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Proc. nº 537/01 Acórdão nº 210/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Ministério Público veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto que, julgando inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1º, nº 3, e 13º da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial, na redacção da Portaria nº 883/89, de 13 de Outubro, julgou procedente a impugnação deduzida por I..., SGPS, S.A. contra a liquidação de emolumentos do registo comercial devidos pela inscrição no registo comercial de uma emissão de obrigações.
Tal recurso fundamenta-se na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional e tem por objecto as normas constantes dos artigos
1º, nº 3, e 13º da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial, aprovada pela Portaria nº 883/89, de 13 de Outubro, cuja aplicação foi recusada pelo tribunal a quo com fundamento na sua inconstitucionalidade.
2. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as suas alegações.
O Ministério Público concluiu do seguinte modo:
'1º- Os emolumentos devidos pela realização pelos serviços notariais e de registo de uma tarefa de administração pública do direito privado têm, de um ponto de vista estrutural, carácter inquestionavelmente bilateral ou sinalagmático, já que traduzem a prestação de um serviço aos utentes, consubstanciado na fé pública e segurança associada à outorga em escritura notarial ou na efectivação do acto de registo.
2º- O carácter bilateral da taxa não implica uma estrita correspondência económica entre o valor da prestação imposta ao particular e o custo do serviço que constitui contraprestação do ente público – podendo, porém, no caso de ocorrer «desproporção intolerável» entre ambos, resultar violado o direito fundamental que, porventura, seja actuado ou realizado mediante a prestação do serviço público em causa.
3º- O carácter bilateral da taxa não impede que no seu montante possam ser repercutidos os custos globais de instalação e funcionamento dos serviços que visam a administração pública do direito privado, fazendo partilhar pelos utentes (e não pela generalidade dos contribuintes) tais custos globais, em função da relevância económica dos actos que praticam.
4º- Na específica situação dos autos, não constitui «desproporção intolerável» a liquidação de emolumentos no valor de cerca de 30 mil contos, quando está em causa a celebração de acto de registo de emissão de obrigações, no valor global de cerca de 10.000.000.000$00.
5º- Termos em que deverá proceder o presente recurso, em consonância com o juízo de constitucionalidade da norma desaplicada na decisão recorrida.'
Por seu turno, a recorrida, nas contra-alegações, formulou as seguintes conclusões:
'1º- O [artigo] 1º da «Tabela dos Emolumentos do Registo Comercial», com a redacção que lhe foi dada pela Portaria nº 883/89, enferma do vício de inconstitucionalidade, ofendendo o nº 2 do art. 106º e da al. i) do nº 1 do art.
168º da C.R.P. (aos quais, correspondem, actualmente, os arts. 103º, nº 2, e
165º, nº 1, al. i));
2º- Tal é o que resulta do facto de, por intermédio do [artigo] 1º da «Tabela dos Emolumentos do Registo Comercial» se estabelecerem receitas que, muito embora apresentem uma conexão com um serviço público individualizável, estão manifestamente desligadas, quanto ao seu montante, da actividade desenvolvida pela Administração;
3ª- A desproporção entre o tributo e o serviço é tal que se pode dizer que aquele se desligou completamente deste último, tornando-se, em boa verdade, uma receita abstracta – um imposto –, sendo certo que a mesma foi estabelecida pelo Governo, sem estar habilitado por competente autorização legislativa;
4ª - Quando assim se não entenda, sempre teria de conceder-se em que a mesma disposição cria uma receita pública manifestamente desproporcionada com os custos e a natureza do serviço prestado em troca, com o que quedam violados o princípio da proporcionalidade e o princípio da proibição dos excessos (cfr. nº
2 do art. 266º da C.R.P.);
5ª - Pouco importa que a contrapartida do acto seja proporcional ao «seu valor económico», à «vantagem económica ou jurídica que a prática do acto tem para o utente» (no que se não concede), ou se mantenha o carácter bilateral mesmo no que excede o custo do serviço, pois embora se possa de facto atender, na determinação do montante da taxa, ao valor da actividade da Administração, ou prosseguir com as taxas finalidades redistributivas, nunca poderá desembocar-se num quantitativo substancialmente superior ao custo da actividade administrativa: «as taxas não devem proporcionar à administração pública quaisquer receitas adicionais»;
6º- A fixação do montante dos emolumentos deverá obedecer a uma justa proporção ou a um justo equilíbrio entre a prestação do particular e a contra-prestação de natureza pública fornecida;
7º- A pretexto de uma relação bilateral, o Estado não pode cobrar receitas calculadas de acordo com os critérios próprios que presidem à quantificação das receitas unilaterais.
8º- A justificação para a cobrança de quantias tão díspares e tão elevadas a título de emolumentos por ocasião da efectivação de um registo, de acordo com o disposto no [artigo] 1º da 'Tabela dos Emolumentos do Registo Comercial' reside na circunstância de o legislador ter erigido como critério para o pagamento do serviço prestado a capacidade contributiva dos interessados, capacidade essa que
é medida através de um índice revelado: no caso, a cifra do empréstimo obrigacionista;
9º- As receitas públicas calculadas desta forma, de acordo com os critérios próprios de uma receita unilateral, devem ser abrangidos pelo princípio da legalidade tributária, previsto no nº 2 do art. 106º e da al. i) do nº 1 do art.
168º da C.R.P. (aos quais correspondem, actualmente, os arts. 103º, nº 2, e
165º, nº 1 al. i));
10º- A fixação da taxa de justiça obedece a uma lógica de redução da procura que não pode ser transposta para a fixação dos emolumentos cobrados pelos conservadores a título de serviço público que estes prestam;
11º- Nos serviços registrais, ao contrário do que se passa com o serviço da administração da justiça, não interessa ao Estado limitar a procura, dado que o recurso a este serviço é imposto por lei, importa sim, fixar taxas que assegurem as receitas suficientes para cobrir os custos do serviço;
12º- O acto em causa nos presentes autos é idêntico aos demais actos de registo de emissões de obrigações e a prestação do conservador é idêntica em todos eles: publicação da situação jurídica;
13º- Verifica-se uma desproporção intolerável entre a prestação da recorrida e a contra-prestação fornecida pelo ente público, pois pelo mesmo serviço os cidadãos pagam montantes bastante diversos e bastante elevados, consoante o valor;
14º- A recorrida pagou pelo serviço público a que recorreu um montante a título de emolumentos bastante mais elevado do que teria de pagar um particular que recorresse ao mesmo serviço público mas o valor em causa fosse diferente;
15º- O carácter abstracto da receita em causa é ainda reforçado pelo facto de o produto da sua cobrança reverter não apenas para os custos directos e globais do serviço, mas para uma série de despesas que nenhuma conexão com ele apresentam; Termos em que deverá negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida que julgou a impugnação procedente e provada [...].'
3. O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade da norma contida na Tabela de Emolumentos do Notariado, correspondente à norma questionada no presente processo.
Na verdade, no acórdão nº 115/02, de 12 de Março de 2002, proferido no processo nº 567/00, tirado em Plenário (acórdão ainda inédito, de que se junta cópia), este Tribunal pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 5º Tabela de Emolumentos do Notariado, aprovada pelo Decreto-Lei nº 397/83, de 2 de Novembro.
As razões que justificaram o julgamento do Tribunal no referido acórdão são inteiramente transponíveis para o caso dos autos, atenta a similitude da questão em discussão nos dois processos.
4. Nestes termos, em aplicação da referida jurisprudência, concede-se provimento ao recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente julgamento sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 22 de Maio de 2002 Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa