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Procº nº 320/2002. ACÓRDÃO Nº 214/2002
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Não se conformando com a sentença proferida em 19 de Junho de
2000 na 5ª Vara Cível de Lisboa e por intermédio da qual se julgou improcedente a acção intentada contra A, representada pelos seus liquidatários, e condenou o autor, B, como litigante de má fé, na multa de dez unidades de conta, apelou este para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 3 de Maio de
2001, negou provimento ao recurso, excepto na parte em que estabeleceu o quantitativo da condenação por litigância de má fé, que reduziu para cinco unidades de conta.
Deste acórdão solicitou o autor esclarecimento, tendo, no respectivo requerimento, inter alia e para o que ora releva, escrito que 'Pela jurisprudência das cautelas, desde já se suscita a inconstitucionalidade na aplicação do artigo 790º., 1, do Código Civil, por violação dos artigos 2º.,
13º., 20º., 203º., 204º., e 205º. da Constituição da República Portuguesa, o que só ago[]ra se faz, por só agora se justificar a sua necessidade'.
Tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 28 de Junho de 2001, indeferido o pedido de esclarecimento, referindo-se, por entre o mais, que, quanto à questão de inconstitucionalidade na aplicação do artº 790º, nº 1, do Código Civil, se tratava de uma 'questão nova pois que não foi levantada ou tratada na presente acção', veio o autor requerer a sua reforma, repetindo asserção semelhante à acima transcrita, pretensão que veio a ser indeferida por aresto de 18 de Outubro seguinte.
Apresentou então nos autos o autor requerimento com o seguinte teor:-
'A, recorrentes nos autos em referência, não se conformando com o douto acordão nos mesmos proferido, vem dele interpôr recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do dispoto na alinea b) do nº. 1, do artº. 70º., da Lei nº. 85/89 de 7 de Setembro.
Pretende-se vâr apreciada a inconstitucionalidade na aplicação das normas dos artº. 790º., 1, do Código Civil, com a interpretação que lhe foi aplicada no acordão recorrido.
Tal norma, com a interpretação que lhe foi aplicada no douto acordão recorrido, viola os artºs. 2º., 13º., 203º., 204º. e 205º. da Constituição da República Portuguesa.
A questão de inconstitucionalidade foi suscitada nos autos em tempo oportuno.
O recurso deve subir imediatamente e com efeito suspensivo' (sic).
O Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 13 de Novembro de 2001, não admitiu o recurso intentado interpor para o Tribunal Constitucional, o que fez, em síntese, por considerar que a questão de inconstitucionalidade reportada ao artº 790º, nº 1, do Código Civil não foi suscitada, quer na 1ª instância, quer nas alegações da apelação.
Desse despacho reclama agora o autor para o Tribunal Constitucional, esgrimindo com o argumento segundo o qual a questão de inconstitucionalidade foi atempadamente suscitada nos requerimentos consubstanciadores dos pedidos de esclarecimento e de reforma do acórdão de 3 de Maio de 2001.
Tendo dos autos tido «vista» o Ex.mo Representante do Ministério Público, pronunciou-se o mesmo no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvia a improcedência da reclamação sub iudicio.
Na verdade, aquando da impugnação da sentença lavrada na 5ª Vara Cível de Lisboa, o ora reclamante não equacionou minimamente uma questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda do normativo ínsito no nº 1 do artº 790º do Código Civil, quer na perspectiva do teor desse preceito, quer na perspectiva de uma sua qualquer dimensão interpretativa e que teria conduzido, directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, à decisão vertida naquela sentença.
Seria essa, na verdade, a ocasião asada para suscitar a questão de inconstitucionalidade dirigida a tal normativo. E, por isso, é o acórdão de 13 de Maio de 2001 silente quanto a tal normativo.
Como tem sido jurisprudência seguida, sem discrepâncias, por este Tribunal, não é tempestivo suscitar pela primeira vez a questão de inconstitucionalidade em requerimentos de aclaração, de arguição de nulidades ou de reforma da decisão pretendida impugnar perante aquele órgão de administração de justiça, e isto mesmo em face da nova redacção conferida ao nº 2 do artº 669º do Código de Processo Civil (cfr. Acórdão nº 469/2000).
Efectivamente, no citado acórdão, escreveu-se, a dado passo:-
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11. Sustentam os reclamantes, em primeiro lugar, que a aplicação de norma inconstitucional ou ilegal configura uma situação de manifesto lapso do juiz na qualificação jurídica dos factos, caso em que, nos termos do artigo
669º, nº 2 do CPC, se não teria ainda esgotado, quanto a este ponto, o seu poder jurisdicional.
A esta questão já se respondeu na decisão reclamada em termos que, por merecerem a nossa inteira concordância, apenas há agora, mais uma vez, que reafirmar. Como então se disse, a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura (ressalvada alguma hipótese anómala e excepcional, como seja a de inexistência jurídica da norma) uma situação de manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.
É que, como resulta expressamente do nº 2 do artigo 669º do CPC, pressuposto da possibilidade da sua aplicação é, designadamente, que o lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos seja manifesto. Tal significa que o erro de julgamento (aqui consubstanciado na aplicação da norma com o sentido alegadamente inconstitucionalidade) só pode dar lugar à reforma da sentença, com esse fundamento, quando o mesmo seja ostensivo, patente, evidente a uma primeira análise. Ora, tal não será, normalmente, o caso da aplicação de um sentido normativo inconstitucional nem é, inequivocamente, o caso da situação que se encontra retratada nos autos.
Dessa forma, não se verificando os pressupostos de que depende a possibilidade de reforma da sentença quanto à decisão de mérito, vale a regra do nº 1 do art. 666º do Código de Processo Civil, segundo a qual, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
12. Sustentam ainda os reclamantes que não tiveram oportunidade processual de suscitar antes as questões de constitucionalidade e ilegalidade que agora pretendem ver apreciadas, em termos de o tribunal estar obrigado a delas conhecer.
Mais uma vez, porém, sem razão.
Como também já se disse na decisão reclamada, ao contrário do que alegam, tiveram efectivamente os reclamantes oportunidade processual de, antes de proferida a decisão recorrida, ter suscitado as questões de constitucionalidade e de ilegalidade que agora pretendem ver apreciadas.
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Nesses termos, se os ora reclamantes entendiam que o sentido com que o recorrente pretendia que as normas em causa fossem aplicadas – e que, efectivamente, veio a ser utilizado pelo tribunal – era inconstitucional ou ilegal, tinham efectivamente, ao contrário do que alegam, o ónus de contra-alegar, precisamente para suscitar essa questão perante o tribunal recorrido, em termos de lhe permitir pronunciar-se sobre ela na hipótese de, como veio a acontecer, este pretender utilizar, como ratio decidendi, esse sentido normativo.
Como então se disse na decisão reclamada, e mais uma vez aqui se reitera, recai efectivamente sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a seguidas e utilizadas na decisão e utilizarem as necessárias precauções, de modo a poderem, em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar a defesa dos seus direitos.
Nesses termos, sendo previsível que a decisão recorrida pudesse dar
às normas objecto do recurso a dimensão normativa que os ora recorrentes reputam de inconstitucional e ilegal, era-lhes efectivamente exigível que tivessem, logo ali, suscitado essa mesma inconstitucionalidade e ilegalidade.
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In casu, teve o reclamante oportunidade processual para suscitar a questão de incompatibilidade com o Diploma Básico por parte do nº 1 do artº 790º do Código Civil (numa interpretação que, note-se, nunca chega a enunciar) antes de vir a ser proferido o acórdão tirado em 3 de Maio de 2001 pelo Tribunal da Relação de Lisboa (e isto na óptica de harmonia com a qual será este o efectivamente desejado impugnar perante o Tribunal Constitucional, devendo sublinhar-se, por outro lado, que as decisões tomadas nos acórdãos de 28 de Junho de 18 de Outubro de 2001 nem sequer se ancoraram naquele dispositivo).
3. Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta Lisboa, 22 de Maio de 2002 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa