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Proc. nº 339/02 Acórdão nº 264/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. M..., identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra que negou provimento ao recurso contencioso por si interposto do despacho do Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, de 18 de Outubro de 1994, que determinara a anulação do concurso externo de ingresso para provimento de um lugar de Chefe da Repartição Administrativa do Expediente Geral, Arquivo e Documentação, oportunamente aberto por aviso publicado no Diário da República.
O Supremo Tribunal Administrativo considerou que, não tendo o concurso atingido a fase final, não tinha a recorrente o direito de ser nomeada e, consequentemente, negou provimento ao recurso.
Inconformada, M... interpôs recurso com fundamento em oposição de julgados entre o acórdão recorrido e um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 1993.
Em 27 de Abril de 1999, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que existia a alegada oposição de acórdãos, determinando que o processo seguisse os ulteriores termos (acórdão de fls. 85 e seguintes destes autos).
Na sequência de promoção do Ministério Público (fls. 100), o Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal Administrativo, julgou deserto o recurso, por falta de apresentação de alegações por parte da recorrente (fls.
100 vº).
2. Fazendo apelo ao disposto no artigo 669º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, M... requereu a reforma do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo que julgou deserto o recurso (fls. 102 e seguintes).
Invocou então, em síntese:
– a inaplicabilidade ao caso do artigo 767º do Código de Processo Civil, norma revogada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro;
– a ilegalidade e a inconstitucionalidade do despacho reclamado por violação do princípio da legalidade, ofendendo assim os artigos 7º do Código Civil e 266º, n.º 2, e 267º da Constituição da República Portuguesa.
O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer em que sustentou o indeferimento do pedido, com a seguinte justificação (fls. 114 v.º):
'[...]
É manifesto, todavia, que o normativo invocado apenas se reporta ao esclarecimento ou reforma da sentença, exorbitando do seu campo de aplicação um despacho do relator.
Este despacho não é passível assim de reforma e apenas é impugnável mediante reclamação para a conferência – artigo 9º, nº 2 da L.P.T.A.'
O Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal Administrativo, por despacho de 21 de Janeiro de 2000, indeferiu o requerido, remetendo para as razões invocadas pelo Ministério Público (fls. 115 destes autos).
3. Notificada deste despacho, M... apresentou dois requerimentos: através do primeiro (fls. 117-120), reclamou para a conferência, ao abrigo do artigo 9º, n.º 2, da LPTA, do despacho do relator que indeferiu o pedido de reforma do despacho que julgou deserto o recurso por oposição de julgados por si interposto; através do segundo (fls. 121-130), reclamou para a conferência do despacho do relator que julgou deserto o recurso por oposição de julgados, com fundamento na falta de apresentação de alegações.
No segundo destes requerimentos, formulou, entre outras, as seguintes conclusões:
'[...]
2º- O art. 686º do Código de Processo Civil aplica-se ao foro administrativo por via do disposto no art. 1º e 102º da LPTA, pelo que a presente reclamação é tempestiva e oportuna, pois no caso contrário violar-se-ia as disposições supra referidas. Bem como, tal decisão seria inconstitucional por violação do art. 20º da C.R.P. na vertente do direito de recurso.
3º- Dispondo expressamente o actual Código de Processo Civil que a uniformização de jurisprudência se faz, de acordo com a tramitação dos arts. 732º-A e 732º-B, fica bem claro que a recorrente não necessitava de efectuar qualquer alegação, antes devendo o processo prosseguir os seus termos para julgamento de acordo com a tramitação estipulada e imposta pelo art. 732º-B do C.P.C. aplicável ex vi do art. 1º da LPTA e 102º do mesmo normativo legal, ou seja: interposto que foi o recurso por oposição de acórdãos [pel]a recorrente deveria o mesmo prosseguir para julgamento com o formalismo prescrito no art. 732º-B do C.P.C.
4º- Mesmo que assim se não entendesse, sempre se deveria então aplicar o regime próprio do contencioso administrativo em matéria de alegações sobre o objecto do recurso quer em matéria de notificações quer de prazos, já que a revogação da disposição invocada na decisão reclamada é inequívoca e de aplicação imediata. Assim, seria de aplicar o regime constante do art. 67° do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo em matéria de alegações pelo que, a recorrente deveria ter sido notificada para o efeito, pois que, como exaustivamente se referiu, é ilegal e mesmo inconstitucional a aplicação do art. 767º n°s 1 e 2 por se tratar de legislação revogada cuja manutenção em vigor não tem suporte constitucional, legal nem doutrinal e contraria claramente os princípios gerais de direito em que assenta o nosso ordenamento jurídico, designadamente os princípios da certeza e segurança jurídica sendo inconstitucional por desconformidade com o art. 2° da C.R.P.
5º- Ademais, tratando-se de questão tão delicada como esta de aplicação, por um tribunal superior, de legislação revogada levanta-se ainda a questão da nulidade da sentença por violação do art. 668° n° 1 al. b) e d) primeira parte e 208° n°
1 da Constituição. Na verdade, na decisão reclamada o juiz nem sequer se pronuncia sobre a oportunidade ou legalidade da aplicação de normas jurídicas revogadas o que, além do mais conforma vício de forma por falta de fundamentação, além de se tratar de solução claramente inconstitucional, pois a legislação a aplicar em cada momento há de ser legislação válida e em vigor.
[...]
6º- A decisão de manter como aplicável no foro administrativo legislação civil aplicável ao foro administrativo em consequência de meras remissões quando a referida legislação foi expressamente revogada, além de colocar em causa os princípios da certeza e da segurança jurídica, o que, como se referiu é ilegal e inconstitucional, levanta ainda uma outra questão. Questão que é a da violação do princípio da igualdade pois não é credível, nem desejável nem adequado que estando justamente em causa a questão concreta da uniformização da jurisprudência o Supremo Tribunal Administrativo venha artificialmente impor uma desigualdade de tratamento das questões administrativas e civis, quando a mesma não existia e os arts. que impõem a remissão não foram revogados, continuando em vigor. Tal desigualdade na medida em que se traduz numa desigualdade concreta em relação aos recorrentes a que é aplicada a legislação revogada, que é mais burocrática, tem maiores intervenções processuais, prazos dos recorrentes mais curtos, etc, etc, conforma verdadeira violação da constituição por desconformidade com o art. 13° da C.R.P., sendo pois, claramente inconstitucional sobretudo por violação do n° 1 daquele dispositivo inconstitucionalidade que desde já se invoca!
[...] Ora como é evidente sendo o direito aplicável em sede de recurso o mesmo no plano civil e administrativo, neste último caso por via de remissão operada pelos arts. 1º e 102° da LPTA, será certamente inconstitucional a decisão que decida aplicar norma do direito civil entretanto revogada ao foro administrativo através de uma qualquer criação jurisprudencial criadora e motivadora de desigualdade, o que está claramente em contradição com a Constituição e com a lei, pelo que o despacho ora reclamado está inquinado do vício de violação de lei e é claramente inconstitucional (cfr. art. 207º da C.R.P.).
[...].'
4. O Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 20 de Novembro de 2001 (fls. 16-22; 136-139), desatendeu as reclamações apresentadas.
Lê-se no texto desse acórdão, quanto à primeira reclamação apresentada pela recorrente:
'O seu objecto é, como se viu, o despacho do relator que indeferiu o pedido de reforma do despacho que teria julgado deserto o recurso, por falta de alegações. Ora, não se vê à partida, como se alegou no despacho impugnado, que o disposto no art. 9º , nº 2, da LPTA seja impeditivo da pretendida reforma. O que se diz neste dispositivo é tão só que
«É admissível reclamação para a conferência dos despachos do relator, com excepção dos de mero expediente e dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal». Temos que nos voltar, sim, para o regime a propósito instituído nos arts. 666º e segs. do CPC, aplicável ex vi dos arts. 1º e 102º da LPTA. Reporta-se o mesmo aos vícios e reforma da sentença, mas é aplicável também,
«até onde seja possível», aos próprios despachos, nos termos do nº 3 daquele art. 666º. E o art. 669º, justamente, diz que qualquer das partes pode requerer ao tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a mesma contenha (nº 1, al. a)), a sua reforma quanto a custas e multas (nº
1, al. b)) e a reforma do julgado quando ocorram certos lapsos por parte do juiz, por forma manifesta (nº 2, al. a) e b)). Ora, no caso, embora a reclamante se refira na sua peça à alínea a) do nº 1, a verdade é que nela não trata de qualquer dos vícios aí previstos, demonstramos, sim, compreender perfeitamente a decisão. O real motivo do pedido de reforma centra-se no nº 2 do art.. E sucede que logo no nº 3 deste se dispõe que «cabendo recurso da decisão, o requerimento previsto no número anterior é feito na própria alegação aplicando-se com as adaptações necessárias o disposto no nº 4 do artigo 668º». No caso do despacho de que foi requerida a reforma para o relator, ou seja, o despacho de 24.11.99, que julgou deserto o recurso, cabia reclamação para a conferência nos termos do art. 9º, nº 2, da LPTA. E a este meio impugnatório, atenta a identidade de razões, deve aplicar-se o regime decorrente do nº 3 do art. 669º. Portanto, era em sede de reclamação que devia ser tratada a questão em análise e não, como o fez a reclamante, de modo autónomo, em requerimento ao próprio juiz que proferiu o despacho. Assim não podia este deixar de ser indeferido.
[...].'
Quanto à segunda reclamação deduzida pela recorrente, disse o Supremo Tribunal Administrativo:
'Na segunda das reclamações, apresentada na data da primeira, ou seja, em 4.2.00, do despacho de 24.11.99 que julgou deserto o recurso, a reclamante sustenta a ilegalidade do mesmo, devendo, em seu entender, o mesmo prosseguir os seus termos. Simplesmente, tal reclamação teve lugar muito para além do prazo de 10 dias a que se refere o artigo 153º do CPC, quando, como flui do acima exposto, devia ter ocorrido dentro daquele. Por tal razão, também não pode ser atendida.
[...].'
5. M... interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, através de requerimento em que concluiu
(fls. 6-10; 144-148):
'[...] Em conclusão, a decisão recorrida fez aplicação de legislação expressamente revogada, pelo que é manifesta a sua ilegalidade e inconstitucionalidade por desconformidade com o disposto no artigo 7º do Código Civil e artigos 2º, 3º nº
3, 13º, 20º, 266º nº 2, 268º e 204º (à data, artigo 207º) da Constituição pelos motivos supra descritos. Termos em que se requer a declaração de inconstitucionalidade da aplicação das normas constantes do artigo 767º nº 1 e 2 do C.P.C. por se encontrar revogada na data em que o recurso por oposição de acórdãos foi declarado deserto com base na falta das alegações respectivas devendo, em consequência, o recurso prosseguir os seus termos até final.'
O Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal Administrativo, por despacho de 30 de Janeiro de 2002 (fls. 180), convidou a recorrente 'a indicar em 10 dias, com precisão, a decisão ou decisões de que recorre'.
A recorrente veio aos autos 'indicar que recorre para o Tribunal Constitucional da decisão de fls. que declarou deserto o recurso de oposição de acórdãos com base na falta de apresentação de alegações, bem como, [que] recorre de todas as decisões posteriores que mantiveram aquela decisão' (fls. 183).
Por despacho de 21 de Fevereiro de 2002 (fls. 184 e 184 v.º), o Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal Administrativo, não admitiu o recurso, invocando as seguintes razões:
'[...] Afirma que o fundamento do recurso tem a ver com a aplicação de legislação revogada – artigos 763º a 770º do CPC, questão levantada no pedido de reforma de sentença de 9.12.99 e na reclamação para a conferência de 4.2.00, o que ofende
«o disposto no artigo 7º do Código Civil e artigos 2º, 3º, nº 3, 13º, 20º, 266º, nº 2, 268º e 204º (à data, artigo 207º) da Constituição». Convidada a indicar com precisão a decisão ou decisões de que recorria, a recorrente afirmou que o fazia «da decisão de fls. que declarou deserto o Recurso de oposição de acórdãos, com base na falta de apresentação de alegações, bem como, se recorre de todas as decisões posteriores que mantiveram aquela decisão». Vejamos, então:
– despacho do relator de fls. 293 v.º.
É certo que na mesma se faz apelo ao art. 767º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão. Porém, anteriormente, não se havia suscitado no processo a inconstitucionalidade de tais normas. Daí que vá indeferido o requerido nesta parte (art. 70º, nº 1, al. b) e 76º, nº
2, da Lei 28/82).
– despacho do relator de fls. 308 e acórdão de fls. 328 a 331. Não se faz aplicação nos mesmos das normas em questão (art. 767º, nºs 1 e 2 do CPC). Logo vai também rejeitado o requerimento de interposição de recurso, nesta parte.
– acórdão de fls. 367 a 369. Não está abrangido pelo requerimento de interposição de recurso, uma vez que lhe
é ulterior.
[...].'
6. M... reclamou do despacho que não admitiu o recurso (requerimento de fls. 2-4), ao abrigo ao disposto no artigo 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
'[...]
1º. A reclamante suscitou a questão da inconstitucionalidade do despacho datado de 24/11/99 que julgou deserto o recurso por si interposto com base na existência de oposição de acórdãos [...].
2º. Sucede que a reclamante levantou, de imediato a questão da inconstitucionalidade da aplicação, no caso sub judice do art. 767º n.º 1 e 2 do C.P.C., para tanto alegando que o mesmo foi revogado pelo artigo 17º do D.L.
329-A/95, de 12/12 [...].
3º. Tal questão foi suscitada quer através da apresentação de pedido de reforma quer através de reclamação para a conferência, apresentada, esta última, do despacho que indeferiu o pedido de reforma, respectivamente em 9 de Dezembro de
1999 e 4 de Fevereiro de 2000 [...].
[...]
5º. Com efeito, a reclamante suscitou a questão da inconstitucionalidade da aplicação do art. 767º, n.º 1 e 2 do C.P.C. e, não obstante o tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre a mesma a verdade é que a reclamante nunca deixou de defender que o tribunal se devia pronunciar sobre tal questão.
[...]
8º. [...] não só a reclamante suscitou a questão da inconstitucionalidade durante o processo, como a não aplicação da norma cuja inconstitucionalidade foi levantada configurou a principal «ratione decidendi» da decisão, bem como, já não cabe agora qualquer recurso ordinário, sendo pois forçoso concluir que estão assegurados todos os requisitos que permitem a apresentação e conhecimento do recurso pelo Tribunal Constitucional sendo o despacho da sua não admissão claramente ilegal [...].
[...].'
No Tribunal Constitucional, o Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido do indeferimento da presente reclamação, por considerar que a ora reclamante não suscitou uma questão de inconstitucionalidade em termos procedimentalmente adequados e por entender que as decisões proferidas nos autos não aplicaram a norma impugnada.
II
7. O Supremo Tribunal Administrativo não admitiu o recurso interposto pela ora reclamante, por considerar que, em relação a algumas das decisões por ela indicadas genericamente como decisões recorridas, não tinha sido suscitada no processo a questão de inconstitucionalidade que agora se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, e que, em relação a outras dessas decisões, as normas questionadas pela então recorrente não tinham sido aplicadas.
O recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – a alínea invocada no requerimento de interposição do recurso – é o recurso que cabe das decisões dos tribunais 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer de um recurso fundado nessa disposição, exige-se que os recorrentes suscitem, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma (ou de uma determinada interpretação da norma) que pretendem submeter ao julgamento deste Tribunal e que tal norma
(ou essa interpretação da norma) seja aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi, não obstante a acusação de inconstitucionalidade.
Nos termos do artigo 72º, nº 2, da mesma Lei, o recurso previsto na mencionada alínea b) só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
O sentido funcional que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem atribuído à exigência constitucional e legal de que a inconstitucionalidade seja invocada durante o processo tem em vista dar ao tribunal recorrido a oportunidade de se pronunciar sobre tal questão, de modo que o Tribunal Constitucional venha a decidir em recurso. Deve portanto em princípio a questão de inconstitucionalidade ser suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido.
8. Ora, no caso em apreciação – e independentemente do problema de saber se as decisões (ou todas as decisões) indicadas pela então recorrente nas resposta ao despacho de aperfeiçoamento proferido pelo Relator no Supremo Tribunal Administrativo são susceptíveis de recurso para o Tribunal Constitucional –, certo é que a ora reclamante não suscitou durante o processo, de modo procedimentalmente adequado, uma autêntica questão de inconstitucionalidade normativa a propósito da norma legal que agora pretende que este Tribunal aprecie.
Na verdade, no requerimento de fls. 121-130, apresentado perante o Supremo Tribunal Administrativo, através do qual reclamou para a conferência do despacho do relator que julgou deserto o recurso por oposição de julgados, com fundamento na falta de apresentação de alegações, a então recorrente exprimiu-se do seguinte modo (cfr. supra, 3.):
'[...]
2º- O art. 686º do Código de Processo Civil aplica-se ao foro administrativo por via do disposto no art. 1º e 102º da LPTA, pelo que a presente reclamação é tempestiva e oportuna, pois no caso contrário violar-se-ia as disposições supra referidas. Bem como, tal decisão seria inconstitucional por violação do art. 20º da C.R.P. na vertente do direito de recurso.
[...]
4º- [...] é ilegal e mesmo inconstitucional a aplicação do art. 767º n°s 1 e 2 por se tratar de legislação revogada cuja manutenção em vigor [...] contraria claramente os princípios gerais de direito em que assenta o nosso ordenamento jurídico, designadamente os princípios da certeza e segurança jurídica sendo inconstitucional por desconformidade com o art. 2° da C.R.P.
5º- [...] tratando-se de questão tão delicada como esta de aplicação, por um tribunal superior, de legislação revogada levanta-se ainda a questão da nulidade da sentença por violação do art. 668° n° 1 al. b) e d) primeira parte e 208° n°
1 da Constituição.
[...]
6º- A decisão de manter como aplicável no foro administrativo legislação civil aplicável ao foro administrativo em consequência de meras remissões quando a referida legislação foi expressamente revogada, além de colocar em causa os princípios da certeza e da segurança jurídica, o que, como se referiu é ilegal e inconstitucional, levanta ainda uma outra questão. Questão que é a da violação do princípio da igualdade [...]. Tal desigualdade na medida em que se traduz numa desigualdade concreta em relação aos recorrentes a que é aplicada a legislação revogada, [...] conforma verdadeira violação da Constituição por desconformidade com o art. 13° da C.R.P., sendo pois, claramente inconstitucional sobretudo por violação do n° 1 daquele dispositivo inconstitucionalidade que desde já se invoca!
[...].'
Também no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 6-10; 144-148) – que, de todo o modo, não era já momento adequado para considerar suscitada, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade –, disse a então recorrente (supra, 5.):
'[...] Em conclusão, a decisão recorrida fez aplicação de legislação expressamente revogada, pelo que é manifesta a sua ilegalidade e inconstitucionalidade por desconformidade com o disposto no artigo 7º do Código Civil e artigos 2º, 3º nº
3, 13º, 20º, 266º nº 2, 268º e 204º (à data, artigo 207º) da Constituição
[...].'
Finalmente, lê-se no requerimento de fls. 2-4 através do qual foi deduzida a reclamação do despacho que não admitiu o recurso (supra, 6.):
'[...]
2º. [...] a reclamante levantou, de imediato a questão da inconstitucionalidade da aplicação, no caso sub judice do art. 767º n.º 1 e 2 do C.P.C., para tanto alegando que o mesmo foi revogado pelo artigo 17º do D.L. 329-A/95, de 12/12
[...].
[...]
5º. Com efeito, a reclamante suscitou a questão da inconstitucionalidade da aplicação do art. 767º, n.º 1 e 2 do C.P.C. e, não obstante o tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre a mesma a verdade é que a reclamante nunca deixou de defender que o tribunal se devia pronunciar sobre tal questão.
[...].'
Das expressões utilizadas resulta que a ora reclamante imputa a inconstitucionalidade não à norma legal que agora pretende submeter ao julgamento do Tribunal Constitucional – a norma do artigo 767º, n°s 1 e 2, do Código de Processo Civil – mas às decisões que em cada uma daquelas peças processuais estava a impugnar.
Ora, no sistema português de fiscalização concreta, o controlo de constitucionalidade atribuído ao Tribunal Constitucional diz respeito a normas e não às próprias decisões jurisdicionais.
9. A tudo o exposto acresce que a ora reclamante pretende afinal que o Tribunal Constitucional verifique se as normas do direito infraconstitucional com base nas quais o Supremo Tribunal Administrativo decidiu a questão suscitada nos autos eram ou não aplicáveis ao caso.
Tal pretensão excede obviamente a competência do Tribunal Constitucional, que, no tipo de recurso interposto pela ora reclamante, se limita à apreciação da conformidade constitucional das normas efectivamente aplicadas pelo tribunal a quo na decisão recorrida.
10. Assim, não tendo sido suscitada pela ora reclamante, de modo processualmente adequado, uma questão de inconstitucionalidade normativa relativamente à disposição legal que pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, conclui-se que não se encontram verificados, no caso em apreço, os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
III
11. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 19 de Junho de 2002- Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida