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Processo n.º 236/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., notificada do Acórdão n.º 310/2007,
de 16 de Maio de 2007, que desatendeu arguição de nulidade do Acórdão n.º
226/2007 − que, por seu turno, indeferira reclamação por ela apresentada, ao
abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra o despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça
(STJ), de 15 de Janeiro de 2007, que não admitira recurso de constitucionalidade
interposto do acórdão do STJ, de 7 de Dezembro de 2006, por (esse despacho)
haver entendido que nesse acórdão “não se mostra aplicada qualquer norma (seu
segmento ou interpretação) que, no decurso do processo, a recorrente tivesse
assacado de não conforme à Constituição” −, apresentou, em 6 de Junho de 2007,
requerimento em cujo cabeçalho refere vir “alegar a inconstitucionalidade do
douto acórdão” [n.º 310/2007]. Seguem‑se doze folhas em que a reclamante
reproduz ipsis verbis o teor da arguição de nulidade do Acórdão n.º 226/2007
(continuando a referir − apesar de o Acórdão n.º 310/2007 ter evidenciado que
tal não correspondia à realidade – que o Acórdão n.º 226/2007 decidira
reclamação para a conferência contra decisão sumária do Relator no Tribunal
Constitucional de não conhecimento do recurso de constitucionalidade, nos termos
do artigo 78.º‑A da LTC, e apreciara arguição de nulidade de despacho do mesmo
Relator, quando a verdade é que o dito Acórdão decidiu uma reclamação para o
Tribunal Constitucional contra o despacho do Conselheiro Relator no STJ de não
admissão do recurso, prevista e regulada no n.º 4 do artigo 76.º e no artigo
77.º da LTC), a que, no final, se acrescentam as seguintes considerações:
“Pelo que a decisão do douto Tribunal Constitucional é de per si
inconstitucional.
O direito processual constitucional em sentido estrito tem por objecto o
processo constitucional.
O processo constitucional reconduz‑se a um complexo de actos e formalidades
tendentes à prolação de um decisão judicial relativa à conformidade ou
desconformidade constitucional de actos normativos públicos.
O processo só se inicia sob o impulso das entidades às quais é
constitucionalmente reconhecida legitimidade processual activa.
Não podemos, pois, esquecer o sentido do princípio da congruêncía que exige que
entre a sentença proferida pelo tribunal e as pretensões deduzidas pelas partes
exista uma relação de congruência, que consiste fundamentalmente em o tribunal
apreciar apenas o pedido, mas sem deixar de apreciar e resolver todo o pedido.
A decisão do Tribunal Constitucional pode ser uma sentença de rejeição ou de não
acolhimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade.
A Constituição regula expressamente os efeitos das sentenças de acolhimento, mas
não contém preceito algum sobre os efeitos das sentenças de rejeição de
inconstitucionalidade.
Do articulado constitucional não se deduzem elementos suficientes para a
configuração, como caso julgado, da sentença de rejeição.
Não há, pois, que equiparar as decisões do Tribunal Constitucional que declarem
a inconstitucionalidade de uma norma com as decisões que não a declaram.
Estas não têm, por conseguinte, efeito preclusivo, pois não impedem que o mesmo
ou outro requerente venha de novo solicitar ao TC a apreciação da
constitucionalidade da norma anteriormente não declarada inconstitucional.
Desde logo, a não declaração carece de quaisquer efeitos purgativos, sendo
admissível a repropositura de uma acção directa de «fiscalização abstracta» por
outras entidades, constitucionalmente legitimadas, e a interposição de recursos
em via incidental.
Nestes termos, nos de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.ªs Ex.ªs,
requer‑se apreciação da inconstitucionalidade dos autos de reclamação n.º
236/07, por violação clara do artigo 280.º, n.º 4, da CRP e artigo 72.º, n.º 2,
da LTC.”
Notificados da apresentação deste
requerimento, os reclamados responderam nos seguintes termos:
“1 – A recorrente A. vem alegar inexplicavelmente a inconstitucionalidade do
Acórdão.
2 – Contudo, com o devido respeito, no máximo poderia alegar a
inconstitucionalidade de normas jurídicas.
3 – Para além de que não lhe assiste qualquer razão de facto para alegar tal
inconstitucionalidade.
4 – O Acórdão é imerecedor de qualquer censura, fazendo uma correcta e ponderada
aplicação do direito, quanto mais de inconstitucionalidade.
5 – O douto acórdão fez uma ponderada qualificação das questões a si submetidas.
6 – Aliás, a recorrente tem, sem sucesso, e exaustivamente, tentado, por todos
os meios, atrasar o presente processo.
7 – Todas as questões, agora mais uma vez submetidas à apreciação, já foram, em
tempo devido, minuciosamente discutidas.
8 – E, quando não foram, foi por falta de contestação da recorrente,
nomeadamente na 1.ª Instância.
9 – A recorrente pretende única e exclusivamente prolongar o presente processo,
com reclamações sobre reclamações.
DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
10 – Por tudo quanto foi dito, ressalta ter a recorrente litigado de má fé, ao
deduzir oposição cuja falta de fundamento não ignorava e alterar
conscientemente a verdade dos factos, com o fim de entorpecer a acção da
justiça e impedir a descoberta da verdade,
11 – Com o objectivo apenas de se furtar às suas responsabilidades.
12 – Com efeito, ao longo de todo o processo, é patente uma grosseira,
reprovável e indecorosa má fé da recorrente,
13 – Invocando factos extintivos e modificativos dos efeitos jurídicos dos
factos articulados pelos recorridos,
14 – Sabendo, ab initio, a falsidade dos referidos factos,
15 – Fazendo, intencional e conscientemente, afirmações destituídas de qualquer
veracidade.
16 – A recorrente faz, assim, uso manifestamente reprovável dos meios
processuais, com o intuito de obter para si benefícios ilegítimos.
17 – Dos quais sabe não ser titular.
18 – Litigando a recorrente por litigar, recorrendo por recorrer, não atendendo
a qualquer verdadeiro e legal fundamento.
19 – Face ao retro exposto, requer‑se a V. Ex.ª a condenação da recorrente como
litigante de má fé, uma vez que deduziu pretensão ou recurso cuja falta de
fundamento não devia ignorar, alterando a verdade dos factos.
20 – Requerendo‑se a sua condenação em indemnização exemplar a favor dos
recorridos, por grosseira litigância de má fé.
Termos em que deve ser indeferida a alegada inconstitucionalidade do Acórdão,
sendo a recorrente condenada como litigante de má fé.”
2. Com a apresentação do referido
requerimento, em que substancialmente se reproduz anterior requerimento já
decidido, em que ostensivamente se ignora o objecto, o sentido e a fundamentação
das duas anteriores decisões do Tribunal Constitucional proferidas nestes autos
e em que se formula pretensão incompreensível, pretensamente alicerçada em
considerações abstractas sobre os tipos e efeitos das decisões de
inconstitucionalidade, que nada têm a ver com o objecto deste processo
(reclamação de decisão de não admissão de recurso), é patente que a reclamante
pretende tão‑só obstar à baixa do processo, o que justifica o uso da faculdade
prevista nos artigos 84.º, n.º 8, da LTC e 720.º do Código de Processo Civil
(imediata remessa do processo ao tribunal recorrido, precedida de extracção de
traslado, onde será processado quer o incidente de litigância de má fé suscitado
na resposta dos reclamados, quer o incidente anómalo suscitado pelo
requerimento apresentado pela reclamante em 6 de Junho de 2007, embora a
tramitação deste último incidente só deva ocorrer depois de pagas as custas
contadas, e eventuais multa e indemnização, da responsabilidade da reclamante).
O uso dessa faculdade implica que se
considere “provisoriamente transitada em julgado” a decisão (no caso, o acórdão
que indeferiu a reclamação do despacho de não admissão do recurso para o
Tribunal Constitucional) a cujo cumprimento a parte procura obstar através da
suscitação de incidentes anómalos ou dilatórios. Assim sendo, o processo
deverá prosseguir os seus regulares termos no tribunal recorrido, sem ficar à
espera da decisão dos incidentes processados no traslado, sob pena de, se assim
não se procedesse, se inutilizar a eficácia desse mecanismo de “defesa contra
demoras abusivas”. Se e quando a reclamante proceder ao pagamento das custas e
demais quantias em dívida e se eventualmente vier a ser deferida a
“reclamação” apresentada, então aplicar‑se‑á o disposto na parte final do n.º
2 do artigo 720.º do Código de Processo Civil, anulando‑se o processado
afectado pela modificação da decisão (tal como sucede na hipótese de
provimento de recurso de revisão de decisões transitadas em julgado). Até lá,
tudo se deverá processar como se o acórdão que indeferiu a reclamação do
despacho de não admissão de recurso para o Tribunal Constitucional tivesse
transitado em julgado (cf. Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego,
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Coimbra, 2004, p.
615, e jurisprudência aí citada), com o consequente trânsito em julgado do
acórdão do STJ.
3. Em face do exposto, determina‑se que:
a) após extracção de traslado integrado por
cópia das fls. 62 a 73, 78 a 90, 111 a 127, 134 a 147 e 166 a 169 e do presente
acórdão e contado o processo, se remetam de imediato os autos ao Supremo
Tribunal de Justiça;
b) nesse traslado se dará seguimento
imediato ao incidente de condenação da reclamante por litigância de má fé
suscitado na resposta dos reclamados;
c) só seja dado seguimento no traslado ao
incidente anómalo suscitado pelo requerimento da reclamante de 6 de Junho de
2007 e de outros requerimentos que a mesma venha a apresentar, depois de pagas
as custas (e eventuais multa e indemnização) da sua responsabilidade.
Lisboa, 22 de Junho de 2007.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos