, 
 reportada aos artigos 225º, 254º, n.º 1, alínea a), 257º, 258º e 261º do Código 
 de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, 
 segundo a qual a adequação, a proporcionalidade e a necessidade da medida não 
 constituem pressupostos da legalidade da detenção fora de flagrante delito. 
 
 
 Mas tal demonstração não é feita. Como o próprio reclamante reconhece, nessas 
 contra-alegações apenas se pronunciou ?sobre o relevo dos princípios da 
 necessidade, proporcionalidade e adequação, aos quais apontou dignidade 
 constitucional, para a aferição da legalidade de uma detenção fora de flagrante 
 delito?: ora esta pronúncia do reclamante sobre a ilegalidade ou 
 inconstitucionalidade de uma detenção manifestamente não equivale à suscitação 
 da inconstitucionalidade de uma concreta interpretação de preceitos legais, ou 
 seja, à imputação, a certa interpretação de certos preceitos legais, da violação 
 de normas ou princípios constitucionais. 
 
 
 E não se trata de mera divergência de formulações, como dá o reclamante a 
 entender, quando afirma que ?a contra-alegação pode parecer não conter uma 
 formulação absolutamente igual àquela que depois veio a integrar no seu 
 requerimento de recurso de constitucionalidade?: o que sucede é que, como se 
 disse, nas contra-alegações do recurso de revista o ora recorrente não se 
 pronunciou sobre a questão de inconstitucionalidade que constitui o objecto do 
 presente recurso, mas sobre a ilegalidade (e, porventura, a 
 inconstitucionalidade) da detenção a que fora submetido, o que é uma realidade 
 diferente. 
 
 
 Como também observa o Ministério Público na resposta à presente reclamação, nas 
 contra-alegações do recurso de revista faz-se referência à legalidade da 
 detenção, a normas e princípios constitucionais e à jurisprudência 
 constitucional, mas não se formula a questão de inconstitucionalidade normativa 
 que agora é colocada ao Tribunal Constitucional. 
 
 
 Daí também que não possa compreender-se a afirmação do reclamante (cfr. ponto 29 
 da reclamação) de que ?na sua contra-alegação suscitara a desconformidade 
 constitucional de um tal entendimento, a qual todavia não chegou a ser apreciada 
 no Acórdão, o que justificou a arguição de nulidade por omissão de pronúncia?. 
 
 
 Finalmente, e de modo subsidiário, sustenta o reclamante que ?não seria exigível, 
 para efeito do previsto nos artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º da LTC, que o 
 reclamante suscitasse a inconstitucionalidade nos termos tão apertados que 
 parece exigir-se na decisão sumária?, pois que não era previsível que o Supremo 
 Tribunal de Justiça viesse a entender que para aferir da legalidade de uma 
 detenção se poderia dispensar a verificação da sua necessidade, 
 proporcionalidade e adequação. 
 
 
 Não pode, todavia, concordar-se com este argumento, pois que a interpretação 
 perfilhada pelo tribunal recorrido fora, como o próprio reclamante admite, por 
 si censurada no recurso de apelação perante o Tribunal da Relação do Porto: daí 
 que, neste processo, a adopção dessa interpretação não colheu o recorrente de 
 surpresa, impedindo-o de suscitar antes a sua inconstitucionalidade. Tal como 
 fizera no recurso para o Tribunal da Relação do Porto, também no recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça podia o recorrente ter suscitado a questão de 
 inconstitucionalidade, e a circunstância de a decisão da Relação lhe ter sido 
 favorável não pode naturalmente significar a imprevisibilidade da decisão do 
 Supremo, atendendo à possibilidade de, em qualquer recurso, ser revogada a 
 decisão do tribunal recorrido. 
 
 
 Em suma: não pode aceitar-se que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça tenha 
 assentado numa interpretação que o ora recorrente não podia esperar, quando essa 
 interpretação já havia sido censurada pelo próprio recorrente, se bem que em 
 outro momento processual; nestes casos, o carácter inesperado da decisão mais 
 não traduz do que o funcionamento das regras gerais sobre recursos (sendo uma 
 delas a de que o tribunal superior pode revogar a decisão recorrida, por adoptar 
 outra fundamentação). 
 
 
 Termos em que, por improceder a argumentação do reclamante, deve manter-se a 
 decisão sumária. 
 
 
 III. Decisão 
 
 
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação, 
 mantendo-se a decisão sumária reclamada. 
 
 
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC. 
 
 
 Lisboa, 30 de Setembro de 2009 
 
 
 Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 Maria Lúcia Amaral 
 
 
 Gil Galvão