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Processo n.º 421/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Relatório
Inconformada com o acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça em 6 de
Fevereiro de 2007 (a fls. 296 e seguintes) - pelo qual lhe foi negada a revista
interposta do acórdão da Relação de Lisboa que confirmara a sentença proferida
pelas Varas Cíveis de Lisboa que, em suma, a condenara a reconhecer o direito de
propriedade dos autores sobre a fracção em que habita e a pagar-lhes, desde 17
de Julho de 2003, a quantia que conseguiriam obter com o arrendamento dessa
fracção -, veio A. recorrer para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos
(fls. 315):
“[…] notificada do aliás douto Acórdão vem, do mesmo recorrer da
constitucionalidade para o Venerando Tribunal Constitucional, por violação dos
art°s 62º, 3º, 13º, 18º, 20º, 205º, 266º da CRP, e inconstitucionalidade da
interpretação dada aos art° 76º e 90º, do RAU; violação do principio da
igualdade formal e da proporcionalidade da decisão.
Violação dos princípios constitucionais de gozo e fruição do locado, já que o
douto acórdão recorrido confirmando as decisões das instâncias em que colocam em
contradição o direito constitucional de direito de propriedade com o direito de
uso e gozo do Iocado, é manifestamente inconstitucional tal douta decisão.
O que faz ao abrigo do disposto no art° 70º, nº1, alíneas b) e f) n° 2 e 72º da
Lei 28/82, de 15 de Novembro.
[…]”.
Este requerimento foi objecto do seguinte despacho do Exmo.
Senhor Conselheiro Relator no Supremo Tribunal de Justiça (fls. 320):
“Não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, uma vez que o
mesmo não satisfaz os requisitos do artigo 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e apresenta-se como manifestamente infundado.
De facto, ao longo do processo a ora recorrente nunca suscita a questão de
inconstitucionalidade ou ilegalidade (por violação de lei de valor reforçado,
violação do estatuto de Região Autónoma ou de lei geral da República).
Daí que também não tenha sido dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo
75º-A da referida Lei (parte final), cujo suprimento não se justifica determinar
pela razão supra indicada.
Termos em que não se admite o recurso.
[…]”.
Inconformada, a recorrente reclamou desta decisão para o
Tribunal Constitucional, dizendo o seguinte (fls. 10 e seguintes):
“[…]
1º Foi apresentado requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional por se
entender que a douta decisão recorrida viola a CRP quando diz, ela própria, que
a decisão é conforme à CRP — art. 62º, n°1.
2.° O STJ entendeu que este requerimento não devia ser admitido, “uma vez que o
mesmo não satisfaz aos requisitos do art. 75. °-A da Lei 28/82 (...)”.
3º Dizendo ainda a douta decisão reclamada que “ao longo do processo a ora
recorrente nunca suscitou a questão de inconstitucionalidade”, o que é
contraditado pela sentença recorrida que afirma expressamente que ela, a douta
sentença, não violava a CRP; trata-se de invocação da conformidade
Constitucional a contrario.
4º Em manifesta violação da Lei Fundamental, como nos parece, e como se
desenvolverá, já que se afirmava que a sentença salvaguarda os direitos
fundamentais, havendo que o fundamentar, já que o direito à habitação decorre
também ele da CRP e nada tem em contrário com o direito de propriedade.
5º O direito não tem que ser invocado; cabe ao julgador aplicá-lo; aplicou o
direito e diz que não viola o art. 62º, n°1, da CRP; será assim?!...
6.° Pelo que se recorreu da decisão para o Tribunal Constitucional, recurso que,
em nosso entender, merece não só ser apreciado como deve ter provimento; a douta
decisão recorrida está conforme ao art.62º, n°1, da CRP como sustenta para a
prolação que proferiu, e logo esta conformidade afasta o direito de habitação
que a recorrente sustentou também ele com assento na CRP?!
7º Cremos que não, até porque a conformação da douta sentença com o art. 62º,
n°1, da CRP, implicaria necessariamente que a mesma violaria os arts. 65º e 66º
o direito à habitação; o princípio da verdade material e formal, e os direitos
fundamentais, e o princípio da igualdade formal e material dos cidadãos perante
a lei e a justiça.
8.° Pelo que, se vem deste e último despacho,
recorrer para o tribunal constitucional ao abrigo do disposto no art. 70.°, n.°
1, alíneas b) e f), n.° 2, 71º e 72º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
9º Por violação das normas dos art°s 2º, 3º, 12º, 13º, 17º, 18º, 20º, 27º,29º,
30º, 31º, 32º, 65º e 66º, 205º, 206º, 266º e 268º, todas estas normas se
encontram violadas de forma expressa ao dizer-se, como se diz, que a douta
sentença recorrida está em conformidade com o art. 62º, n°1, da CRP, porque esta
conformidade não pode negar os demais direitos constitucionais da CRP.
[…]”.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional respondeu à reclamação nos seguintes termos (fls. 22):
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento sério.
Na verdade, a reclamante não identifica qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, idónea para integrar o objecto de um recurso de
fiscalização concreta, limitando-se a imputar, de forma genérica, pretensas
inconstitucionalidades às decisões proferidas na ordem dos tribunais judiciais,
não se verificando, deste modo, ostensivamente os pressupostos do recurso
interposto para este Tribunal Constitucional”.
2. Fundamentação
A reclamante pretende recorrer ao abrigo das alíneas b) e f)
do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional do já aludido acórdão
proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Nos termos das mencionadas alíneas da Lei do Tribunal
Constitucional, este recurso cabe das decisões dos tribunais que apliquem normas
cuja inconstitucionalidade e cuja especial ilegalidade hajam sido oportunamente
suscitadas perante o tribunal recorrido.
No presente caso, verifica-se que a reclamante não suscitou,
perante o Tribunal recorrido, de forma adequada, qualquer questão relacionada
com a constitucionalidade ou com a especial legalidade de qualquer norma
aplicada no mencionado acórdão (cfr. as alegações produzidas perante o tribunal
recorrido, a fls. 229 e seguintes).
Para além disso, é ainda manifesto que o recurso interposto
não tem objecto válido, pois a acusação de desconformidade constitucional não se
dirige a qualquer norma aplicada como ratio decidendi no acórdão.
Tal é o suficiente para concluir pela não verificação dos
requisitos exigidos para o recurso em questão.
3. Decisão
Nestes termos, indefere-se a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC,
sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
Lisboa, 26 de Junho de 2007
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão