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Proc. nº 106/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 11 de Janeiro de
2001, concedeu 'a revisão/confirmação da sentença de 20 de Abril de 1998, proferida pelo Tribunal de Ontário (General Division), no Canadá, no sentido de produzir os seus efeitos em Portugal a condenação da requerida 'C..., Lda.', no pagamento ao 1º reqt. e mulher, da quantia de CND $ 2.657.561,00, incluindo os juros vencidos até 20.4.98 e acrescida dos juros vincendos, à taxa anual de 16,5%, após essa data e até pagamento; a pagar ao 2º reqt. a quantia de CND $
1.753.053,00, incluindo os juros vencidos até 20.4.98 e acrescida dos juros vincendos após essa data, à taxa de juro hipotecário fixada mensalmente pelo Banque... (Canadá) no seu balcão principal em Toronto, Canadá, até pagamento; e a pagar aos reqtes. a quantia de CND $ 20.000,00, a título de reembolso de custas de parte, que vence juros de 6% até integral pagamento'.
C..., Lda., arguiu a nulidade 'de todo o processado após a apresentação da oposição'. No respectivo requerimento, não foi suscitada qualquer outra questão de constitucionalidade normativa.
O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 22 de Março de 2001, decidiu não conhecer da arguição de nulidade, por esta se encontrar sanada. O tribunal decidiu ainda, para o caso de se considerar a arguição atempada, julgar tal arguição de nulidade improcedente.
C..., Lda., agravou do acórdão de 22 de Março de 2001.
Nas alegações de recurso a recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 19 de Dezembro de
2001, decidiu negar provimento ao recurso.
2. C..., Lda., interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 19 de Dezembro de 2001, para apreciação da conformidade à Constituição da norma do artigo 1098º do Código de Processo Civil, alegando ter suscitado a questão de constitucionalidade normativa no requerimento de arguição de nulidade processual e nas alegações do recurso da decisão que indeferiu a arguição de nulidade.
A Relatora proferiu Decisão Sumária, ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso, em virtude de não se verificar o respectivo pressuposto processual constante da suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa.
3. A recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, afirmando que suscitou a questão de constitucionalidade normativa durante o processo. Concluiu o seguinte:
1. A ora Reclamante procede, nesta sede, à identificação dos locii em que, no
âmbito, quer do requerimento de declaração de nulidade apresentado aos Autos junto da Veneranda Relação de Évora, quer no das alegações em agravo interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, de incidente de inconstitucionalidade foi suscitado;
2. O sentido funcional pelo qual o Tribunal Constitucional tem vindo a entender o requisito processual de que o incidente de constitucionalidade haja sido suscitado em qualquer momento pregresso dos Autos - em momento anterior ao do esgotamento dos poderes de cognição do Juiz a quo - foi respeitado pela ora Reclamante ao ter suscitado a questão da constitucionalidade das normas dos artigos 205° e 1099° do Código de Processo Civil por violação dos princípios constitucionais do contraditório e da igualdade processual de partes nos termos em que o fez;
3. Tal sentido funcional na interpretação da norma da alínea b) do n° 1 do artigo 280° da Constituição da República Portuguesa comporta modelações particulares quando o objecto de fiscalização é uma norma na interpretação que à mesma foi dispensada no âmbito da decisão recorrida;
4. Este mesmo facto tem vindo a ser reconhecido pela Jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente quando a mesma vem pronunciar-se por que 'afirmar que determinada interpretação, dada pelo Tribunal recorrido, não poderia ter sido querida pelo legislador, sob pena de inconstitucionalidade, vale por arguição da inconstitucionalidade da norma em causa';
5. Por outro lado, a posição sustentada pelo Tribunal Constitucional de que o incidente de inconstitucionalidade não pode ser suscitado no âmbito da invocação da nulidade do processo, deve ser entendido como um mecanismo de controlo do
'sentido funcional' por que é interpretada a norma da alínea b) do n° 1 do artigo 280° da Constituição da República Portuguesa;
6. Tal 'limitação funcional' não pode valer nas situações em que o objecto de controlo seja constituído pelas normas nos termos das quais é disciplinada a própria invocação da nulidade processual;
7. É justamente da interpretação dada pelo Tribunal Recorrido - o qual mantém, ne varietur, a posição assumida pela Veneranda Relação de Évora - dada às normas relativas à arguição da nulidade processual invocada que resulta um resultado interpretativo incompatível com os princípios constitucionais do contraditório, da audição e da igualdade processual das partes.
8. Isso mesmo foi invocado, salvo melhor análise, quer no requerimento inicial de declaração de nulidade, quer nas alegações apresentadas ao agravo interposto pela ora Reclamante.
Para sustentar o seu entendimento quanto à suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo, a recorrente procede à citação de um texto da autoria de Gomes Canotilho e Vital Moreira, onde se afirma que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida e de modo processualmente adequado. No entanto, esta argumentação é manifestamente irrelevante no contexto da presente reclamação, uma vez que tal entendimento foi acolhido no ponto 3 da Decisão Sumária reclamada.
Por outro lado, a recorrente procede à transcrição de várias peças processuais nas quais, alegadamente, terá suscitado a questão de constitucionalidade normativa. Porém, da transcrição do requerimento de declaração de nulidade de todo o processado apenas se imputa à omissão da notificação da resposta à oposição a violação de vários princípios processuais. Nunca é delineada uma questão de constitucionalidade normativa.
Também na transcrição das alegações do recurso de agravo apenas se afirma que a decisão recorrida violou o artigo 205º da Constituição e vários preceitos do Código de Processo Civil. Nunca é imputado o vício de inconstitucionalidade a uma norma ou dimensão normativa.
A recorrente afirma, ainda, que invocou a inconstitucionalidade de uma dada dimensão normativa dos artigos 205º e 1099º do Código de Processo Civil, que identifica no 4º parágrafo do nº 9 do requerimento de reclamação para a Conferência. Contudo, como resulta claramente das transcrições que a própria reclamante realizou, nunca foi suscitada durante o processo a inconstitucionalidade de qualquer dimensão normativa, isto é, a dimensão normativa que a reclamante considera inconstitucional jamais foi identificada e confrontada com a Constituição, apenas sendo identificada agora no âmbito da presente reclamação para a Conferência.
Por último, a reclamante procura demonstrar a tempestividade da arguição de inconstitucionalidade no requerimento de declaração de nulidade de todo o processado. No entanto, o fundamento do não conhecimento do objecto do recurso foi a não suscitação durante o processo de uma questão de constitucionalidade normativa, e não a intempestividade dessa suscitação, a qual, como se demonstrou, jamais ocorreu.
Improcedem, portanto, as considerações da reclamante.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a Decisão Sumária impugnada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 23 de Maio 2002 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa