Imprimir acórdão
Processo nº 572/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
A. foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança, p.p. pelo artº
205º, nº 1 e 4, b), do C.P., na pena de 3 anos de prisão, suspensa por 5 anos,
sob a condição de pagar ao assistente e à demandante civil, no prazo de 1 ano, a
quantia de €. 28.586,50, por acórdão da 2ª Vara Mista de Loures, de 30-10-2003,
confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-5-2004.
Em 31-10-2005, A. interpôs recurso de revisão daquela condenação.
O recurso foi recebido, tendo sido produzidos os meios de prova indicados pelo
recorrente.
Terminada a produção de prova o juiz do processo, em 31-3-2006, pronunciou-se no
sentido do recurso de revisão não merecer provimento.
O S.T.J., por acórdão de 30-11-2006, decidiu negar o pedido de revisão, por
evidente falta de fundamento.
O recorrente, em 15-12-2006, apresentou requerimento solicitando correcções e
arguindo a existência de nulidades relativamente ao acórdão de 30-11-2006.
O S.T.J., por acórdão de 25-1-2007, indeferiu este requerimento.
O recorrente, em 12-2-2007, apresentou novo requerimento arguindo nulidades.
O S.T.J., por acórdão de 8-3-2007, indeferiu este requerimento.
O recorrente em 23-3-2007, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no artº 70º, nº 1, b), Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
“Para apreciação da inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas nos
art.ºs 342.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal,
conjugadas concomitantemente entre si, com o n.º 1 do primeiro deles, e com os
artºs 349.º, n.º 1, 369.º e 370.º da mesma lei adjectiva penal, e ainda do art.º
71.º, n.º 2, do Código Penal, na interpretação emergente, de forma imprevista e
inesperada, dos Doutíssimos Acórdãos recorridos, no sentido de que é lícito ao
Tribunal, em sede de recurso extraordinário de Revisão, socorrer-se dos mesmos
meios de aferição histórica do carácter do arguido, ainda que exteriores aos
autos, para fundado em novos factos ou meios de prova aferir da gravidade das
eventuais dúvidas sobre a justiça da condenação, mesmo se o arguido tem já
integralmente cumprida a pena de condenação anterior, sem que tenha de atender
igualmente ou dar relevo para a apreciação do seu carácter aos elementos
provados em como é bom chefe de família e prestador de relevantes serviços à
sua comunidade.
Uma tal interpretação dessas conjugadas normas legais viola os imperativos
constitucionais dos artigos 26.º, n.ºs 1 e 2, do artigo 29.º, n.º 5, artigo
32.º, n.º 2, artigo 202.º, n.º 2, e artigo 203.º, todos da Constituição da
República Portuguesa e 6.º, 13.º e 14.º da Convenção Europeia para a Protecção
dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ratificada pelo Estado
Português.
Esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada expressamente no primeiro
requerimento de arguição de nulidade perante o Tribunal a quo, e só então ante a
absoluta surpresa de ver tal condenação anterior, com pena já cumprida, servir
de base à aferição dessa prova nova, quando já não está em causa a formação do
relatório social nem a determinação da pena mas tão só a justeza da condenação
ante a prova nova carreada nessa sede.
Sendo a interpretação considerada correcta pelo recorrente a de que, em suma, o
recurso de revisão se limita à apreciação da nova prova oferecida e aferição da
sua fidedignidade e novidade, não comportando apreciação sobre matéria externa
aos autos, muito menos se respeitante ao carácter do recorrente, com apreciação
negativa e publicitação de condenação anterior já cumprida, num verdadeiro
segundo julgamento, violando o justamente designado “direito ao esquecimento”,
indispensável à plena reinserção social, – fim último da pena criminal –
ultrajando os seus direitos de personalidade e dignidade humana recuperados
após a expiação penal aplicada, eternizando a pena de uma forma atentatória da
paz social e tranquilidade psíquica do ex-condenado, quando compete aos
tribunais, em especial, tutelar e defender esses direitos em submissão à lei e à
constituição, ao contrário ignorando tudo o que nos autos se encontra dado como
provado em abono de um carácter de bom chefe de família, com relevantes
serviços prestados à comunidade local em que está inserido, matérias que
constituem nulidades por excesso e omissão de pronúncia, como se expressou em
sede primária que aqui se tem por integralmente por reproduzida e melhor se
defenderá em sede de alegações para julgamento.
Sendo certo que se, como vem expresso em sede de aclaração e decisão das
nulidades, a menção pormenorizada à condenação anterior não teve influência na
decisão final de indeferir o recurso de Revisão, estaremos ante a prática de um
acto inútil e claramente violador dos direitos e dignidade humana do recorrente,
enquanto cidadão que expiou a sua pena na forma judicialmente imposta e tem o
direito a paz psíquica e completas possibilidades de reinserção social, assim
toldadas.
Para apreciação da inconstitucionalidade interpretativa da norma contida nos
artº 419.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 4.º do
Código de Processo Penal, e art.º 9.º, n.º 2 do Código Civil, na interpretação
emergente dos Acórdãos recorridos, também de forma imprevista e inesperada, no
sentido de que o rol de testemunhas se basta com a indicação do nome e última
morada conhecida das pessoas a inquirir, quando aquela norma adjectiva penal tem
na sua letra exigência maior e mais rigorosa e a interpretação da norma tem que
ter uma correspondência, mínima que seja na sua letra.
Uma tal interpretação dessas conjugadas normas legais viola os imperativos dos
artigo 202.º, n.º 2, e artigo 203.º, todos da Constituição da República
Portuguesa e, maxime, dos mesmos preceitos já citados acima da Convenção
Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada expressamente a final do
mesmo requerimento de arguição de nulidade, e só nessa ocasião em vista do
inesperado e imprevisto, da solução ali apontada.
Sendo a versão considerada correcta pelo recorrente a de que a interpretação do
espírito legislativo tem que ter correspondência na letra da norma, ainda que
imperfeitamente expresso, e a norma adjectiva civil, que colmata a lacuna da
penal, exige que se arrolem as testemunhas indicando os nomes, profissões e
moradas das pessoas chamadas a depor, o que, in casu, impedia o ora recorrente
de o fazer por desconhecer onde morava o seu vizinho de escritório e o seu
paradeiro há três anos”.
O Conselheiro relator, em 27-3-2007, proferiu a seguinte decisão de
indeferimento do recurso:
“A revisão da sentença é admissível quando (…) se descobrirem novos factos ou
meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no
processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (art. 449.1.d do
CPP).
Assim, para além da questão de saber se haviam descoberto (ou não) «novos
factos», havia que questionar se entretanto se haviam descoberto (ou não) «novos
meios de prova» (nomeadamente, testemunhais). Pois que a testemunha B., não
ignorando o arguido ao tempo a sua existência, só poderia ser validamente
indicada, no recurso de revisão, se o recorrente tivesse «justificado» a sua
«impossibilidade [então] de depor».
Todavia, a testemunha B. – à data da apresentação do rol de testemunhas (de que
o arguido, apesar de tudo, o não fez constar) – já se encontrava em liberdade,
após três anos de cárcere, constando a sua morada dos arquivos da cadeia. Nada
teria impedido o arguido, por isso, de o indicar como «testemunha», mesmo que
ignorasse no seu paradeiro de então, bastando que indicasse – para que o
tribunal, com os meios disponíveis, o pudesse procurar – a sua última morada
conhecida.
Teria bastado, pois, que, no processo da condenação, o arguido e ora recorrente,
mesmo que ignorasse o paradeiro dessa sua «testemunha», tivesse indicado o
último paradeiro dele conhecido (o escritório contíguo ao dele), pois que o
tribunal, na posse desse dado, localizaria facilmente, junto dos CTT, o número
do seu telefone de serviço e, através dele, a morada do assinante.
Não o tendo feito o recorrente, na devida oportunidade, e não estando assim
justificada a sua impossibilidade – ao tempo – de depor, a «nova» testemunha
não estaria pois em condições de, sequer, ser indicada, no recurso de revisão,
como «novo meio de prova» (art. 453.2 do CPP).
Mas, apesar disso, o Supremo não deixou de apreciar o seu «testemunho», tendo
atendido – como se o devesse – ao seu tardio «depoimento». Só que este não se
revelou «minimamente credível», sendo certo, aliás, que a sua credibilidade nem
sequer bastaria para que a revisão da sentença fosse admissível, pois que mister
seria ainda que o seu testemunho, combinado com as provas apreciadas no
processo, suscitassem – e não suscitaram – «graves dúvidas sobre a justiça da
condenação».
Não tem por isso o ora recorrente interesse jurídico nem prático em questionar a
constitucionalidade das normas de que a decisão recorrida, explicita ou
implicitamente, se possa ter socorrido para pôr em dúvida a admissibilidade da
«nova» testemunha. Pois que o Supremo, apesar dessas objecções, acabou por
«ouvi-la» (através do juiz do processo) e «avaliar» o seu depoimento, por si e
em confronto com «a demais prova já constante dos autos».
Ora, dessa «demais prova constante dos autos», não poderia deixar de se
considerar a certidão da sua anterior condenação (relativa, igualmente, ao
relacionamento profissional do arguido – como «administrador de bens alheios» e
«procurador» – com a sua clientela). E não apenas na medida em que o seu
«comportamento anterior» contara – como não poderia deixar de contar – para a
«avaliação» da sua «personalidade» (no momento processual em que, decidida a
«questão da culpabilidade», se colocou a questão da determinação da pena: art.s
369.º e ss. do CPP) como, sobretudo, na medida em que a actuação (criminosa) do
arguido, no segundo processo, coincidira – no tempo – com o período da
suspensão da primeira pena e com o incumprimento das respectivas injunções. O
que permitia entrecruzar essa actuação criminosa (de retenção dos dinheiros do
segundo cliente) com a obrigação, contra ele pendente no primeiro processo (sob
pena de revogação da suspensão), de pagar a respectiva indemnização
condicionante.
Com efeito, o ora recorrente, em 13Maio87, «dactilografara uma letra, fazendo
constar que fora emitida em Loures [por C., falecido em 16Abr87] – no dia
14Fev87 e que se vencia a 14Mai87», com a qual se apresentou no inventário por
morte de C. a reclamar um crédito de 1000 contos, de que chegou a receber 950
contos. Tendo, assim, incorrido em crime de burla mediante falsificação, foi
condenado, em 24Jun94 e 16Out96 (mediante acórdão transitado em 19Dez96) na pena
de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa por 4 anos, mediante a condição de em
três meses fazer prova de entrega de 1200 contos aos herdeiros de C.. Ora, foi
justamente no decurso deste prazo de suspensão que, entre 02Jul98 e 12Mar99, se
desenrolaram os factos que viriam a desencadear a sua nova condenação, já nestes
autos, por abuso de confiança.
Daí que esta interpenetração temporal da conduta do arguido num e noutro
processo não pudesse deixar de se levar em conta no confronto – exigido pelo
art. 449.1.d do CPP – entre os «novos factos ou meios de prova» e os já
apreciados no processo.
Assim, a decisão recorrida não só não aplicou, explicitamente, os invocados
artigos 342.2. 379.1.c, 349.1, 369.º e 370.º do CPP como, se porventura aplicou
implicitamente algum deles, o não fez com violação dos normativos
constitucionais dos art.s 26.1 e 2, 29.5, 32.2, 202.2 e 203.º da Constituição.
E, a tê-los aplicado, jamais os interpretou/aplicou «no sentido de que é lícito
ao tribunal, em sede de recurso extraordinário de revisão, socorrer-se dos
mesmos meios de aferição histórica do carácter do arguido, ainda que exteriores
aos autos [!?], para, fundado em novos factos ou meios de prova, aferir da
gravidade das eventuais dúvidas sobre a justiça da condenação, mesmo se o
arguido já tem integralmente cumprida [!?] a pena de condenação anterior».
Tanto mais que a segunda condenação (ora sob revisão) – proferida em 30Out03 e
confirmada na Relação em 26Mai04 – antecedera o despacho que, no primeiro
processo, veio a declarar extinta, em 10Jan05 (ainda na ignorância da segunda
condenação), a respectiva pena suspensa.
O recurso é, assim, manifestamente infundado e, como tal, de indeferir (art.
76.2 da LTC)”.
A. reclamou deste despacho, conforme previsto no artigo 76º, nº 4, da LTC,
alegando o seguinte:
“O presente recurso, abrangendo duas questões de potenciais
inconstitucionalidades interpretativas de algumas das normas aplicadas expressa
ou implicitamente durante o processado, vem liminarmente rejeitado no Tribunal a
quo com a fundamentação de que:
– O recorrente não tem “(...) interesse jurídico nem prático em questionar a
constitucionalidade das normas de que a decisão recorrida, explícita ou
implicitamente, se possa ter socorrido para pôr em dúvida a admissibilidade tia
“nova” testemunha, pois que o Supremo, apesar dessas objecções, acabar por
“ouvi-la” (através do juiz do processo) e “avaliar” o seu depoimento, por si e
em confronto com “a demais prova já constante nos autos”.”;
– “A decisão recorrida não só não aplicou, explicitamente, os invocados artigos
342.2, 379.1.c, 349.1, 369.º 3790.º CPP (...) e, a têlos aplicado, jamais os
interpretou/aplicou “no sentido de que é lícito ao tribunal, em sede de recurso
extraordinário de revisão, socorrer-se dos mesmos meios de aferição histórica do
carácter do arguido, ainda que exteriores aos autos” (…)”.
Tal decisão enferma, data venia, de deficiência de leitura e percepção das
razões que, sucintamente, fundamentam o recurso.
Na realidade, salvo o devido e merecido respeito, que muito é, não pode uma
lacuna decisória como a omissão das normas que presidem à matéria que ali se vai
apreciando sistematizadamente servir nesta sede para negar a sua aplicação na
sustentabilidade do aresto.
O conjunto decisório – ao qual, por via das dúvidas, se pediu até esclarecimento
bastante – está ancorado num percurso legislativo não expressamente
identificado mas detectável com perfeição, confirmado nos acórdãos seguintes,
aplicando essas normas numa lógica perceptível e concomitante.
De resto, no douto despacho de inadmissão ora sob reclamação, acaba o Tribunal a
quo por reconhecer – ainda que como possibilidade – a aplicação das normas
arguidas de inconstitucionalidade interpretativa, defendendo mesmo a legalidade
da interpretação que o recorrente invocou como emanente do acórdão sindicado,
transcrevendo-a parcialmente.
Porém, amputando-a da essencial parte final referente à omissão de aferição
absoluta, em todas as componentes – as bonómicas também – caracterizadoras do
perfil do arguido, ora recorrente: “(...) sem que tenha de atender igualmente ou
dar relevo para a apreciação do seu carácter aos elementos provados em como é
bom chefe de família e prestador de relevantes serviços à sua comunidade”.
Ora, o fundamento do recurso interposto e ora inadmitido está precisamente em
que a factualidade respeitante ao histórico penal que poderá caracterizar o
arguido não tem que ser (re)apreciada em sede de recurso extraordinário de
revisão de sentença condenatória, mas, a sê-lo, sempre terá que abranger a
totalidade da prova, aqueles factos que os autos determinaram serem
características socialmente desprezíveis do arguido e aqueloutros que lhe
desvendam alguma personalidade bonómica.
Só assim se pode alcançar a verdade factual necessária à feitura da justiça, foi
isto que se pediu em sede do recurso de revisão como, aliás, bem entendeu o
Tribunal a quo, se refere esse particular no douto despacho aqui reclamado para
justificar a apreciação da anterior condenação.
Claro fica, pois, que as interpretações legislativas arguidas de
desconformidade à lei fundamental são essenciais, relevantes e úteis à decisão
final do recurso de revisão, assim inquinada de vício capital, surgiram
intempestiva e surpreendentemente no acórdão principal, sem que fosse previsível
no antecedente, tal a sua originalidade, tendo a sua arguição sido
correctamente expressa segundo as demais exigências da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, logo o recurso deverá ser admitido também nesta parte.
E diz-se “também nesta parte” porque no que concerne à segunda
inconstitucionalidade interpretativa, a das normas do n.º 1 do art.º 419.º do
Código de Processo Penal e do art.º 9.º do Código Civil, o douto despacho de
inadmissão nada diz, não o elenca sequer, certamente porque nada há a
apontar-lhe, devendo, de igual sorte, ser admitido para a indispensável
apreciação por este Tribunal Constitucional, na senda da melhor aplicação do
Direito e da mais sã Justiça.
Termos em que se requer a apreciação da presente reclamação com a prolação de
decisão superior que ordene a admissão do recurso de inconstitucionalidade
interpretativa interposto e ulteriores termos até final, sob pena de se estar
cerceando ao recorrente o pleno direito à defesa em violação das regras
constitucionais e das convenções internacionais sobre direitos fundamentais do
ser humano”.
O assistente Francisco Vicente Coelho Júnior respondeu à reclamação,
pronunciando-se pelo seu indeferimento.
Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se pronunciou
sobre a reclamação apresentada nos seguintes termos:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento sério.
Na verdade, a ratio decidendi do acórdão do S.T.J. que se pretendeu impugnar
radicou singelamente na falta de credibilidade do depoimento da testemunha
inquirida no âmbito do recurso de revisão para determinar o surgimento de
“graves dúvidas” sobre a justiça da condenação do arguido recorrente.
Como é evidente a livre valoração, no âmbito da ordem dos tribunais judiciais,
de tal depoimento testemunhal não constitui questão de constitucionalidade
normativa, susceptível de constituir objecto idóneo de um recurso para este
Tribunal Constitucional”.
*
Fundamentação
O recurso não foi admitido no tribunal recorrido por ter sido considerado
manifestamente improcedente.
Nada impede, contudo, o Tribunal Constitucional de verificar a existência de
anteriores pressupostos formais do conhecimento do recurso.
No recurso deduzido com fundamento na alínea b), do nº 1, do artº 70º, da LTC,
pode efectivamente questionar-se a constitucionalidade da interpretação duma
norma efectuada pela decisão recorrida.
Todavia, também aqui, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem
natureza estritamente normativa, não sendo a decisão judicial que é objecto de
fiscalização, enquanto operação subsuntiva da norma ao caso concreto, mas sim o
critério normativo utilizado para efectuar tal operação, como resultado da
actividade interpretativa duma determinada norma.
“A interpretação normativa sindicável pelo Tribunal Constitucional pressupõe
uma vocação de generalidade e abstracção na enunciação do critério normativo
que lhe está subjacente, de modo a autonomizá-lo claramente da pura actividade
subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas do caso
concreto” (Carlos Lopes do Rego, em “O objecto idóneo dos recursos de
fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas
sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, em “Jurisprudência Constitucional”,
nº 3, Julho/Setembro de 2004, pág. 7).
Uma das alegadas interpretações normativas que o reclamante pretende ver
apreciadas é a “…dos art.ºs 342.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de
Processo Penal, conjugadas concomitantemente entre si, com o n.º 1 do primeiro
deles, e com os artºs 349.º, n.º 1, 369.º e 370.º da mesma lei adjectiva penal,
e ainda do art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal …no sentido de que é lícito ao
Tribunal, em sede de recurso extraordinário de Revisão, socorrer-se dos mesmos
meios de aferição histórica do carácter do arguido, ainda que exteriores aos
autos, para fundado em novos factos ou meios de prova aferir da gravidade das
eventuais dúvidas sobre a justiça da condenação, mesmo se o arguido tem já
integralmente cumprida a pena de condenação anterior, sem que tenha de atender
igualmente ou dar relevo para a apreciação do seu carácter aos elementos
provados em como é bom chefe de família e prestador de relevantes serviços à sua
comunidade”.
Se já é duvidoso que esta formulação tenha um cariz de abstracção e generalidade
que a permita qualificar como norma, em sentido lato, da leitura do acórdão
recorrido constata-se que ela não se encontra ali enunciada explícita, ou sequer
implicitamente.
Este aresto limitou-se a valorar a prova produzida, ponderando exaustivamente
todas as especificidades do “caso concreto”, tendo concluído que a “nova prova”
arrolada pelo reclamante, não merecia credibilidade, não sendo susceptível de
suscitar graves duvidas sobre a justiça da condenação (vide ponto 7.8. do
acórdão recorrido).
Estamos perante uma concreta e casuística valoração das circunstâncias do caso
sub juditio, que não pode ser sindicada pelo Tribunal Constitucional, não
devendo, assim, ser conhecido o recurso interposto pelo reclamante quanto a esta
questão.
Relativamente à segunda questão cuja inconstitucionalidade o reclamante pretende
ver apreciada - a interpretação normativa “dos artº 419.º, n.º 1 do Código de
Processo Civil, aplicável ex vi art.º 4.º do Código de Processo Penal, e art.º
9.º, n.º 2 do Código Civil…no sentido de que o rol de testemunhas se basta com a
indicação do nome e última morada conhecida das pessoas a inquirir” - deve
tomar-se em consideração que o recurso para o Tribunal Constitucional tem uma
função instrumental, só se justificando que dele se conheça se o mesmo tiver
utilidade para a decisão de fundo, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma
pura questão académica.
Ora lê-se no acórdão recorrido:
“Todavia, a testemunha B. – à data [10MAR03] da apresentação do rol de
testemunhas (de que o arguido, apesar de tudo, o não fez constar) – já se
encontrava em liberdade havia 11 dias, após três anos de cárcere, constando a
sua morada dos arquivos da cadeia. Nada teria impedido o arguido, por isso, de o
indicar como «testemunha», mesmo que ignorasse no seu paradeiro de então,
bastando que indicasse – para que o tribunal, como os meios disponíveis, o
pudesse procurar – a sua última morada conhecida.
Não estando assim justificada a sua impossibilidade – ao tempo – de depor, a
«nova» testemunha não estaria pois em condições de, sequer, ser indicada, no
recurso de revisão, como «novo meio de prova» (art. 453.2 do CPP).
Mas, mesmo que o estivesse e por isso se devesse atender ao seu depoimento, a
verdade é que este não foi nem é, minimamente, credível. Aliás, a sua
credibilidade nem sequer bastaria para que a revisão da sentença fosse
admissível, pois que, para que mister seria ainda que o seu testemunho,
combinado com as provas apreciadas no processo, suscitassem «graves dúvidas
sobre a justiça da condenação».
E conforme resulta da leitura de todo o acórdão recorrido, este apreciou
exaustivamente o depoimento desta testemunha, tendo concluído pela sua falta de
credibilidade e consequente incapacidade para suscitar graves dúvidas sobre a
justiça da condenação, pelo que a referência à possibilidade daquela testemunha
poder ter sido ouvida aquando do julgamento, o que a afastaria da qualificação
como novo meio de prova, para efeitos de recurso de revisão, foi um simples
obiter dictum, que não influiu minimamente na decisão de improcedência do
recurso de revisão.
Assim, mesmo que este Tribunal concluísse pela inconstitucionalidade da referida
interpretação normativa, tal juízo não teria qualquer efeito prático naquela
decisão, dado que o fundamento em que se alicerçou – a incapacidade da nova
prova produzida gerar um estado de grave dúvida sobre a justiça da condenação –
se manteria incólume.
Por esta razão também esta segunda questão não merece ser conhecida pelo
Tribunal Constitucional.
Deste modo, por falta dos mencionados pressupostos processuais, não é possível
conhecer do recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A., pelo que
deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
*
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC. (artº 7º, do D.L.
303/98).
*
12 de Junho de 2007
Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos