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Processo nº 574/2007
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, vem reclamar para a conferência, ao
abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82 (Lei Tribunal
Constitucional), da Decisão Sumária de 31 de Maio de 2007, que decidiu não
conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto e
condená-lo em custas, com 7 (sete) unidades de conta de taxa de justiça. Tal
decisão teve o seguinte teor:
I
Relatório
1. A., arguido em processo-crime pendente no Tribunal Judicial da Comarca de
Tavira, recorreu para o Tribunal da Relação de Évora do despacho de pronúncia,
datado de 23 de Outubro de 2006, na parte em que indeferiu a arguição de
nulidade da intercepção realizada ao posto telefónico 351967697054, IMEI
35539500790214, alvo 1F407, com o seguinte teor:
1. Ao posto 351.967.697.054, IMEI – 355.395.007.90214, alvo 1F407.
Veio ainda o arguido A. suscitar a nulidade das intercepções referidas, com
fundamento na violação do preceituado nos artigos 187°, 188° n°s 1 e 3, todos do
Código de Processo Penal.
Em seu entender, as informações policiais constantes nos autos que determinaram
a realização de tais escutas telefónicas, designadamente, as constantes dos
relatos de diligências externas que constituem fls. 197 e 337 a 341 dos autos,
não permitiriam retirar a ilação de que “duas ou mais pessoas encontrando-se na
zona de Ayamonte se tenham cruzado, falado e muito menos reunido com propósitos
criminais” e são insuficientes para desencadear tais escutas.
Em segundo lugar, alega que a escuta telefónica ao posto citado foi autorizada
por despacho datado de 14/6/2005 (fls. 370) e teve o seu início em 15/6/2005
(fls. 480), tendo sido determinadas várias transcrições em 21/7/2005 (fls.
1722), em 25/8/2005 (fls. 2008) e em 19/9/2005 (fls. 2214), ou seja, meses após
o início da intercepção, quando o n.° 1, do artigo 188°. do Código de Processo
Penal exige que o juiz tome imediatamente conhecimento do material gravado para
assim ordenar a destruição do que é relevante para a prova.
Em terceiro e último lugar, invoca que o juiz não ouviu o material gravado
relativamente ao alvo 1F407, porquanto do teor dos despachos que ordenam a
transcrição/destruição do material gravado não resulta a sua audição ou resulta
confirmada a não audição (fls. 474, 2008, 2813), considerando impossível ao juiz
ouvir as várias centenas de sessões que todo o material apresentado ao juiz no
dia 24 de Agosto de 2005 sendo que nesse mesmo dia foi proferido despacho a
ordenar transcrição de sessões nele contidas.
Cumpre apreciar e decidir.
Preceitua o artigo 187.°, do Código de Processo Penal:
1. A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só
podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
d) De contrabando; ou
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação
da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone,
se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para
a descoberta da verdade ou para a prova.
2. A ordem ou autorização a que alude o n.° 1 do presente artigo pode ser
solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a
conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a
investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Associações criminosas previstas no artigo 299.° do Código Penal;
c) Contra a paz e a humanidade previstos no título III do livro II do Código
Penal;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do título V do livro II
do Código Penal;
e) Produção e tráfico de estupefacientes;
f) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos
262.°, 264.°, na parte em que remete para o artigo 262.°, e 267.°, na parte em
que remete para os artigos 262.° e 264.°, do Código Penal;
g) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3. É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre
o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que
elas constituem objecto ou elemento de crime.
Sobre as formalidades a observar, estipula o artigo 188° do Código de Processo
Penal que:
1. Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto,
o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente
levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações,
com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados
relevantes para a prova.
2. O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que
proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação
interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes
para assegurar os meios de prova.
3. Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes
para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso
contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações
ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado
conhecimento.
4. Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado,
quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se
necessário, intérprete. A transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações,
o disposto no artigo 101.º, nºs 2 e 3.
5. O arguido e o assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem
sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição a que se refere o n.° 3
para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópias
dos elementos naquele referidos.
No que concerne à primeira das questões suscitadas pelo arguido, sempre se dirá
que, os factos relatados em tais relatórios em conjugação com os demais
elementos constantes nos autos, permitiriam considerar mais que justificada a
realização de uma escuta telefónica.
Com efeito, no momento em que são determinadas as escutas telefónicas a A., já
existem vários elementos probatórios que comprovara a ligação do B. ao mundo da
droga (sessão 317, cuja transcrição foi ordenada por despacho de fls. 116) e a
contactos com firmas espanholas e utilização de suas embarcações (“…” – fls.
302).
De resto, tais ligações eram ainda acompanhadas pelas autoridades espanholas que
de tal puseram ao corrente a Polícia Judiciária portuguesa – cfr. fls. 337 sendo
manifesta a ligação entre o arguido A., B. e C., apontando-se já a fls. 341, o
facto da viatura Mercedes, com a matrícula ..-..-.., em que seguia C., ser
também utilizada pelo arguido D..
Quanto ao facto do juiz ter tomado conhecimento das intercepções realizadas ao
Alvo 1F 407 (A.), meses após o despacho que determinou a sua realização, somos
em crer que, inexiste a apontada nulidade.
Efectivamente, por despacho datado de 14/6/2005 (fls. 370) foi autorizada,
durante o período de 90 dias, a intercepção e a gravação de todas as
conversações ou comunicações telefónicas estabelecidas e/ou recebidas através do
IMEI 355.395.007.902.140, quando operasse em roaming.
Tais intercepções tiveram o seu início em 15/6/2005 (fls. 480), o que significa
que continuariam a ter lugar, pelo menos, até 15/09/2005.
Nessa sequência, foram determinadas várias transcrições: em 21/7/2005 (fls.
1722), em 25/8/2005 (fls. 2008) e em 19/9/2005 (fls. 2214).
Ora, face aos elementos a que o próprio arguido faz alusão, temos que, a
autorização para a referida intercepção havia cessado há apenas 4 dias, quando o
seu último resultado é levado ao conhecimento do juiz, sendo que, no decorrer de
tal autorização e, uma vez por mês, foi levado conhecimento ao juiz do decorrer
de tais intercepções e de quais os elementos delas resultantes e relevantes para
a prova.
Quanto à última questão suscitada, antes de mais, cumpre salientar que, muito
embora a ora signatária também opte por não consignar no despacho que determina
a transcrição de certa sessão ou junção aos autos de certa imagem. a sua audição
ou visionamento, fá-lo por considerar tal afirmação desnecessária e redundante
e, jamais, por não procedido a tal audição ou visionamento. E, assim é, na
medida em que, ao proferir despacho no sentido da transcrição de certa sessão ou
junção de imagem, considerando‑as relevantes para as finalidades de recolha da
prova, só concluiu nesse sentido, precisamente, por ter ouvido e visto o seu
conteúdo.
Muito embora, a signatária não tenha proferido os despachos postos em crise,
considera ter sido este o critério da Meritíssima Juíza de Instrução que a
antecedeu.
Além do mais, o despacho que constitui fls. 474 não tinha por objecto quaisquer
intercepções ao Alvo 1F 407.
Por outro lado, o despacho que constitui fls. 2008 a 2010 dos presentes autos e
que determinou a transcrição das sessões 67, 68, 72, 82, 83, 85 a 90, 92, 94,
95, 97, 100, 101, 106, 109 a 112, 116, 119, 120, 122 a 124, 135, 136, 148, 150 a
154, 164 e 165 referentes ao Alvo 1407 não foi proferido pela Meritíssima Juíza,
no mesmo dia em que os CD’s lhe foram apresentados (24 de Agosto), mas sim, no
dia seguinte (vide verso de fls. 2010), sendo manifesta a falta de fundamento da
pretensão do arguido, a qual de resto não podia, nem devia ignorar.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, julgo improcedente a arguição
da alegada nulidade.”
Na motivação de recurso que apresentou no Tribunal da Relação de Évora, o
arguido concluiu do seguinte modo:
CONCLUSÕES
1 – No momento em que é desencadeada a escuta telefónica, ao posto cuja nulidade
se arguiu, inexistiam elementos indiciários que permitissem autorizar o
deferimento daquele meio de obtenção de prova.
2 – Com efeito, a circunstância de o recorrente se encontrar por duas vezes com
um indivíduo sobre o qual existiam suspeitas de se dedicar ao comércio de haxixe
não é suficiente para se criar a percepção de existência de indícios do
cometimento do mesmo crime.
3 – Acresce que o douto despacho recorrido é omisso quanto à viabilidade do
prosseguimento da investigação sem o recurso a este meio de prova tão danoso. Ou
seja, não ponderou da possibilidade de a investigação socorrendo-se de outros
elementos de prova menos danosos para a privacidade do cidadão.
4 – É esta a melhor interpretação a dar à norma constante do artigo 187° do CPP.
Este inciso pressupõe a existência de indícios do cometimento de um dos crimes
de catalogo e ainda que a investigação não seja viável, sem custos elevados,
através de outros meios de prova menos danosos.
5 – A interpretação desta norma segundo a qual é possível autorizar uma
intercepção telefónica com base em suspeitas consubstanciadas no contacto
pessoal do visado com outros indivíduos referenciados nos autos e bem assim, a
não ponderação se no caso concreto era possível o prosseguimento da investigação
através de outros meios menos gravosos inquina aquela norma de
inconstitucionalidade material porquanto ofende o estatuído nos artigos 18° n°
2, 32° e 34º da CRP.
6 – A escuta telefónica ao posto aqui em causa iniciou-se no dia 15/06/05, tendo
sido gravadas sessões entre o dia 18/6/05 até 23/6/05.
7 – Durante este período foram gravadas as seguintes sessões: 3, 7, 11, 19, 20,
21, 30, 32, 41, 42, 49, 50, 53, 67, 68, 72, 82, 83, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 92,
94, 95, 97, 100, 101, 106, 107, 109, 110, 111, 112, 116, 119, 120, 122, 123,
124, 135, 136, 148, 150, 151, 152, 153, 154, 164 e 165.
8 – O juiz tomou posição sobre as primeiras sessões gravadas (3 que ocorreu no
dia 1 8/06/05 e 53 que ocorreu também no dia 18/06/06) no dia 19/09/05 (fls.
2214).
9 – Decorreram 3 meses e 4 dias entre o início da intercepção e o conhecimento
pelo juiz do primeiro material gravado.
10 – O juiz tomou conhecimento das sessões 53 a 165 (53 ocorreu no dia 18/06/05
e a 165 ocorreu no dia 23/06/05) no dia 25/08/06 (fls. 2008).
11 – Decorreram 2 meses e 7 dias desde o início da gravação destas sessões até
ao juiz ter proferido despacho a ordenar a transcrição das relevantes e a
desmagnetização das que não tinham interesse para a prova.
12 – Foi proferido um outro despacho, no dia 21/7/05 a ordenar apenas a
transcrição das sessões 164 e 165.
13 – O douto despacho recorrido pretende fazer crer que foram proferidos 3
despachos ao longo do período de gravação do material escutado, concluindo que
foi proferido um em cada 30 dias
14 – Como resulta das conclusões 7 a 12 tal não aconteceu pois o material
gravado ocorreu entre os dias 18/6/05 e 23/6/05.
15 – A lei pretende assegurar que o material gravado seja levado ao conhecimento
do juiz imediatamente por forma a ser ponderada a continuação da gravação, a
cessação imediata e/ou a transcrição/desmagnetização do material considerado com
ou sem interesse para a prova.
16 – No caso concreto o lapso de tempo entre o início da gravação e a
apresentação ao juiz para este proferir despacho em conformidade foi
excessivamente longo tendo ultrapassado 2 meses com excepção das sessões 164 e
165.
17 – O artigo 188° n° 1 do CPP impunha que o juiz tivesse imediatamente
conhecimento do material gravado e proferisse decisão sobre o destino a dar-lhe.
18 – Entendemos que tendo o material gravado sido levado ao conhecimento do
juiz, e por este proferido despacho no sentido de ordenar a transcrição do
material relevante u ordenar a desmagnetização daquele que entender
desnecessário para a prova, após mais de 2 meses desde o início da intercepção,
não cumpre os requisitos impostos pelo artigo 1880 n° 1, quando obriga que esse
material tenha de ser apresentado imediatamente, no sentido da existência de um
acompanhamento da realização da escuta pelo juiz.
19 – Outra interpretação que não esta fere de inconstitucionalidade material a
norma constante do artigo 188° n° 1 do CPP por contender com o estatuído nos
artigo 18° n° 2, 32° n°s. 1 e 8 e 34° n°s. 1 e 4 da CRP.
20 – Por outro lado não foi o juiz que procedeu à selecção do material gravado
limitando-se a sufragar a sugestão da P.J.
21 – Com efeito, não consta, tal corno devia, documentação a demonstrar a
audição do material gravado pelo juiz sendo certo que resultam vários elementos
do processo no sentido da não audição.
22 – Na verdade, constata-se dos autos que o juiz ordenou a transcrição de
sessões antes de ter nomeado intérprete a fim de este traduzir o material
gravado.
23 – Acresce que o material que era apresentado ao juiz continha centenas de
sessões sendo fisicamente impossível a sua audição pois é proferido despacho no
mesmo dia em que os autos lhe foram conclusos.
24 – O artigo 188° n° 3 do CPP impõe que seja o juiz a seleccionar o material
relevante para a prova ainda que por indicação do OPC. Porém, é o juiz que
decide em última análise se as sessões sugeridas são ou no relevantes bem como
se alguma das sessões no sugeridas interessam para a prova, designadamente para
a defesa do arguido que apenas tem o juiz como única entidade acima das partes
25 – É esta a melhor interpretação a dar à norma constante do artigo 138° n° 3
do CPP, ou seja, a de que é indispensável que conste documentação dos autos que
demonstre que o juiz ouviu todo o material gravado e tenha sido ele a escolher
as sessões consideradas relevantes para a prova não bastando ter conhecimento
apenas do conteúdo, ainda que resumido, das sessões sugeridas pelo OPC.
26 – Outra interpretação fere de inconstitucionalidade material a norma
constante do artigo 188° n° 3 do CPP por contender com o estatuído nos artigos
18° n° 2, 32° n°s. 1, 5 e 8 e 34° n°s. 1 e 4, todos da CRP.
Violaram‑se as seguintes disposições:
– Artigos 18º, 32º e 34º da CRP
– Artigos 187º, 188º do CPP
O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 10 de Abril de 2007, negou
provimento ao recurso, considerando o seguinte:
Invoca o recorrente a violação do disposto nos artigos 18°, 32° e 34° da
Constituição da República Portuguesa.
Ora o n.° 4 do artigo 34° citado previu a ingerência das autoridades públicas
nas telecomunicações nos casos previstos na lei em matéria de processo penal,
pelo que atenta a natureza e a gravidade dos crimes a que se aplica o artigo
187° do Código de Processo Penal justificam o recurso a tal meio de prova, sem
se infringirem os limites da necessidade e da proporcionalidade consagrados no
invocado artigo 18° da Lei Fundamental.
Os artigos 187° a 190° do Código de Processo Penal foram estruturados dentro dos
parâmetros do artigo 34° n° 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa,
exigindo-se expressamente que haja “razões para crer que a diligência se
revelará de grande utilidade para a descoberta da verdade ou para a prova”, nada
mais se exigindo nomeadamente que existam indícios do crime, ou a ponderação da
possibilidade da investigação prosseguir com outros meios de prova, para além da
pendência de procedimento criminal. Nestes termos atenta a existência de
procedimento criminal e a natureza dos crimes em investigação tráfico de droga e
associação criminosa conclui-se que se verificam no caso dos autos os requisitos
exigidos pela lei e ainda como se refere no despacho recorrido a decisão que
autorizou as escutas remetendo para elementos do processo que a antecedem
ponderou o elemento da necessidade da realização das mesmas pelo que nesta parte
não assiste razão ao recorrente. Decorrendo, assim, dos autos que a autorização
foi concedida com observância do disposto no citado preceito do Código de
Processo Penal e com respeito pela Lei Fundamental.
Mais invoca o recorrente que o material não foi apresentado de imediato ao Juiz
pelo que foi violado o disposto no artigo 188° n.°1 do referido Código de
Processo Penal.
Resulta dos autos que as intercepções foram autorizadas e apresentadas ao Juiz,
dentro do prazo concedido pelo mesmo, sendo ainda de entender-se que o
“imediatamente” significa “no mais curto prazo possível” devendo atender-se às
dificuldades próprias da tarefa e às disponibilidades dos meios técnicos e
humanos para o efeito (neste sentido, exemplarmente, Ac. do STJ de 29 de Outubro
de 1998, BMJ 480, 292, sumariado na pág. 436 do Código de Processo Penal Anotado
de Maia Gonçalves, 13° edição e Acórdãos da Rel. de Lisboa de 16/08/1996 e de 20
de Março de 2001, respectivamente nas C.J. XXI, tomo 4, 155 e C.J. XXVI, tomo 2,
128 sumariados na mesma obra, pág. 435 e 434).
Finalmente quanto à última questão suscitada pelo recorrente de não se encontrar
documentado nos autos a audição pelo Juiz de todo o material gravado e que tenha
sido ele a seleccionar o material gravado, também não lhe assiste razão.
Como tem sido entendido na jurisprudência “É válida a prática do juiz que toma
conhecimento do conteúdo dos suportes digitais das escutas que lhe foram
apresentadas pelo órgão de polícia criminal, reconhecendo a fidelidade e a
relevância das transcrições efectuadas pelo mesmo órgão de polícia e que ordenou
a sua junção aos autos” (Ac. da Rel. de Coimbra de 15/02/2006, C.J. ano XXXI,
tomo 1, pág. 46).
Tal entendimento resulta claramente do disposto no artigo 188° do Código de
Processo Penal, o qual não exige como pretende o recorrente que esteja
demonstrada nos autos a audição integral pelo Juiz. Também o Tribunal
Constitucional rejeitou como constitucionalmente imposta a obrigação de audição
integral pelo Juiz, como consta nomeadamente do Acórdão do mesmo n.° 426/05, de
25 de Agosto de 2005, publicado no D.R., II, Série de 5/12, aí se consignando
“Não julgar inconstitucional a norma do artigo 188° n.° 1, 3 e 4, do Código de
Processo Penal, interpretado no sentido de que são válidas as provas obtidas por
escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de
instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de
textos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados
pela Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos
(...)”.
Mostra-se assim irrelevante este argumento do recorrente perante o acerto do
despacho recorrido que não violou qualquer norma constitucional e se encontra
devidamente fundamentado tendo interpretado devidamente os artigos do Código de
Processo Penal.
Ainda inconformado, A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional “nos
termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82 de 15/11”.
No requerimento de interposição de recurso, o recorrente afirmou o seguinte:
I
O douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 188° n°1, do CPP, com o
sentido de que a expressão “imediatamente”, aí inserida, deve ser entendida, “no
mais curto prazo possível devendo atender-se às dificuldades próprias da tarefa
e as disponibilidades dos meios técnicos e humanos para o efeito.”
Ou seja, o douto acórdão de que agora se recorre, entende que se verificou
correcto acompanhamento judicial das escutas telefónicas ainda que o material
gravado viesse a ser junto aos autos alguns meses depois do início das
intercepções. No caso concreto o juiz tomou conhecimento de uma primeira parte
do material gravado 3 meses e 4 dias após o início das intercepções enquanto que
tomou conhecimento de uma segunda parte do material gravado 2 meses e 7 dias
após a intercepção desse material.
Nem se diga que a circunstância de parte do material gravado ter sido
apresentado ao juiz dentro do prazo concedido para a gravação respeita a
exigência da entrega “imediata”. Na verdade, o juiz sempre poderia autorizar uma
escuta telefónica por períodos excessivamente longos, por exemplo 1 ano, e nem
por isso se cumpriria a imediata entrega do material gravado caso este fosse
entregue dentro do prazo de autorização mas no último mês, ou seja, volvidos 11
meses desde o início da intercepção.
Entendemos que a referida norma – artigo 188° n° 1, do CPP – deve ser
interpretada com o sentido de que a primeira audição, pelo juiz, das gravações
efectuadas deve ocorrer no máximo 15 dias após o inicio da intercepção e
gravação das comunicações telefónicas.
A este propósito a defesa solicitou parecer aos Professores Jorge Figueiredo
Dias e Manuel da Costa Andrade que opinaram: “na certeza em qualquer caso de
que, em matéria de intromissões ou invasões dos direitos fundamentais, a
Constituição só define e baliza, o campo, dentro de cujos limites cabe à lei
ordinária modelar as soluções a positivar. Se é certo que o legislador ordinário
não pode ultrapassar as marcas ou limites decorrentes da Constituição, ele pode
ficar muito aquém, não esgotando o campo de compressão constitucionalmente
tolerado. Vale por dizer que a solução definitiva do caso concreto é, em última
instância, um problema de interpretação e aplicação da lei ordinária.”
Assim a interpretação que foi dada pelo douto acórdão viola o estatuído nos
artigos 18° n° 2, 34° n° 1 e 32° n° 1, da CRP, na medida em que não houve o
necessário acompanhamento judicial permitindo-se que as escutas permanecessem
por longos períodos sem que o juiz tivesse conhecimento do seu conteúdo a fim
de, caso se justificasse, ordenar a sua cessação ou manutenção.
II
O douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 187° do CPP com o
sentido de que para se desencadear uma escuta telefónica apenas se exige que
haja “razões para crer que a diligência se revelará de grande utilidade para a
descoberta da verdade ou para a prova, nada mais se exigindo nomeadamente que
existam indícios do crime, ou da ponderação da possibilidade da investigação
prosseguir com outros meios de prova, para além da pendência de procedimento
criminal.”
Entendemos que esta norma deve ser interpretada com o sentido de que para além
da verificação dos crimes de catalogo enunciados nas alíneas do n° 1 do artigo
187°, do CPP, é mister que, em concreto, se verifiquem outros requisitos
nomeadamente os relativos à existência de suspeitas fundadas sobre o utilizador
do telefone em causa e ainda que o prosseguimento da investigação não possa
continuar com o recurso a outros meios de prova.
A interpretação sufragada no douto acórdão ofende os artigos 18° n° 2, 32° e 34°
da CRP na medida em que deixa a descoberto que um cidadão possa ser invadido na
sua privacidade com base na simples instauração de um processo crime desde que
esteja em causa um dos crimes mencionados no artigo 187° do CPP. Esta
possibilidade seria desproporcional na medida em que permitiria a invasão do
direito à palavra em casos da inexistência de suspeitas do cometimento de
qualquer crime. De resto a desproporcionalidade sempre existiria quando a
investigação fosse viável através de outros meios probatórios menos danosos.
Também sobre este ponto os Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade se
pronunciaram no parecer junto a este recurso opinando a necessidade da
verificação de dois requisitos, para além da exigência de um crime de catálogo,
para a autorização de uma escuta telefónica:
“Em segundo lugar, exige-se uma suspeita qualificada da prática de um crime de
catálogo.
…
Por outro lado, resulta seguro que não bastam «meras suposições ou boatos não
confirmados» e inconsistentes. Na clarificadora formulação de ROXIN: «Tem de
haver factos concretos a fundamentar a suspeita de que alguém praticou, como
autor ou participante» de um ou mais crimes do catálogo.
…
Decisiva, em terceiro lugar, a exigência da subsidiariedade da escuta.
Acolhendo-nos mais uma vez a lição de ROXIN, sendo de natureza subsidiária, a
escuta «só pode ter lugar quando a investigação dos factos ou a descoberta do
lugar onde se encontra o suspeito seria, de outra forma, impossível ou
resultaria essencialmente dificultada». Para expressar esta mesma exigência,
serviu-se o legislador português da fórmula «houver razões para crer que a
diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para
a prova»”
III
Por último, o douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 188° n° 3 do
CPP, com o sentido de que o juiz não tem de tomar conhecimento de todo o
material gravado a fim de ordenar a transcrição dos diálogos que entender
relevantes para a prova.
Repare-se que o recorrente não contesta a relevância do material gravado nem
sequer a circunstância de o juiz ter ordenado a transcrição das sessões
indicadas pelo OPC. O que entendemos violar a Constituição é a circunstância de
o juiz não ter tomado conhecimento de todo o material gravado e, na sequência,
ordenar a transcrição de todas ou parte das sessões sugeridas pelo OPC e bem
assim ordenar a transcrição daqueles diálogos não sugeridos pelo OPC que
entendesse relevantes para a prova. Ora só podia tomar posição sobre esta última
parte caso tivesse ouvido ou tomado conhecimento de todo o material gravado.
A interpretação dada pelo douto acórdão contende com o estatuído nos artigos 18°
n° 2, 32° e 34° da CRP, na medida em que apenas uma das partes – a acusação –
sugere a transcrição dos diálogos relevantes para a prova sem qualquer controlo
pelo juiz no sentido de ponderar se a parte do material gravado, mas cuja
transcrição não foi sugerida pelo OPC, também era relevante para a prova
designadamente para a defesa do suspeito.
Cumpre decidir.
II
Fundamentação
2. Profiro para este caso Decisão Sumária, ao abrigo do nº 1 do artigo 78º‑A da
Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82), por entender que, nele, o
Tribunal não pode conhecer do objecto do recurso.
O recorrente A. pretende ter interposto, junto do Tribunal Constitucional,
recurso de constitucionalidade de normas nos termos da alínea b) do nº 1 do
artigo 280º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional.
Contudo, o que na verdade e por um tal meio se vem requerer ao Tribunal é que
este julgue da constitucionalidade de uma decisão judicial por esta ter,
alegadamente, lesado de modo imediato direitos inscritos na Constituição. Ora, e
como se sabe, de um tal pedido – que configura o que, em certos ordenamentos
estrangeiros, se designa por queixa constitucional ou recurso de amparo – não
deve este Tribunal conhecer.
3. Pressupõe o recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do
artigo 280º da Constituição, e na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, que a decisão judicial recorrida faça aplicação de
norma(s) cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Como tem dito, repetidamente, o Tribunal Constitucional, o conceito de norma –
como objecto do controlo de constitucionalidade – deve ser entendido
funcionalmente, como “regra de conduta para os particulares ou para a
Administração, ou [como] critério de decisão para esta última ou para o Juiz”
ou, em geral, como padrão de valoração de comportamentos (Acórdão nº 26/85, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., pp. 18-19).
De acordo com esta orientação sedimentada, permanecem fora do objecto do
controlo de constitucionalidade – por se situarem também fora de qualquer
possível compreensão do conceito de norma ou de normatividade – as decisões
judiciais, enquanto actos de aplicação de regras ou padrões valorativos
pré‑determinados (Ibidem; e ainda Acórdão nº 172/93, in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 24º vol., p. 459).
Semelhante jurisprudência não pode deixar de se manter intacta nos casos em que
se considera que o objecto do controlo de constitucionalidade não é tanto “a
norma” em si – ou seja, a regra de conduta ou o padrão de valoração de
comportamentos tomados independentemente do modo da sua aplicação ao caso
concreto – quanto a interpretação normativa de tal regra ou padrão – ou seja, o
modo como, nos processos de fiscalização concreta, a norma é interpretada pelo
julgador.
É evidente que, também em tais casos, terá o objecto do controlo de
constitucionalidade que ter natureza normativa, desde logo face ao disposto no
nº 1 do artigo 277º da Constituição.
Ora, é uma tal natureza normativa que falta sempre que o pretenso recurso de
constitucionalidade for interposto, não tendo em conta o critério normativo que
orientou a decisão judicial – critério esse que há‑de ser identificado e
enunciado sem necessidade de referência às circunstâncias únicas e irrepetíveis
do caso concreto –, mas tendo em conta, somente, a “concreta e casuística
valoração das circunstâncias próprias e específicas de um caso concreto, em boa
medida indissociáveis da matéria de facto e das «presunções naturais» em que se
alicerça a conclusão do Tribunal” (Acórdão nº 81/2001, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
4. Pretende o recorrente ter suscitado durante o processo a
inconstitucionalidade de três normas do Código de Processo Penal – a saber, a
contida no nº 1 do artigo 187º, in fine; a contida no nº 1 do artigo 188º e a
contida no nº 3 do mesmo artigo – por violação do princípio da proporcionalidade
consagrado no artigo 18º, nº 2, da Constituição, e por violação dos direitos
fundamentais inscritos nos seus artigos 32º e 34º.
Por isso, pretende ainda o recorrente (no recurso de constitucionalidade que
interpôs junto deste Tribunal) que a decisão nele recorrida (o acórdão do
Tribunal da Relação de Évora) aplicou efectivamente, ao caso, as normas cuja
inconstitucionalidade ele próprio antes suscitara. Estariam portanto perfeitos –
diz – os pressupostos de interposição do recurso, previstos tanto na alínea b)
do nº 1 do artigo 280º da Constituição quanto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º
da Lei do Tribunal Constitucional.
Mas sem nenhuma razão o diz: na verdade, suscitada durante o processo foi a
inconstitucionalidade da decisão judicial em si mesma considerada e não a
inconstitucionalidade de qualquer norma. Senão vejamos.
5. A primeira questão de constitucionalidade que o recorrente suscita durante o
processo é a relativa à parte final do nº 1 do artigo 187º do CPP:
A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem
ser ordenadas ou autorizadas (…) se houver razões para crer que a diligência se
revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
Contudo, a alegação de inconstitucionalidade vem assim formulada:
Ora, a interpretação desta norma segundo a qual é possível autorizar uma
intercepção telefónica com base em suspeitas consubstanciadas no contacto
pessoal do visado com um indivíduo que é referenciado no crime indicado, bem
assim, a não ponderação, se no caso concreto era possível o prosseguimento da
investigação através de outros meios menos gravosos, inquina aquela norma de
inconstitucionalidade material porquanto ofende o estatuído nos artigos 18°, n°
2, 32° e 34° da CRP.
Como é bem de ver, não é aqui identificado nem enunciado um qualquer critério
normativo que tenha orientado a decisão judicial e que possa valer para além da
irremediável singularidade do caso concreto. O que se impugna (por se entender
directamente lesiva dos preceitos constitucionais invocados) é a própria
valoração, feita pelo julgador, das circunstâncias próprias e específicas do
mesmo caso.
6. A segunda questão de constitucionalidade suscitada durante o processo é a
relativa ao nº 1 do artigo 188º do CPP, na parte em que este determina que
Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o
qual (…) é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou
autorizado as operações (…)
Contudo, e uma vez mais, o que aqui se contesta é a decisão judicial em si mesma
tomada e não uma qualquer dimensão normativa que a terá orientado e que possa
ser identificada independentemente das irrepetíveis especificidades do caso.
Afirma o recorrente a fls. 6608:
Entendemos que tendo o material gravado sido levado ao conhecimento do juiz, e
este ter proferido despacho no sentido de ordenar a transcrição do material
relevante ou ordenar a desmagnetização daquele que entendeu desnecessário para a
prova, após mais de 2 meses desde o início das intercepções, não cumpre os
requisitos impostos pelo artigo 188° n° 1, designadamente da expressão
imediatamente, no sentido da existência de um acompanhamento da realização da
escuta pelo juiz.
Outra interpretação que não esta fere de inconstitucionalidade material a norma
constante do artigo 188° n° 1 do CPP por contender com o estatuído nos artigos
18°, nº 2, 32° n°s 1 e 8 e 34° n°s 1 e 4 da CRP.
A afirmação contrasta com uma outra, que é sustentada pelo tribunal a quo na
própria decisão recorrida:
Ora, face aos elementos a que o próprio arguido faz alusão, temos que, a
autorização para a referida intercepção havia cessado há apenas 4 dias, quando o
seu último resultado é levado ao conhecimento do juiz, sendo que, no decorrer de
tal autorização e, uma vez por mês, foi levado conhecimento ao juiz do decorrer
de tais intercepções e de quais os elementos delas resultantes e relevantes para
a prova.
Como não cabe ao Tribunal Constitucional corrigir a forma pela qual o tribunal a
quo interpreta e aplica o direito ordinário – visto que tão somente lhe cabe
apurar se uma tal interpretação, aceite como um dado da questão, é ou não
constitucionalmente conforme (assim mesmo, Acórdão nº 4/2006, DR, II Série, nº
32, p. 2111) – a averiguação dos motivos que poderão explicar o contraste de
afirmações atrás descrito é coisa que se situa, naturalmente, fora do âmbito dos
poderes cognitivos deste Tribunal.
7. A terceira e última questão de constitucionalidade que o recorrente suscita
é a relativa ao nº 3 do artigo 188º do CPP:
Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a
prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso
contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações
ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado
conhecimento.
A referida inconstitucionalidade é suscitada do seguinte modo:
É esta a melhor interpretação a dar à norma constante do artigo 188° n° 3 do
CPP, ou seja, a de que é indispensável que conste documentação dos autos que
demonstre que o juiz ouviu todo o material gravado e tenha sido ele a escolher
as sessões consideradas relevantes para a prova não bastando ter conhecimento
apenas do conteúdo, ainda que resumido, das sessões sugeridas pelo OPC.
Outra interpretação fere de inconstitucionalidade material a norma constante do
artigo 188° n° 3 do CPP por contender com o estatuído nos artigos 18° n° 2, 32°
nºs 1, 5 e 8 e 34° n°s 1 e 4, todos da CRP.
Também aqui se pede que o Tribunal Constitucional conheça de questões que estão,
naturalmente, fora do âmbito dos seus poderes cognitivos. Não é, com efeito, a
este Tribunal que cabe averiguar se, in casu, o juiz terá ouvido ou não todo o
material gravado; ou se, não o tendo feito, a sua decisão viola directamente a
Constituição.
E nem se diga em contrário que, quanto a esta última questão, foi devidamente
identificada a dimensão normativa que terá orientado a decisão judicial (a
saber, que uma interpretação constitucionalmente conforme do nº 3 do artigo 188º
obrigaria que “consta[sse] documentado nos autos que o juiz ouviu todo o
material gravado”).
A dificuldade em sustentar a idoneidade de uma tal “dimensão normativa” – como
quid susceptível de valer para além das especificidades do caso e das valorações
que para ele fez o legislador [julgador] – torna‑se patente quando se confrontam
os conteúdos das duas pretensas “normas” ou “dimensões normativas”: o conteúdo
daquela cuja inconstitucionalidade foi (pretensamente) suscitada durante o
processo e o conteúdo daquela outra que o tribunal a quo efectivamente aplicou.
Os dois conteúdos não são coincidentes, sendo inevitável a sua não coincidência.
Como, durante o processo, se não chega nunca a colocar uma verdadeira questão de
inconstitucionalidade de normas, o conteúdo da questão que é suscitada apresenta
os contornos incertos e variáveis que decorrem da sua inextrincável ligação ao
caso concreto.
III
Decisão
Por estes motivos decide‑se não conhecer do objecto do recurso, nos termos do nº
1 do artigo 78º‑A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82).
Diz-se na reclamação apresentada:
A., por não se conformar com a douta decisão sumária proferida nestes autos, vem
da mesma reclamar para a conferência nos termos do n° 3 do art.° 78-A da Lei
28/82 de 15 de Novembro, pelos seguintes fundamentos:
Entendeu a douta decisão agora em crise, que não estão reunidos os pressupostos
de interposição do recurso de constitucionalidade, pois durante o processo o
arguido não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma mas sim da
própria decisão judicial recorrida.
N° 1 do artigo 187° do C.P.P.
Salvo o devido respeito, o que o arguido fez foi alegar a inconstitucionalidade
desta norma, com a interpretação dada pela decisão recorrida, norteada pelo caso
concreto.
Repare-se que o Tribunal da Relação de Évora, no seu acórdão’ aplicou
inquestionavelmente o art. 187º do CPP, com referência ao n°1 e n° 4 do art. 34°
da C.R.P., escrevendo que aquela norma, exige expressamente que haja “razões
para crer que a diligência se revelará de grande utilidade para a descoberta da
verdade ou para a prova”, nada mais se exigindo nomeadamente que existam
indícios do crime, ou a ponderação da possibilidade da investigação prosseguir
com outros meios de prova, para além da pendência de procedimento criminal.
Foi com esta interpretação, que o recorrente colocou em causa a
constitucionalidade da norma ínsita no n°1 do art. 187° do CPP. Ou seja, a
decisão recorrida entendeu que para se iniciar uma intercepção telefónica não
são necessários indícios do crime e que não se exige a ponderação da
possibilidade de a investigação da [sic] prosseguir com outros meios de prova. O
recorrente concretizou no seu requerimento de interposição de recurso para este
TC.
E a decisão da Relação de Évora, demonstra que compreendeu o sentido e alcance
da alegação de inconstitucionalidade que o arguido fez para aquele tribunal
superior. O acórdão recorrido apreciou a questão da inconstitucionalidade
levantada, e verifica-se que bem a compreendeu, expendendo sobre aquela variada
argumentação sempre associada à sua interpretação da lei fundamental.
E o recorrente, no seu requerimento de interposição do recurso de
inconstitucionalidade, fez precisamente o que lhe competia, individualizou a
interpretação que a Relação de Évora fez da norma constante do n°1 do art. 187°
do CPP:
O douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 187° do CPP com o
sentido de que para se desencadear uma escuta telefónica apenas se exige que
haja “razões para crer que a diligência se revelará de grande utilidade para a
descoberta da verdade ou para a prova, nada mais se exigindo nomeadamente que
existam indícios do crime, ou da ponderação da possibilidade da investigação
prosseguir com outros meios de prova, para além da pendência de procedimento
criminal.”
Adiantou ainda o ora recorrente qual a sua posição:
Entendemos que esta norma deve ser interpretada com o sentido de que para além
da verificação dos crimes de catálogo enunciados nas alíneas do n° 1 do artigo
187°, do CPP, é mister que, em concreto, se verifiquem outros requisitas
nomeadamente os relativos à existência de suspeitas fundadas sobre o utilizador
do telefone em causa e ainda que o prosseguimento da investigação não possa
continuar com o recurso a outros meios de prova.
Acrescentando ainda, sumariamente, algumas razões para a declaração de
inconstitucionalidade desta norma, socorrendo-se do teor do parecer junto a
estes autos da autoria dos professores Figueiredo Dias e Costa Andrade:
A interpretação sufragada no douto acórdão ofende os artigos 180 n° 2, 32° e 34º
da CRP na medida em que deixa a descoberto que um cidadão possa ser invadido na
sua privacidade com base na simples instauração de um processo crime desde que
esteja em causa um dos crimes mencionados no artigo 187° do CPP. Esta
possibilidade seria desproporcional na medida em que permitiria a invasão do
direito à palavra em casos da inexistência de suspeitas do cometimento de
qualquer crime. De resto a desproporcionalidade sempre existiria quando a
investigação fosse viável através de outros meios probatórios menos danosos.
Também sobre este ponto os Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade se
pronunciaram no parecer junto a este recurso opinando a necessidade da
verificação de dois requisitos, para além da exigência de um crime de catálogo,
para a autorização de uma escuta telefónica:
“Em segundo lugar, exige-se uma suspeita qualificada da prática de um crime de
catálogo.
…
Por outro lado, resulta seguro que não bastam «meras suposições ou boatos não
confirmados» e inconsistentes. Na clarificadora formulação de ROXIN:
«Tem de haver factos concretos a fundamentar a suspeita de que alguém praticou,
como autor ou participante» de um ou mais crimes do catálogo.
…
Decisiva, em terceiro lugar, a exigência da subsidiariedade da escuta.
Acolhendo-nos mais uma vez à lição de ROXIN, sendo de natureza subsidiária, a
escuta «só pode ter lugar quando a investigação dos factos ou a descoberta do
lugar onde se encontra o suspeito seria, de outra forma, impossível ou
resultaria essencialmente dificultada». Para expressar esta mesma exigência,
serviu-se o legislador português da fórmula «houver razões para crer que a
diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para
aprova»”
O tribunal recorrido formou pois, sobre a norma aplicada um juízo de
constitucionalidade, que constitui a ratio decidendi da decisão.
Salvo o devido respeito, a questão da constitucionalidade foi colocada durante o
processo, de forma clara para que o tribunal recorrido possa saber que tem
aquela questão para resolver.
E resolveu-a da forma que melhor entendeu, aplicando as normas colocadas em
crise pelo recorrente.
Diga-se aliás, e salvo o devido respeito, que, os apontados critérios
jurisprudenciais não hão-se ser tomados rigidamente, de jeito a não permitir o
recurso quando ao interessado se depare uma decisão relativamente à qual não
seria razoável exigir uma prognose de um conteúdo e de um despacho inesperados,
anómalos ou excepcionais.
É que o critério normativo que veio a ser adoptado pelo acórdão agora recorrido,
foi de todo inesperado, mesmo confrontado com a decisão de 1ª instância, por
acolher um entendimento que vai contra toda a jurisprudência e doutrina
autorizada.
N° 1 do artigo 188° do CPP
Também aqui, entendeu a douta decisão sumária agora em crise, que o arguido
atacou a decisão judicial e não uma qualquer dimensão normativa.
Salvo o devido respeito, discordamos desta apreciação.
Esta questão, relacionada com a expressão imediatamente, já foi alvo de vários
acórdãos pelo tribunal constitucional. Pelo que a interpretação normativa dada
pela decisão recorrida àquela expressão, ínsita na norma do n°1 do art.° 188° do
CPP, decidirá da constitucionalidade da norma.
Como se sabe, é no caso concreto que o Tribunal Constitucional deve analisar a
eventual violação da lei fundamental.
Pode-se seguramente isolar na argumentação da recorrente, imediatamente anterior
à decisão recorrida, a suscitação, com suficiente precisão, de uma questão de
inconstitucionalidade normativa referida ao n° 1 do artigo 188° do CPP este só
será constitucionalmente 1egítimo face ao artigo 34° n° 4 da Lei Fundamental,
quando os lapsos de tempo aí em causa sejam entendidas em termos
quantitativamente restritivos.
O recorrente cumpriu por isso todos os pressupostos para que o seu recurso seja
aqui conhecido.
O acórdão da relação, interpretou a norma em causa, com o critério normativo que
o recorrente colocou perante este TC:
Resulta do autos que as intercepções foram autorizadas e apresentadas ao juiz,
dentro do prazo concedido pelo mesmo, sendo ainda de entender-se que o
“imediatamente” significa “no mais curto prazo possível” devendo atender-se às
dificuldades próprias da tarefa e as disponibilidades dos meios técnicos e
humanos para o efeito …
Daqui, logo resulta, que o acórdão recorrido compreendeu bem a questão da
constitucionalidade que lhe foi colocada, dela decidindo, interpretando a norma
do n°1 do art. 188º do CPP, com um critério normativo que julgamos
inconstitucional.
E o recorrente, no seu recurso de inconstitucionalidade, levantou precisamente a
interpretação normativa constante do acórdão recorrido:
O douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 188° n°1, do CPP, com o
sentido de que a expressão “imediatamente” aí inserida, deve ser entendida, “no
mais curto prazo possível devendo atender-se às dificuldades próprias da tarefa
e as disponibilidades dos meios técnicos e humanos para o efeito.”
Ou seja, o douto acórdão de que agora se recorre, entende que se verificou
correcto acompanhamento judicial das escutas telefónicas ainda que o material
gravado viesse a ser junto aos autos alguns meses depois do início das
intercepções. No caso concreto o juiz tomou conhecimento de uma primeira parte
do material gravado 3 meses e 4 dias após o início das intercepções enquanto que
tomou conhecimento de uma segunda parte do material gravado 2 meses e 7 dias
após a intercepção desse material.
Acrescentando, algumas razões, socorrendo-se a um excerto do parecer elaborado
pelos professores Figueiredo Dias e Costa Andrade nestes autos:
A este propósito a defesa solicitou parecer aos Professores Jorge Figueiredo
Dias e Manuel da Costa Andrade que opinaram: “na certeza em qualquer caso de
que, em matéria de intromissões ou invasões dos direitos fundamentais, a
Constituição só define e baliza, o campo, dentro de cujos limites cabe à lei
ordinária modelar as soluções a positivar. Se é certo que o legislador ordinário
não pode ultrapassar as marcas ou limites decorrentes da Constituição, ele pode
ficar muito aquém, não esgotando o campo de compressão constitucionalmente
tolerado. Vale por dizer que a solução definitiva do caso concreto é, em última
instância, um problema de interpretação e aplicação da lei ordinária.”
O Tribunal da Relação de Évora, compreendeu a questão de inconstitucionalidade
que lhe foi colocada, pois acabou por aplicar a norma fazendo uma interpretação
normativa, que o recorrente veio a isolar neste recurso para o TC.
Cumpriu-se pois todos os requisitos para o recurso de inconstitucionalidade.
Por fim, e sempre com o devido respeito, nada impede o Tribunal Constitucional
de apreciar a norma numa dimensão mais ou menos extensa do que aquela que vem
delimitada pelo recorrente. Todas as questões que vieram agora a ser decididas
pelo acórdão recorrido, estiveram sempre em discussão nestes autos, tendo sido
sempre respondidas pelo acórdão recorrido.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu
pela seguinte forma à referida reclamação:
1°
A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente.
2°
Radicando a argumentação do reclamante na circunstância de não ter na devida
conta a natureza estritamente normativa da fiscalização de constitucionalidade
cometida a este Tribunal Constitucional.
3°
Movendo-se, consequentemente, no âmbito de um verdadeiro “recurso de amparo”,
direccionado, não contra qualquer critério normativo efectivamente aplicado à
dirimição do caso, mas na perspectiva de uma análise estritamente concreta e
casuística da intercepção e gravação de comunicações telefónicas realizadas no
processo.
4º
Não cabendo obviamente no âmbito do referido controlo normativo a ponderação das
possibilidades concretas de prosseguimento das investigações, por outros meios;
a definição do prazo exacto em que o juiz que autorizou as escutas deve proceder
ao respectivo controlo, em função de uma directa análise dos factos processuais
relevantes; e a verificação do grau de “diligência” com que tal controlo foi, no
caso concreto, porventura exercitado.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
2. No recurso de constitucionalidade que procurou interpor junto do Tribunal
Constitucional, o reclamante A. invocou a inconstitucionalidade de três normas
do Código de Processo Penal: a contida no nº 1 do artigo 187º, in fine, a
contida no nº 1 do artigo 188º e a contida no nº 3 do mesmo artigo.
Por Decisão Sumária, o Tribunal não conheceu do objecto do recurso na sua
totalidade, isto é, quanto às três normas cuja inconstitucionalidade fora
invocada.
Vem agora A. reclamar para a Conferência desta mesma decisão apenas no que diz
respeito ao exame das duas primeiras normas atrás referidas. Assim sendo,
relativamente à terceira – a contida no nº 3 do artigo 188º do Código de
Processo Penal – fixa‑se o conteúdo da Decisão Sumária.
3. Quanto às restantes normas, sustenta o reclamante que o recurso de
constitucionalidade que pretende interpor cumpre, efectivamente, os pressupostos
exigidos pela alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 (Lei do Tribunal
Constitucional).
Assim não é, porém.
Como muito bem se sabe – e como inúmeras vezes tem sido repetido pela
jurisprudência constitucional – através deste tipo de recursos [previstos, antes
do mais, pela alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição] só pode o
Tribunal Constitucional conhecer de questões relativas à constitucionalidade de
normas. As decisões judiciais, em si mesmas consideradas, não são, em direito
português, objecto do controlo de constitucionalidade. Nas palavras do Acórdão
nº 44/85: “saber se a norma era ou não aplicável ao caso, ou se foi ou não bem
aplicada – isso é da competência dos tribunais comuns, e não da competência do
Tribunal Constitucional” (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, p.
408).
A exigência de prévia suscitação da questão de constitucionalidade [prévia,
note‑se, à prolação da decisão recorrida] faz todo o sentido, no quadro dos
pressupostos de um recurso de constitucionalidade assim estruturado. Tratando‑se
este de um recurso que incide sobre normas e não sobre decisões, lógico é que se
pressuponha que o tribunal a quo, de cuja sentença se recorre, tenha nessa mesma
sentença aplicado a norma cuja constitucionalidade, antes, durante o processo,
se questionou.
4. Como se disse na Decisão Sumária reclamada, toda esta orientação se mantém
intacta – não pode deixar de se manter intacta – para aqueles casos em que se
considera que objecto do controlo de constitucionalidade não é tanto a “norma”,
isoladamente tomada, mas antes a “sua dimensão interpretativa” – ou seja, o modo
pelo qual o julgador, num processo de fiscalização concreta, interpretou a regra
de conduta ou o padrão de valoração de comportamentos aplicável ao caso. É
evidente que também para estes casos se mantém a exigência de suscitação prévia
da questão de constitucionalidade. Ponto é que essa mesma questão tenha conteúdo
ou dimensão normativa, ou seja, possa ser identificada, e enunciada, sem
necessidade de referências às circunstâncias únicas e irrepetíveis do caso
concreto. Uma questão que só possa ser enunciada e identificada com referência
às particularidades do caso, à matéria de facto que nele se julgou e às
valorações que para ela fez o julgador não tem dimensão normativa.
5. A reclamação agora apresentada por A. apoia‑se, toda ela, na pretensa
inconstitucionalidade das normas que, segundo afirma, teriam sido aplicadas pelo
Tribunal da Relação de Évora na decisão recorrida. No entanto, quanto à
exigência de prévia suscitação da questão de constitucionalidade – entendida no
sentido atrás precisado – nada de novo diz. Bem pelo contrário: como, a certa
altura (fls. 316 dos autos) parece querer introduzir, em seu favor, a tese – não
fundamentada – segundo a qual tal decisão teria constituído uma verdadeira
“decisão surpresa”, o reclamante acaba assim por admitir que não cumpriu a
exigência da prévia suscitação da questão de constitucionalidade normativa.
Aliás, e justamente porque tal sucede, nunca chega a haver coincidência entre o
conteúdo da norma, que é efectivamente aplicada na decisão recorrida pelo
tribunal a quo, e o conteúdo da (pretensa) norma cuja inconstitucionalidade
fora, antes, alegada durante o processo. Diz o reclamante que o juiz de
instrução não ponderou a decisão de autorização de escutas; sustenta o contrário
a decisão recorrida. Diz o reclamante que o juiz não tomou conhecimento, em
tempo côngruo, das escutas que ele próprio autorizara; sustenta o contrário a
decisão recorrida. De nenhuma destas questões deve, evidentemente, o Tribunal
Constitucional conhecer.
São por isso de manter todas as objecções feitas pela Decisão Sumária reclamada,
quanto ao preenchimento do pressuposto processual relativo à exigência de prévia
suscitação da questão de inconstitucionalidade da norma.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide‑se indeferir a reclamação, mantendo‑se a
Decisão Sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se em 20 u.c. a taxa de justiça.
Lisboa, 26 de Junho de 2007
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão