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Processo n.º 405/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como
recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO, a Relatora proferiu a seguinte Decisão Sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente A. e como recorrido
MINISTÉRIO PÚBLICO, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, o primeiro interpôs
recurso, em 21 de Fevereiro de 2007, do “douto acórdão do S.T.J. de
14.06.2006”[cfr. requerimento de fls. 381 e segs. dos autos], alegando que,
apesar de já ter recorrido, para este Tribunal [cfr. Acórdão n.º 91/2007, de 08
de Fevereiro], de decisão relativa à arguição de nulidade do referido Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça [STJ], que decidiu do fundo da causa, ainda “está em
tempo de dele recorrer para o Tribunal Constitucional”.
II – DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
2. Apesar de o n.º 1 do artigo 76º da LTC conferir ao tribunal recorrido – in
casu, o [Supremo Tribunal de Justiça] – o poder de apreciar a admissão de
recurso, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do
n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que, antes de mais, cumpre apreciar se estão
preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos
artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
3. Na medida em que o recorrente pretende, em 21 de Fevereiro de 2007, interpor
recurso de decisão proferida, em 14 de Junho de 2006, importa aferir da
tempestividade do mesmo, à luz do n.º 1 do artigo 75º da LTC.
Ainda que não o alegue expressamente, o recorrente aparenta sustentar a
tempestividade do recurso interposto nos presentes autos em raciocínio, segundo
o qual o recurso, com fundamento em inconstitucionalidade, de decisão proferida
em sede de incidente de arguição de nulidade de acórdão do STJ permitiria a
interrupção do prazo para interposição de recurso de inconstitucionalidade de
norma aplicada pelo Acórdão alvo de arguição de nulidade:
“Decidido assim que não é nulo o douto acórdão do S.T.J. de 14.06.2006, o
recorrente está em tempo de dele recorrer para o Tribunal Constitucional” [cfr.
fls. 381-verso].
Vejamos, então, se procede o entendimento do recorrente.
4. Em sede de processo penal, as situações que configuram nulidade de sentença
encontram-se expressamente tipificadas [cfr. n.º 1 do artigo 379º do CPP],
devendo ser arguidas ou conhecidas em sede de recurso [cfr. n.º 2 do artigo 379º
do CPP].
Na medida em que as decisões do STJ, enquanto última instância de recurso, não
são passíveis de recurso ordinário, torna-se evidente que a arguição de nulidade
dos respectivos acórdãos apenas pode ser qualificada como um “recurso
impróprio”, cujo conhecimento compete aos próprios juízes que proferiram a
decisão e que integram a competente secção especializada criminal do STJ.
5. Tal recurso impróprio de arguição de nulidade não pode deixar, porém, de
permanecer sujeito às regras processuais penais aplicáveis aos recursos
ordinários, na medida em que nem pode ser qualificado como recurso para fixação
de jurisprudência [cfr. artigos 437º a 448º do CPP], nem como recurso de revista
[cfr. artigos 449º a 466º do CPP].
Significa isto que, à data da sua notificação ao ora recorrente, em 19 de Junho
de 2006 [cfr. fls 335 e 335-verso, dos autos da decisão recorrida], a decisão
ora recorrida ainda não era susceptível de recurso de inconstitucionalidade, na
medida em que daquela ainda cabia recurso – ainda que “impróprio” – com
fundamento na sua nulidade [cfr. n.º 2 do artigo 70º da LTC e n.º 2 do artigo
379º do CPP].
6. Sucede, porém, que, após notificado, em 21 de Setembro de 2006 [cfr. fls. 349
e 349-verso, dos autos da decisão recorrida], do acórdão que julgou improcedente
a arguição de nulidade, o recorrente passou a dispor de um prazo de 10 dias
[cfr. n.º 1 do artigo 75º da LTC] para, simultaneamente, recorrer do Acórdão
relativo à arguição de nulidade e recorrer do Acórdão que procedeu ao julgamento
de fundo da causa.
É que, com a decisão que indefere a arguição de nulidade de acórdão penal, o
recorrente vê esgotados todos os recursos ordinários ao seu dispor [cfr. n.º 2
do artigo 70º da LTC], sendo plenamente confirmado o teor da decisão cuja
nulidade fora arguida. Era nesse momento – e não em outro – que o recorrente
deveria ter interposto recurso simultâneo das (alegadas) inconstitucionalidades
de normas aplicadas, de uma parte, pelo acórdão de fundo e, de outra parte, pelo
acórdão que julgou da arguição da nulidade.
Findo o incidente de arguição de nulidade, a decisão ora recorrida tornou-se
processualmente perfeita, não cabendo dela qualquer outro recurso ordinário.
Ora, tendo o recorrente sido notificado em 21 de Setembro de 2006 [cfr. fls. 349
e 349-verso, dos autos da decisão recorrida] da decisão que julgou improcedente
a arguição de nulidade, deveria – caso assim o tivesse pretendido – interposto
recurso para este Tribunal, no prazo fixado pelo n.º 1 do artigo 75º da LTC,
quer da decisão que aplicou o n.º 2 do artigo 417º do CPP, em sentido por si
reputado como inconstitucional, quer da decisão que aplicou o n.º 7 do artigo
356º do CPP, igualmente em sentido por si reputado como inconstitucional.
7. Ao arrepio deste dever processual, o recorrente restringiu – de livre e
espontânea vontade – o objecto do recurso de inconstitucionalidade à sindicância
de uma alegada interpretação do n.º 2 do artigo 417º do CPP, não colocando em
crise a constitucionalidade da interpretação do n.º 7 do artigo 356º do CPP, que
agora vem atacar. Ora, visto que lhe competia indicar qual “a norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie” [cfr.
n.º 1 do artigo 75º-A da LTC], o recorrente veio renunciar, de forma tácita, ao
recurso do acórdão de fundo proferido pelo STJ.
O que o recorrente não pode vir agora ensaiar é perverter o princípio processual
da concentração dos pedidos, deduzindo um pedido subsidiário que deveria ter
sido formulado em 02 de Outubro de 2006 (ou, na melhor das hipóteses) em 06 de
Outubro de 2006, (sujeito a multa processual) e nunca em 22 de Fevereiro de
2007.
Em suma, por força do n.º 1 do artigo 75º da LTC e do n.º 5 do artigo 145º do
CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC, o recorrente apenas poderia ter
recorrido da decisão em apreço nos presentes autos até 06 de Outubro de 2006,
ainda que sujeito ao pagamento de multa processual. Razão pela qual a
interposição de recurso em 21 de Fevereiro de 2007 se revela manifestamente
intempestiva.
III. DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro, e pelo fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objecto
do recurso.»
2. Inconformado, o recorrente A., já depois de ter visto indeferido um pedido de
aclaração, reclama para a conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei
do Tribunal Constitucional com os seguintes fundamentos:
«I
Dá-se aqui por integralmente reproduzido tudo quanto se alegou no requerimento
de interposição de recurso sobre o qual recaiu a douta decisão sumária acima
referida.
II
O Supremo Tribunal de Justiça proferiu um primeiro acórdão em 14.06.2006.
O recorrente arguiu a nulidade desse acórdão.
O S.T.J. indeferiu o requerimento de arguição, num segundo acórdão proferido em
13/9/2006.
Deste segundo acórdão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional; este
decidiu não conhecer do objecto do recurso, por acórdão notificado ao subscritor
por carta registada em 9.2.2007.
Então, e só então, ficou definitivamente decidido que aquele primeiro acórdão
não era nulo.
Assim sendo, o recorrente recorreu para o Tribunal Constitucional, dentro do
prazo legal de 10 dias após aquela notificação, arguindo a inconstitucionalidade
cometida no referido primeiro acórdão.
Efectivamente, se o Tribunal Constitucional, no recurso do segundo acórdão,
tivesse dado provimento ao recurso, considerando nulo o primeiro acórdão, é
evidente que o recorrente não teria de recorrer deste.
O recurso do primeiro acórdão estava assim dependente da decisão do Tribunal
Constitucional relativamente ao do segundo. Só depois de decidido este
negativamente faria sentido recorrer daquele.
Entendeu a Exma. Senhora Juíza — Conselheira Relatora “que o recorrente deveria
ter interposto recurso simultâneo” dos dois acórdãos do S.T.J., e, não o tendo
feito, “veio renunciar, de forma tácita, ao recurso do acórdão de fundo
proferido pelo STJ.” Tudo isto decorreria de um alegado “princípio processual da
concentração dos pedidos”.
Salvo o devido respeito por tão douta opinião, o arguido não encontra fundamento
na lei positiva para esse alegado “princípio processual”. Mas mesmo que ele
existisse, consistiria no dever de “concentrar os pedidos” relativos a uma,
decisão, e nunca na obrigação de recorrer simultaneamente de duas decisões
diferentes.
Na verdade, nada obriga um recorrente a recorrer, num só recurso, de dois
acórdãos diferentes.
Por assim ser, o recorrente reclama para a conferência, requerendo que o seu
recurso seja admitido, conhecendo esse Tribunal do seu objecto, tendo além do
mais em conta que não se trata aqui de uma questão académica, nem de um ocioso
problema de xadrez, mas sim da liberdade de um ser humano, de carne e osso, que,
se V.Exas. persistirem em não tomar conhecimento de fundo da causa, terá de
passar quatro anos na prisão, quando deveria ter sido absolvido.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
reclamação deduzida no presente processo, respondeu-lhe nos seguintes termos:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade — e como é evidente — não é legítimo ao recorrente que pretenda
impugnar simultaneamente o acórdão de mérito, proferido pelo Supremo Tribunal de
Justiça, e o que rejeitou a arguição de pretensas nulidades processuais operar
uma “cisão” entre os dois recursos de constitucionalidade que, porventura,
pretenda interpor, apenas interpondo o relativo à primeira decisão depois de
definitivamente julgado no Tribunal Constitucional o referente ao primeiro
daqueles arestos.
3º
Decorrendo naturalmente do disposto no artigo 686º do Código Processo Civil —
aplicável subsidiariamente aos recursos para o Tribunal Constitucional e
englobando, no regime ali estabelecido, a arguição de nulidades, quando
reportada a uma decisão de que caiba recurso, mas em cujo objecto se não possa
incluir a suscitação da questão da nulidade, como decorreria da regra
estabelecida no artigo 668º, nº 3, do mesmo Código, obrigando à autónoma
suscitação da nulidade perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida (cf.
Acórdão nº 79/00) — o ónus de interpor um único recurso, em prazo contado da
decisão que dirimiu a alegada nulidade processual.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. O reclamante persiste na afirmação do carácter tempestivo do recurso para
este Tribunal, por considerar que o prazo só começou a contar depois de decidida
a questão de constitucionalidade referente à nulidade do primeiro acórdão do STJ
(que data de 14/06/06), reiterando, na reclamação, toda a argumentação que já
tinha expendido no requerimento de recurso para este Tribunal (cfr. fls. 381 e
seguintes) e que serviu de base à decisão sumária de não conhecimento do recurso
ora reclamada.
5. Ora, como resulta claro da Decisão Sumária reclamada, o recurso para este
Tribunal foi intempestivo – cfr., especialmente, o nº 6 daquela Decisão.
Com efeito, como bem afirma o Representante do Ministério Público neste
Tribunal, o recorrente não pode pretender operar uma “cisão” entre os dois
recursos de constitucionalidade que pretenda interpor – contra o acórdão de
mérito e contra o que rejeitou a arguição das pretensas nulidades – porque a
isso se opõe o artigo 686º do Código de Processo Civil, aplicável ao Processo
Constitucional ex vi artigo 69º da LTC.
Conclui-se, portanto, que a presente reclamação é manifestamente improcedente.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação;
b) Confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 28 de Junho de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão