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Processo n.º 1132/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., S. A., em acção administrativa especial intentada perante o Tribunal
Central Administrativo, impugnou o despacho do Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais que recusou a autorização para deduzir nos seus lucros
tributáveis os prejuízos fiscais de «B., SA», e, em cumulação, pediu a
condenação da entidade demandada na prática de um acto que, em substituição do
acto impugnado, defira essa sua pretensão, que tinha como fundamento o disposto
no artigo 69º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Colectivas (CIRC) e o facto de a Autora ter adquirido, no âmbito de um processo
judicial de recuperação de empresa, todos os direitos e obrigações daquela outra
sociedade.
A acção foi julgada improcedente, pelo que a Autora interpôs recurso
jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo, alegando, em síntese, o
seguinte:
i) A norma do artigo 69º, n.º 1, do CIRC não impede que, mesmo que se considere
inexistir formalmente uma situação de fusão de sociedades, possa ocorrer a
transmissão de prejuízos fiscais, nos casos em que se está perante a
constituição, no seio de um processo de recuperação de empresa, de uma nova
sociedade que assume todos os direitos e obrigações da sociedade em recuperação,
deixando esta de exercer qualquer actividade em resultado da cedência de toda a
sua capacidade produtiva à nova sociedade.
ii) De resto, qualquer critério normativo, inferido do artigoº 9.° do Código
Civil ou do artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT), que exclua a consideração
de resultados de uma interpretação teleologicamente orientada ou uma extensão
teleológica, com o fundamento de que com isso se viola o princípio da
legalidade, seria, pela limitação do resultado interpretativo daí emergente em
sacrifício da justeza material das decisões judiciais, inconstitucional por
violação do próprio princípio do Estado de direito material.
iii) O bom fundamento da aplicação do artigo° 69 ° do CIRC ao caso dos autos é
potenciado pela existência de uma intolerável situação arbitrária e
discriminatória no domínio das medidas de recuperação de empresas em situação
económica difícil, carecendo de fundamento, na lógica do princípio da igualdade,
o regime privilegiado que se institui para as medidas de reestruturação
aprovadas pelo IAPMEI e as que são homologadas judicialmente.
Por acórdão de 2 de Novembro de 2006, o STA confirmou o julgado, tendo em conta
as seguintes ordens de considerações:
i) A dedução dos prejuízos fiscais de uma sociedade nos lucros tributáveis de
outra sociedade, nos termos do artigo 69º, n.º 1, do CIRC, só pode ocorrer
quando elas estiverem envolvidas num processo de fusão e essa dedução tiver sido
autorizada pelo Ministro das Finanças;
ii) Face ao princípio da tipicidade fiscal, a ausência de tributação num
determinado caso concreto só poderá ocorrer se existir norma legal que
especificamente autorize a excepção à regra geral de incidência, sendo que as
normas que estabeleçam isenções fiscais não podem ser interpretadas por analogia
ou de forma extensiva, e apenas as normas que fixem benefícios fiscais são
susceptíveis de interpretação extensiva;
iii) A norma do artigo 69. °, n.º 1, do CIRC configura um benefício fiscal só
aplicável no caso de fusão de sociedades, não se justificando a interpretação
extensiva em termos de abranger a situação da recorrente;
iiii) A Administração não violou o princípio da igualdade, visto que se não
demonstra que tenha tratado situações idênticas às dos autos de modo diferente.
É desse aresto que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao
abrigo do disposto no artigo 70°, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional, pelo qual se pretende ver fiscalizada a constitucionalidade das
seguintes normas:
- artigo 11.° da Lei Geral Tributária, quando interpretado no sentido de vedar,
com fundamento no princípio da legalidade fiscal, a admissibilidade de
resultados da interpretação como a extensão teleológica, por violação do
princípio do Estado de direito material, acolhido no artigo 2º da Constituição
da República Portuguesa e com idêntica expressão no artigo 202.º, nºs 1 e 2, da
Lei Fundamental, na medida em que se considere que «as normas que estabeleçam
essas isenções não podem ser interpretadas por analogia ou de forma extensiva»,
ainda que esta — e apenas esta — seja admitida em sede de benefícios fiscais;
- artigo 69° do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas,
enquanto impeça que uma sociedade criada no âmbito de um processo judicial de
recuperação de empresa e Falência (CPEREF), tendo adquirido todos os direitos e
obrigações de uma sociedade em situação empresarial difícil, possa deduzir os
prejuízos fiscais desta, por violação do princípio da igualdade e por efeito da
articulação dessa norma com o disposto no Decreto-Lei n.º 14/98, de 28 de
Janeiro, maxime artigo 6.°, e com o disposto no Decreto-Lei n.º 81/98, de 2 de
Fevereiro, maxime, artigo 9°.
Admitido o recurso, a recorrente apresentou as suas alegações em que formula as
conclusões que seguem:
1. A interpretação da lei traduz-se na determinação do seu sentido
jurídico-normativo em ordem a obter, por referência ao caso, um critério
jurídico adequado à justa resolução de um determinado problema jurídico
concreto,
2. Não tendo em vista uma intenção apenas hermenêutico-cognitiva pré-ordenada a
desocultar tão-só o teor semântico-gramatical da norma, em abstracto,
independentemente do caso concreto.
3. Qualquer norma carece de ser interpretada por referência — e a partir do
caso, respeitando sempre e em última análise o sentido jurídico normativo da
fonte interpretanda.
4. Radicando a interpretação jurídica na ‘determinação do sentido
jurídico-normativo’ de uma norma, que não no seu significado textual, a
obediência à norma não pode confundir-se com mera obediência à sua letra,
independentemente de uma adequação prático-prudencial entre o caso e a norma.
5 Impor-se-á, a esse propósito, considerar a intencionalidade prático-normativa
da norma em face do problema jurídico de molde a garantir a efectivação da sua
imanente teleologia normativa na resolução do caso concreto tendo em conta as
especificidades deste, sendo que estas hão-de co-determinar, por via
interpretativa, o sentido jurídico desocultado na interpretação da norma.
6. Assumida a preocupação pelas exigências materiais próprias do direito e a
realização judicativo-decisória deste centrada na especificidade dos problemas
concretos e não numa mera lógica abstracta a reclamar uma intervenção
técnico-linguística, mas não prático-jurídica, a evolução do pensamento jurídico
metodológico caminhou de mãos dadas com a recompreensão do Estado de direito,
metamorfoseado agora num Estado em que a lei (lex) terá de ser determinada pelo
direito (ius) e em que, nesse domínio, se reserva agora à magistratura judicial
um papel essencial na interpretação crítica da lei, considerada na globalidade
dos seus elementos significativos, referidos ao problema jurídico-concreto
7. Estando em causa um problema meta-positivo, que diz respeito ao pensamento
jurídico globalmente considerado e não em exclusivo — ou exclusivismo — à
instância legislativa, a verdade é que, em homenagem ao Estado de direito, e ao
papel que a jurisprudência assume nesse âmbito, não pode o legislador
estabelecer impositivamente um cânone metodológico de modo a limitar a
actividade jurisprudencial na justa e materialmente adequada resolução dos
conflitos.
8. Ao fazê-lo, em termos restritivos, vedando a admissibilidade de resultados
interpretativos como a mera interpretação extensiva ou a interpretação
teleológica, o legislador ordinário condena o julgador a uma mera interpretação
literal-gramatical da norma totalmente estranha às especificidades do caso,
impedindo-o de valorar em termos comparativos o problema normativo assumido pela
norma e o problema concreto cuja solução se demanda.
9. No domínio de um Estado de direito não pode condenar-se o julgador a uma
estrita e exclusiva obediência ao sentido literal das normas, compreendido na
sua auto-subsistência filológico-gramatical, impedindo-o de considerar os demais
elementos interpretativos de modo a perscrutar na norma o seu autêntico
significado jurídico e não textual.
10. Essa limitação dos resultados interpretativos, claramente injustificada à
luz de um Estado de Direito, é também contrária, em absoluto, ao princípio da
separação dos poderes na medida em que traduz uma ingerência no núcleo
fundamental da actividade judicativa, amputando à magistratura os instrumentos
metodológicos conducentes à justa decisão dos problemas jurídicos.
11. É inconstitucionalmente intolerável que se limite a actividade metodológica
da jurisprudência judicial a uma apreciação do teor semântico-gramatical das
normas em termos de se lhe exigir tão-só que seja, como em oitocentos, ‘la
bouche qui prononce les paroles de la loi’, numa interpretação jurídica apenas
exegético-gramatical.
12. Ao limitar a actividade interpretativa a determinado paradigma, o legislador
ordinário está a aniquilar, na essência, o sentido substancial da actividade
jurisdicional, o que, nos tempos actuais, perante uma jurisprudência que deve
mais obediência ao direito que à letra da lei, não pode de todo admitir-se.
13. A norma aqui em crise não se mostra minimamente conforme ‘com dimensões
estruturantes do Estado-de-Direito, nomeadamente com dois dos seus mais
nucleares corolários: o do reconhecimento da autonomia e do sentido, quer da
normatividade jurídica, quer do específico pensamento chamado a assumir o
problema da sua racionalizada realização judicativo-decisória (em virtude da
consabida imbricação de ambos…)’.
14. O acto de julgamento não pode ser predeterminado nos seus resultados pela
imposição de uma teoria da interpretação que impeça a jurisprudência de
determinar o sentido jurídico-normativo das normas legais em conformidade com o
problema jurídico concreto e de as aplicar de acordo com a interpretação assim
realizada quando o resultado interpretativo assim obtido não seja tout court
sustentado por uma simples ‘interpretação declarativa’
15. O legislador não pode, sem prejuízo pela autonomia da realização
judicativo-decisória do direito, pela independência do poder judicial, e pela
função autónoma da jurisprudência no universo jurídico, prescrever um modelo de
interpretação de jaez hermenêutico-cognitivo, proscrevendo, do mesmo passo, uma
actividade jurisprudencial de interpretação prático-normativa, que atenda ao
caso concreto como prius metodológico e que em matéria de interpretação da lei
possa valorar diferenciadamente a intenção prático-material por esta manifestada
em detrimento da sua dimensão filológico-gramatical.
16. O legislador não pode, assim, excluir em absoluto — em abstracto — os
resultados interpretativos por admitirem a preterição do estrito teor
semântico-gramatical das normas em homenagem ao seu sentido material,
inserindo-se neste âmbito os casos já mencionados de interpretação teleológica,
mais especificamente, de extensão e de redução teleológicas.
17. Hodiernamente, tais resultados interpretativos não só são commumente
admitidos e aceites pela nossa doutrina e jurisprudência mais avalizada, como,
para além disso, constituem uma clara refracção metodológica das exigências
materiais que um Estado de direito coloca à judicatura, exigindo-lhe que uma
justa decisão de um problema jurídico passe pela adequação do caso concreto com
o sentido normativo da norma interpretanda e não por uma mera interpretação
literal, feita em abstracto, desvinculada da intenção prático-normativa dos
critérios jurídicos e construída independentemente do problema concreto que
convoca e suscita e intervenção dessa norma.
18. A mobilização de qualquer norma não dispensa, atentos os limites
normativo-intencionais que a predicam, um esforço mediador constitutivo que
balance o olhar entre a norma e o caso, em termos de poder concluir-se que o
sentido de direito assinalado à norma tem forçosamente de incluir o sentido
problemático resultante do caso concreto, ainda que a dimensão teleonomológica
da norma se tenha de sobrepor em face ao teor semântico-gramatical da norma.
19. O princípio da legalidade não impõe o desprezo pelo cumprimento da
intencionalidade teleológico-normativa da norma em detrimento do seu sentido
filológico-gramatical, particularmente quando o cumprimento forma desta dimensão
conduza, sem mais, à total preterição da norma, naquilo que, justamente, ela se
traduz: um critério jurídico — não linguístico — de resolução de um problema.
20. O princípio da legalidade fiscal é um princípio que se dirige essencialmente
ao Estado e que, quanto aos seus corolários metodológicos, pretende proteger os
destinatários da normatividade tributária de uma aplicação analógica in malem
partem, mas não tem a pretensão de impedir, limitar ou excluir, ainda em sede de
interpretação jurídica, que o julgador possa determinar o sentido das normas
fiscais em termos de valorar os distintos elementos interpretativos de forma
diferenciada sem ter de conferir ao elemento gramatical um valor determinante do
resultado interpretativo.
21. Na medida em que se limitem em abstracto os resultados interpretativos e se
impeça que o intérprete releve o sentido jurídico-normativo da norma,
vinculando-o, sempre e em todo o caso, ao peso determinante do elemento
gramatical, como sucede com o artigo 11º da Lei Geral Tributária quando
interpretado no sentido de vedar, com fundamento no princípio da legalidade
fiscal, a admissibilidade de resultados da interpretação como extensão
teleológica, por se considerar que ‘as normas que estabelecem ‘essas isenções’
não podem ser interpretadas por analogia ou de forma extensiva’, é o próprio
princípio da legalidade que materialmente se viola e é o Estado de Direito que
se põe em crise.
22. É inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito e do
princípio da separação dos poderes, o artigo 11.° da Lei Geral Tributária quando
interpretado no sentido de vedar, com fundamento no princípio da legalidade
fiscal, a admissibilidade de resultados da interpretação como a extensão
teleológica, por se considerar que ‘as normas que estabelecem ‘essas isenções’
não podem ser interpretadas por analogia ou de forma extensiva.
23. O Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (IAPMEI) indeferiu a
candidatura ao SIRME, com o fundamento de que o esforço financeiro por parte
daquele instituto representava 86% do total do seu investimento, outra
possibilidade não houve de que solicitar, após acordo com os credores, a
homologação da revisão do plano de actuação da gestão controlada da empresa, nos
termos dos artigos 106.°, n.º 2, 107.°, n.º 2, e 101º, n.º 1, alínea e), do
CEREF.”
24. Com excepção da aplicação do artigo 69.º do CIRC ao presente caso concreto
nada se prevê quanto ao regime da transmissibilidade dos prejuízos fiscais no
seio de medidas de viabilização de empresas (revestidas, como aqui sucede, de
manifesto interesse económico).
25. No entanto, em lugar paralelo, verifica-se que o Decreto-Lei n.º 14/98, de
28 de Janeiro, criou um regime especial de dedução de prejuízos no âmbito dos
processos do Gabinete de Coordenação para a Recuperação de Empresas (GAGRE) –
regime este que foi estendido pela LOE de 2000 aos processos aprovados pelo
IAPMEI no âmbito do SIRME.
26. Para situações que visam os mesmos objectivos, a lei não prevê a extensão do
beneficio previsto naquele diploma ao processo judicial de recuperação de
empresas em dificuldades, tanto mais que para ‘contratos de consolidação
financeira’ e ‘reestruturação empresarial’ instituídos pelo IAPMEI, o
Decreto-Lei n.º 81/98, de 2 de Abril, veio estender a aplicação dos benefícios
fiscais consagrados nos artigos 118.º a 121.º do CPEREF àqueles actos e
operações resultantes dos ‘contratos de consolidação financeira’ e
‘reestruturação empresarial’.
27. Verifica-se assim uma extensão dos benefícios previstos no CPEREF aos
processos cujo procedimento de recuperação é efectuado através do IAPMEI, mas a
inversa não é verdadeira
28. Para o mesmo facto – medidas de recuperação de empresas em situação
económica difícil – é criado um regime privilegiado para aquelas que celebram
contratos de consolidação financeira e reestruturação empresarial em execução de
projectos aprovados pelo IAPMEI, e para aquelas cujo processo segue a via
judicial: as medidas enunciadas no CPEREF não beneficiam do mesmo regime, nem de
medida idêntica de dedução de prejuízos e indo até mais longe uma vez que as
primeiras beneficiam do benefícios consagrados no CPEREF de acordo com o
Decreto-Lei nº 1/99, de 4 de Abril.
29. E a recorrente só não beneficiou deste regime porque o projecto de
recuperação da B., SA não foi aprovado pelo IAPMEI, pelo esforço financeiro que
tal implicava para esse instituto.
30. Não se vislumbra qualquer razão atendível para a existência de tal
disparidade de tratamento, agravada, para a Recorrente, pelo facto de ter visto
indeferida a sua candidatura ao SIRME apenas pelo esforço que tal impunha ao
IAPMEI.
31. Tal duplicidade de regimes é, assim, desrazoável e cria uma intolerável
situação arbitrária no domínio das medidas de recuperação de empresas em
situação económica difícil, carecendo de fundamento, na lógica do principio da
igualdade, o regime privilegiado que se institui para as medidas de
reestruturação aprovadas pelo IAPMEI e as que são homologadas judicialmente.
32. O critério normativo extraído da interpretação do artigo 69.º do CIRC
enquanto impeça que uma sociedade no âmbito do Código dos Processos Especiais de
Recuperação de Empresa e Falência (CPEREF), tendo adquirido todos os direitos e
obrigações de uma sociedade em situação empresarial difícil, possa deduzir os
prejuízos fiscais desta como resulta da articulação dessa norma com o disposto
no DL 14/98, maxime o seu art.º 6.º, e com o disposto nos artigos 118.º a 121.º
do CPERFF, por referência ao DL 81/98, maxime o seu art.º 9.º, é
inconstitucional por violação do princípio da igualdade.”
A autoridade demandada contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
A— O artigo 11° da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n°398/98, de
17 de Dezembro, quer em abstracto, quer na interpretação que do mesmo foi feita
no acórdão recorrido não ofende quaisquer princípios constitucionais,
nomeadamente princípios da legalidade, do Estado de Direito e da Separação de
Poderes.
B — A interpretação reflectida nessa douta decisão judicial não corresponde à
que lhe é imputada nas alegações do recorrente.
C — O Supremo Tribunal Administrativo, conhecedor de todas as boas regras e
princípios de interpretação que o recorrente traz à colação em sede de alegações
de recurso, aplicou-os.
D — O acórdão recorrido analisou se, no caso, a letra da lei ficava aquém do seu
espírito e se, por isso, cabia estendê-lo. Concluiu pela negativa, dada a falta
de dentidade de razão entre as situações abrangidas no âmbito da norma e a
situação sub judice.
E — No que especificamente respeita à integração de lacunas, de facto o acórdão
recorrido, aplicando o n°3 do artigo 11º da LGT, conclui pela impossibilidade de
recurso à analogia quando estejam em causa, como é o caso, benefícios fiscais.
F — E não poderia ser de outra forma, pois que a proibição da analogia resulta
dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade fiscal, que o
Supremo Tribunal Administrativo aplicou e respeitou, como lhe era devido.
G — A interpretação e aplicação do artigo 11° da LGT feita no douto acórdão
recorrido apresenta-se, assim, perfeitamente conforme à Lei Constitucional.
H — Daí decorrendo que a aplicação pelo douto acórdão do artigo 69° do Código do
IRC se perfila como observante da mais estrita legalidade.
I — E o mesmo se diga quanto ao manifesto respeito pelo princípio da igualdade.
J — O princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que é igual e
tratamento diferente ao que é diferente.
K — Ora, a situação figurada nos autos não é subsumível à prevista no artigo 69°
do Código do IRC, pois que a mesma não é igual à existente aquando da fusão e
derivada da extinção das sociedades.
L — E não sendo as situações iguais, não merecem igual tratamento.
M — Pelo que é manifesto não ofender a decisão recorrida nenhum dos preceitos e
princípios constitucionais indicados pelo recorrente.
Finda a fase de alegações, o relator ordenou a notificação da recorrente para se
pronunciar, querendo, sobre a questão prévia relativa à admissibilidade do
recurso suscitada na alínea B) das conclusões da contra-alegação, e que
resultaria do entendimento aí sufragado segundo o qual a interpretação
reflectida na decisão judicial não corresponde à que lhe é imputada nas
alegações da recorrente.
Na resposta, a recorrente rebate esta objecção, alegando, em resumo, que a
entidade recorrida, ao invocar a referida questão prévia, confunde o elemento
teleológico de interpretação com a extensão teleológica enquanto resultado da
interpretação (que conhece duas modalidades: a interpretação extensiva e a
interpretação analógica), e que, no caso, a extensão teleológica foi
efectivamente considerada inadmissível pelo tribunal recorrido, com fundamento
no princípio da legalidade fiscal.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir:
II. Fundamentação
Questão prévia
2. O recorrido coloca a questão prévia da não aplicação, na decisão recorrida,
da interpretação normativa cuja conformidade constitucional a recorrente
pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
A interpretação normativa em causa é aquela a que se reporta a conclusão 22ª das
alegações da recorrente (também explicitada no requerimento de interposição do
recurso), onde se afirma que «[É] inconstitucional, por violação do princípio do
Estado de Direito e do princípio da separação dos poderes, o artigo 11.° da Lei
Geral Tributária quando interpretado no sentido de vedar, com fundamento no
princípio da legalidade fiscal, a admissibilidade de resultados da interpretação
resultante da extensão teleológica, por se considerar que ‘as normas que
estabelecem essas isenções não podem ser interpretadas por analogia ou de forma
extensiva’».
Segundo a entidade recorrida, esta interpretação não foi aplicada no acórdão sub
judicio porquanto o tribunal recorrido não deixou de manifestar o entendimento
de que, na interpretação da lei, se deve atender aos princípios gerais que regem
a actividade hermenêutica e, portanto, também ao elemento teleológico de
interpretação. Ou seja, no dizer do recorrido, na determinação do sentido da
norma fiscal aplicável ao caso, o STA observou os cânones da interpretação da
lei, e, consequentemente, fez adequada aplicação do artigo 11º da Lei Geral
Tributária, pelo que não é sequer imputável ao acórdão recorrido a interpretação
normativa que a recorrente considera ter sido violadora de princípios
constitucionais.
A recorrente contrapõe que a inconstitucionalidade da referida disposição da Lei
Geral Tributária decorre de se não ter permitido obter um certo resultado
interpretativo através de extensão teleológica, a qual se não confunde com a
simples interpretação declarativa em que deva intervir o elemento teleológico.
Para apreciar a questão prévia assim suscitada importa ter presente o teor da
falada norma do artigo 11º da Lei Geral Tributária, bem como os termos em que os
aspectos atinentes à matéria de constitucionalidade foram analisados quer no
acórdão recorrido, quer no requerimento de interposição de recurso e nas
respectivas alegações.
O artigo 11º da Lei Geral Tributária dispõe o seguinte:
«1 — Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos
a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de
interpretação e aplicação das leis.
2 — Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos
de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí
têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3 — Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar,
deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4 — As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da
Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.»
Por sua vez, a norma fiscal relativamente à qual a recorrente considera não ter
sido efectuada, indevidamente, a extensão teleológica é a do n.º 1 do artigo 69º
do CIRC, que ostenta a seguinte redacção:
«Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros
tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante e até ao fim do
período referido no n.º 1 do artigo 47º, contado do exercício a que os mesmos se
reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças,
mediante requerimento dos interessados entregue na DGI até ao fim do mês
seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.»
Nas alegações de recurso para o STA, a recorrente sustentou que uma
interpretação teleológica do artigo 69º do CIRC deveria conduzir à conclusão de
que a situação dos autos, configurando um caso de aquisição dos direitos e
obrigações da empresa em situação económica difícil, é enquadrável na previsão
do referido preceito, ainda que este, na sua formulação verbal, aluda apenas,
como fundamento determinante da concessão do benefício fiscal, às situações de
fusão de sociedades. Pelo que – segundo alega – a exclusão desse método
interpretativo com a invocação de que ele viola o princípio da legalidade, no
ponto em que acaba por sacrificar a justiça material da decisão judicial, gera
uma inconstitucionalidade por violação do princípio do Estado de Direito.
Por seu turno, o acórdão recorrido, reportando-se à questão de
constitucionalidade assim colocada, discorreu nos seguintes termos:
« (E) o princípio da tipicidade fiscal, que prescreve que só existirá obrigação
de imposto se houver lei que a preveja, aplica-se não só na vertente da
tributação como também na das isenções ou benefícios fiscais, o que significa
que a ausência de tributação num determinado caso concreto só poderá ocorrer se
existir norma legal que especificamente autorize essa excepção à regra geral. E
daí que as normas que estabeleçam essas isenções não possam ser interpretadas
por analogia ou de forma extensiva, muito embora as normas que estabeleçam
benefícios fiscais sejam susceptíveis de interpretação extensiva. — 9.° do
Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Deste modo, se se considerar que o disposto no art.° 69.° do CIRC institui uma
isenção fiscal ter-se-á de concluir que a sua aplicação só poderá ser feita aos
casos nele especificamente previstos não sendo de admitir a sua aplicação a
casos que possam ter semelhanças com a situação nele prevista ou que com ela se
possa estabelecer alguma espécie de analogia.
Se, pelo contrário, se considerar que o mesmo institui um benefício fiscal então
o mesmo pode ser interpretado extensivamente.
No caso dos autos, a Autora/Recorrente acha-se com direito a deduzir nos seus
lucros tributáveis os prejuízos fiscais da sociedade “B., SA” e fundamenta essa
pretensão no disposto no transcrito art.° 69.° do CIRC, isto é, no facto da
mesma resultar da fusão de sociedades e desta última sociedade ter integrado
essa fusão e, consequentemente, reputa de ilegal a decisão da Autoridade
Recorrida que indeferiu essa pretensão. Ou seja, a Recorrente considera que a
situação figurada nos autos, que esteve na origem da sua constituição, pode ser
qualificada como uma fusão de sociedades.
Todavia - como bem se assinalou no Acórdão recorrido — a constituição da
Recorrente não resultou de uma fusão de sociedades em que estivesse envolvida a
“B., SA” já que os requisitos constantes daquele normativo não se verificaram,
pelo que não ocorre uma situação que consinta que a aplicação directa daquele
normativo.
Nem, tão pouco, que essa aplicação se possa fazer através de uma interpretação
extensiva.
Com efeito, o que sobressai deste dispositivo é a exigência de que o benefício
fiscal nele previsto só tem aplicação quando houver fusão de sociedades. E esta,
como se disse, só ocorre quando as sociedades envolvidas se extinguem e, por
isso, quando a mesma implicar a constituição de uma pessoa colectiva
inteiramente nova ou quando, subsistindo uma das sociedades envolvidas, essa
subsistência passar pela extinção da restantes sociedades e por uma
significativa alteração da composição do capital social da sociedade não
extinta.
Ora nenhuma dessas situações ocorreu na situação sub judice.»
Assim se vê, que o STA se limitou a afirmar, em termos dogmáticos, que a norma
do artigo 69º do CIRC é susceptível de ser interpretada extensivamente caso se
entenda que contempla um benefício fiscal, não podendo ser objecto de
interpretação analógica ou extensiva caso se considere que prevê uma isenção
fiscal. Todavia, quando define a solução jurídica aplicável ao caso concreto, o
tribunal opta pela qualificação de benefício fiscal (que deverá aqui entender-se
em sentido estrito), e, nessa perspectiva, embora não excluindo que a
interpretação extensiva pudesse ter tido lugar, em tese geral, proclama que, em
todo o caso, ela não era viável na situação vertente. Isto é, o STA recusou a
interpretação extensiva, não porque ela fosse inadmissível relativamente a uma
norma daquele tipo, mas porque em face do enunciado legal em presença não era
possível afirmar que o legislador tivesse dito menos do que aquilo pretendia
dizer.
Ao suscitar, porém, a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 11º da
Lei Geral Tributária, a recorrente imputa ao tribunal recorrido ter feito uma
interpretação pela qual se considera inadmissível a extensão teleológica em
relação a normas fiscais que estabeleçam isenções fiscais. Quando é certo que,
como vimos, o tribunal não se pronunciou em concreto sobre norma que tivesse
contemplado uma isenção fiscal, visto que configurou o caso regulado no artigo
69º, n.º 1, do CIRC como constituindo um benefício fiscal de um outro tipo, pelo
que as considerações tecidas pelo tribunal recorrido acerca da inadmissibilidade
da interpretação por analogia ou de forma extensiva (em que poderia incluir-se a
extensão teleológica) quanto a preceitos que estabelecem isenções fiscais
constituem obiter dicta e não propriamente o fundamento da sua decisão.
Ora, o Tribunal Constitucional tem entendido que o artigo 70º, n.º 1, alínea b),
da Lei do Tribunal Constitucional, quando exige que a norma tenha sido aplicada
na decisão recorrida, refere-se a norma que constitua fundamento da decisão: é
que só assim o conhecimento do recurso de constitucionalidade reveste utilidade
(não revestindo utilidade o conhecimento de um obiter dictum, que por natureza
não se repercute no sentido da decisão).
Conclui-se, deste modo, que é de não conhecer do objecto do recurso quanto à
primeira interpretação normativa indicada pela recorrente, não pelas razões
apontadas pela entidade recorrida, mas por ser de entender que o tribunal
recorrido não adoptou a referida interpretação normativa em termos decisórios.
Questão de constitucionalidade
4. Resta apreciar, por conseguinte, a segunda questão de constitucionalidade
suscitada no recurso e que respeita a saber se a norma do artigo 69° do Código
do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), quando interpretada
no sentido de excluir os benefícios fiscais nele previstos em relação a uma
sociedade que, no âmbito de um processo especial de recuperação de empresa e
falência, tenha adquirido todos os direitos e obrigações de uma empresa em
situação económica difícil, poderá encontrar-se ferida de inconstitucionalidade
por violação do princípio da igualdade.
Neste plano, o acórdão recorrido veio a decidir que a dedução de prejuízos
fiscais de uma sociedade nos lucros tributáveis de outra sociedade, nos termos
previstos no artigo 69º, n.º 1, do CIRC, há pouco transcrito, só pode ocorrer
quando se puderem considerar preenchidos os pressupostos da fusão de empresas,
situação não verificável, no caso dos autos, porquanto uma das sociedades
envolvidas manteve a sua personalidade jurídica e pode prosseguir o seu fim
económico e social.
Reportando-se especificamente à invocada violação do princípio da igualdade, o
acórdão em apreço ponderou que, não sendo o caso subsumível à previsão do artigo
69º, n.º 1, do CIRC, não está, por outro lado, também, demonstrado que, em
situações semelhantes à da recorrente, a administração fiscal tenha agido de
forma diversa, daí se concluindo que o acto de recusa de autorização para a
dedução dos prejuízos fiscais suportados pela empresa cujos direitos e
obrigações foram adquiridos pela recorrente não incorre em violação do princípio
da igualdade.
A discordância da recorrente relativamente ao julgado assenta essencialmente na
ideia de que as sociedades que tenham intervindo, no âmbito de um processo
judicial de recuperação de empresa e de falência, em vista ao saneamento
económico da empresa devedora, segundo o disposto no Código dos Processos
Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), estão em situação de
desigualdade em relação a outras entidades que tenham participado em programas
de idêntico alcance que estão regulados nos Decretos-Leis n.ºs 14/98, de 28 de
Janeiro, e 81/98, de 2 de Abril, visto que estes diplomas estabelecem benefícios
fiscais que àquelas são inaplicáveis. Daqui se devendo extrair a conclusão de
que a norma do artigo 69.º, n.º 1, do CIRC é inconstitucional, por violação do
princípio da igualdade, quando interpretada no sentido de que uma sociedade que,
no âmbito de um processo especial de recuperação de empresa e falência, tenha
adquirido todos os direitos e obrigações de uma empresa em situação económica
difícil, não pode deduzir nos seus lucros tributáveis os prejuízos fiscais dessa
outra empresa.
5. Estando em causa agora um juízo de constitucionalidade, naturalmente que o
enfoque terá de ser colocado, não na potencial violação, pela entidade
administrativa demandada, do princípio da igualdade enquanto critério geral da
actividade administrativa – que impõe que a Administração adopte igual
tratamento em relação aos cidadãos que se encontrem numa mesma situação (artigo
266º, n.º 2, da Constituição) –, mas na eventual adopção pelo tribunal recorrido
de uma interpretação normativa relativamente à citada disposição do artigo 69º,
n.º 1, do CIRC, que se torne em si susceptível de violar o princípio jurídico
geral da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.
E, nesse plano de consideração, a questão que se coloca é a de saber se a
interpretação ensaiada pelo tribunal recorrido, no ponto em que exclui a
situação versada nos autos do regime legal de dedução dos prejuízos fiscais das
sociedades fundidas nos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade
incorporante, constitui uma interpretação desconforme à Constituição, por
suscitar uma duplicidade de regimes desrazoável.
Na verdade, o Decreto-Lei n.º 14/98, de 28 de Janeiro, no uso da autorização
legislativa concedida pelas alíneas f) e g) do n.º 4 do artigo 30.º da Lei do
Orçamento do Estado para 1997 (Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro), veio criar
um regime excepcional de consolidação financeira e reestruturação empresarial no
âmbito de processos aprovados pelo Gabinete de Coordenação para a Recuperação de
Empresas (GACRE), que permite que as sociedades adquirentes do capital de
empresas em situação económica difícil possam deduzir ao seu lucro tributável os
prejuízos fiscais da sociedade adquirida verificados nos cinco exercícios
anteriores ao início da aplicação desse regime especial (artigo 6º).
Em todo o caso, a aplicação do regime fica dependente de autorização concedida
pelo Ministro das Finanças, e está condicionada a alguns requisitos,
designadamente o de a sociedade adquirida estar abrangida por um projecto de
consolidação financeira e reestruturação empresarial aprovado pelo referido
Gabinete de Coordenação para a Recuperação de Empresas e pelo qual a sociedade
adquirente assuma perante a sociedade adquirida responsabilidades no domínio do
esforço da capacidade de gestão, no de apoio financeiro ou em qualquer dos
outros previstos no projecto (artigos 3º e 4º).
Também o Decreto-Lei n.º 81/98, de 2 de Abril, em vista a incentivar e apoiar a
revitalização e modernização de empresas em situação económica difícil, veio
atribuir os benefícios consignados nos artigos 118.º a 121.º do Código dos
Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, entretanto revogado), aos actos e
operações de aquisição do respectivo capital social por quadros e trabalhadores,
sempre que essa aquisição se mostre conexa com contratos de consolidação
financeira e reestruturação empresarial.
Conforme consignam os artigos 2º e 3º deste diploma, consideram-se contratos de
consolidação financeira aqueles que forem celebrados entre uma empresa em
situação financeira difícil e instituições de crédito ou outros parceiros
interessados, que conduzam ao reequilíbrio financeiro da empresa através da
reestruturação do passivo, da concessão de financiamentos adicionais ou do
reforço dos capitais próprios; enquanto contratos de reestruturação empresarial
são aqueles outros que, celebrados nas mesmas condições, visem a reconversão, o
redimensionamento ou a reorganização da empresa, designadamente através da
alienação de estabelecimento ou áreas de negócio, alteração da forma jurídica,
fusão ou cisão.
Importa reter ainda que os benefícios que poderão ser concedidos aos adquirentes
de capital social nas condições definidas no diploma englobam a isenção de
emolumentos, mas também benefícios fiscais e, entre eles, benefícios relativos a
impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, como seja a
possibilidade de dedução no lucro tributável do respectivo credor do valor dos
créditos que for objecto de redução, por força de qualquer providência de
recuperação da empresa devidamente homologada (artigo 119º, n.º 3, do Código dos
Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência).
Temos, por conseguinte, que a legislação avulsa, em relação a operações de
aquisição de capital social que se enquadrem no âmbito das medidas de
recuperação de empresa em situação económica dificil e, como tal, se encontrem
associadas a contratos de consolidação financeira ou contratos de reestruturação
empresarial, num caso, estende as vantagens fiscais previstas no CPEREF e,
noutro, concede benefícios fiscais, com a caracterização típica de dedução nos
lucros tributáveis de uma empresa dos prejuízos fiscais imputáveis à empresa
intervencionada.
Situação equivalente a esta última é, por outro lado, a prevista, em termos
gerais, no artigo 69º, n.º 1, do CIRC, quando, com o mesmo objectivo de
saneamento económico de uma empresa em situação económica dificil, haja lugar à
fusão de empresas.
Justificar-se-á, face à impossibilidade reconhecida pelo tribunal recorrido de
efectuar uma interpretação extensiva da citada norma do artigo 69º, n.º 1 (de
modo a abarcar no seu âmbito de aplicação a situação específica da recorrente),
declarar este preceito inconstitucional por violação do princípio da igualdade?
6. Como se vê, o que está em causa é a alegada violação do princípio
da igualdade decorrente da extensão ou âmbito de um benefício fiscal.
Como se expôs no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 188/03 (que se
pronunciava sobre uma situação de isenção fiscal, mas cuja argumentação é
plenamente transponível para os restantes benefícios fiscais), os benefícios
fiscais, entre os quais se incluem as deduções a matéria colectável e à colecta,
traduzindo-se, no sentido preciso do conceito, numa 'excepção' à regra geral da
incidência do correspondente imposto – são eles próprios elementos que
introduzem uma certa dimensão de 'desigualdade' no sistema tributário, na medida
em que instituem um tratamento fiscal 'privilegiado' dos seus destinatários. Por
isso mesmo, hão-de ser justificados por um motivo e um interesse público
relevantes, e encontrar nesse interesse o seu fundamento.
Esta ideia está hoje expressa na própria lei fiscal, quando ela mesma, no n.º 1
do artigo 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º
215/89, de 1 de Julho), define tais benefícios como 'as medidas de carácter
excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais
relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem'.
E na doutrina acentua-se que a ocorrência de uma justificação desse tipo para o
benefício fiscal é justamente condição de não violação do princípio da igualdade
fiscal: assim, Nuno Sá Gomes, ao escrever que 'uma liberalidade fiscal não
fundada em interesse público sempre consagraria uma desigualdade arbitrária
violadora dos artigos 12º e 13º da Constituição da República' e que 'o interesse
público que fundamenta o benefício fiscal, maxime a isenção, há-de mesmo ser
superior ao interesse público que fundamenta a tributação', pelo que, afinal
(conclui), 'um benefício fiscal, maxime uma isenção, nunca é um favor ou uma
liberalidade fiscal, logo ao nível normativo, sob pena de inconstitucionalidade,
pois tem que ter por fundamento um interesse público constitucionalmente
relevante, superior ao correspondente interesse tutelado pela tributação'
(Teoria geral dos benefícios fiscais, Lisboa, 1991, págs. 62-63).
Por outro lado, claro é que para além do âmbito do benefício fiscal – ou seja,
onde este termina – regressa-se à regra geral da incidência.
Posto isto – como se conclui no citado acórdão –, o âmbito de um benefício
fiscal peca por estreiteza, e é, por isso, violador do princípio da igualdade,
quando seja bastante claro que deixa de fora situações relativamente às quais o
fundamento daquele vale igualmente e com a mesma intensidade. E isso tanto mais,
quanto mais nítido e justificado ou até imperioso (mormente por considerações
constitucionais específicas) esse fundamento se mostrar.
Por outro lado, como tem sido também frequentemente afirmado pela jurisprudência
do Tribunal Constitucional, «a definição do critério a que se reporta o juízo de
igualdade pressupõe uma prévia valoração da realidade, apresentando-se com um
conteúdo indissociavelmente ligado aos fins que se pretendem alcançar com o
estabelecimento da igualdade. A qualificação de uma situação como igual a outra
inclui, necessariamente, a razão pela qual ela deve ser tratada de certo modo»
(acórdão n.º 750/95).
O mesmo aresto prossegue:
«O princípio da igualdade reconduz-se assim a uma proibição de arbítrio sendo
inadmissíveis quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação
razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente
relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente
desiguais.
A proibição de arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação
ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como
princípio negativo de controle.
Mas existe, sem dúvida, violação do princípio da igualdade enquanto proibição de
arbítrio, quando os limites externos da discricionariedade legislativa são
afrontados por ausência de adequado suporte material para a medida legislativa
adoptada.
Por outro lado, as medidas de diferenciação hão-de ser materialmente fundadas
sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da
solidariedade, não devendo basear-se em qualquer razão constitucionalmente
imprópria (cfr. sobre a matéria, por todos, os Acórdãos do Tribunal
Constitucional n.os 44/84, 425/87, 39/88 e 231/94, Diário da República, II
Série, de, respectivamente, 11 de Junho de 1984 e 5 de Janeiro de 1988, e I
Série, de, respectivamente, 3 de Março de 1988 e 28 de Abril de 1994, e ainda
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
1993, pp. 127 e segs; Jorge Miranda, «O regime dos direitos, liberdades e
garantias», Estudos sobre a Constituição, vol. iii, pp. 50 e segs., e Manual de
Direito Constitucional, tomo iv, Coimbra, 1993, p. 219; Maria da Glória Ferreira
Pinto, «Princípio da Igualdade — Fórmula Vazia ou Fórmula Consagrada de
Sentido?», Separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, Lisboa, 1987;
Lívio Paladin, Il Princípio costituzionale d’equaglianza, Milão, 1965).»
Nesta ordem de considerações, tem-se também entendido que a vinculação
jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a
liberdade de conformação legislativa, pertencendo-lhe, dentro dos limites
constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da
vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou
desigualmente.
E, assim, aos tribunais, na apreciação daquele princípio, não compete
verdadeiramente «substituírem-se» ao legislador, ponderando a situação como se
estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a
solução «razoável», «justa» e «oportuna» (do que seria a solução ideal do caso);
compete-lhes, sim «afastar aquelas soluções legais de todo o ponto
insusceptíveis de se credenciarem racionalmente» (acórdão da Comissão
Constitucional, n.º 458, Apêndice ao Diário da República, de 23 de Agosto de
1983, pág. 120, também citado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 750/95,
que vimos acompanhando).
À luz das considerações precedentes pode dizer-se que a caracterização de uma
medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade
dependerá, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente,
isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico.
Esta constitui, de resto, a orientação geral da jurisprudência constitucional
sobre questões de igualdade tributária, que, designadamente, surge expressa,
para além daqueles já citados, nos acórdãos n.ºs 806/93 e 416/02.
Por outro lado, a questão não se coloca em termos essencialmente diversos
se tivermos em linha de conta o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 319/00,
de que a recorrente faz, nas alegações de recurso, uma extensa transcrição e de
que parte para justificar, em seu entender, a ocorrência, na hipótese em apreço,
de uma violação do princípio da igualdade.
Na verdade, o aresto mais não faz do que reafirmar os
critérios gerais, nesta matéria, sublinhando que o princípio não impede que,
tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se estabeleçam
diferenciações de tratamento, “razoável, racional e objectivamente fundadas”,
sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio,
por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores
constitucionalmente relevantes”.
Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e
afaste a discriminação infundada, para o que necessariamente se deverá ter em
conta a ratio da disposição que está em causa.
É então inteiramente desajustada e desprovida de qualquer
fundamento material a interpretação normativa que impeça a atribuição de
benefício fiscal previsto no artigo 69º, n.º 1, do CIRC à empresa que tenha
adquirido os direitos e obrigações de uma outra empresa em situação económica
difícil, ainda que esta não tenha sido objecto de incorporação ou integração?
7. Deve começar por observar-se que a situação da recorrente não é, de nenhum
modo, equiparável a qualquer daquelas a que se torne aplicável o regime fiscal
decorrente dos Decretos-Leis n.ºs 14/98, de 28 de Janeiro, 81/98, de 2 de Abril,
pelo que não será pela articulação do artigo 69º, n.º 1, do CIRC com aqueles
outros diplomas que se poderá chegar à inconstitucionalização da interpretação
normativa seguida em relação a esse preceito.
De facto, a recorrente não celebrou com a «B., SA» ou com instituições de
crédito ou quaisquer outros parceiros interessados, qualquer contrato de
consolidação financeira ou de reestruturação empresarial que permitisse, nos
termos previstos nesses diplomas, o reequilíbrio financeiro da empresa através
da reestruturação do passivo, da concessão de financiamentos adicionais ou do
reforço dos capitais próprios, ou, de outro modo, visasse realizar a própria
reconversão, redimensionamento ou reorganização da empresa, através da alienação
de estabelecimento ou áreas de negócio e da fusão ou cisão de sociedades.
A possibilidade de celebrar qualquer desses contratos no quadro legal definido
no segundo dos diplomas citados, não estava sequer ao alcance da recorrente,
visto que, de acordo com o regime aí estabelecido, o incentivo fiscal era
atribuído a actos e operações de aquisição do capital social que, estando
correlacionados com contratos de consolidação financeira e reestruturação
empresarial, fossem realizados por quadros e trabalhadores da empresa em
situação económica dificil; situação que naturalmente não é aplicável à
recorrente, enquanto pessoa colectiva privada, e que não tem também, no plano
objectivo, qualquer correspondência com o caso dos autos, em que o que ocorreu
foi uma cessão contratual dos activos e passivos.
Nem tão pouco estava em causa, quanto a essas situações, a
dedução nos lucros tributáveis dos prejuízos fiscais imputáveis à empresa que
foi objecto de consolidação ou reestruturação, mas antes, a atribuição das
vantagens fiscais previstas nos artigos 118º a 121º do Código dos Processos
Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que se reportam à isenção de
emolumentos e a benefícios relativos ao imposto sobre o rendimento, ao imposto
de selo e ao impostos municipal de sisa.
No que respeita ao imposto sobre o rendimento, na parte que tem aplicação ao
caso, o artigo 119º, n.º 3, do citado Código apenas permite que sejam deduzidos
no lucro tributável do credor o valor dos créditos que sejam objecto de redução,
o que pressupõe que o beneficiário, em consonância com o estabelecido no artigo
88º, n.º 1, alínea a), tenha aceitado, como providência de reestruturação
financeira, a redução do valor dos créditos de que disponha sobre a empresa, com
incidência no respectivo passivo.
O Decreto-Lei n.º 81/98, de 2 de Abril, consagrou, portanto, um incentivo à
aquisição de capital social por parte dos próprios trabalhadores da empresa que
se encontre em situação económica difícil, tendo em mente o respectivo
saneamento financeiro, e que não tem qualquer aplicação à recorrente ou sequer
similitude com a situação versada nos autos, mesmo no que se refere aos efeitos
fiscais.
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 14/98 concretiza, mediante autorização
legislativa da Assembleia da República, um regime excepcional de consolidação de
empresas em situação económica difícil, atribuindo um benefício fiscal às
sociedades adquirentes do capital de tais empresas, desde que, entre outros
requisitos, o correspondente projecto de consolidação financeira e
reestruturação empresarial seja aprovado pelo GACRE e que a sociedade adquirente
assuma perante a sociedade adquirida responsabilidades, designadamente, no
domínio do esforço da capacidade de gestão e de apoio financeiro.
Embora o benefício fiscal aqui considerado seja precisamente aquele que a
recorrente pretendia obter para o seu caso concreto, o certo é que a operação
financeira que ela protagonizou, e que se considera ser justificativa do mesmo
tratamento jurídico no plano tributário, não tem qualquer correspondência com a
hipótese legal ali prevista.
O Decreto-Lei n.º 14/98 reporta-se, como bem se vê, à aquisição de capital
social da empresa em situação económica difícil; por outro lado, essa operação
deve ter em vista a consolidação financeira ou a reestruturação empresarial da
sociedade intervencionada, pelo que tal operação deverá ser enquadrada num
contrato que tenha qualquer desses objectivos (artigo 1º). Ainda assim,
sociedade adquirente deverá intervir directamente na gestão da empresa
destinatária, devendo dispõr de condições que lhe permitam, mediante a
participação no capital social, a maioria do direito a voto (artigo 3º).
No caso vertente, não só não houve, por parte da recorrente, qualquer aquisição
de capital social da «B., SA», como também a recorrente não outorgou qualquer
contrato de consolidação financeira ou a reestruturação empresarial que tivesse
por objecto a referida empresa, como ainda não interveio em qualquer projecto
aprovado pela entidade competente para realizar algum daqueles objectivos, nem
preenche as condições definidas no artigo 3º do diploma legal no que respeita à
detenção de participação social.
É absolutamente indiferente para o caso que, conforme se alega, tenha sido
indeferido pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (IAPMEI) a
candidatura ao Sistema de Incentivos à Revitalização e Modernização do Tecido
EmpresariaI (SIRME).
Certo é que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/93, de 4 de Julho,
aprovou um quadro de acção para recuperação de empresas em situação económica
difícil, instituindo um conjunto amplo e diversificado de medidas que implicava
um reforço da capacidade empresarial, a melhoria da articulação entre o sistema
financeiro e as empresas, mediante a disponibilização de capitais, no quadro de
operações sustentadas por intermediários financeiros, e uma intervenção rigorosa
e célere do Estado. Sendo que para esse efeito foi criado o GACRE, com funções
de acompanhamento e coordenação dos diversos tipos de intervenções que poderiam
ser implementados.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/98, de 23 de Março, extinguiu
entretanto esse organismo e passou a atribuir ao IAPMEI a competência para a
recepção, instrução e aprovação de pedidos de apoio a empresas em dificuldades
que se enquadrem num novo sistema de incentivos (designado Sistema de Incentivos
à Revitalização e Modernização do Tecido EmpresariaI), constituído por diversos
instrumentos de reestruturação empresarial que englobavam também incentivos
financeiros e fiscais.
O ponto é que a candidatura que tenha sido apresentada pela B., SA, no quadro
desse novo sistema de incentivos, não teve seguimento, e a providência que veio
a ser adoptada pela assembleia de credores, no âmbito do processo especial de
recuperação da empresa, inserindo-se num plano de gestão controlada da empresa
insolvente, integra-se num diferente tipo de intervenção económica, que não
prossegue (ou não prossegue apenas) o mero objectivo estratégico de reabilitação
de empresas em situação económica difícil.
A invocação do disposto nos Decretos-Leis n.ºs 14/98 e 81/98 não tem, pois,
qualquer relevo para a formulação do juízo de inconstitucionalidade. Isso porque
o caso em apreço não tem qualquer equivalente em relação às situações previstas
nesses diplomas, que contemplam hipóteses que do ponto de vista subjectivo e
objectivo são inteiramente divergentes.
Na verdade, aquelas iniciativas legislativas surgiram na sequência das Leis de
Orçamento de Estado para os anos de 1997 e 1998, para fazer face a situações de
conjuntura económica que o legislador entendeu justificarem, na ocasião, a
atribuição de determinados incentivos fiscais que pudessem contribuir para a
recuperação e vitalização de empresas em situação económica difícil.
Não existe qualquer credencial constitucional que imponha ao legislador a
concessão de benefícios fiscais, em todas as circunstâncias, para certo tipo de
eventualidades. E nada obsta que, justamente, a lei opere a retracção ou a
ampliação de benefícios fiscais, em função de considerações de política
económica que se considerem mais ajustadas em cada momento.
Como se deixou exposto, existe, nesse domínio, uma ampla margem da liberdade de
conformação legislativa, e o que está vedado, por imposição do princípio da
igualdade, é que se venham a adoptar soluções inteiramente desrazoáveis ou
injustas.
É perfeitamente aceitável, neste contexto, que medidas conjunturais integradas
em programas políticos específicos de revitalização do tecido empresarial não
tenham sido aplicadas, com idêntico grau de intensidade, em relação a outras
providências que se inserem no quadro legislativo genérico do processo judicial
de recuperação de empresa.
É verdade que as providências que poderão ser decretadas com o acordo
maioritário dos credores no âmbito do processo de recuperação de empresa,
assentando embora no pressuposto básico da insolvência do devedor, não poderão
ser entendidos, à luz do CPEREF, como simples meios de tutela coerciva dos
credores, mas têm ainda em vista a reabilitação patrimonial do insolvente. Este
não deixa de ser, no entanto, um instrumento finalisticamente dirigido à
protecção dos interesses dos credores afectados pela insolvência da empresa,
pelo que a intervenção dos poderes públicos, no processo judicial, em ordem à
aplicação das medidas de recuperação económica das empresas devedoras só
indirectamente é que poderá encontrar-se justificada ao nível da própria
economia nacional globalmente considerada (cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º
132/93, de 23 de Abril).
Basta dizer que o processo de recuperação de empresa apenas tem justificação em
relação a empresas que possam considerar-se económicamente viáveis e se a
expectativa de recuperação financeira da devedora claudicar, o juiz poderá,
desde logo, mandar seguir a acção como processo de falência em vista à
liquidação do activo para pagamento dos credores (artigo 25º do CPEREF).
A aplicação de providências de recuperação de empresa não pode ser desligada,
nesse plano, do interesse último das entidades credoras – que é o da satisfação
dos seus créditos -, nem tão pouco do tipo de sacrifícios que possam
encontrar-se dispostos a suportar.
Assim se compreende que o conjunto de incentivos de natureza fiscal que o CPEREF
prevê tenha sobretudo em vista evitar penalizações indevidas para as operações
jurídicas, económicas e financeiras em que pode desdobrar-se o processo de
recuperação. Afastaram-se com essa intenção os encargos de carácter fiscal ou
parafiscal relacionados com os negócios jurídicos susceptíveis de constituirem o
meio de recuperação aprovado pelos credores, nomeadamente o imposto de selo, a
contribuição autárquica, o imposto municipal e os próprios emolumentos devidos
pelos actos (artigos 118º, 120º e 121º). E assegurou-se, por outro lado, a
possibilidade de serem registados como perdas efectivas os sacrifícios de
carácter patrimonial suportados pelos credores, dentro do mesmo contexto
processual, em prol da recuperação da empresa (artigo 119º, n.º 3).
Repare-se que existe uma relação directa entre a operação jurídica que está em
causa e o benefício fiscal que é concedido. Assim, por exemplo, a dedução de
prejuízos fiscais a que se refere o citado artigo 119º, n.º 3, do CPEREF
reporta-se ao valor dos créditos que tenham sido objecto de redução, ou seja, ao
valor dos créditos, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, que um credor
tenha acordado em reduzir como meio de modificar a situação do passivo da
empresa devedora (artigo 88º, n.º 1, alínea a)).
Qualquer outra medida - como é o caso da transmissão dos direitos e obrigações
da empresa insolvente para uma terceira entidade com o propósito de assegurar a
recuperação da empresa através de uma nova administração -, não estando
directamente abrangida pelo disposto nos artigos 118º e seguintes do CPEREF, em
matéria de tratamento fiscal, também não pode considerar-se como sendo
equiparável a alguma das situações contempladas nos Decretos-Leis n.ºs 14/98 e
81/98, que, por todas as razões já expostas, se enquadram em objectivos
conjunturais de política económica que sobrelevam a simples resolução judicial
de uma situação de insolvência.
8. Resta averiguar se a eventual violação do princípio da igualdade poderá
resultar do confronto com a situação directamente prevista no artigo 69º, n.º 1,
do CIRC, sobre que, de resto, incidiu a interpretação normativa que constitui o
objecto do recurso de constitucionalidade.
Na redacção vigente à data da formulação do pedido de concessão de benefício
fiscal, o n.º 1 do artigo 69.° do CIRC dispunha - recorde-se - que “os prejuízos
fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da
nova sociedade ou da sociedade incorporante e até ao fim do período referido no
n.º 1 do artº 47º, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que
seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças (…).”
Como explicitou o acórdão recorrido, a atribuição do benefício fiscal deriva
directamente da prévia implementação de um processo de fusão de sociedades.
Segundo a definição constante do artigo 97.°, n.º 1, do Código das Sociedades
Comerciais, “duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se
mediante a sua reunião numa só”. Por sua vez, a fusão pode realizar-se: (a)
mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para
outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, acções ou quotas desta; (b)
mediante a constituição de uma nova sociedade para a qual se transferem
globalmente os patrimónios das sociedades fundidas, sendo aos sócios destas
atribuídas partes, acções ou quotas da nova sociedade” (n.º 4).
No primeiro caso, estamos perante uma absorção ou incorporação: as sociedades
absorvidas extinguem-se, integrando-se o seu património na sociedade absorsora.
No segundo caso, estamos perante uma fusão por combinação, uma vez que se
extinguem as sociedades fundidas, criando-se em seu lugar uma nova sociedade. Em
qualquer dos casos, exige-se a realização de uma escritura e a inscrição da
fusão no registo comercial e é com esta inscrição que se extinguem para todos os
efeitos as sociedades incorporadas ou fundidas, transmitindo-se os direitos e
obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade – artigos 106º
e 112º do Código das Sociedades Comerciais (sobre estes aspectos, António Carlos
dos Santos/Maria Eduarda Gonçalves/Maria manuel Leitão Marques, Direito
Económico, 4ª edição, Coimbra, págs. 258-259).
Um elemento relevante do respectivo regime legal é o que resulta ainda do artigo
97º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual “não é permitido
à sociedade fundir-se a partir do requerimento para apresentação de falência e
convocação de credores, previsto no artigo 1140º, n.º 1, do Código de Processo
Civil, e do requerimento de declaração de falência ou da participação, previstos
no artigo 1177º do mesmo Código”, remissões que passaram a considerar-se como
feitas para o artigo 20º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da
Empresa e de Falência. Tal significa que a fusão de sociedades não pode
entender-se, em si, como uma providência de recuperação de empresas, no âmbito
do processo falimentar, mas representa antes um mecanismo jurídico de
crescimento dimensional de uma empresa através do envolvimento de outras (ob.
cit., págs. 256-257).
Por outro lado, a fusão de sociedades, em qualquer das modalidades mencionadas,
conduz à perda da individualidade jurídica e económica das unidades empresariais
antes existentes.
9. A situação é inteiramente diversa quando se fala de providências de
recuperação de empresa no quadro de um processo judicial despoletado por uma
situação de insolvência.
São medidas de recuperação de empresa as mencionadas no artigo 4º do Código dos
Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, cujo regime
jurídico se encontra especificado nos artigos 66º e seguintes desse diploma. De
entre elas, a concordata, que consiste essencialmente na redução e ou
modificação da totalidade ou de parte dos débitos da empresa (artigo 66º), a
reconstituição empresarial, traduzida na constituição por credores, e
eventualmente por terceiros, de uma ou mais sociedades destinadas à exploração
de um ou mais estabelecimentos da empresa devedora (artigos 78º, n.º 1, e 79º,
n.º 1), a reestruturação financeira, que implica a modificação da situação do
passivo da empresa ou a alteração do seu capital, em termos de assegurar a
superioridade do activo sobre o passivo (artigo 87º), e a gestão controlada, que
assenta num plano de actuação global, concertado entre os credores e executado
por intermédio de uma nova administração, com um regime próprio de fiscalização
(artigo 97º).
Em qualquer dos casos, as medidas de recuperação de empresa, ainda que sujeitas
a homologação judicial, são definidas por deliberação maioritária dos credores e
visam, na medida do possível, a satisfação dos respectivos direitos creditórios.
No caso vertente, por decisão judicial de 26 de Abril de 2001, foi homologada a
revisão do plano de gestão controlada da B., SA, que previa, nos termos das
disposições conjugadas dos artigos 101º, n.º 1, alínea e), 106º, n.º 2, e 107º,
n.º 2, do CPEREF, a constituição de uma sociedade comercial para adquirir todos
os direitos e obrigações da empresa.
Essa constituia uma das iniciativas que a assembleia de credores poderia
adoptar, em vista à execução do plano de gestão controlada, e que, como tal, se
encontra expressamente prevista na citada disposição do artigo 101º, n.º 1,
alínea e), do CPEREF.
Todavia, à semelhança do que sucede com a concordata e a reestruturação
financeira, a gestão controlada mantém a individualidade da empresa insolvente e
apenas visa fixar-lhe o seu destino próximo, quer estabelecendo regras de
actuação a que deve submeter-se, quer determinando as condições em que há-de
proceder à satisfação das respectivas obrigações (Carvalho Fernandes/João
Labareda, Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência
Anotado, Quid Juris, Lisboa, 1994, pág. 249).
E assim se devem entender também as providências que, em complemento ou
reavaliação do plano de gestão controlada, venham a ser prescritas pelos
credores ainda no decurso da respectiva execução, como é o caso da medida
prevista na referida alínea e) do n.º 1 do artigo 101º, caracterizada pela
autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais, mediante a transferência
para uma nova sociedade adrede constituída, dos activos e passivos da empresa
insolvente.
Trata-se, por conseguinte, como realça o proémio do n.º 1 do artigo 101º citado,
de medidas referentes à gestão futura da empresa e que não inviabilizam que,
findo o prazo fixado para a duração da gestão controlada, a empresa retome a sua
actividade normal (artigo 115º, n.º 1, do CPEREF).
Por outro lado, como foi impressivamente vincado na decisão homologatória de 26
de Abril de 2001, a sobredita transmissão dos activos e passivos da empresa para
uma nova sociedade – de carácter necessariamente temporário – foi efectuada para
assegurar os interesses dos credores na satisfação dos respectivos créditos,
ainda que sem perder de vista a possibilidade de preservar, no termo normal da
gestão controlada, a estrutura económica da empresa devedora.
10. De tudo se conclui, com evidência, que não existe qualquer situação de
identidade ou sequer equivalência entre os institutos de fusão de sociedades, a
que se refere o artigo 97º do Código das Sociedades Comerciais, e de
autonomização jurídica de estabelecimentos corporizada na transmissão
temporária, para uma outra entidade, dos direitos e obrigações da empresa em
situação de insolvência, a que alude o artigo 101º, n.º 1, alínea e), do CPEREF.
Num caso, estamos perante um fenómeno de concentração económica, que poderá
traduzir-se na incorporação de uma ou mais sociedades noutra já existente, ou na
criação de uma nova sociedade através da junção das posições jurídicas de outras
entidades, que poderá nada ter a ver com a necessidade de recuperação ou
reabilitação financeira das empresas envolvidas e que, em todo o caso, determina
a extinção das empresas incorporadas ou fundidas; noutro caso, está apenas em
causa uma medida de recuperação de empresa, no quadro do processo judicial
desencadeado por uma situação de impossibilidade pontual de cumprimento das
obrigações, que se reveste de carácter temporário e não implica necessariamente
o desaparecimento da empresa intervencionada como unidade económica e produtiva.
Neste contexto, a possibilidade de dedução dos prejuízos fiscais das sociedades
fundidas ou incorporadas nos lucros tributáveis da nova sociedade ou da
sociedade incorporante, como prevê o artigo 69º, n.º 1, do CIRC, poderá
constituir uma medida de justiça tributária e mostrar-se justificável pelo facto
de essas entidades terem passado a incluir no seu seio uma organização
empresarial que, nos exercícios anteriores, apresentou um desequilibrio
financeiro.
O mesmo argumento não tem validade relativamente à aplicação do mecanismo
previsto no artigo 101º, n.º 1, alínea e), do CPEREF que os credores, no seu
próprio interesse, e em vista a obterem a satisfação dos seus créditos, tenham
imposto como medida de gestão controlada da empresa insolvente.
Nesta última hipótese, a empresa devedora não se extingue e poderá manter, no
futuro, a sua actividade produtiva e, por isso, nenhum motivo há para que os
prejuízos fiscais que lhe sejam imputáveis venham a ser deduzidos nos lucros da
nova sociedade, quando a verdade é que esta tem uma mera função gestionária e
mantém a sua individualidade jurídica relativamente à empresa intervencionada.
Há, pois, um fundamento material para a diferenciação de regimes, pelo que não é
possível considerar violado, na interpretação efectuada pelo tribunal recorrido,
o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.
IV - Decisão
Nestes termos, decide-se
a) não tomar conhecimento do recurso na parte que tem por objecto a norma do
artigo 11.° da Lei Geral Tributária;
b) não julgar inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 69° do Código do
Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, quando interpretada no
sentido de que o benefício fiscal nela previsto não se aplica a entidades que
tenham adquirido os direitos e obrigações de uma empresa em situação empresarial
difícil, no quadro de um processo especial de recuperação da empresa, e,
consequentemente, nesta parte, negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 26 de Junho de 2007
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Gil Galvão