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Processo nº 40/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, instaurados ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são recorrente A e recorrido o Almirante Chefe do Estado Maior da Armada, foi proferido acórdão, em 29 de Maio de 2001, no qual, por maioria, se revogou a decisão sumária proferida anteriormente, de não conhecimento do objecto do recurso, e se ordenou o prosseguimento dos autos (acórdão nº 252/2001).
Iniciada a fase alegatória, a entidade recorrida apresentou alegações que entraram fora de prazo – no 3º dia útil após o seu termo –, não se tendo solicitado guias para imediato pagamento, pelo que foi notificada nos termos do nº 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil.
2. - Sobre a reclamação deduzida, nos termos do nº 5 do artigo
161º do mesmo diploma legal, e após audição do Ministério Público, foi proferido despacho, em 1 de Março último, do seguinte teor:
'Requerimento de fls. 215 [citada reclamação]:
1. - O Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada foi notificado para o pagamento da multa prevista no nº 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil, por as alegações terem dado entrada na Secretaria deste Tribunal no 3º dia útil posterior ao termo do prazo. Apresentou reclamação, nos termos do nº 5 do artigo 161º do mesmo diploma, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Entende não haver lugar ao pagamento da multa em causa uma vez que intervém como
'autoridade administrativa a agir na defesa dos interesse públicos que lhe estão confiados e para que a lei lhe atribui competências próprias'.
2. - Ouvido o Ministério Público, foi emitido o seguinte parecer:
'A jurisprudência mais recente deste Tribunal orienta-se efectivamente (cfr., v.g., Ac. 71/01) no sentido de que a autoridade recorrida que pretende obter a prorrogação do prazo, ao abrigo do disposto nos nºs. 5 e 6 do artº 145º do CPC, não beneficia de isenção da multa aí cominada, como condição da prorrogação do prazo peremptório em causa – por se considerar, por um lado, que tal isenção de multa não pode fundar-se na isenção subjectiva de custas, outorgado ao Estado pelo artigo 2º do CCJ; e, por outro lado, que o estatuto de tal autoridade não coincide, nem tem de coincidir, com o do MºPº (sendo, aliás, não totalmente pacífica e isenta de dúvidas a plena e irrestrita concessão de tal
‘prorrogativa’ processual á própria Magistratura do MºPº: cf. Ac. 355/01).'
3. - Decidindo.
3.1. - A multa processual tem carácter sancionatório, representando uma sanção de natureza pecuniária imposta à parte que não cumpriu adequada e tempestivamente os seus deveres, no decurso do processo. Como se observou no acórdão deste Tribunal nº 17/91 publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18º vol., págs. 641 e ss. – a multa prevista no artigo
145º citado representa a cominação estabelecida pelo legislador e imposta à parte que não cumpriu um prazo processual extintivo, para, assim, poder beneficiar da 'regalia' de poder praticar o acto em falta fora do respectivo prazo. E outros arestos se poderiam citar, como, por exemplo, o acórdão nº
723/98, inédito. Não integra, assim, o conceito de custas judiciais – que compreende a taxa de justiça e os encargos, nos termos do artigo 1º, nº 2, do Código das Custas Judiciais -, que se assumem como o 'preço' devido pela prestação do serviço público que é a administração da justiça.
3.2. - Por sua vez, escreveu-se mais recentemente, no acórdão nº 71/2001, ainda inédito:
'A multa a que se refere o artigo 145º, nºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, sanciona a falta de diligência na prática dos actos processuais, dentro dos respectivos prazos (cf., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº
723/98, de 16 de Dezembro - inédito). Nessa medida, não se confunde com as despesas do processo, a que se refere o artigo 2º do Código das Custas Judiciais. Na verdade, enquanto as custas consubstanciam o valor pecuniário devido por parte dos sujeitos processuais pelo funcionamento do sistema judicial, ou seja, pela sua utilização, a multa a que se refere o artigo 145º do Código de Processo Civil traduz-se num meio de evitar a prática de actos processuais fora do prazo legal, o que pode ter ocorrido por esquecimento ou negligência do interessado (sublinhe-se que o interessado beneficia, por via desta solução, de uma prorrogação do prazo, prorrogação essa que pode também dar cobertura a situações em que o atraso se encontra justificado, apresentando a prova do justo impedimento particulares dificuldades - cf. o já citado Acórdão nº 723/98).
Assim, a isenção subjectiva a que se refere o artigo 2º do Código das Custas Judiciais não abrange, naturalmente, as multas processuais (cf., de novo, o Acórdão nº 723/98, onde o Tribunal Constitucional concluiu que o benefício do apoio judiciário não abrange o pagamento de multas processuais).'
3.3. - Entende-se, nesta linha argumentativa e fundamentada, ser devida a multa a que se refere o nº 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil, pelo que se infere o requerido. Notifique e, oportunamente, passe guias.'
3. - Notificado, vem agora o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada reclamar para a conferência do transcrito despacho, ao abrigo do nº 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da lei nº 28/82.
Entende o reclamante que o despacho proferido dever ser revogado e substituído por outro, admitindo as alegações apresentadas sem que se proceda à liquidação de multa.
Considera, nesta perspectiva, que está em causa um órgão do Estado, 'que age no uso das competências que por lei são conferidas, para a defesa dos interesses públicos, cuja prossecução lhe está confiada'. Assim, o uso da faculdade prevista no nº 5 do artigo 145º citado não deve depender do pagamento da multa aí prevista, até porque, de acordo com a jurisprudência adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo, não se compreende a aplicação de multa a entidade isenta de custas, não tendo lugar a exigência feita naquele preceito quando, como sucede no caso vertente, a autoridade recorrida intervém no processo na defesa de interesses públicos que lhe estão confiados, sendo de considerar que a isenção concedida no nº 2 da Tabela como tendo em vista 'todo e qualquer pagamento seja pressuposto da prática de um acto processual'.
4. - O despacho sob reclamação perfilhou a linha jurisprudencial que destaca o conceito de custas judiciais, assumindo-se como
'preço' devido pela prestação da administração da justiça, como serviço público que se trata, não compreendendo a sanção prevista para o comportamento atempado dos actos processuais, atribuível a negligência ou esquecimento, e que se pode, aliás, configurar como uma dilação não punida de um determinado prazo.
Nesse sentido se pronunciou recentemente o citado acórdão nº 71/2001, que responde pertinentemente ao tipo de objecções ora renovadas em termos que, por isso, se transcrevem, no tocante aos seus pontos 4 e 5, em desenvolvimento do ponto 3 que se reproduziu já no despacho:
'4. A Ministra da Saúde invoca, por outro lado, a isenção do Ministério Público, pretendendo beneficiar do mesmo regime. O Ministério Público encontra-se, na verdade, isento do pagamento de custas
(artigo 2º, nº 1, alínea b), do Código das Custas Judiciais) e, na prática, tem- se entendido que a isenção abrange também as multas processuais (cf., entre outros, os Acórdãos nºs 59/91, de 7 de Março, D.R., II Série, de 1 de Junho de
1991, e 754/96, de 11 de Junho - inédito). Não se questionará agora essa prática
- a qual, porventura, não será isenta de dúvidas. Porém, não existe inevitavelmente analogia absoluta entre o Ministério Público e o Governo no exercício das suas funções, no que se refere ao pagamento de multas processuais. Se é verdade que as funções de sujeito processual inerentes ao estatuto do Ministério Público (cf. artigo 219º da Constituição) podem justificar aquela isenção (cuja conformidade constitucional, de resto, não está agora em apreciação), o mesmo não se tem de passar em relação a um Ministro no exercício das suas funções administrativas. Com efeito, o Ministério Público, no exercício dos seus poderes estatutários, surge funcionalmente como interveniente processual, devendo actuar de acordo com critérios de estrita legalidade e objectividade. O exercício de actividade processual por um Ministro não é o essencial dos seus deveres funcionais e não deixa de corporizar um específico interesse, embora público, que, no contexto processual, o coloca na posição de parte. Desse modo, não violará o princípio da igualdade não lhe reconhecer o direito a um prazo mais alargado do que o que se reconhece à generalidade dos sujeitos, pela dispensa do pagamento da multa e distingui-lo, nesse ponto, do Ministério Público a quem compete funcionalmente a intervenção processual. Nem há, por conseguinte, uma imposição constitucional de que, independentemente de lei expressa, decorra a exigência de isenção de sanções processuais dos Ministros no exercício das suas funções.
5. A circunstância de se tratar de um órgão do Estado em nada colide com o que acaba de se sustentar. Na verdade, nenhum princípio constitucional impõe que o Estado (a Ministra da Saúde, no exercício das suas funções) deva dispor de prazos processuais superiores ao dos demais sujeitos. Não existe, pois, qualquer fundamento constitucional que imponha, por si, essa solução (as funções da Ministra da Saúde não o justificam, pois não decorre do seu exercício normal a necessidade de intervir em processos judiciais – a condução da política de saúde e a direcção da Administração Pública quanto à saúde não implicam, tipicamente, a participação em acções judiciais). Assim sendo, nada obsta, na ausência de posição do legislador sobre a questão, a uma identidade de tratamento relativamente aos demais intervenientes processuais (os particulares). O que se disse em nada é afectado pela circunstância de o Estado ser credor e devedor da multa processual. Em primeiro lugar, e para além da evidente autonomia dos tribunais relativamente ao Governo na perspectiva da separação de poderes, há uma autonomia orçamental de ambos que afecta, nesse plano, a validade daquele argumento. Por outro lado, pode ser ainda considerado como adequado ao princípio do Estado de direito democrático que não se discrimine o Governo relativamente aos particulares quanto ao exercício atempado dos respectivos ónus processuais. De qualquer modo, pelo facto de a lei geral não conceder qualquer privilégio deste tipo ao Governo e não existir uma imposição constitucional nesse sentido, nem sequer na perspectiva da igualdade relativamente ao Ministério Público, não deverá o Tribunal Constitucional, como intérprete da lei na dimensão da sua constitucionalidade, pronunciar-se no sentido de uma tal distinção.'
5. - Esta foi a orientação que se acompanhou e com a qual no essencial, agora se concorda.
Nota-se que a invocação, então feita, de um acórdão como o nº 723/98 teve o alcance limitado de ilustrar a natureza cominatória da multa aplicável em caso de inobservância do cumprimento de um prazo processual extintivo, pelo que não é convocável o argumento que se pretende extrair de uma situação como a contemplada concretamente no acórdão nº 17/91, em que estava em causa um particular, a quem foi concedido o benefício do apoio judiciário.
6. - Em face do exposto, decide-se desatender a reclamação, mantendo-se o decidido anteriormente no despacho de fls. 222 e segs..
Lisboa,28 de Maio de 2002 Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração de voto junta) Luís Nunes de Almeida Declaração de voto
Votei vencida porque entendo que se não aplica ao Estado, pelo menos no âmbito do contencioso administrativo de anulação, a multa prevista no nº 5 do artigo
145º do Código de Processo Civil. A possibilidade de, independentemente de justo impedimento, praticar um acto depois de terminado o prazo peremptório previsto, para o efeito, pela lei foi introduzida no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 323/70, de 11 de Julho, que veio admitir a prática do acto no dia seguinte ao do termo daquele prazo, mediante o pagamento de uma multa. Este regime veio a sofrer diversas alterações, nomeadamente no que respeita à duração do ' prazo adicional', mas manteve o seu significado inicial de transformar em cominatórios os prazos abrangidos. Em meu entender, as razões que levam à imposição da multa à parte que pretende beneficiar da extensão assim admitida conduzem ao afastamento da sua aplicação ao Estado, como já disse, pelo menos no âmbito do contencioso administrativo de anulação. Com efeito, não encontro razão para distinguir a sua posição da que, também no mesmo âmbito, é ocupada pelo Ministério Público, quanto ao efeito restrito que agora está em causa. Na verdade, ao intervir num recurso desta natureza, o Estado está também obrigado a uma posição de imparcialidade e de objectividade perante os interesses em jogo. Para além disso, a verdade é que, a final, o Estado é mesmo o credor e o devedor da multa, o que faz perder o sentido da sua imposição. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza