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Procº nº 73/2002.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 4 de Fevereiro de 2002, lavrou o relator decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. Após ter sido condenado por sentença proferida em 26 de Abril de
2000 pelo Juiz do Tribunal de comarca de Santiago do Cacém, como autor material de um crime de homicídio negligente, previsto e punível pelo nº 1 do artº 137º do Código Penal, na pena de vinte meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de três anos na condição de proceder, por determinado modo, ao pagamento de um montante global de Esc. 1.200.000$00 , veio dessa condenação recorrer para o Tribunal da Relação de Évora o arguido A.
Com a motivação que formulou, o arguido não apresentou qualquer transcrição das gravação efectuada dos depoimentos prestados em audiência.
Por acórdão proferido em 23 de Janeiro de 2001, a Relação de Évora rejeitou o recurso na parte em que se impugnava a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos dos números 1 e 2 do artº 420º do Código de Processo Penal.
Pode ler-se nesse aresto, para o que ora releva:-
‘O recorrente, ao impugnar, no art. 2º. das conclusões, a decisão proferida sobre a matéria de facto, pretendendo a reapreciação da prova, fá-lo por remissão para os motivos expostos nos artigos 4, 5 e 6 da motivação, dando o seu teor por reproduzido.
‘O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.’ (cfr., entre outros, o Ac. STJ de 13.3.91, proc. 41
694-3ª Secção). As conclusões da motivação de recurso têm, assim, de resumir as razões do pedido, reflectindo o que consta da motivação do recurso.
.............................................................................................................................................................................................................................................. Pelo que, estando o âmbito do recurso penal circunscrito às conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação, está-lhe vedado fazê-las por remissão para os motivos expostos nos artigos da sua motivação. O nº. 1 do art. 403º. do Cód. Proc. Penal refere que é admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas. O Código de Processo Penal estabelece no art. 412º. os requisitos da motivação do recurso e conclusões. O nº. 1 deste artigo especifica requisitos formais, dispondo que: ‘A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.’ O artigo 412º. do Código de Processo Penal refere, no nº. 3, que: ‘quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as provas que impõem decisão diversa da recorrida; e c) as provas que devem ser renovadas’ e no nº. 4 que ‘quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição’
.............................................................................................................................................................................................................................................. O recorrente, nas conclusões da sua motivação de recurso, ao impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, não observou o disposto nas alíneas [do]
[n.º] 3 do citado art. 412º. Pois, além de não especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, não indica as provas que impõem decisão diversa da recorrida. Além de que, por força do disposto no nº. 4 do citado artigo, tendo as provas sido gravadas, as especificações previstas na alínea b) do mencionado nº. 3 do art. 412º. fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição. O Ilustre Mandatário do recorrente, a quem foi entregue, a seu requerimento, em 09.05.2000 (cfr. cota de fls. 185) a cópia das cassetes com a gravação da audiência, não apresentou a transcrição da prova. Não constam, portanto, das conclusões da motivação do recurso as indicações a que aludem os nºs. 3 e 4 do citado art 412º., pelo que o recurso, nesta parte, não contém os requisitos da motivação. A não observância da regra constante do nº. 2 do mencionado art. 412º. é cominada com a rejeição do recurso, não podendo de ser esta a sanção para o não cumprimento dos nºs. 3 e 4 do citado artigo.
.............................................................................................................................................................................................................................................. No caso em análise, o recurso está limitado à decisão proferida sobre a matéria de facto e, não tendo o recorrente observado o disposto nos nºs. 3 e 4 do art.
412º do CPP, o recurso é manifestamente improcedente. Da omissão dos referidos pressupostos resulta que o Tribunal ad quem não sabe qual o objecto do recurso, bem como a pretensão do recorrente. Impõe-se, assim, concluir pela manifesta improcedência do recurso, na parte em que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, o qual se rejeita, por força do disposto no art. 420º., nº. 1 do Código de Processo Penal.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Do aresto de que longa parte foi transcrita arguiu o recorrente a respectiva nulidade, dizendo que ‘[i]ncorrendo o acórdão em apreço na interpretação inconstitucional dos artigos 420 nº 1 e 412 do CPP, pelos motivos expostos, o recorrente vem invocar tal inconstitucionalidade de tais normativos, na interpretação dada por este acórdão, também para o efeito do disposto nos artigos 71 nº 1 e 72 nº 2 da Lei nº 28/82 de 15/11, com a redacção dada pelas Leis nº 143/85 de 26/11, nº 85/89 de 7/09, 88/85 de 1/09 e 13-A/98 de 26/2’.
O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão 27 de Novembro de 2001, julgou improcedente a arguida nulidade.
Disse-se nessa peça processual:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Apreciando o acórdão em crise, não se vislumbra no mesmo qualquer nulidade.
Com efeito, o acórdão em análise ao constatar que das conclusões da motivação do recurso não constavam as indicações a que aludem o nºs. 3 e 4 do citado art 412º do Código de Processo Penal, considerou o recurso manifestamente improcedente e rejeitou-o nos termos do disposto no art. 420 nº 1 e 2 do Código de Processo Penal.
Observou os requisitos apontados pelo art. 374 do Código de Processo Penal não incorrendo em qualquer nulidade apontada pelo art. 379 nº 1 do mesmo diploma legal.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Deste último acórdão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional fundado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
O recurso veio a ser admitido por despacho proferido em 18 de Dezembro de 2001 pela Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Évora.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa (cfr. nº 3 do artº
76º daquela Lei) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A, ainda do mesmo diploma, a vertente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Efectivamente, é intentado recorrer o acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Évora em 27 de Novembro de 2001 e por intermédio do qual, recorde-se, foi indeferida a arguição de nulidade suscitada relativamente ao anterior acórdão lavrado pelo mesmo Tribunal em 23 de Janeiro do mesmo ano.
Ora, como resulta do que acima se transcreveu, a ratio decidendi da decisão ínsita no acórdão desejado impugnar repousou, e tão só, na circunstância de o aresto precedentemente arguido de nulo não ter incorrido em qualquer das nulidades elencadas no nº 1 do artº 379 do diploma adjectivo criminal, tendo-se concluído que esse mesmo aresto observou todos os requisitos prescritos no artº
374º do dito diploma.
O discorrer que no acórdão de 27 de Novembro se faz sobre a questão da eventual desconformidade com a Lei Fundamental da interpretação dos artigos
412º e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal e que foi levada a cabo pelo acórdão de cuja nulidade então curava, mais não constituem que meros obiter dicta e não constituíram, de todo, razão do decidido.
Significa isto que a decisão jurisdicional pretendida impugnar foi, e tão só, estribada no facto de não ter ocorrido, no acórdão arguido de nulo, preterição do que se estatui nos artigos 374º e 379º do Código de Processo Penal, pelo que foram estes os únicos normativos que constituíram o suporte jurídico da decisão, e não os artigos 412º e 420º, nº 1, do mesmo corpo de leis, na interpretação que teria sido conferida por aquele acórdão.
Sendo isto assim, não se congrega, no caso sub specie, um dos requisitos pressupositores do recurso baseado na alínea b) do nº 1 do citado artº 70º, justamente aquele que consiste na aplicação, pela decisão querida impugnar, da norma (ou normas, ou uma sua qualquer dimensão interpretativa) cuja enfermidade constitucional foi (ou foram) questionada (ou questionadas) pelo recorrente.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
Da transcrita decisão reclamou o arguido para a conferência ao abrigo do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, aduzindo, em síntese, que lhe não foi concedido prazo para aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso
(para o tribunal de 2ª instância) e que 'devem declarar-se inconstitucionais as normas dos artigos 412º n.º 3 e 420º nº 1 do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido em que a falta de cumprimento por um arguido recorrente do dever de transcrição dá lugar à não apreciação do seu recurso sobre a matéria de facto, sem que o mesmo seja convidado a aperfeiçoar essa omissão'.
Ouvido o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, sustentou o mesmo que a reclamação sub iudicio era claramente improcedente.
Cumpre decidir.
2. É óbvia a improcedência da presente reclamação.
Na verdade, como deflui da mesma, a mesma baseou-se na circunstância de o aresto pretendido impugnar perante o Tribunal Constitucional ser o lavrado no Tribunal da Relação de Évora em 27 de Novembro de 2001 e que julgou improcedente a nulidade que tinha sido arguida do anterior acórdão de 23 de Janeiro do mesmo ano, assim não sendo este o que se intentou recorrer.
Ora, foi razão suficiente de decidir do falado acórdão de 27 de Novembro de 2001 a de o antecedente aresto não padecer de qualquer das nulidades referidas no nº 1 do artº 379º do Código de Processo Penal, pelo que foi este preceito que constitui o suporte normativo nela aplicado para justificar a decisão no mesmo ínsita, e não as normas cuja apreciação o ora reclamante desejava submeter à apreciação deste Tribunal.
E este ponto não é minimamente posto em crise na peça processual consubstanciadora da reclamação.
Termos em que esta é indeferida, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa,22 de Maio de 2002- Bravo Serra Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa (com a devida vénia pelo ponto de vista maioritário, entendi que no acórdão decorrido se fez igualmente efectiva
'aplicação' dos artigos 412º, nº 3 e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal – havendo-se tratado a definição da nulidade do primitivo acórdão do Tribunal a quo como abrangendo, ainda, a da nulidade processual que o reclamante faz derivar da interpretação feita desses preceitos. Por isso, votei que se conhecesse do recurso).