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Processo n.º 568/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Por decisão do Tribunal Colectivo do 2º Juízo Criminal de Matosinhos foi o
ora reclamante, A., condenado a uma pena de três anos de prisão pela prática de
um crime de homicídio qualificado na forma tentada e a uma pena de dois meses de
prisão pela prática de um crime de injúrias agravado. Em cúmulo jurídico foi o
arguido condenado a uma pena única de três anos de prisão, suspensa na sua
execução por um período de cinco anos, com a condição de “indemnizar o ofendido
nos termos do acordo que foi celebrado e homologado nos autos, de entregar aos
serviços sociais da GNR a quantia de 1.500€, durante cada um dos anos de
suspensão, e de continuar o seu tratamento de cura do alcoolismo em instituição
adequada”.
2. Inconformado com esta decisão o Ministério Público recorreu para o Supremo
Tribunal de Justiça que, por acórdão de 20 de Dezembro de 2006, julgou
parcialmente procedente o recurso e, em consequência, condenou o arguido a uma
pena única de três anos e sete meses de prisão, não suspensa na sua execução.
3. Desta decisão, já depois de indeferido um pedido para a sua aclaração e uma
reclamação por nulidade, foi interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1, do
artigo 70º da LTC, o recurso de constitucionalidade , através do seguinte
requerimento:
“[...], não se conformando com o douto acórdão proferido por este Tribunal em
2006-12-21, integrado pelo acórdão de 2007-02-21 e pelo acórdão de 2006-04-20
vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos termos e com os
seguintes fundamentos em que se invoca a nulidade do acórdão principal e se
suscita a inconstitucionalidade na aplicação dos artigos 97 n.º 4 e 379 al c) do
C.P.P em conjugação com os arts 32 e 205 da C.R.P.
1 - O recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70 n.º 1 alínea b) da
Lei N°28/82 de 15 de Setembro
2 - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade, da norma incita no artigo
379 al c) do C.P.P. na interpretação acolhida na decisão recorrida do artigo 97
n.º 4 do C.P.P. isto e, porque razão se mostraram insuficientes para acautelar a
prevenção geral as condições estabelecidas pelo Tribunal de 1ª instância para
suspender a pena aplicada na sua execução, designadamente o facto do arguido ter
estabelecido acordo de pagamento de indemnização com o ofendido, ter junto
documentos comprovativos do pagamento de várias prestações estando actualmente
de boas relações com o mesmo e ainda ter a obrigatoriedade de proceder ao
pagamento de 7.500 euros a favor das forças militares. Sendo certo que, a
necessidade de prevenção especial foi no caso considerada diminuta.
Tal norma, com a interpretação com que foi aplicada viola os arts 97 n.º 4 do
C.P.P. e 32 e 205 da C.R.P.
3 - O recorrente arguiu a nulidade do acórdão por entender que o mesmo não se
pronunciou sobre questão que foi suscitada e que, salvo o devido respeito devia
apreciar (artigo 379 n°1 al c) do C.P.P e art. 668 al d) do C.P.C.
4 - Dizendo que existiu omissão de pronúncia, que o Tribunal fez uma errada
interpretação da[s] referidas normas, interpretação que contende com a
possibilidade de defesa da arguida violando desta forma os artigos 32 n°1 e 205
da CRC.
5 - Violação que expressamente invocou, em tempo e que não poderia anteriormente
ter conhecimento da mesma, no requerimento em que arguiu a nulidade do acórdão
proferido pelo S.T.J. [...]”.
4. Recebidos os autos neste Tribunal foi proferida pelo Relator do processo, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte decisória, o seu teor:
“4. Este recurso foi admitido. Cumpre, porém, decidir se se pode conhecer do seu
objecto, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal
Constitucional (cfr. artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional -
LTC). Vejamos.
Nos termos do artigo 72º, nº 2, da LTC, o recurso previsto na alínea b) do nº 1
do artigo 70º do mesmo diploma respeita exclusivamente à constitucionalidade de
normas jurídicas, excluindo juízos de qualquer outra natureza, e só pode ser
interposto “pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade […]
de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida […]”. Quer isto dizer que a admissibilidade do recurso ali previsto
depende, designadamente, de vir adequadamente colocada pelo recorrente uma
questão de constitucionalidade normativa e de o mesmo ter confrontado o tribunal
a quo, antes de ter sido proferida a decisão recorrida, com a questão da
inconstitucionalidade da norma – ou, se for o caso, da interpretação normativa –
que, nos termos do requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade pretende ver apreciada. Ora, nos presentes autos, é
manifesto que nada disso se verifica, como sumariamente se demonstrará já de
seguida.
4.1. É desde logo evidente que a forma como o requerente delimita o objecto do
recurso no respectivo requerimento de interposição não corresponde à formulação
de uma qualquer questão de constitucionalidade normativa. Com efeito, o que o
recorrente questiona do ponto de vista da sua constitucionalidade não é,
manifestamente, uma norma, mas, quando muito, a decisão que o condenou e os
termos como, nessa decisão, foram aplicados os artigos 97º, nº 4 e 379º, alínea
c) do Código de Processo Penal. Isso mesmo resulta evidente da forma como surge
concretizada naquele requerimento a alegada inconstitucionalidade que pretende
ver apreciada e que de seguida se recorda:
“[…] Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade, da norma incita [sic] no
artigo 379 al. c) do C.P.P., na interpretação acolhida na decisão recorrida do
artigo 97 n° 4 do C.P.P., isto é, porque razão se mostraram insuficientes para
acautelar a prevenção geral as condições estabelecidas pelo Tribunal de 1ª
instância para suspender a pena aplicada na sua execução, designadamente o facto
[de o] arguido ter estabelecido acordo de pagamento de indemnização com o
ofendido, ter junto documentos comprovativos do pagamento de várias prestações
estando actualmente de boas relações com o mesmo e ainda ter a obrigatoriedade
de proceder ao pagamento de 7.500 euros a favor das forças militares. Sendo
certo que, a necessidade de prevenção especial foi no caso considerada diminuta
[…]”.
Mas, assim sendo, é jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que,
estando em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal.
Assim resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei
n.º 28/82, e assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras
ocasiões. Tanto basta para que, manifestamente, se não possa conhecer do
presente recurso.
4.2. Acresce, ainda, que o recorrente também nunca suscitou “[…] de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida
[…]”, como expressamente exige o nº 2 do artigo 72º da LTC, qualquer questão de
constitucionalidade normativa susceptível de integrar o recurso que agora
pretendeu interpor. Com efeito, na única vez que se reporta a uma alegada
violação da Constituição, limitou-se o recorrente a, no ponto 7. do requerimento
de arguição da nulidade do acórdão condenatório, referir: “O acórdão
condenatório não se pronunciou sobre questão que foi suscitada, que, salvo o
devido respeito, devia apreciar (artigos 97º, nº 4 e 379º, alínea c) do C.P.P e
art 668 al d) do C.P.C.). A entender-se de forma diferente há omissão de
pronúncia, o Tribunal faz uma errada interpretação das referidas normas,
interpretação que contende com a possibilidade de defesa do arguido violando
desta forma os artigos 32º, nº 1 e 205º da CRP)”. Ora, como é evidente, não só o
requerimento de arguição de nulidades da decisão recorrida não é, em princípio,
um momento processualmente adequado para suscitar a inconstitucionalidade de
normas aplicadas na decisão alegadamente nula, como não está ali suscitada, em
termos processualmente adequados, qualquer questão de constitucionalidade
normativa. Na verdade, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente
afirmado, nos casos em que o recorrente pretenda questionar apenas uma
determinada interpretação normativa de um certo preceito legal tem o ónus de
formular, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito
que considera inconstitucional (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 178/95, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.), o que, no presente
caso, manifestamente não acontece.
4.3. Pelo exposto, há que concluir que não estão preenchidos os pressupostos de
admissibilidade do recurso para este Tribunal, pelo que dele se não pode
conhecer.”
5. Inconformado, veio a ora reclamante, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A,
nº 3, da LTC, reclamar para a Conferência, afirmando, nomeadamente, o seguinte:
“[...] 1 - Do despacho de indeferimento do recurso ora interposto, decorre que o
recorrente não indicou de forma clara e perceptível o exacto sentido normativo
do preceito que considera inconstitucional, designadamente, os arts 97 n°4, 379
ai c) do C.P.P e 668 do C.P.C
2- Ou seja, não explica de que forma é que a interpretação dada destes artigos
colide com os arts 32 e 205 do C.R.P. Ora,
3- No fundo existiu uma falta de concisão da motivação do recurso interposto.
Assim sendo, e ao contrário do referido na decisão sumária, deveria ao abrigo do
disposto no numero 6 do artigo 75-A da LTC a recorrente ser convidada a corrigir
ou a aperfeiçoar a motivação apresentada.
4- Na verdade, dispõe o n°5 da referida norma” Se o requerimento de interposição
do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz
convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias.”
5- Pelo que, atento o disposto no artigo 32 da C.R.P, onde se refere
expressamente que “São asseguradas todas as garantias de defesa dos arguidos”, o
facto de não se dar á recorrente a possibilidade de corrigir as deficiências na
motivação apresentada, implica uma clara diminuição das suas garantias de
defesa. Tanto mais que,
6- O Tribunal Constitucional decidiu, que são inconstitucionais as normas do n°
1 do artigo 420 do C.P.P, quando interpretadas no sentido de a falta de concisão
das conclusões da motivação levar á rejeição do recurso interposto pelo arguido
(Acs 193/97, 43/99 e 417/99), e sem que previamente seja feito o convite ao
recorrente para aperfeiçoar as deficiências (Ac de 99.01-19, proc n°46/98, 1ª
Secção. Isto por se entender que o direito ao recurso assume expressamente a
natureza de garantia constitucional de defesa (art 32, n° 1 da C.R.P)
7- Termos em que, requer seja revogada a decisão supra referida sendo o
requerente convidado no prazo legal a proceder ao aperfeiçoamento da motivação
apresentada, explicando de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo
do preceito que considera inconstitucional.”
6. Notificado o Ministério Público reclamado, veio dizer o seguinte:
“1º A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º Na verdade, o reclamante confunde os planos da falta de pressupostos do
recurso e das deficiências formais do requerimento de interposição – só a
propósito destas se justificando obviamente a prolação de um convite ao
aperfeiçoamento.
3º Naturalmente inidóneo e absolutamente inadequado para suprir a inverificação
de pressupostos do recurso, decorrentes de uma deficiente actuação processual da
parte, verificada durante o processo.”
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7. Na decisão sumária reclamada o Tribunal, ao contrário do que parece ter
entendido o ora reclamante, concluiu pela impossibilidade de conhecer do objecto
do recurso, não porque este não tenha identificado, “de forma clara e
perceptível o exacto sentido normativo do preceito que considera
inconstitucional”, mas antes, essencialmente, porque:
(i) o objecto do recurso delimitado no respectivo requerimento de interposição
não corresponde à formulação de uma qualquer questão de constitucionalidade
normativa;
(ii) o recorrente também nunca suscitou “[…] de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida […]”, como expressamente
exige o nº 2 do artigo 72º da LTC, qualquer questão de constitucionalidade
normativa susceptível de integrar o recurso que agora pretendeu interpor”.
O ora reclamante considera, porém, que, ao contrário do decidido, deveria, “ao
abrigo do disposto no numero 6 do artigo 75-A da LTC [o] recorrente ser
convidad[o] a corrigir ou a aperfeiçoar a motivação apresentada”. Não tem,
porém, como sumariamente se verá, qualquer razão.
Na verdade, o convite previsto no n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, como aliás
ressalta da jurisprudência deste Tribunal, nomeadamente dos acórdãos n.ºs
296/2004, 205/2005, 453/2005, 571/2005 e 560/2006 disponíveis na página Internet
do Tribunal Constitucional, em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), visa permitir que um
recorrente de boa fé, não tendo dado cumprimento, desde logo, como devia, à
exigência, contida no artigo 75º-A da LTC, de indicação dos elementos previstos
nos n.ºs 1 a 4 do mesmo artigo, venha suprir tal falta. Ponto essencial, como
facilmente se compreenderá, é, portanto, que se verifique a situação prevista no
n.º 5 do referido artigo 75º-A; isto é, que o requerimento de recurso não
indique algum dos elementos previstos no presente artigo. Ora, como é patente,
não é essa a situação dos autos. Com efeito, o recurso foi interposto por meio
de requerimento, do qual constam os requisitos exigidos naquele preceito. Não se
trata, pois, de uma omissão de indicação, no requerimento de interposição do
recurso, de algum requisito necessário, mas antes da constatação de que o ora
reclamante não colocou a este Tribunal qualquer questão de constitucionalidade
normativa, nem suscitou “de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida” qualquer questão desse tipo.
Em suma: a ratio decidendi da decisão reclamada não se encontra num vício do
requerimento de interposição do recurso, susceptível de ser corrigido na
sequência de um despacho de aperfeiçoamento, mas na falta de pressupostos
processuais de admissibilidade do recurso, logicamente insusceptível de ser
ultrapassada por um eventual aperfeiçoamento daquele requerimento
III Decisão
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 20 de Junho de 2007
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos