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Proc. nº 402/01 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – D..., arguido nos autos de processo crime que correu termos no Tribunal de Círculo de Santo Tirso, foi condenado, como autor material de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º nºs. 1 e 2 alínea a) do C. Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Inconformado, recorreu do acórdão condenatório para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, entre o mais, nas suas alegações (fls. 124 e segs.) que se verificava a nulidade de todo o processado posterior ao despacho que designou dia para julgamento, por este não ter sido notificado ao arguido, arguição que se fundamentaria 'no previsto nos artigos 32º nº. 1 da CRP, 315º nº. 1, 113º nº. 10 e 120º nº. 2 al. d), todos do CPP.'
À motivação do arguido, respondeu o Ministério Público a fls. 147 e segs. alegando, quanto à invocada nulidade, que, de acordo com o artigo 121º
(por lapso, indicou-se o artigo 122º) nº 2 do CPP, 'as nulidades respeitantes a falta ou vício de notificação para acto processual, ficam sanadas se a pessoa interessada comparecer' , situação que, no caso, ocorrera, sendo certo que nem o arguido nem o seu defensor manifestaram, na altura, qualquer objecção à realização do julgamento.
O Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de fls. 168 e segs., julgou-se incompetente em razão da hierarquia, declarando competente para reexame da matéria de facto, o Tribunal da Relação do Porto.
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação do Porto, este rejeitou o recurso com fundamento no disposto nos artigos 412º nº. 2, 417º nº. 3 alínea c),
419º nº. 4 alínea a) e 420º nº. 1 do Código de Processo Penal.
De novo inconformado, o recorrente interpôs, então, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando na parte que interessa e relativamente à nulidade anteriormente invocada: 'Sobre tal nulidade, fundamentada nos artigos
32º nº. 1 da CRP, 315º nº. 1, 113º nº. 10 e 120º nº. 2 al. d), todos do CPP, sustentando-se na omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, o Tribunal da Relação disse ... nada.'
O recurso veio a ser admitido na sequência de acórdão do Tribunal Constitucional proferido em recurso de acórdão do STJ que julgara aquele inadmissível.
O STJ profere, então, o acórdão de fls. 304 e segs. onde, na parte que interessa, se decidiu a) que se verificara omissão de pronúncia no acórdão da Relação impugnado e b) entrando no conhecimento da invocada nulidade por constarem dos autos todos os elementos necessários à decisão, que aquela não era insanável e, tendo o recorrente comparecido a julgamento sem manifestar qualquer oposição à realização da audiência, a 'nulidade' ou 'irregularidade' se mostrava sanada.
O recorrente arguiu, então, a nulidade deste último acórdão por não ter conhecido da questão da nulidade insanável por falta de notificação do dia para julgamento com violação directa do artigo 32º nº1 da Constituição.
No mesmo requerimento, diz ainda o recorrente:
'Aliás, é inconstitucional a norma do artigo 315º nº 1, quando interpretado como o foi, no sentido e que o julgamento se pode efectuar sem ter existido notificação, por violação do artigo 32º da CRP.'
Por acórdão de fls. 324 e segs., o STJ indefere a rclamação.
O recorrente interpõe então o presente recurso, ao abrigo do artigo
70º nº. 1 alínea b) da LTC, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 315º nº. 1 do CPP, interpretado no sentido de que não configura nulidade insanável o julgamento ocorrido quando: (i) não foi o recorrente notificado do despacho a que alude aquele artigo 315º, (ii) não lhe ter sido dado conhecimento de que tinha defensor e quem era e (iii) não se ter iniciado o prazo para deduzir a sua defesa e nem sequer lhe ter sido dado conhecimento que podia apresentá-la; tal interpretação violaria o artigo 32º nº. 1 da CRP.
Admitido o recurso, o recorrente apresentou alegações, onde formulou as seguintes conclusões:
'1 – O recorrente foi julgado em 1ª instância, tendo ocorrido, simultaneamente, as seguintes situações:
· Não foi notificado do despacho a que alude o artigo 315º do CPP;
· Não lhe foi dado conhecimento de que tinha defensor e quem era;
· Não se iniciou o prazo para deduzir a sua defesa e nem sequer lhe foi dado conhecimento que podia apresentá-la.
2 – Ao permitir-se o julgamento em tais circunstâncias, isto é, fazendo tábua rasa de qualquer possibilidade de defesa, a decisão recorrida interpretou o artigo 315º do CPP, no sentido de que os julgamentos são permitidos mesmo quando são omitidas as condições mínimas para assegurar as garantias de defesa.
3 – Ao ter entendido de tal forma, violou directamente o artigo 32º nº. 1 da CRP.
4 – Assim, deve ser declarada inconstitucional tal interpretação, com as legais consequências.'
O Ministério Público, junto deste Tribunal, nas suas contra-alegações, limita-se a suscitar a questão prévia da falta de pressupostos de admissibilidade do recurso, por a questão de constitucionalidade não ter sido suscitada 'durante o processo', ou seja, antes da prolação do acórdão do STJ impugnado; não se configurando a decisão como 'decisão-surpresa' já não era oportuna a suscitação, como sucedeu, no em requerimento de arguição de nulidades do mesmo acórdão.
O recorrente respondeu que a questão teria sido levantada logo na motivação do recurso da decisão de 1ª instância.
Cumpre decidir.
2 – Importa, antes do mais, conhecer da questão prévia suscitada pelo Ministério Público ou seja, a de saber se a questão de constitucionalidade em causa foi alegada 'durante o processo' (artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC), ou, mais concretamente, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigo 72º nº 2 da LTC).
Sendo impugnado o acórdão do STJ de fls. o que interessa é, pois, e em princípio, apurar se nas alegações de recurso para o STJ, produzidas pelo recorrente, foi suscitada a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo
315º nº 1 do CPP, o que, desde logo nos dispensa de averiguar se a suscitação ocorreu – como diz o recorrente, na resposta à questão prévia levantada pelo Ministério Público – no recurso interposto do acórdão proferido em 1ª instância
A resposta é inequivocamente negativa, pois, em parte alguma dessas alegações o recorrente pôs em causa a constitucionalidade daquela norma, limitando-se, então, a apontar que o acórdão da relação enfermava de omissão de pronúncia por não ter conhecido da invocada nulidade, no âmbito da qual se situaria, precisamente, a questão de contitucionalidade em apreço.
É certo que a questão de constitucionalidade veio a ser suscitada no requerimento em que o recorrente reclamou por nulidade do acórdão recorrido.
Simplesmente esse não era já o momento oportuno para tal suscitação, uma vez que o poder jurisdicional do STJ quanto ao conhecimento da questão se encontrava já esgotado, pois este não se situava no âmbito da nulidade arguida.
A não suscitação da questão de constitucionalidade nas alegações de recurso para o STJ ou a inadequação da mesma suscitação na arguição de nulidade do acórdão recorrido seriam, de todo o modo, irrelevantes se se considerasse que o julgado constituía uma 'decisão-surpresa'.
Seria o caso se fosse de acolher o entendimento de que não era exigível ao interessado a antevisão da possibilidade da aplicação da norma ao caso concreto, na interpretação questionada, ou seja de que tal aplicação surgira de modo insólito e imprevisível.
Mais concretamente, pergunta-se: era exigível que o recorrente previsse que, arguida a nulidade por omissão de pronúncia do acórdão da relação do Porto, o STJ, depois de a dar por verificada e conhecendo ele próprio da questão que não fora apreciada, julgasse sanada a nulidade ou irregularidade por falta de notificação do arguido do dia do julgamento com fundamento no facto de o arguido ter comparecido a julgamento e não ter arguido no acto a preterição da notificação ?
Entende-se que sim.
Na verdade, conhecidos o regime das nulidades em processo penal e a taxatividade das situações geradoras de nulidade absoluta (nulidades insanáveis) nos termos do artigo 119º do CPP (deste não constando a situação em causa) e a regra da sanação de outras nulidades por força do artigo 120º nº 1 do mesmo Código, estabelecido no nº 3 alínea a) do mesmo artigo que a nulidade de acto a que o interessado assista deve ser arguida antes que o acto esteja terminado e, finalmente, considerando que, nos termos do nº 2 do artigo 121º do CPP, as nulidades respeitantes à falta de notificação ou convocação para acto processual ficam sanadas se o interessado comparecer ao acto, era claramente previsível que o STJ, dada a situação de facto assente – comparência do recorrente a julgamento e não suscitação no acto de qualquer nulidade relativa à falta de notificação – julgasse sanada a nulidade ou irregularidade.
Que é assim, logo o revela a circunstância de o Ministério Público, em contra-alegações, no recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório de
1ª instância e onde vinha então invocada a referida nulidade, ter sustentado que
'as nulidades respeitantes a falta ou vício de notificação para acto processual ficam sanadas se a pessoa interessada comparecer', de acordo com o estabelecido no artigo 121º (por lapso, indicou-se o artigo 122º) nº. 2 do CPP.
Quer isto dizer que o arguido, ao recorrer para o STJ, tomara já conhecimento de uma tese oposta à sua, no sentido da sanação da nulidade invocada, que, embora não ponderada pela Relação do Porto (por não ter conhecido da questão), era previsível que pudesse ser acolhida pelo STJ, como veio a ser, quando o acórdão recorrido supre a omissão de pronúncia do acórdão daquela Relação.
Quer pelo regime expresso no CPP sobre as nulidades em processo penal e a situação de facto dada por assente, quer pelo conhecimento da aludida tese por parte do recorrente, não pode entender-se que o acórdão recorrido configure uma
'decisão-surpresa'.
Procede, pois, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.
3 – Decisão
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 Ucs.
Lisboa,22 de Maio de 2002- Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa