Imprimir acórdão
Processo nº 207/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A., S.A., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, na
comarca de Lisboa, contra B., S.A., pedindo a condenação desta a:
- pagar-lhe uma indemnização no valor de 500.000.000$00, como compensação dos
danos causados ao crédito e bom nome da Autora;
- corrigir a informação existente nas suas bases de dados sobre a Autora,
fazendo constar a verdade económica daquela, que consta dos seus balanços;
- pagar as despesas necessárias à difusão da sentença condenatória em dois dos
principais jornais de Lisboa;
- pagar à Autora uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, que
permita reparar os danos futuros que sejam consequência das falsas informações
que prestou.
A acção foi contestada pela demandada.
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos
pedidos formulados e condenando a demandante como litigante de má fé, em 20
unidades de conta de multa e numa indemnização a favor da demandada em montante
a fixar oportunamente.
A demandante recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual julgou a
apelação procedente apenas quanto à sua condenação como litigante de má fé,
revogando a sentença nesta parte, e improcedente quanto ao mais, confirmando,
assim, a improcedência da acção.
Mantendo-se inconformada, a Autora recorreu, agora de revista, para o Supremo
Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 9 de Outubro de 2006, a negou,
confirmando a decisão recorrida.
Veio, então, a Autora e recorrente arguir nulidades e requerer a reforma do
aresto do S.T.J., nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo
668.º, e alínea b), do artigo 669.º, todos do Código de Processo Civil.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 14 de Dezembro de 2006, indeferiu
este requerimento.
A., S.A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea
b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC),
pretendendo ver apreciada a constitucionalidade “das interpretações levadas a
efeito no douto acórdão” dos seguintes preceitos legais:
- Do artigo 668º, nº 1, al. d), do C.P.C., “no sentido de que não é cometida a
nulidade nele prevista quando, em recurso de revista, o Supremo Tribunal de
Justiça não se pronuncia sobre as nulidades assacadas ao acórdão recorrido, nem
aos pedidos de reforma do mesmo formulados”.
- Do artigo 3.º do Código de Processo Civil, “no sentido de que a recorrente não
tinha de ser, como não foi, ouvida”;
- Do artigo 712.º do Código de Processo Civil, no entendimento “que o regime que
entrou em vigor com o DL n.º 375-A/99, de 20.9, não é diverso daquele que
vigorava anteriormente, correspondendo antes à sua “consagração em letra de
lei”.
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso interposto, com a
seguinte fundamentação:
“Começando por aquela primeira dimensão normativa, verifica-se que a decisão
recorrida considerou, no caso dos autos, que:
“(...)
Ora, a recorrente vem assacar nulidade por omissão de pronúncia, ao Acórdão
posto em crise, por não ter incidido a sua decisão sobre o facto assente
constante da al. j) e mencionado nas conclusões 6.ª a 8.ª, quando, efectivamente
não é assim, já que ficou exarado em tal Acórdão que:
“E quando, v.g., aludem à matéria constante da alínea h) dos factos assentes,
constata-se que o apontado vício não tem a ver com o regime probatório material
e à eventual violação das suas regras, mas sim com a oportunidade da alegação em
juízo de determinada factualidade e do meio processual a empregar, pelo que se
encontra precludido o seu conhecimento.
O mesmo, aliás, ocorre com a al. j), pelo que não pode ser passível de qualquer
juízo de censura por parte deste S.T.J.” (o sublinhado é aposto, agora).
Alude, ainda que o mesmo é nulo por omissão de pronúncia, por não se ter
debruçado sobre o constante na alegação de recurso no que se refere aos artigos
10.º, 11.º, 12.º, 14.º, 27.º, 27.º-A, 27.º-B da base instrutória, e, ainda, a
forma como foi decidida da factualidade constantes dos n.ºs 3 e 4 da mesma peça
processual. Sobre esta questão, pronunciou-se o Acórdão mencionado pela
seguinte forma, em termos necessariamente sucintos:
“Não se mostra violada, em qualquer aspecto, o mencionado direito probatório
material, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, não
pode alterar a decisão fáctica da causa, nomeadamente determinando o aditamento
à base instrutória do art.º 5.º da contestação, que se responda ao quesito 4.º
pela forma sufragada na alegação de recurso e não como o foi na 1.ª Instância;
pela alteração das respostas dadas aos quesitos 7.º,10.º 11.º e 12.º,14.º, 15.º
16.º, 19.º 20.º a 24.º, 27.º, 27.º-A, 27.º-B, 31.º e 45.º.
Há, pois, uma reacção em bloco, por parte da recorrente, à forma como a questão
fáctica foi decidida pelas Instâncias, mas, conforme se referiu “supra” o
Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, aplica definitivamente
aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o regime jurídico que
julgue aplicável (art.º 729.º, n.º 1, do C. Proc. Civil).
Consequentemente, não conhece de matéria de facto, salvo havendo ofensa de uma
disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do
facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art.ºs 729.º, n.º 2, e
722.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Não se está perante matéria sindicável em sede de recurso de revista, porquanto
a discordância da recorrente não deriva de ter a Relação dado como provado algum
facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua
existência ou desrespeitado as normas reguladoras da força probatória dos meios
de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico”.
De novo, vem a recorrente reagir em bloco, agora, utilizando os incidentes da
nulidade e reforma, ao modo como este Tribunal decidiu a acção, não lhe sendo
tal, no entanto legalmente permitido, já que os aludidos incidentes não são o
meio idóneo para revelar a discordância com o decidido e o que o recorrente vem
invocar, nuclearmente, é que o STJ exarou a sua decisão de um jeito, mas, em seu
entendimento, deveria ter percorrido um diverso caminho.
Daqui resulta que não pode dizer-se que a decisão recorrida tenha afirmado a
existência de omissão de pronúncia “sobre as nulidades assacadas ao acórdão
recorrido” e sobre “os pedidos de reforma do mesmo formulados”. Na verdade, o
que pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido, depois de
se referir à “reforma do mérito prevista no n.º 2 do artigo 669.º do Código de
Processo Civil”, é, antes, que “(...) ora, a recorrente vem assacar nulidade por
omissão de pronúncia, ao Acórdão posto em crise, por não ter incidido a sua
decisão sobre o facto assente constante da al. j) e mencionado nas conclusões 6ª
a 8ª, quando, efectivamente não é assim (...)” e, após a transcrição da parte
relevante do acórdão então recorrido, que “alude ainda que o mesmo, aliás,
ocorre com a al. j), pelo que não pode ser passível de qualquer juízo de censura
por parte deste S.T.J.”.
Alude, ainda que o mesmo é nulo por omissão de pronúncia, por não se ter
debruçado sobre o constante na alegação de recurso no que se refere aos artigos
10.º, 11.º, 12.º, 14.º, 27.º, 27.º-A, 27.º-B da base instrutória, e, ainda, a
forma como foi decidida da factualidade constantes dos n.ºs 3 e 4 da mesma peça
processual. Sobre esta questão, pronunciou-se o Acórdão mencionado(…). A
interpretação normativa identificada pela recorrente não constituiu, portanto,
ratio decidendi para o tribunal recorrido, antes este começou logo por afirmar a
inexistência de omissão de pronúncia. E, como se sabe, o Tribunal Constitucional
não pode controlar a exactidão desta afirmação.
Não pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso, na parte em que
incide sobre a interpretação do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de
Processo Civil, enunciada pela recorrente, pois o tribunal recorrido apoiou-se,
antes, na consideração de que nada nos autos permitiria concluir pela
existência de omissão de pronúncia.
5. Circunscrevendo-nos, agora, à norma do artigo 3.º do Código de Processo
Civil, interpretada “no sentido de que a recorrente não tinha que ser, como não
foi, ouvida”, verifica-se que a mesma não foi, em tempo oportuno, objecto de
questionamento quanto à sua constitucionalidade, sendo certo que os incidentes
pós decisórios não constituem já, como se sabe, momento adequado para esse
efeito, consoante é afirmado, reiterada e uniformemente, na jurisprudência do
Tribunal Constitucional (cfr., por todos o Acórdão n.º 155/95, publicado no
Diário da República, II Série, de 20 de Junho de 1995).
Na verdade, constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a invocação pelo
recorrente, durante o processo, da inconstitucionalidade da(s) norma(s) que
pretende ver apreciada(s) pelo Tribunal Constitucional. O artigo 72.º, n.º 2, da
mesma Lei concretiza tal pressuposto, ao estabelecer que esse recurso só pode
ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de
(in)constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada
apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito.
Porém, nesses casos, o recorrente tem o ónus de indicar, de modo claro e
perceptível, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qual é a
dimensão normativa do preceito que entende não dever ser aplicada por ser
incompatível com a Constituição. Como se disse, entre muitos outros, no Acórdão
n.º 269/94 (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994,
e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27.º vol., pp. 1165 e ss.), impõe-se
que “ao suscitar-se a inconstitucionalidade de uma norma, se identifique a
mesma com precisão e clareza”, já que “suscitar a inconstitucionalidade de uma
norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é
colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para
decidir. Isto reclama, obviamente, que – como já se disse – tal se faça de modo
claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada
interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a
Constituição”.
Ou como recentemente se reiterou no Acórdão n.º 21/2006 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt),“identificar uma interpretação normativa é, no
mínimo, indicar com precisão o sentido dado à norma, para que o Tribunal, se
vier a julgar inconstitucional essa mesma norma – entendida nesse preciso
sentido –, possa enunciar, na decisão que proferir, de modo que todos os
operadores jurídicos disso fiquem cientes, qual a interpretação que não pode ser
adoptada, por ser incompatível com a Constituição”.
Em face dos autos, verifica-se que a recorrente não suscitou, perante o tribunal
a quo, a questão de (in)constitucionalidade da norma que pretende ver apreciada
pelo Tribunal Constitucional. Na verdade, a recorrente, nas alegações produzidas
junto do Supremo Tribunal de Justiça (o tribunal ora recorrido), limitou-se a
afirmar (a fl. 2675), o seguinte:
“A decisão em referência constitui decisão surpresa, proibida pelo artigo 3.º do
CPC, com a qual a recorrente não se pode conformar. No mínimo, deveria ter sido
chamada a pronunciar-se sobre a mesma, porque a prejudica.”
Estas considerações, em que não se identifica qualquer norma, dimensão ou
interpretação normativa, que se reputa inconstitucional, são, porém,
insuficientes para se poder considerar suscitada, de forma clara e perceptível,
uma inconstitucionalidade normativa. Designadamente, não pode considerar-se
suficiente para dar como cumprido o ónus de suscitar a questão de
(in)constitucionalidade a invocação por parte da recorrente de um conjunto de
circunstâncias que bem poderiam igualmente referir-se à decisão a tomar, e não a
qualquer norma ou dimensão normativa. A verdade é que apenas no requerimento de
fls. 2784 e segs. a recorrente veio a imputar a uma determinada interpretação do
artigo 3.º do Código de Processo Civil a violação dos preceitos constitucionais
do artigo 3.º e do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (v. fl.
2792, ponto 33.) – o que é manifestamente extemporâneo, atendendo ao disposto
no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional e ao artigo
72.º, n.º 2, da mesma Lei, cujo sentido é o de exigir a suscitação da questão
de (in)constitucionalidade “durante o processo”, isto é, antes de esgotado o
poder jurisdicional do tribunal a quo. E a recorrente teve, aliás, oportunidade
processual de suscitar a questão de (in)constitucionalidade em momento atempado
(concretamente, nas alegações produzidas junto do Supremo Tribunal de Justiça a
fls. 2638 e segs.).
Não o tendo feito, não pode considerar-se preenchido um dos pressupostos
processuais do presente recurso – a invocação da questão de
(in)constitucionalidade normativa durante o processo – e, consequentemente, não
pode do mesmo tomar-se conhecimento no que respeita à norma do artigo 3.º do
Código de Processo Civil.
6. No que concerne à norma do artigo 712.º do Código de Processo Civil,
interpretada no sentido de que “o regime que entrou em vigor com o DL n.º
375-A/99, de 20.9, não é diverso daquele que vigorava anteriormente,
correspondendo antes à sua ‘consagração em letra de lei’”, sempre haveria de se
concluir pelo não conhecimento do recurso, em face do carácter instrumental do
recurso de constitucionalidade.
Na verdade, ainda que este Tribunal determinasse a reformulação da decisão
recorrida em conformidade com um juízo de inconstitucionalidade, esta decisão
não teria qualquer efeito útil no processo, pois sempre se poderia manter a
decisão do tribunal a quo com fundamento em que “os recorrentes imputam ao
acórdão recorrido vícios, fundamentalmente na forma como decidiu a matéria de
facto, subsumindo o alegado a erro de julgamento e não a violação da lei”, e em
que “a discordância da recorrente não deriva de ter a Relação dado como provado
algum facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar
a sua existência ou desrespeitado as normas reguladoras da força probatória dos
meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico” (fls. 2774 e 2775 dos
autos), questão, esta, que não integra o objecto do presente recurso.
E, conforme o Tribunal Constitucional vem salientando, o julgamento da questão
de constitucionalidade, em via de recurso, desempenha “uma função instrumental”,
só se justificando que a ele se proceda se o mesmo tiver utilidade para a
decisão de fundo, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão
académica (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 216/91, publicado no
Diário da República, II Série, de 14 de Setembro de 1991, e 11/2001, disponível
em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, porque a questão de (in)constitucionalidade não pode influir no mérito da
decisão, apenas resta concluir pelo não conhecimento, também nesta parte, do
recurso”.
Desta decisão sumária reclamou a recorrente, com a seguinte argumentação:
“No que respeita ao recurso sobre a interpretação do artigo 668.º n.º 1, alínea
d), do Código de Processo Civil, “no sentido de que não é cometida a nulidade
nele prevista quando, em recurso de revista, o STJ não se pronuncia sobre as
nulidades assacadas ao acórdão recorrido, nem aos pedidos de reforma do mesmo
formulados”, aduziu o Venerando Conselheiro Relator que: “A interpretação
normativa identificada pela recorrente não constituiu, portanto, ratio decidendi
para o tribunal recorrido, antes este começou logo por afirmar a inexistência de
omissão de pronúncia. E, como se sabe, o Tribunal Constitucional não pode
controlar a exactidão desta afirmação.”
Contudo, como parece resultar claro do requerimento de recurso apresentado,
precisamente por ter afirmado que inexistia omissão de pronúncia é que o STJ
levou a efeito a aludida interpretação.
Isto é: o que o STJ nos veio dizer foi que inexistia omissão de pronúncia na
medida em que havia emitido pronúncia sobre tais questões. E transcreveu a
parte na qual pretensamente se conheceu das questões levantadas pela recorrente
na sua alegação, dizendo que:
“Há, pois, uma reacção em bloco, por parte da recorrente, à forma como a questão
fáctica foi decidida pelas Instâncias, mas, conforme se referiu “supra” o STJ,
como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos materiais fixados
pelo tribunal recorrido, o regime jurídico que julgue aplicável (art. 729.º, n.º
1, do C. Proc. Civil).
Consequentemente, não conhece de matéria de facto, salvo havendo ofensa uma
disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do
facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 729.º, n.º 2, e
722º, nº 2, do mesmo diploma).
Não se está perante matéria sindicável em sede de recurso de revista, porquanto
a discordância da recorrente não deriva de ter a Relação dado como provado algum
facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua
existência ou desrespeitado as normas reguladoras da força probatória dos meios
de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico”.
Ou seja: o STJ entendeu que não havia nulidade por omissão de pronúncia porque
já se havia pronunciado sobre tais questões dizendo que não se podia pronunciar
sobre as mesmas!
A referida interpretação contém-se, claramente, na ratio decidendi do acórdão
(porquanto a questão da omissão de pronúncia sobre as questões de facto
constituía o cerne do recurso).
E o facto de se entender que ao STJ está vedado o conhecimento da matéria de
facto, não implica que esse Alto Tribunal não deva conhecer das nulidades por
omissão de pronúncia assacadas ao Acórdão da Relação – mesmo em sede de matéria
de facto.
De uma tal interpretação – como oportunamente se expendeu no requerimento de
recurso – resulta que mesmo quando a Relação omita totalmente a reapreciação dos
elementos de prova que perante a mesma tenham sido sindicados de modo
processualmente adequado – o que aconteceu no caso vertente – o STJ não possa
conhecer de tal nulidade, apenas porque a mesma se prende com a actividade do
Tribunal hierarquicamente inferior em sede de matéria de facto.
Com o devido respeito por opinião diversa, conhecer-se de uma nulidade por
omissão de pronúncia cometida na apreciação da matéria de facto, não implica
conhecer da matéria de facto propriamente dita.
Em suma, afigura-se que o facto do STJ ter dito que não havia omissão de
pronúncia (por se ter pronunciado no sentido de que não podia pronunciar-se!),
não é impeditivo do conhecimento do recurso por este Tribunal. Bem pelo
contrário …
É essa precisa interpretação, violadora dos artigos 3º e 20º da Constituição da
República Portuguesa (pois que, além de redundar em ilegal, implica a negação da
tutela jurisdicional efectiva) que a recorrente pretende que o Tribunal aprecie
e nada obsta a que assim aconteça, ao contrário do que sustenta o Venerando
Conselheiro Relator.
No que respeita à interpretação do disposto no art.º 712.º do CPC, no sentido de
que “o regime que entrou em vigor com o DL n.º 375-A/99, de 20.9, não é diverso
daquele que vigorava anteriormente, correspondendo antes à sua ‘consagração em
letra de lei”, entendeu o Venerando Conselheiro Relator (que, salvo melhor
opinião, pareceu deixar escapar fumus boni iuris quanto à questão da
constitucionalidade propriamente dita) que tal questão se apresentava como
instrumental e não teria qualquer efeito útil.
Com o devido respeito, nada mais errado.
O Acórdão da Relação fez letra morta de toda a transcrição das mais de vinte
horas de julgamento que a recorrente apresentou e da impugnação, de modo
processualmente adequado, de pontos concretos da matéria de facto.
Desde então, a recorrente viu-se forçada a deslocar o cerne do recurso das
questões do seu bom nome comercial e pretensões indemnizatórias conexas, para as
questões processuais atinentes à apreciação (efectiva) da matéria de facto.
De tal modo que a questão dos poderes do STJ para sindicar as decisões da
Relação previstas nos nºs. 1 a 5 do artigo 712º do Código de Processo Civil não
é instrumental. Pelo contrário, transmutou-se na questão nuclear do recurso.
O Venerando Conselheiro Relator chega mesma a avançar um quadro de prognose no
âmbito do qual se concluísse pela formulação de um juízo de
inconstitucionalidade nos termos propugnados, dizendo que: “esta decisão não
teria qualquer efeito útil no processo, pois sempre se poderia manter a decisão
do tribunal a quo com fundamento em que «os recorrentes imputam ao acórdão
recorrido vícios, fundamentalmente na forma como decidiu a matéria de facto,
subsumindo o alegado a erro de julgamento e não a violação da lei», e em que «a
discordância da recorrente não deriva de ter a Relação dado como provado algum
facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua
existência ou desrespeitado as normas reguladoras da força probatória dos meios
de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico» (fls. 2774 e 2775 dos autos)”.
Contudo, não se pode concordar com tal apreciação.
Com efeito, a formular-se um tal juízo de inconstitucionalidade, não poderia
manter-se o entendimento sufragado na decisão recorrida de que das decisões da
Relação previstas nos números anteriores do artigo 712º não cabe recurso para o
STJ.
Atente-se que as decisões de que se cuida, são as seguintes:
“1. A decisão do tribunal de lª instância sobre a matéria de facto pode ser
alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à
decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido
gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo
690.º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa,
insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só,
seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a
Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo
em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de
oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido
de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
3. A Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em lª
instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade,
quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com
as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e
julgamento na lª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal
dos depoentes.
4. Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos
da alínea a) do nº 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a
Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na lª instância,
quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos
determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação
desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja
viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar
outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições
na decisão.
5. Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da
causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da
parte, determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os
depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando
necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou
repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão
da impossibilidade.”
A recorrente não se conforma, pois, como pode entender-se que tal questão assuma
carácter meramente instrumental.
Com o devido respeito, não afiguraria razoável à recorrente que, conforme
sugerido pelo Venerando Conselheiro Relator, bastasse ao STJ invocar que “os
recorrentes imputam ao acórdão recorrido vícios, fundamentalmente na forma como
decidiu a matéria de facto, subsumindo o alegado a erro de julgamento e não a
violação da lei”, e em que “a discordância da recorrente não deriva de ter a
Relação dado como provado algum facto sem produção da prova por força da lei
indispensável para demonstrar a sua existência ou desrespeitado as normas
reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso
ordenamento jurídico” para que a sua decisão ficasse reformada em conformidade
com o julgamento de inconstitucionalidade, designadamente, teria aquele Alto
Tribunal que especificar, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, em que
pontos da matéria de facto é que tal acontece e o motivo porque no seu entender
tal se verifica.
Impõe-se, assim, a procedência da presente reclamação, devendo conhecer-se do
objecto do presente recurso, seguindo-se os ulteriores”.
A esta reclamação respondeu a recorrida, B., S.A., pronunciando-se pela
improcedência da reclamação.
*
Fundamentação
Relativamente à decisão sumária que recusou o conhecimento das três questões de
inconstitucionalidade colocadas pela recorrente, esta só reclama relativamente a
duas dessas questões - as referentes às alegadas interpretações normativas dos
artº 668º, nº 1, d) e 712º, do C.P.C..
Quanto à alegada interpretação normativa do artº 668º, nº 1, d), do C.P.C., a
recorrente persiste no equívoco em que se baseava o seu recurso.
Na verdade, conforme já se referiu na decisão sumária reclamada, o acórdão do
S.T.J. recorrido não se recusou a apreciar a arguição de nulidade de omissão de
pronúncia, relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto,
imputada pela recorrente ao acórdão do Tribunal da Relação. Ele apreciou essa
arguição, verificando a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação, e
conclui que não existia a arguida omissão de pronúncia.
Por isso, não corresponde à ratio decidendi do acórdão do S.T.J. que este se
recuse a pronunciar-se sobre as nulidades assacadas ao acórdão do Tribunal da
Relação e sobre os pedidos de reforma do mesmo formulados.
Não estando a interpretação normativa enunciada pelo recorrente contida na
fundamentação do acórdão do S.T.J. recorrido, não pode o Tribunal Constitucional
conhecer de tal questão, pelo que deve manter-se a decisão sumária reclamada
nesta parte.
Quanto à alegada interpretação normativa do artº 712º, do C.P.C., o acórdão do
S.T.J., além de considerar que, relativamente a este artigo, “o regime que
entrou em vigor com o DL n.º 375-A/99, de 20.9, não é diverso daquele que
vigorava anteriormente, correspondendo antes à sua ‘consagração em letra de
lei”, isto é que das decisões da Relação previstas nos diferentes números deste
artigo já antes da introdução do disposto no seu nº 6, não cabia recurso para o
S.T.J., também argumentou que a impugnação efectuada pela recorrente se resumia
à alegação de erros de julgamento pelo Tribunal da Relação na decisão da matéria
de facto, e não à violação do disposto no artº 712º, do C.P.C., pelo que, de
qualquer modo, nunca poderia o S.T.J., como tribunal de revista, conhecer, nessa
parte, do recurso interposto.
Estamos, pois, perante a utilização duma dupla fundamentação na decisão
recorrida, pelo que a eventual inconstitucionalidade duma interpretação
normativa integrante de apenas um desses dois fundamentos, nunca teria qualquer
efeito útil sobre o sentido dessa decisão, uma vez que se mantinha de pé o outro
fundamento não atacado.
A recorrente limitou-se apenas a arguir a inconstitucionalidade da interpretação
normativa de que não cabia recurso das decisões proferidas pelo Tribunal da
Relação no uso dos poderes conferidos nos diferentes números do artº 712º, do
C.P.C., deixando incólume o outro fundamento invocado pelo acórdão do S.T.J.
para não conhecer parcialmente do recurso.
Assim, atento o cariz instrumental do recurso para o Tribunal Constitucional,
justifica-se que também a questão da interpretação normativa do artº 712º, do
C.P.C., não seja conhecida, devendo, por isso, manter-se o sentido da decisão
sumária reclamada.
*
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A., S.A., confirmando-se a
decisão sumária reclamada.
*
Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em 20 unidades de conta
(artº 7º, do D.L. 303/98, de 7/10).
*
Lisboa, 12 de Junho de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos