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Proc. n.º 676/01 Acórdão nº 206/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1º Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 136/2002, de 3 de Abril
(fls. 588 e seguintes), indeferiu-se a reclamação para a conferência que F..., Lda. havia deduzido nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, mantendo-se, em consequência, a decisão sumária de fls. 566 e seguintes, que não tomou conhecimento do objecto do recurso que a reclamante interpusera para este Tribunal. Consta do relatório do referido acórdão n.º 136/2002:
'[...]
2. Inconformada com a mencionada decisão sumária, F..., Lda. dela veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (fls. 574 e seguintes). Alegou, em síntese, o seguinte: a) Contrariamente ao afirmado na decisão sumária, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, como decorre da leitura do respectivo texto, fez efectiva aplicação de normas jurídicas cuja interpretação a recorrente considera inconstitucional e não aplicou normas jurídicas que devia ter aplicado, violando de igual modo o artigo 202º da Constituição; b) A recorrente havia questionado o não uso pela Relação dos poderes conferidos pelo artigo 712º, n.º s 1 e 2 do Código de Processo Civil – nomeadamente, a não consideração de provas adquiridas no processo –, o que determina a nulidade da decisão proferida, por omissão de pronúncia, cuja consequência é a vertida no artigo 731º, n.º 2, do mesmo Código (baixa do processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada); c) Ora, a decisão recorrida aplicou efectivamente o mencionado artigo 712º, dando-lhe uma interpretação que viola o disposto no artigo 202º, n.º 2, da Constituição, e, bem assim, não aplicou a norma do referido artigo 731º, n.º 2, que devia aplicar, por força do estatuído naquele preceito constitucional; d) O acórdão do Supremo é contraditório, na medida em que, por um lado, refere que é sindicável o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa ou o facto de a Relação não ter em consideração as provas adquiridas no processo e, por outro lado, entende que no caso dos autos não é sindicável o facto de a Relação não ter tido em conta um documento junto aos autos que comprovava a existência no património da recorrente de um imóvel que, só por si, era suficiente para o pagamento do crédito da recorrida; e) Só na data em que lhe foi notificada a decisão indeferindo a aclaração suscitada, a recorrente tomou conhecimento da interpretação dada às normas dos artigos 712º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 e 731º, n.º 2, do Código de Processo Civil, só nessa data podendo, consequentemente, invocar a respectiva inconstitucionalidade por violação do artigo 202º da Constituição; f) Não é correcto afirmar-se que, por não ter sido a questão do erro na apreciação das provas colocada à Relação por qualquer dos então recorrentes, falta o interesse processual no presente recurso, ou é inútil a apreciação do mesmo, dado que a questão colocada nos presentes autos é exactamente a do dever oficioso de conhecimento de todos os elementos probatórios dos autos pela Relação, nomeadamente daqueles que, por si só, impliquem decisão diferente da proferida.
A decisão de indeferimento da reclamação apresentada por F..., Lda. foi assim fundamentada no acórdão nº 136/2002:
'[...]
3. Como se referiu na decisão sumária ora reclamada, F..., Lda. recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em
27 de Setembro de 2001. Este acórdão indeferiu o pedido de aclaração do acórdão do mesmo Supremo de 15 de Maio de 2001, que havia sido formulado pela ora reclamante. Dado que a ora reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão que indeferiu o pedido de aclaração e não do acórdão que se pronunciou sobre a matéria da causa, entendeu-se na decisão sumária reclamada (cfr. o seu n.º 6) que não seria possível conhecer do objecto do presente recurso, em virtude de o tribunal recorrido (ou seja, o tribunal que proferiu o acórdão recorrido, que é o de 27 de Setembro de 2001) não ter aplicado as normas cuja conformidade constitucional era questionada (cfr. artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional). Com efeito, o poder jurisdicional do Supremo havia-se extinguido – ressalvada, naturalmente, a possibilidade de aclaração – ao ser proferido o acórdão de 15 de Maio de 2001 (cfr. artigo 666º do Código de Processo Civil). Como é evidente, a alegada circunstância de a ora reclamante só após a notificação do acórdão de 27 de Setembro de 2001 ter tido conhecimento da interpretação normativa perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça em nada abala a conclusão a que se chegou quanto à não aplicação, pelo acórdão recorrido, dessa mesma interpretação. Na verdade, e como decorre do artigo 670º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o acórdão proferido sobre o pedido de aclaração não tem autonomia perante o acórdão aclarando para efeitos de recurso, já que só o acórdão aclarando pode ser impugnado, quer a decisão sobre o pedido de aclaração seja de indeferimento
(como sucedeu no presente caso), quer seja de deferimento (quando for esse o caso, porque ela se considera complemento e parte integrante da sentença). Assim sendo, se a ora reclamante ficou esclarecida com o acórdão de 27 de Setembro de 2001, não devia daí extrair a ilação de que podia recorrer deste acórdão, mas unicamente a de que o acórdão anterior (o de 15 de Maio de 2001) havia perfilhado uma determinada interpretação normativa e, nessa medida, recorrer deste acórdão. Improcede, pois, o alegado supra, 2., a) a c) e e).
4. O alegado supra, 2., d), irreleva totalmente para a apreciação da presente reclamação, já que o Tribunal Constitucional não possui competência para sindicar alegadas contradições ínsitas em decisões judiciais (cfr. artigo 70º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
5. Quanto ao alegado supra, 2., f) – e independentemente da razão que pudesse assistir à ora reclamante na demonstração do interesse processual na apreciação do recurso –, certo é que sempre prevaleceriam as razões antes aduzidas para o não conhecimento do recurso (supra, 3).
[...].'
2. Notificada do referido acórdão do Tribunal Constitucional n.º
136/2002, F..., Lda. dele vem agora arguir a nulidade, nos termos do artigo 668º do Código de Processo Civil, invocando o seguinte (fls. 598 e seguintes):
'[...] A verdade é que a matéria em discussão nos presentes autos é apreciada e decidida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de dia 15 de Maio de 2001, cuja verdadeira dimensão só foi conhecida após a decisão de dia 27 de Setembro de 2001. Na verdade, A interpretação inconstitucional que se suscita é a de o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 15 de Maio, ter considerado que a «Omissão da Relação consubstanciada no não atendimento oficioso imposto pelo citado preceito legal»
– art. 712º, nº 2 do CPC – «não integra omissão de pronuncia, mas sim erro de julgamento». «O não uso dos poderes cometidos pelo art. 712º do CPC à Relação não é sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo se tiver havido erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa ou se a Relação não teve em conta as provas adquiridas no processo». Tal interpretação, cuja verdadeira dimensão apenas pôde ser conhecida após o conhecimento da decisão relativa à aclaração, é no entender da recorrente inconstitucional por violação do art. 202º, nº 2 da CRP, uma vez que não assegura os poderes-deveres de fiscalização das decisões de tribunais inferiores
– e por essa via não aplica uma norma que devia aplicar – 731º, nº 2 do CPC – em violação do mesmo princípio constitucional. Deste modo, Considerando o acórdão proferido que o acórdão de que a recorrente deveria recorrer era o de 15 de Maio de 2001 e sendo desse mesmo acórdão que a recorrente recorre, embora com o conteúdo que melhor ficou definido na decisão de dia 27 de Setembro de 2001, deveria conhecer-se do mérito do recurso. Na verdade, O facto de o recorrente indicar na sua petição de recurso a data da decisão de dia 27 de Setembro não invalida o facto principal de recorrer da decisão anterior, cujo conteúdo decalca e refere expressamente na referida petição de recurso, seguindo efectivamente o raciocínio que é postulado no acórdão proferido por esse Venerando Tribunal. Isto é, Que conhecida a verdadeira dimensão inconstitucional, no entender do recorrente, da interpretação vertida no acórdão de 15 de Maio poderia dele recorrer, como efectivamente veio a fazer. Assim, Com o devido respeito considera a recorrente que a decisão recorrida é nula por os fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão. Termos em que, deve ser declarada nula a decisão proferida e em consequência ser conhecido do mérito do recurso.'
Cumpre apreciar.
II
3. Sustenta a reclamante que o acórdão do Tribunal Constitucional n.º
136/2002 seria nulo, ao abrigo do disposto no artigo 668º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, em virtude de os seus fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão.
Considerou-se em tal acórdão (supra, 1.) que, tendo a ora reclamante interposto recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2001, que havia indeferido um pedido, formulado pela reclamante, de aclaração do acórdão do mesmo Supremo de 15 de Maio de 2001, não seria possível conhecer do objecto do presente recurso de constitucionalidade, pois que um dos pressupostos processuais deste recurso é a aplicação, pelo tribunal recorrido, da norma cuja conformidade constitucional se questiona.
Segundo a ora reclamante (supra, 2.), a decisão de não conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade, ínsita nesse acórdão do Tribunal Constitucional n.º 136/2002, estaria em contradição com a fundamentação respectiva, na medida em que nesta se considerava que a reclamante deveria ter interposto recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo de 15 de Maio de 2001 e a reclamante havia efectivamente recorrido deste acórdão de 15 de Maio de 2001.
É, porém, patente que tal contradição não se verifica. Por um lado, porque mesmo que a reclamante tivesse recorrido para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo de 15 de Maio de 2001, a circunstância de, no acórdão n.º 136/2002, ora reclamado, se ter considerado que o não havia feito, nunca consubstanciaria contradição entre os fundamentos e a decisão (e, portanto, nulidade do acórdão), mas erro de julgamento, insusceptível de ser agora suprido (cfr. artigo 666º do Código de Processo Civil). Por outro lado, e decisivamente, a reclamante, ao contrário do que alega, não recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2001, mas do acórdão de 27 de Setembro de 2001 deste mesmo Supremo. É o que expressamente se diz no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 554 e seguintes):
'[...] F..., Lda., recorrente nos autos de recurso supra identificados, não se conformando com o acórdão proferido em 27 de Setembro de 2001, dele pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento [...].'
Tendo a ora reclamante referido expressamente, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, que pretendia interpor recurso do acórdão do Supremo de 27 de Setembro de 2001, não se compreende como pode agora afirmar que recorreu do acórdão de 15 de Maio de 2001 (supra, 2.), pois que tal afirmação é totalmente contrariada pelo teor do seu próprio requerimento de interposição do recurso.
Não se verifica, pois, a alegada nulidade do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 136/2002, de 3 de Abril, por não existir qualquer contradição entre fundamentos e decisão.
III
4. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação, desatendendo-se a arguida nulidade do acórdão deste Tribunal n.º
136/2002, de 3 de Abril. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Maio de 2002 Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida