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Processo n.º 362/01
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional: I. Relatório A, B e outros, melhor identificados nos autos, executados em acção de execução ordinária para entrega de coisa certa a correr no Tribunal Judicial da Comarca de Fronteira, interpuseram, em 7 de Novembro de 1991, embargos de executado contra o exequente, C. Após várias vicissitudes – que incluíram a suspensão da instância até ao definitivo julgamento de um recurso contencioso, interposto pelo exequente, do despacho de 21 de Setembro de 1991 do Secretário de Estado da Alimentação que lhe indeferira o pedido de entrega, como rendeiro-reservatário, do prédio rústico 'Herdade .....', propriedade dos embargantes, e que lhes tinha sido expropriado no âmbito da reforma agrária e posteriormente devolvido –, foi proferida decisão pelo Tribunal de Círculo de Portalegre, em 11 de Janeiro de
1999, julgando os embargos improcedentes e, consequentemente, válida a execução instaurada pelo embargado contra os embargantes. Inconformados, estes recorreram para o Tribunal da Relação de Évora, tendo escrito (à excepção de B, que recorreu em separado):
'Em suma, a apreciação de um eventual reestabelecimento da posição de arrendatário não compete, nem pode competir, aos Tribunais Comuns, sob pena de se estar a violar o Princípio da Separação de Poderes e as regras de competência dos Tribunais Portugueses, constantes da própria Constituição da República, o que desde já, e para todos os efeitos, se alega.
(...) Nesta conformidade, tendo a decisão recorrida considerado poderem os Tribunais Comuns atribuir ao Exequente-Embargado uma reserva de rendeiro ao abrigo das disposições 20º e 49º da lei n.º 109/88, dessa forma incumprindo com os princípios atrás alegados, têm-se por violados esses mesmos arts. 20º e 49º da Lei n.º 109/88, os arts. 3º, 114º e 205º da Constituição da república e ainda os arts. 2º, 4º, 460º e 465º do CPC.' Por sua vez, também a outra embargante referida considerou, nas suas alegações, que, ao decidir como o fez, o juiz da 1ª instância 'violou a CR ao cometer a princípios de direito civil contrários às leis da reforma agrária a solução do caso.' Não houve outras questões de constitucionalidade suscitadas. Por Acórdão de 27 de Janeiro de 2000, o Tribunal da Relação de Évora julgou procedentes, no que ora importa, os embargos, e declarou extinta a execução, não conhecendo das questões de constitucionalidade. Foi a vez de, inconformado, o embargado interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça considerando, designadamente, que:
'(...) b) Caso julgado anterior decide, com força obrigatória, que, com o provimento do recurso do STA, o arrendamento em causa se mantêm inatingível ou renasce automaticamente, ope legis, e, assim, a respectiva escritura constitui título executivo, porquanto; b1) as decisões de suspensão da Execução e dos Embargos têm por pressuposto lógico, essa inatingibilidade ou renascimento, sob pena de constituirem denegação de justiça vexatória das partes ex vi do art. 20º, 4, da Const. Pol. e art. 6, da Conv. Dir. Homem;
(...) d) Portanto, o aliás douto Ac. recorrido violou, designadamente, os preceitos, entre outros, dos arts. 11º, 14º, 20º e 22º da Lei n.º 109/88, e, ainda, dos arts. 61º, 1, 81º, b) e 82º, 3, 94º e 95º da Const Pol..' Nas contra-alegações de recurso – depois de se referirem, no ponto 58., a questões que o STJ 'não poderá deixar de ponderar (...) sob pena de criação de uma situação totalmente atípica, ilógica, ilegal e mesmo inconstitucional' –, A e outros escreveram:
'84. (...) o Acórdão recorrido não violou nem os artigos 11º, 14º, 20º, e 22º da Lei n.º 109/88 de 26/09, nem os artigos 61, n.º 1, 81º, al. b), 82º, n.º 3, 94º e 95º da CRP, nem quaisquer outros (bem ao invés, a posição sustentada pelo Recorrente é que violaria, caso fosse acolhida por este STJ, tais preceitos normativos, além de outros de grau constitucional).
85. Uma última nota para reiterar que se considera inconstitucional e totalmente contrário à realidade o expendido sob os pontos 6. a 9. das Alegações do Recorrente.
(...)
89. Logo, a apreciação de um eventual restabelecimento da posição de arrendatário não compete, nem pode competir, aos Tribunais Comuns, sob pena de se estar a violar o Princípio da Separação de Poderes e as regras de competência dos Tribunais, constantes da própria Constituição da República, o que desde já, e para todos os efeitos, se alega.' E nas conclusões acrescentaram:
'Q. É que peticionar em sede executiva a atribuição ao Exequente de um direito de reserva na qualidade de ‘rendeiro’, viola flagrantemente os arts. 20º e 49º da Lei 109/88 e demais regras legais próprias da Reforma Agrária. R. Com efeito, a proceder o presente recurso, estaremos em face de uma decisão de um Tribunal Comum que se substitui à Administração na prática de acto a que a esta por lei reservado (e até pela CRP), o que aliás sempre foi aceite pelo Recorrente. S. O que constituirá violação flagrante do disposto nos arts. 20º e 49º da Lei n.º 109/88, nos arts. 3º, 114º e 205º CRP, nos arts. 2º, 4º, 101º, 102º, 103º,
288º n.º1 al. a), 460º, 465º e 474º n.º 1 al. b) ex vi art. 801º, todos do CPC.' Nas alegações da recorrida B não foi suscitada qualquer questão de desconformidade constitucional. O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 30 de Novembro de 2000, considerou não ter 'havido acto que validamente tivesse neutralizado o direito do recorrente, como inicial arrendatário do prédio expropriado e depois restituído em consequência da atribuição do direito de reserva, pelo que o arrendamento tem de ter-se por restabelecido o que confere à escritura de arrendamento completada com a decisão administrativa que atribuiu a reserva, a qualidade de título executivo invocável para a reposição dos direitos do arrendatário.' Desta última decisão foram trazidos a este Tribunal dois recursos de constitucionalidade, ao abrigo, ambos, do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. O primeiro, interposto por A e outros, para apreciação da constitucionalidade
'das normas constantes dos artigos 14º, 20º, 28º e 49º da Lei n.º 109/88 de 26 de Setembro, do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 406-A/75 de 29 de Julho dos artigos
1º, 2º e 3º do Decreto-Lei n.º 12/91, e do artigo 101º do Código de Processo Civil'. O segundo, interposto por B, para apreciação da constitucionalidade dos artigos
20º, n.º 1 e n.º 2, 22º, 28º n.º1 e 49º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, e dos artigos 1º, 2º e 3º do Decreto-Lei n.º 12/91, 'enquanto aplicáveis aos titulares referidos no respectivo artigo 13º'. Notificado da interposição de ambos recursos, o recorrido pronunciou-se no sentido de não estarem preenchidos os requisitos de admissibilidade do primeiro. Através de decisão sumária proferida nos termos do n.º 1 do artigo 78º – A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decidiu-se não tomar conhecimento de tais recursos de constitucionalidade, dizendo-se:
'5. Nos termos do artigo 76º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respectivo recurso. Porém, nos termos do n.º 3 do mesmo normativo, tal decisão não vincula o Tribunal Constitucional. E porque, como se verá, não estão preenchidos os requisitos indispensáveis para se poder tomar conhecimento dos recursos de constitucionalidade pretendidos interpor, é de proferir decisão sumária nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Como se sabe, é condição de conhecimento dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional que, durante o processo, tenha sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade relativamente a uma norma que constitua ratio decidendi da decisão recorrida. O entendimento do que constitui ‘suscitar uma questão de constitucionalidade durante o processo’ foi fixado por jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal:
‘aquele pressuposto deve ser entendido não em sentido meramente formal, tal que a inconstitucionalidade possa ser suscitada até à extinção da instância, mas num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ser feita em momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz, o qual ocorre, em princípio, com a prolação da sentença.’ (Acórdão n.º 1144/96, publicado no Diário da República, II Série, de
11 de Fevereiro de 1997, retomando expressões introduzidas pelo Acórdão n.º
90/85, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Junho de 1985; cfr. também o Acórdão n.º 294/99, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1999).' Ora, como se depreende das transcrições feitas das peças processuais dos recorrentes, a suscitação das questões de constitucionalidade que teve lugar ao longo do processo nada tem a ver com as que acabaram por pretender trazer à apreciação deste Tribunal nos requerimentos de interposição de recurso. Recorde-se:
– nas alegações apresentadas ao Tribunal da Relação de Évora, A e outros imputaram a inconstitucionalidade à violação do 'Princípio da Separação de Poderes e [das] regras de competência dos tribunais portugueses', concluindo que, assim, se violavam os artigos 20º e 49º da Lei n.º 109/88, os artigos 3º,
114º e 205º da Constituição e os artigos 2º, 4º, 460º e 465º do Código de Processo Civil; nas alegações dirigidas ao mesmo tribunal, B imputou à própria decisão da 1ª instância uma violação não especificada;
– nas contra-alegações apresentadas ao Supremo Tribunal de Justiça, A e outros mantiveram o diagnóstico de inconstitucionalidade por violação do 'Princípio da Separação de Poderes', mantendo igualmente as normas dos artigos 20º e 49º da Lei n.º 109/88 entre as disposições normativas violadas; nas alegações dirigidas ao mesmo Tribunal, a recorrida B não abordou qualquer questão de desconformidade constitucional. Quer isto dizer que os artigos 20º e 49º da Lei n.º 109/88 – nem, muito menos, as restantes normas referenciadas num, noutro, ou em ambos os requerimentos de interposição de recurso – não foram, durante o processo, consideradas, em si mesmas ou numa sua enunciada interpretação, como incompatíveis com a Constituição. Uma vez que ‘o requerimento de interposição do recurso limita o seu objecto às normas nele indicadas (cfr. o artigo 684º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, conjugado com o artigo 75º-A, n.º 1, desta lei)’ – como se escreveu no Acórdão n.º 379/96, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1996 e repetido no Acórdão n.º 20/97, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março de
1997 –, sendo, aliás, que nenhuma dessas normas foi alvo de um qualquer juízo de constitucionalidade por parte do tribunal a quo (nem tinha de ser, pois em relação a nenhuma fora adequadamente suscitada tal questão), não pode agora este Tribunal pronunciar-se sobre elas. Em vários arestos deste Tribunal (por exemplo, no Acórdão n.º 102/95, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Junho de 1995), tem-se explicado porquê: ‘o que a lei, em direitas contas, pretende evitar, quando exige que [a questão de constitucionalidade] seja suscitada durante o processo perante o tribunal recorrido’ é que tal questão seja ‘apresentada ao Tribunal Constitucional como uma questão nova’. Conhecer da compatibilidade constitucional de tais normas, cuja constitucionalidade não foi impugnada, seria negar a seu questionamento o carácter de recurso (para reexame, portanto, de uma decisão), justamente por se referir a questões novas – e isso foi, justamente, o que a lei pretendeu evitar. Em suma: porque durante o processo não se suscitaram adequadamente quaisquer questões de desconformidade constitucional em relação a normas – ou, de qualquer modo, porque em relação às normas impugnadas nos requerimentos de interposição de recurso não foi suscitada qualquer desconformidade constitucional durante o processo –, não estão preenchidos os requisitos específicos do tipo de recurso pretendido interpor, pelo que se não pode conhecer de qualquer dos recursos.' Inconformados, vêm A e B reclamar desta decisão para a conferência com fundamentos não coincidentes. Importa decidir, analisando cada um desses fundamentos. II. Fundamentos A) Reclamação de A e outros Escreve-se nesta reclamação que 'a questão de constitucionalidade submetida à apreciação deste TC' foi 'anteriormente suscitada' nas
'i. Alegações de Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Évora – respectivo Capítulo V (...), pontos ns. 118 e ss.; ii. Alegações de Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Évora – respectivas Conclusões BB a DD; iii. Contra-alegações de Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça – respectivo Capítulo III-C (...), pontos n.ºs 56 a 85; iv. Contra-alegações de Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça – respectivo Capítulo III-D (...), pontos n.ºs 86 e ss.; v. Contra-alegações de Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça – respectivas Conclusões N a S;' E acrescenta-se, logo a seguir:
'16. Aliás, a simples leitura dos pontos ns. 84 a 85 das Contra-alegações de Recurso de Revista oferecidas pelos ora Reclamantes ao STJ confirma que a questão da constitucionalidade trazida à apreciação deste TC é EXACTAMENTE a mesma, ipsis verbis, àquela que havia sido suscitada então (‘Em resumo, o Acórdão recorrido não violou nem os artigos 11º, 14º, 20º e 22º da Lei n.º
109/88 de 26/09, nem os artigos 61º n.º 1, 81º, al. b), 82º, n.º 3, 94º e 95º da CRP, nem quaisquer outros (bem ao invés, a posição sustentada pelo recorrente é que violaria, caso fosse acolhida por este STJ, tais preceitos normativos, além de outros de grau constitucional. Uma última nota para reiterar que se considera inconstitucional e totalmente contrário à realidade o expendido sob os pontos 6 a 9 das alegações do recorrente’).
17. Ou seja, e como primeira conclusão, demonstrado fica que os Recorrentes ora Reclamantes suscitaram, quer nas Alegações e Conclusões do Recurso de Apelação por si interposto para o Tribunal da Relação de Évora, quer nas Alegações e Conclusões das Contra-alegações de Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, a questão de constitucionalidade que ora pende perante este Tribunal Constitucional.' Uma vez que a transcrição em itálico incluída no ponto 16 da reclamação já reproduz os pontos 84 e 85 das contra-alegações de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça e as conclusões indicadas sintetizam o modo como a questão de constitucionalidade foi abordada pelos reclamantes, transcrevem-se seguidamente, as invocadas conclusões das alegações do recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora (BB a DD) e das contra-alegações do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (N a S), aliás em parte já transcritas no relatório:
'BB. A decisão impugnada viola regras imperativas de competência ratione materiae pois constitui atribuição ao Embargado de um direito de reserva na qualidade de‘rendeiro’, violando os artªs 20º e 49º da Lei 109/88 de 26 de Setembro, como alegado nos artºs 118º a 124º destas Alegações. CC. Estamos em face de uma decisão de um Tribunal Comum que se substitui à Administração na prática de acto que a esta estava por lei reservado (até pela CRP), como sempre foi aceite pelo ora Apelado e pelo Tribunal a quo. DD. Mesmo que assim se não entenda, sempre caberia reconhecer competência aos Tribunais Comuns mas apenas e só em sede de processo declarativo, não em sede executiva, sob pena de se violarem os artºs 20º e 49º da Lei nº 109/88, os artºs
3º, 114º e 205º CRP e ainda os artºs 2º, 4º, 460º e 465º CPC (preenche-se a situação dos atrºs 101º, 102º, 105º, 288º, nº1 al. a) e 474º, nº1 al. b) ex vi do artº 801º todos do CPC).'
'N. Ao invés o acto legislativo confere um direito ao renascimento de uma posição jurídica, que só após ser reconhecida (administrativamente), poderá ser executada! O. Defender o inverso será violar o disposto nos artigos 20º e 49º da Lei n.º
109/88 e 46º b) e 50º do CPC. P. A posição sustentada pelo Recorrente sob as alíneas c) e d) das suas Alegações, além de violar directamente as disposições legais da Reforma Agrária, viola ainda as regras imperativas de competência jurisdicional ratione materiae.
Q. É que peticionar em sede executiva a atribuição ao exequente de um direito de reserva na qualidade de ‘rendeiro’, viola flagrantenente os arts. 20º e 49º da Lei 109/88 e demais regras legais próprias da Reforma Agrária. R. Com efeito, a proceder o presente recurso, estaremos em face de uma decisão de um Tribunal Comum que se substitui à Administração na prática de acto que a esta está por lei reservado (e até pela CRP), o que aliás sempre foi aceite pelo Recorrente. S. O que constituirá violação flagrante do disposto nos arts. 29º e 49º da Lei n.º 109/88, nos arts. 3º, 114º e 205º da CRP, nos arts. 2º, 4º, 101º, 102º,
105º, 288, n.º 1al. a), 460º, 465º e 474º, n.º 1, al. b) ex vi art. 801º, todos do CPC;' Importa recordar que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade enunciava, como normas sujeitas a 'interpretação e aplicação inconstitucional, dada pelo Egrégio Supremo Tribunal de Justiça' as 'dos artigos
14º, 20º, 28º e 49º da Lei 109/88 de 26 de Setembro, do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 406-A/75 de 29 de Julho dos artigos 1º, 2º e 3º do Decreto-Lei n.º 12/91, e do artigo 101º do Código de Processo Civil', sendo certo que em nenhuma das passagens indicadas se indicam outras normas que não sejam:
os artigos 14º e 20º da Lei n.º 109/88 (ponto 84 das contra-alegações do
recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça transcrito no ponto 16
da reclamação, supra);
os artigos 20º e 49º da Lei n.º 109/88 (ponto 90 das mesmas contra-alegações,
epígrafe do Capítulo III-D e conclusão O, Q e S dessas contra-alegações,
transcritas supra);
e o artigo 101º do Código de Processo Civil (ponto 90 dessas mesmas
contra-alegações e conclusão S, supra). Ou seja: normas invocadas durante o processo, como associadas a violação de disposições ou princípios constitucionais, foram só as dos artigos 14º, 20º e
49º da Lei n.º 109/88 e do artigo 101º do Código de Processo Civil. Na presente reclamação escreve-se:
'Ora, ressalvado o muito respeito que os Recorrentes sempre manifestaram para com todos os órgãos de soberania, não pode deixar de se começar por dizer ser totalmente incompreensível – para dizer o menos – a douta decisão reclamanda, posto que na mesma se parte de determinadas premissas (constantes das alegações dos recorrentes em vários graus de jurisdição), para depois inexplicavelmente se afirmar que tais premissas não estão verificadas porque os Recorrentes nunca alegaram num ou noutro determinado sentido (!!!)' Na decisão reclamada, porém, sublinhou-se que as normas referidas 'não foram, durante o processo, tidas como incompatíveis com a Constituição', já que as normas que os ora reclamantes pretenderam, no seu requerimento de interposição de recurso, sujeitar à apreciação deste Tribunal, tinham sido, quando muito, indicadas como disposições violadas ou em curso de o serem (caso das normas dos artigos 14º, 20º e 49º da Lei n.º 109/88 e do artigo 101º do Código de Processo Civil) mas não como desconformes com a Constituição. Como se sabe – e melhor se verá a propósito da outra reclamação –, o recurso de constitucionalidade é de decisões judiciais, sim, mas tem necessariamente por objecto uma norma aplicada ou desaplicada nessa decisão recorrida. O juízo de conformidade ou desconformidade constitucional deste Tribunal tem, pois, de dirigir-se a essa norma – ou a uma sua interpretação – não à decisão em si. Como se escreveu no Acórdão n.º 2/83, publicado no Diário da República, II Série, de
19 de Julho de 1983 (o segundo proferido pelo Tribunal Constitucional), trata-se de um recurso 'que visa impugnar uma decisão judicial, na parte em que ela aplicou uma norma jurídica, cuja inconstitucionalidade se arguiu durante o processo, a interpor pela parte que suscitou essa questão de inconstitucionalidade'. Ora, como referido na decisão sumária, as normas da Lei n.º 109/88 e a do Código de Processo Civil que foram mencionadas pelos ora reclamantes durante o processo foram-no ao mesmo título das normas constitucionais por eles invocadas: enquanto disposições violadas. Quer isto dizer – e não se vê forma mais simples de o fazer – que tais normas não foram elas mesmas acusadas de desconformidade constitucional, antes era tida por desconforme com a Constituição e com elas o entendimento professado pela outra parte do processo, e que veio a vingar no Supremo Tribunal de Justiça. Tal não é, porém, suficiente para se poder considerar suscitada uma inconstitucionalidade normativa 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer', como exige o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional: uma coisa é imputar, sem mais, aos pontos de vista de uma das partes ou a um sentido decisório do Tribunal a violação de normas legais e constitucionais; coisa diversa (embora não necessariamente contraditória com a anterior) é imputar a esse tribunal uma interpretação de (uma) certa(s) norma(s) que implicasse(m) contradição com a Lei Fundamental, de modo a obter (ao menos) do último tribunal recorrido um juízo de conformidade ou desconformidade dessa(s) norma(s) com a Constituição. Ora, nem esta última suscitação, que é o que a lei exige, foi feita pelos ora reclamantes, nem, ao contrário do que escrevem, alguma das instâncias o fez (a conclusão de 'que para o restabelecimento do arrendamento rural necessário ao reconhecimento de valia executiva ao título subjacente à execução, o Exequente necessitava de o requerer administrativamente, sob pena de as normas constitucionais e legais relativas à regulamentação do direito à reserva, se terem por violadas', constante da reclamação e imputada às páginas '29 a 35 do acórdão' do Tribunal da Relação de Évora, a mais de voltar a laborar na omissão de um suporte normativo para a questão de constitucionalidade, não está de todo, na parte destacada em itálico, no citado aresto). Invocam também os reclamantes que 'ambas as partes (Exequente e Executados, Embargantes e Embargado), juntaram aos autos três doutos pareceres de eminentes jurisconsultos, sendo que em todos a questão da constitucionalidade ou não do restabelecimento ope legis do contrato de arrendamento (i.e., de qual a interpretação conforme à Constituição das normas dos arts. 20º e 49º da Lei n.º
109/88 de 26 de Setembro), era discutida como sendo o ponto fulcral da lide.' Ora, é certo que as referências à interpretação conforme à Constituição de tais normas são esparsas neles e a que mais se aproxima da suscitação de uma questão de constitucionalidade é a que assim consta das conclusões do parecer junto aos autos quatro meses antes da decisão do Tribunal da Relação de Évora: '5ª – A
única interpretação da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, antes e depois da Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, conforme à Constituição da República Portuguesa é a que afaste o restabelecimento ‘ope legis’ do arrendamento, a título de reserva, na zona de intervenção da reforma agrária, impondo a verificação administrativa do respeito do limite máximo de exploração que vale, constitucional e legalmente, tanto para a propriedade como para outros direitos ou situações jurídicas de exploração, como, nomeadamente, o arrendamento.' '6ª – É ilegal o arrendamento na zona de intervenção da reforma agrária que questione o limite máximo de exploração prevista pela legislação ordinária em estrita aplicação do disposto na Constituição da República Portuguesa.' Não por acaso tal referência é retomada na reclamação. Porém: se a legislação ordinária fixa limites 'em estrita aplicação do disposto na Constituição', a legislação ordinária não padece de inconstitucionalidade e o vício está no reconhecimento de um arrendamento com essas características. Vício, note-se, de ilegalidade, nos termos da conclusão 6ª – o que a torna totalmente imprestável para fundamentar a suscitação de uma questão de constitucionalidade. Por outro lado, na conclusão 5ª também se refere que 'o limite máximo de exploração' 'vale constitucional e legalmente, tanto para a propriedade como para outros direitos', invocando-se uma única interpretação conforme à Constituição para toda a Lei n.º 109/88. Ora, ainda que se volvesse a interpretação conforme à Constituição no seu inverso, considerando que implica a imputação de uma desconformidade com a Constituição a outras interpretações, ainda assim não teria sido suscitada validamente uma questão de constitucionalidade normativa. Na verdade, como se escreveu no Acórdão n.º 376/91, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Abril de 1992, 'para efeito de indicação de norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada por este Tribunal, não basta a mera referência, sem qualquer outra concretização, ao acto legislativo que a contenha, designadamente nos casos em que nesse acto se incluam diversos outros normativos que poderão até não ter qualquer ligação ou conexão com a matéria na qual foi detectada desconformidade constitucional.' Por outro lado, para efeitos da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, nem a expressa remissão, a propósito desta questão, para parecer(es) juntos se fez nas alegações perante o tribunal ora recorrido. E o que se incluíra no requerimento de junção do referido parecer foi uma chamada de
'atenção para a relevância técnica ou dogmática' desse parecer que 'confirma a fundamentação apresentada nas Alegações dos Recorrentes', 'em especial quanto aos seus fundamentos':
'a – inexistência de caso julgado na jurisdição cível das decisões proferidas pelos Tribunais Administrativos em sede de recurso de anulação; b – inexistência de fundamento legal para a tese do renascimento ope legis ou judicial do arrendamento rural; c – a necessidade, por imperativo legal e constitucional, de apreciação da Administração (com a emissão de um eventual acto administrativo), para a atribuição de reserva de rendeiro, após análise dos requisitos e limites legais; e d – a interpretação das declarações negociais do Recorrido na Escritura de Renúncia;' Ou seja, também aqui se não invocou uma qualquer desconformidade normativa com a Constituição. O que se invocou foi a conformidade à lei e ao texto constitucional. E de resto, como se escreveu no Acórdão n.º 269/94 (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), '[s]uscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que
(...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou o segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição'. Conclui-se, portanto, que, durante o processo nenhuma questão de constitucionalidade foi suscitada em termos adequados: das normas trazidas à apreciação deste Tribunal no requerimento de recurso de constitucionalidade nenhuma foi, durante o processo, tida como inconstitucional num certo – e especificado – sentido 'de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição', sem o que tal inconstitucionalidade 'não pode ter-se por suscitada em termos processualmente adequados' (Acórdão n.º 367/94, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1994; cfr. também, por exemplo, o Acórdão n.º 185/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., 1995, pp. 911-913). A única invocação de inconstitucionalidade, – nunca referida a nenhuma das normas incluídas no requerimento do recurso de constitucionalidade, que, como se viu, quando muito, foram indicadas como normas violadas –, a da violação do
'Princípio da Separação de Poderes e [das] regras de competência dos tribunais portugueses', nunca se materializou na impugnação de qualquer norma em relação à qual se pudesse agora reapreciar um juízo explícito ou implícito de constitucionalidade formulado pelo tribunal a quo. A decisão sumária reclamada deve, pois, ser confirmada, na parte ora em causa. B) Reclamação de B Resta apreciar a reclamação da recorrente B. De certa forma, pode dizer-se que esta reclamação reconhece tudo o que acaba de se expor, ao admitir que 'não estamos perante a aplicação, em termos inconstitucionais, de uma simples norma, mas perante a neutralização, através de norma interpretada em sentido que ela não comporta (não se hesita em dizê-lo), de todo um sistema legal imposto pela Constituição' (itálico aditado). A ser assim, não estaria em causa qualquer inconstitucionalidade normativa. Analisemos, porém, os argumentos da reclamante, começando pelo invocado direito a beneficiar do despacho de aperfeiçoamento previsto no 'artigo 75º-A, n.º 5 da Lei do Tribunal Constitucional' (que, no caso, seria, de facto, o previsto no n.º 6). Tal invocação labora num lapso evidente: o despacho de aperfeiçoamento só pode visar o que pode ser aperfeiçoado, é dizer, o que faltando embora no requerimento do recurso de constitucionalidade, ainda vai a tempo de lhe ser aditado. Ora, a suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade durante o processo não é passível de despacho de aperfeiçoamento: ou foi efectuada, ou não o foi, e entendeu-se na decisão reclamada que se verificava esta última hipótese. Pode a reclamante entender que efectuou tal suscitação – o que cabe também agora apreciar. O que não pode a reclamante pretender é que lhe tivesse sido dada oportunidade de suscitar adequadamente – no sentido já exposto a propósito da anterior reclamação – uma questão de constitucionalidade que não explicitara durante o processo, perante o tribunal a quo, e antes de este esgotar o seu poder jurisdicional. Acrescente-se que a tentativa de recorte dessa questão – 'É como se o STJ dissesse: os artigos 97º (actual artigo 94º) e 99º da C.R. só regem para os donos da terra; para os rendeiros é outro o regime; os artigos 20º, 22º, 28º e
49º da Lei de Bases e os artigos 1º, 2º e 3º do Decreto-Lei n.º 12/91, ou ficam parcialmente prejudicados, ou ficam letra morta. Por outras palavras, é como se concluisse que tais preceitos violariam a Constituição se fossem aplicados, ou que a Constituição não quis o regime neles previsto, o que é o mesmo.' – não é mais lograda do que a que foi apreciada na decisão sumária: por um lado, se acaso se recusasse a aplicação dos preceitos da Lei n.º 109/88 e do Decreto-Lei n.º 12/91, o que estaria em causa seria um recurso ao abrigo da alínea a) do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que não foi interposto; por outro lado, teria de ter havido um juízo de desconformidade constitucional, em relação a tais normas, na decisão recorrida – coisa que não ocorreu. Aduz também a reclamante a falta de consideração de um parâmetro de inconstitucionalidade, a saber, o do princípio da igualdade. Ora, é certo que, até atento o disposto no artigo 79º-C da Lei n.º 28/82, que cita, tal não seria motivo para deixar de tomar conhecimento o recurso, se nenhum outro houvesse (cfr. o já citado Acórdão n.º 269/94). O problema que impediu o Tribunal Constitucional de tomar conhecimento do recurso, não residiu, porém, para a decisão reclamada, na falta de parâmetro, mas na falta de indicação de uma norma que pudesse servir de suporte às múltiplas e variadas acusações de inconstitucionalidade aventadas – isto é, que fosse identificada como responsável por essas divergências em relação à Lei Fundamental. Diz a reclamante que 'nas alegações para a Relação, logo a fls. 15' fez tal indicação, 'desenvolvendo [o] tema a fls. 25 e sgs.', e concluiu a fls. 27 e 28, indo por aí adiante até resumir no ponto 17 nos seguintes termos:
'Não decidindo assim:
- fez o Meritíssimo Juiz errada avaliação dos factos alegados;
- interpretou erradamente o art. 20º da Lei n.º 109/88, ao negar através dele a figura da reserva do rendeiro;
- violou o disposto no art. 28º daquele mesmo diploma e nos arts. 13 e 3, n.º 5 do Dec.Lei n.º 21/91, ao sobrepor-se ao MAP;
- desprezou a opinião expressa no Ac. do STA que apontava a dedo, como caminho a seguir aquele processo de reserva;
- violou a CR ao cometer a princípios de direito civil contrários à lei da reforma agrária a solução do caso.' Como se vê, tal como na anterior reclamação, confunde-se, porém, a invocação de normas legais como violadas pela decisão judicial, a par de normas constitucionais, com a invocação de normas legais como violadoras de normas constitucionais. Suscitar uma questão de constitucionalidade normativa – e só destas cuida o Tribunal Constitucional – não é, porém, fazer a primeira coisa, é fazer a segunda. O que foi feito ao longo do processo tanto pelos primeiros reclamantes como por esta, foi, porém, a imputação da inconstitucionalidade e a violação de normas legais à decisão judicial. E por isso é que nunca conseguiram cumprir o ónus de adoptar uma estratégia processual adequada para a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa (cfr. os Acórdãos n.ºs 166/92 e 370/94, publicados, respectivamente, no Diário da República II Série, de 18 de Setembro de 1992 e de 7 de Setembro de 1994). Refere ainda a reclamante, para tentar demonstrar que a questão de constitucionalidade foi suscitada mesmo perante o Supremo Tribunal de Justiça:
'A reforma agrária, dirigida a destruir os latifúndios, não teve em vista apenas os dos proprietários; teve também, por igual forma, na sua mira os dos arrendatários, ou usufrutuários.
Seria ela inoperante e violaria, à partida, o princípio constitucional da igualdade, se para os proprietários reservasse apenas uma parcela de 91 mil contos e deixasse que o rendeiro fruísse sem limite o que quisesse.
(...) A verdade é que a lei nenhuma dúvida comporta.
Nem a lei constitucional, nem a lei ordinária.' Ora, é evidente que nestes termos, nenhuma questão de constitucionalidade é invocada. Considera depois a reclamante o seguinte:
'A reclamante, que, na 2ª instância, viu os embargos serem julgados procedentes, partiu vencedora para o Supremo Tribunal de Justiça. Sem entrar na discussão sobre a conformidade constitucional das normas, mas limitando-se a aplicá-las com o sentido que obviamente exprimiam, a Relação considerou que o contrato de arrendamento caducou e não renasceria enquanto, por acto administrativo do MAP, como epílogo de um processo de reserva de rendeiro, se não reconhecesse ao F direito a demarcá-la na Herdade de ....... Era normal essa interpretação. Os arts. 20º, 22º e 28º da Lei de Bases da Reforma Agrária eram claros. Diziam de forma inequívoca que há reservas de proprietários (art. 20º), reservas de titulares de direitos reais menores, reservas de rendeiros (arts. 20º e 22º) e que todos os que tivessem ou explorassem terras na zona de intervenção da Reforma Agrária tinham, para verem ressurgidos os seus direitos de propriedade, reais menores ou de arrendamento, de passar pelo MAP (art.28º). Para os aplicar no seu sentido natural não era preciso fazer indagações de conformação constitucional. A distorção do seu alcance é que era contrária a tudo isso: à letra e ao espírito. Seria, nesse contexto, de prever que o Supremo Tribunal de Justiça enveredasse por uma interepretação que não respeita nem a letra da lei, nem o seu espírito? Mais: que acabasse por criar, como ideia fundamentadora da sua decisão uma norma que levava à inutilização de todo um sistema legal de normas previstos para o regresso dos rendeiros às terras exploradas no contexto da Reforma Agrária? Pensa-se que não. O STJ é que criou a inconstitucionalidade. Até ele não havia motivo para contar com a interpretação que lhe dá origem. Era inexigível à parte vencedora na Relação que a suscitasse.' E conclui que 'Nada obstaria, por isso, a que, mesmo que não tivesse sido suscitada ao longo do processo (...) pudesse sê-lo agora, ex novo, no Tribunal Constitucional.' Será assim? Antes de mais há-de reconhecer-se que, constituindo a decisão do Supremo Tribunal de Justiça uma reabilitação da tese prevalente na 1ª instância, a decisão recorrida não poderia considerar-se uma 'decisão-surpresa', no sentido de decisão que tenha adoptado uma interpretação de normas com que os recorrentes não pudesse de todo em todo contar:
'De tudo se conclui, de acordo com a decisão da 1ª instância que uma vez proferida decisão definitiva que reconhece e atribui o direito de reserva, isso basta para que os titulares dos outros direitos reais e o arrendatário possam exercer os seus direitos sem qualquer outra actividade autónoma específica da administração.' Depois, como continuava o acórdão de 30 de Novembro de 2000 do Supremo Tribunal de Justiça, era também esse 'o ponto de vista do Doutor Menezes Cordeiro no parecer junto aos autos e é uma solução que está na lógica da doutrina deste Supremo Tribunal de 6/3/90 (in BMJ n.º 392/542) que, definindo a natureza jurídica do direito de reserva configura esta como área inexpropriável pré-existente à expropriação mantendo-se após ela e não se definindo posteriormente. O mesmo sucede com os direitos reais menores e com o arrendamento que, por isso, não caducam com a expropriação.' Finalmente, essa mesma interpretação fora adoptada no Acórdão da Relação de
Évora de 7 de Março de 1991 (publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, Tomo II, p. 316), transcrito nos autos e citado logo na contestação, e por Acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, igualmente citados nos autos. Assim sendo, não se pode julgar surpreendente, nem a decisão recorrida, nem o seu fundamento, pelo que não poderia a ora reclamante – nem os restantes – considerar(em)-se isenta(os) de suscitar adequada e atempadamente a questão da desconformidade constitucional das normas assim interpretadas (ainda que o seu entendimento fosse o de que a desconformidade não existia nas normas legais que sempre enunciaram como violadas, a par das constitucionais, por uma decisão diferente da que pretendiam). Resta, finalmente, o argumento que se apoia no parecer antecipadamente pedido para 'apoiar na discussão de fundo' da questão de constitucionalidade, que termina assim 'uma breve súmula dos passos do litígio sub judice':
'Perante a inusitada sentença do Supremo Tribunal de Justiça solicitou-nos a nossa consulente um parecer jurídico em que se esclarecesse se, além da má investigação/aplicação do direito ordinário (de aqui não nos compete curar), não haveria também violação ostensiva do direito constitucional específico sobretudo da norma do art. 94º da Constituição da República Portuguesa.' Para reduzir a complexidade de tal problemática escreve-se em tal parecer:
'(1) Ao decidir a questão controvertida – subsistência ou renascimento do direito ao arrendamento – com base exclusiva no art. 20º da Lei de Bases da Reforma Agrária (que se refere à reverva de propriedade) ignorando ostensivamente o teor normativo do art. 22º da mesma Lei (que se refere expressis verbis à reserva de rendeiro) o Supremo Tribunal de Justiça teria proferido uma sentença ilegal, dado violar expressamente a lei, e, indirectamente, uma sentença inconstitucional por não obedecer à informação dada pelo legislador no art. 94º, ou teria feito uma interpretação normativa inconstitucional do art. 20º se e na medida em que esta interpretação se revele em desconformidade material com o preceito normativo em análise? A interrogação obrigar-nos-á a uma suspensão reflexiva nas considerações subsequentes, pois uma coisa é uma sentença inconstitucional (de que não há recurso para o Tribunal Constitucional) e outra coisa é uma interpretação inconstitucional de uma norma
(que justifica a legitimidade do recurso para o Tribunal Constitucional).
(2) Ao admitir-se – esse é nosso entendimento – que estamos perante uma interpretação normativa inconstitucional, qual a norma ou segmento de norma que
é inconstitucional? Em rigor, o art. 20º da Lei de Bases da Reforma Agrária não transporta uma disciplina normativa em desconformidade com a Constituição. Por outro lado, o art. 22º da mesma lei não estabelece uma disciplina da ‘reserva de rendeiro’ constitucionalmente censurável. O problema está, a nosso ver, no facto de o Supremo Tribunal de Justiça, ao interpretar o art. 20º da Lei de Bases da Reforma Agrária com base em argumentos dogmáticos e apriorísticos
(‘revivescência, à maneira de fénix renascida, do direito ao arrendamento por se tratar de um problema de dogmática civilística’), neutralizar de todo em todo o art. 22º da mesma lei, insinuando que o âmbito de protecção do art. 94º se refere apenas a unidades colectivas de produção tituladas por direito de propriedade, quando, na verdade, desse âmbito de forma alguma se poderão excluir
‘latifúndios’ criados à base de outros direitos.' E nas Conclusões recupera-se a formulação anteriormente estabelecida para o objecto de controlo:
'Ao tomar esta decisão, o Supremo Tribunal de Justiça recortou um segmento ideal de norma do art. 20º, claramente inconstitucional e que se pode formular assim:
‘os arrendatários, pelo menos os titulares de contratos de arrendamento rural anteriores à expropriação, verão renascido o seu direito ao arrendamento nos termos em que o mesmo for acordado antes das limitações impostas pela Reforma Agrária’.' Ora, ainda que uma tal 'interpretação normativa do art. 20º da Lei de Bases da Reforma Agrária em manifesto sentido contra legem' (como se escreve na conclusão seguinte) pudesse ser tida como interpretação que possa ser apreciada por este Tribunal em recurso de constitucionalidade – e não apenas como (eventual) má aplicação do direito, insindicável por não haver já instância de recurso –, certo é que tal sentido nunca foi, como teria de ter sido, questionado durante o processo, designadamente nas alegações perante o tribunal a quo: as normas indicadas, como abundantemente se viu, foram-no como violadas e a argumentação que respaldou as alusões a desconformidade constitucional (que não de normas) visou antes, como se referiu na decisão sumária, a violação do princípio da separação de poderes e das regras de competência dos tribunais (sendo que a violação das segundas também só teria relevância neste momento se envolvesse igualmente violação das normas constitucionais de repartição de competências jurisdicionais). Não pode, pois, este Tribunal conhecer desse sentido, porque ele não foi, em cumprimento do ónus de adopção de uma estratégia processual adequada, suscitado durante o processo. E também quanto ao presente recurso se conclui, assim, que a decisão reclamada merece confirmação. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir as reclamações apresentadas e condenar os reclamantes em custas, com 15 ( quinze ) unidades de conta de taxa de justiça, por cada reclamação.
Lisboa, 28 de Maio de
2002 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa