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Processo n.º 597/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. reclama, ao abrigo dos artigos 76.º,
n.º 4, e 77.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada,
por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho
do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Abril de 2007, que não
lhe admitiu recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
1.1. O reclamante, advogado, havia
intentado, nos Julgados de Paz da Comarca do Porto, acção declarativa de
responsabilidade extracontratual contra B., também advogado, e a Ordem dos
Advogados, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de €
3740,98, a título de indemnização por danos à sua personalidade, por, no âmbito
do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela segunda demandada e
distribuído ao primeiro demandado como seu relator, terem permitido que fossem
juntas ao referido processo disciplinar duas cartas‑missivas confidenciais da
sua autoria.
Da sentença do Juiz de Paz que julgou
improcedente a acção, por considerar não ter havido violação ilícita de direitos
de personalidade do demandante, mas que também não acolheu a pretensão dos
demandados no sentido de o autor ser condenado como litigante de má fé,
recorreu, quanto à primeira decisão, o ora reclamante e, quanto à não condenação
como litigante de má fé, recorreu subordinadamente a Ordem dos Advogados.
Por sentença de 15 de Julho de 2005 do 1.º
Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto (fls. 210 a 220 do
processo principal e 19 a 28 destes autos), foi negado provimento ao recurso
principal (do autor) e julgado procedente o recurso subordinado (da Ordem dos
Advogados), condenando‑se o ora reclamante como litigante de má fé.
Desta decisão de condenação como litigante
de má fé interpôs o ora reclamante recurso para o Tribunal da Relação do Porto
(fls. 236 do processo principal e 30 destes autos), que foi admitido por
despacho de 22 de Novembro de 2005 (fls. 274 do processo principal e 34 destes
autos), tendo o recorrente apresentado as respectivas alegações (fls. 292 a 297
do processo principal e 35 a 39 destes autos).
Após diversas vicissitudes processuais, foi
proferido o despacho de 12 de Outubro de 2006 (fls. 346 a 349 do processo
principal e 89 a 92 destes autos), no qual, constatando‑se não ter o recorrente
pago a taxa de justiça devida pela interposição do referido recurso e não
beneficiando de apoio judiciário no âmbito do presente processo, determinou‑se a
sua notificação para pagar a taxa de justiça em dívida, acrescida de multa.
O recorrente interpôs, em 31 de Outubro de
2006, recurso deste despacho (requerimento de fls. 353 a 356 do processo
principal e 96 a 99 destes autos), que, porém, não foi admitido por despacho de
9 de Novembro de 2006 (fls. 357 do processo principal e 100 destes autos), por o
valor da causa não ser superior à alçada do tribunal e por não ser aplicável o
estatuído no artigo 678.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), por não se
verificar ofensa de caso julgado, uma vez que não houve qualquer decisão
anterior (quer do Julgado de Paz, quer do Tribunal de Pequena Instância Cível do
Porto) sobre a questão de não beneficiar o recorrente de apoio judiciário no
âmbito do presente processo.
Notificado deste despacho, o recorrente
apresentou, em 28 de Novembro de 2006, o requerimento de fls. 360 do processo
principal e 103 destes autos, no qual, numa primeira parte, interpõe novo
recurso “da decisão que refere «o valor da causa não é superior à alçada deste
Tribunal»”, e, numa segunda parte, declara “impugna[r] por meio de recurso a
decisão que lhe não admitiu o recurso interposto com fundamento em ofensa de
caso julgado”. Por despacho de 7 de Dezembro de 2006 (fls. 361 do processo
principal e 104 destes autos), não foi admitido o novo recurso, por o referido
quanto ao valor da causa não ser uma decisão, mas a fundamentação da decisão de
não admissão do primeiro recurso, e, quanto à segunda parte, foi determinada a
notificação do recorrente para apresentar reclamação, nos termos do artigo
688.º, n.º 2, do CPC.
1.2. Em 9 de Janeiro de 2007, o recorrente
deduziu reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto (fls. 364
a 379 do processo principal e 2 a 16 destes autos) contra os dois despachos de
não admissão de recurso: (i) o de 9 de Novembro de 2006, que não admitiu o
recurso interposto do despacho de 12 de Outubro de 2006, que determinou a sua
notificação para pagar a taxa de justiça em dívida, acrescida de multa, e (ii) o
de 7 de Dezembro de 2006, que não admitiu o recurso da passagem do despacho de 9
de Novembro de 2006 que refere que “o valor da causa não é superior à alçada
deste Tribunal”. Essa reclamação termina com a formulação das seguintes
conclusões e pedidos:
“1. É inconstitucional o artigo 456.° do CPC com a interpretação de um tribunal
cível poder condenar um advogado em litigância de má fé com fundamento em
prática de alegada infracção disciplinar sem existir qualquer decisão definitiva
sobre o cometimento dessa alegada infracção disciplinar proferida pela Ordem dos
Advogados ou pela jurisdição administrativa, em procedimento disciplinar
previsto nos termos da Lei, por infringir a presunção de inocência enunciada no
n.º 2 e n.º 10 do artigo 32.º da CRP e por infringir a parte final do n.º 1 do
artigo 211.º da CRP.
2. É inconstitucional o artigo 678.º, n.º 2, do CPC, com o sentido de poder ser
indeferida a admissão da subida dum recurso, que é interposto com fundamento em
ofensa de caso julgado, por se entender que inexiste qualquer ofensa de caso
julgado cometida, infringindo o artigo 2.º e a parte final do n.º 4 do artigo
20.° da CRP.
3. É inconstitucional o artigo 678.°, n.º 3, do CPC, com a interpretação de não
poder ser admitido um recurso, que é interposto com fundamento de que o valor da
causa excede a alçada do tribunal de que se recorre, entendendo‑se que a
apreciação feita sobre o valor da causa e que é objecto de recurso, no Tribunal,
não constitui uma decisão que admite recurso, infringindo‑se a regra dum
processo equitativo determinada na parte final do n.º 4 do artigo 20.º da CRP e
o n.º 1 do artigo 202.º da CRP.
4. A ilegitimidade é de conhecimento oficioso por qualquer entidade judicial,
não podendo a Presidência da Relação do Porto, como entidade judicial,
recusar‑se a dela conhecer sob pena de infringir os seus deveres funcionais –
vide artigos 494.º, n.º 1, alínea e), e 495.º do CPC.
5. Conforme a jurisprudência da Relação do Porto votada unanimemente no Acórdão
de 21 de Setembro de 2000, registado no Livro n.º 419, a fls. 184 e seguintes,
não tem legitimidade para recorrer da não condenação em má fé quem requereu essa
condenação da parte contrária sem sucesso.
6. Cumpre à Presidência da Relação do Porto deliberar essa ilegitimidade, da
parte contrária ao aqui reclamante, a qual, precisamente; recorreu de uma
decisão que não condenou o aqui reclamante em litigância de má fé.
7. Fazendo‑o, como é seu dever oficioso, a Presidência da Relação do Porto faz
cumprir a sua própria jurisprudência de um modo imparcial, geral e abstracto.
Nestes termos, declare‑se a ilegitimidade da parte contrária ao aqui reclamante
a partir do recurso por si interposto contra a não condenação do reclamante em
má fé e defira‑se a admissibilidade dos dois recursos interpostos nos termos da
Lei com fundamento em ofensa de caso julgado, o primeiro, e com fundamento em
valor da causa que excede a alçada do tribunal de que se recorre, o segundo.”
1.3. Por despacho do Presidente do Tribunal
da Relação do Porto, de 10 de Março de 2007, a reclamação foi indeferida com a
seguinte fundamentação:
“Foram precisos quase 38 anos para sermos confrontados com uma peça jurídica
como a dos autos. Foram precisos mais de 6 anos para nos chamarem a atenção
para o exercício dos nossos deveres jurisdicionais. Finalmente, quando a única
tábua de salvação que se encontrou é a CRP e invocada, directamente, perante o
PR [Presidente da Relação] e em sede de reclamação, é mais do que duvidosa
legalidade todo o processado. E é de tal maneira o inusitado que temos vindo a
dispensar longas horas para nos apercebermos do que é que aqui se discute e como
se discute. Na verdade, recorrer dum despacho que se pronuncia sobre a
admissão/não de um recurso interposto e restrito à respectiva fundamentação
merece tratamento, pelo menos, extrajudicial: apreciação pela Entidade que
superintende sobre a admissão e disciplina dos respectivos membros.
Mas não ficamos pelas assinaladas originalidades. É que estamos perante uma
acção que teve o seu início, por ser essa a competência, que jamais foi
questionada, nos Julgados de Paz. Daí que não seja possível o recurso ao
Tribunal da Relação e, muito menos, ao PR. Já agora chama‑se a atenção de que
uma coisa é a decisão, singular, sem recurso, do PR e outra as do Tribunal da
Relação, em colectivo dos respectivos Juízes Desembargadores. Como também uma
coisa é interpor recurso dum Tribunal de Comarca a funcionar nos termos
regulares e outra é quando este se reveste já das funções de tribunal de
recurso, pelo que é ilícita – para não qualificar de forma mais gravosa – a
invocação generalizada de acórdãos.
Daí que, pese embora todo o processamento, cuidado e sereno, do Juiz
recorrido/reclamado, os autos deveriam ter‑se ficado na 2.ª (segunda, está
certo) instância deste tipo de acção, vedando‑se, à nascença, a remessa ao
Tribunal da Relação. Tudo conforme se dispõe nos artigos 688.°, n.º 5, e 687.°,
n.º 3, do CPC, bem como nos seus princípios gerais de que o Juiz do processo
dispõe de todos os poderes de admissibilidade e regularização das peças que lhe
são apresentadas nos autos, sem necessidade de terem de ser não admitidas por
quem a elas se dirige.
Por outro lado, o artigo 62.°, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, só
permite recurso para o Tribunal de Comarca e em condições muito restritas, pelo
que não é possível interpor recurso [ou] deduzir reclamação das suas decisões.
Se, eventualmente, há ofensa da CRP, é perante o TC que se deverá reagir.
Decidiu o Tribunal de Comarca condenando o aqui reclamante por litigância de má
fé, quando o não fizera o Julgado de Paz? Nada obsta, porque tudo decorreu em
sede de recurso. E em última instância, quer tenha sido em confirmação da
sentença do Julgado de Paz, quer invertendo a sua decisão, pois foi sempre em
sede de recurso.
Por idênticas razões, também não obsta à inadmissibilidade do recurso pela via
do valor, o disposto no artigo 456.°, n.º 2, do CPC.
De igual modo, o que versa o n.º 2 do artigo 678.° sobre ofensa de «caso
julgado». De qualquer maneira, finalmente, exarado fica que não é possível
interpor recurso – muito menos, em duplicado – de despachos de não admissão de
recurso restritos à fundamentação: uma decisão pode ser alterada/não mas no seu
objecto/fundo mérito, não por não se concordar com este ou aquele fundamento.
Por isso, também esta reclamação poderia e deveria ter conhecido tratamento
mais radical, fazendo‑lhe corresponder tantas peças como apensos quantos as vias
por que se enveredou nas reacções às decisões judiciais. Quanto mais não fosse
para evitar todo um mundo de confusões numa acção, que por natureza e disciplina
adjectiva, pressupõe a maior simplicidade de procedimentos.
Em consequência e em conclusão, indefere‑se a reclamação, apresentada no Rec.
n.º 4388/05.9THPRT‑1.°, da Pequena Instância Cível do Porto, pelo autor
recorrente A..
1.4. Notificado desse despacho, o reclamante
veio, em 26 de Março de 2007: (i) dele interpor recurso para o Tribunal
Constitucional (fls. 120 e 121); e (ii) arguir a sua nulidade (fls. 122).
1.4.1. O requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional é do seguinte teor:
“a) Foi arguida no tribunal a quo a inconstitucionalidade do artigo 456.º do
CPC, com a interpretação de um Tribunal Cível poder condenar um advogado em
litigância de má fé com fundamento em prática de alegada infracção disciplinar
sem existir qualquer decisão definitiva sobre o cometimento dessa alegada
infracção disciplinar proferida pela Ordem dos Advogados ou pela jurisdição
administrativa, em procedimento disciplinar previsto nos termos da Lei, por
infringir a presunção de inocência enunciada no n.º 2 e n.º 10 do artigo 32.º da
CRP e por infringir a parte final do n.º 1 do artigo 211.º da CRP.
O tribunal a quo não atendeu à reclamação de inconstitucionalidade dessa norma
pelo que a reclamação subiu para o Juiz ad quem, Presidente da Relação do Porto,
que a indeferiu.
Este recurso relativamente a esta norma é ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da LOTC.
b) Foi arguida a inconstitucionalidade do artigo 678.º, n.º 2, do CPC, com o
sentido de poder ser indeferida a admissão da subida dum recurso, que é
interposto com fundamento em ofensa de caso julgado, por se entender que
inexiste qualquer ofensa de caso julgado cometida, infringindo o artigo 2.º e a
parte final do n.º 4 do artigo 20.º da CRP, no tribunal a quo que a não acolheu
pelo que a mesma subiu para o Juiz ad quem, Presidente da Relação do Porto, que
manteve a aplicação da referida norma arguida de inconstitucionalidade.
Este recurso relativamente a esta norma é ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1 alínea
b), da LOTC.
c) Foi arguida a inconstitucionalidade do artigo 678.º, n.º 3, do CPC, com o
sentido de não poder ser admitido um recurso, que é interposto com fundamento de
que o valor da causa excede a alçada do tribunal de que se recorre,
entendendo‑se que a apreciação feita sobre o valor em causa e que é objecto de
recurso, no Tribunal, não constitui uma decisão que admite recurso,
infringindo‑se a regra dum processo equitativo determinada na parte final do n.º
4 do artigo 20.º da CRP e o n.º 1 do artigo 202.º da CRP.
O Tribunal a quo não reconheceu a inconstitucionalidade da norma, pelo que subiu
a reclamação para o Juiz ad quem, Presidente da Relação do Porto, que a
indeferiu.
Este recurso sobre a inconstitucionalidade desta norma é ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LOTC.
d) Por último, recorre‑se para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g)
do n.º 1 do artigo 70.º da LOTC (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), da
aplicação que foi feita no tribunal a quo de norma já anteriormente declarada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Na contra‑alegação redigida pelo reclamante contra o recurso da aqui reclamada
para condenação daquele em litigância de má fé, evoca‑se o artigo 126.º, n.º 3,
do CPP como tutelando a nulidade da prova por violação da confidencialidade de
cartas, dando assim fundamento à pretensão do reclamante à não violação da
respectiva confidencialidade. Assim se pode ler na parte final da conclusão 1.ª
da contra‑alegação e até na conclusão 7.ª da alegação do recurso principal
redigido pelo agora reclamante.
Perante esta fundamentação da pretensão do aqui reclamante, o tribunal a quo,
Pequena Instância Cível do Porto, declara que «litigou de má fé … deduzindo e
insistindo em … pretensão cuja falta de fundamento não ignorava».
Deste modo, o tribunal a quo considera que a falta de fundamento da evocação do
artigo 126.º do CPP é tanta para obstar à valoração de cartas confidenciais
como meio de prova que justifica a sua condenação em litigância de má fé.
Ao aplicar o artigo 126.º do CPP com o sentido de ser lícita a valoração de
cartas confidenciais como meio de prova para procedimento disciplinar e de
constituir litigância de má fé a sua evocação para o impedir, esse despacho do
tribunal a quo afronta grosseiramente o Acórdão n.º 607/2003 do Tribunal
Constitucional, que, por unanimidade, julga inconstitucional o artigo 126.º, n.º
3, do CPP, com o sentido de não ser ilícita a valoração como meio de prova dos
escritos confidenciais a que se refere a mesma norma para crimes na ausência de
uma ponderação, à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade,
sobre o conteúdo, em concreto, desses escritos confidenciais, por violar os
artigos 1.º, 26.º, n.º 1, e 32.º, n.º 8, da CRP.
Não estando em causa qualquer crime para a avaliação disciplinar e muito menos
um crime com a censurabilidade em causa no acórdão‑fundamento do Tribunal
Constitucional, apenas uma alegada falta disciplinar, a forma como o tribunal a
quo despacha a avocação feita do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, para impedir a
valoração de escritos confidenciais como meio de prova, está nos antípodas desse
acórdão de inconstitucionalidade, muito mais quando se imputa litigância de má
fé a quem invoca tal norma como fundamento da sua pretensão à não ingerência
dum processo disciplinar no conteúdo dos seus escritos confidenciais.
A norma em causa é, pois, o artigo 126.º, n.º 3, do CPP, julgada
inconstitucional pelo Acórdão n.º 607/2003, publicado no Diário da República,
II Série, de 8 de Abril de 2004, com a ligeireza como foi aplicada ao ponto de
se condenar em litigância de má fé quem pretendia a sua aplicação no espírito
constitucional do mesmo acórdão.
Este recurso, nos termos da LOTC, tem efeito suspensivo com subida nos próprios
autos e imediatamente após a decisão que venha a recair sobre a arguição de
nulidade doutra parte do Despacho.”
1.4.2. Por seu turno, a arguição de nulidade
desenvolve a seguinte argumentação:
“Como seria de esperar, o Ex.mo Presidente da Relação não invalidou o mérito do
acórdão relatado pelo Ex.mo Dr. Camilo Camilo e aprovado por unanimidade em
conferência da Relação do Porto, no qual se nega legitimidade para interpor
qualquer recurso de uma decisão de não condenação em litigância em má fé.
Para tal, o Despacho refere a possibilidade de recurso da não condenação em
litigância de má fé do Julgado de Paz para o Tribunal de Comarca como uma
excepção permitida pelo artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
Impõe‑se, assim, conferir se essa interpretação do artigo 62.º, n.º 1, da Lei
n.º 78/2001, de 13 de Julho, contrária à jurisprudência da própria Relação do
Porto, aprovada em Acórdão n.º 864/2000, não ofende o princípio da igualdade
constitucionalmente consagrada nos termos em que se aplica.
O artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001 apenas consente recurso de decisões
cujo valor processual exceda metade do valor da alçada do tribunal de comarca,
sendo‑lhe subsidiariamente aplicáveis as regras do Código de Processo Civil que
a jurisprudência da Relação do Porto citada diz não conferir legitimidade em
litigância de má fé.
Nestes termos, ofende o principio da igualdade o artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º
78/2001, com a interpretação de que ao contrário das regras gerais do processo
civil há legitimidade para interpor recurso de uma decisão do Julgado de Paz de
não condenação em litigância de má fé, mas não há legitimidade para o condenado
em litigância de má fé interpor recurso da decisão que o condene, pela única
vez, preferida pelo tribunal de comarca a funcionar como tribunal de recurso.
O segmento do Ex.mo Despacho do Presidente da Relação que atribui tal
interpretação taxativamente encontra‑se a meio de fls. 116:
«Decidiu o Tribunal de Comarca condenando o aqui reclamante por litigância de
má fé, quando o não fizera o Julgado de Paz? Nada obsta, porque tudo decorreu em
sede de recurso. E em última instância, quer tenha sido em confirmação da
sentença do Julgado de Paz, quer invertendo a sua decisão, pois foi sempre em
sede de recurso.»
Estão, pois, em confronto a norma em causa da Lei dos Julgados
de Paz como assim interpretada e o Código de Processo Civil, nomeadamente, o
artigo 680.º do CPC, na interpretação do Acórdão n.º 864/2000, registado do
Livro de acórdãos n.º 419 da Relação do Porto, a fls. 184, e o artigo 456.º, n.º
3, do CPC.
Sendo, pois, a questão da legitimidade de conhecimento
oficioso por qualquer instância jurisdicional como a Presidência duma Relação,
tal como o Despacho o faz, viola o princípio fundamental da igualdade não
reconhecer‑se legitimidade para se interpor recurso contra a não condenação em
má fé no âmbito do Código de Processo Civil, mas já reconhecer‑se tal
legitimidade em recurso das decisões de não condenação, nos Julgados de Paz, por
litigância de má fé.
Viola‑se ainda o principio fundamental da igualdade não admitir‑se recurso duma
decisão que em recurso doutra dos Julgados de Paz pune pela primeira vez uma
parte em litigância por má fé, quando nos termos do Código de Processo Civil há
sempre em um grau de tal condenação.
Nos termos do Estatuto do Ministério Público, a vista desta questão tem de ser
dada obrigatoriamente ao Ministério Público, no caso à Procuradoria‑Geral
Distrital do Porto, para que promova a solução jurídica que se lhe afigure mais
consentânea à Constituição e aos direitos fundamentais de quem seja alvejado com
a litigância de má fé.
Nos termos desta arguição por nulidade de violação à Constituição, deve ser
decretado inconstitucional o artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de
Julho, como foi interpretado pelo Ex.mo Sr. Presidente da Relação, de que, ao
contrário das regras gerais do processo civil, há legitimidade para interpor
recurso de uma decisão do Julgado de Paz que indefere o pedido de condenação da
parte contrária em litigância de má fé, mas não há legitimidade para o condenado
em litigância de má fé interpor recurso da decisão que o condene, pela única
vez, proferida pelo tribunal de comarca a funcionar como tribunal de recurso,
violando o artigo 13.º, n.º 1, da Constituição Portuguesa.
Requer‑se vista ao Procurador‑Geral Distrital e que se defira esta arguição de
nulidade.
P.S.: O acórdão supra citado da Relação do Porto é jurisprudência pacífica no
sentido de não ser legítimo recorrer da não condenação por litigância de má fé
como se coteja no acórdão de 29 de Junho de 2004, unanimemente aprovado pela
Relação de Lisboa, no seu processo n.º 2205/2003‑7, sendo pois o arguido de
nulidade contrário.”
1.5. Por despacho de 30 de Março de 2007 do
Presidente do Tribunal da Relação do Porto, a arguição de nulidade foi
indeferida, nos seguintes termos:
“Em 26 de Março de 2007, a fls. 12[2], vem arguir‑se a
nulidade da nossa decisão de fls. 113 a 117, de 10 de Março de 2007, na parte em
que viola o princípio da igualdade, enquanto não seguimos, em seu entender, um
acórdão desta mesma Relação. Jamais este não seguimento constituirá uma
nulidade. Assim, não a admito, indeferindo‑a.”
1.6. Notificado deste despacho, dele veio o
reclamante interpor um segundo recurso para o Tribunal Constitucional, através
de requerimento de 19 de Abril de 2007 (fls. 126), do seguinte teor:
“Este recurso, nesta parte, tanto é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da LOTC, pois o artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de
Julho, foi aplicado no Despacho inicial que julga a reclamação com a norma de
que, ao contrário das regras gerais do processo civil, há legitimidade para
interpor recurso de uma decisão do Julgado de Paz que indefere o pedido de
condenação da parte contrária em litigância de má fé, mas não há legitimidade
para o condenado em litigância de má fé interpor recurso da decisão que o
condene, pela única vez, proferida pelo tribunal de comarca a funcionar como
tribunal de recurso, em flagrante violação do artigo 13.º, n.º 1, da
Constituição Portuguesa, o mesmo que dizer, do principio constitucional da
igualdade.
Como tanto é interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LOTC,
porquanto em acórdão aprovado por unanimidade pelo próprio Tribunal
Constitucional foi declarada inconstitucional a norma concreta (Fallnorm) que
obsta à admissibilidade imperativa de recurso em um grau das condenações em
litigância de má fé proferidas por um qualquer tribunal que não esteja no topo
da respectiva hierarquia judiciária por estar em causa o principio da igualdade,
ou seja, a violação do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, que exige um
tratamento digno e com garantias de defesa para quem for arguido de litigância
de má fé, à semelhança de outros processos sancionatórios.
Ao não permitir‑se recurso das decisões que pela primeira vez condenam uma
parte em litigância de má fé, pelo tribunal de comarca a funcionar como
instância de recurso dos julgados de paz, contraria‑se a declaração de
inconstitucionalidade proferida unanimemente pelo Acórdão n.º 453/2002, Processo
n.º 71/2002, transitado, do Tribunal Constitucional.”
1.7. Este segundo recurso não foi admitido
pelo despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Abril de
2007 (fls. 127), nos seguintes termos:
“A questão do duplo grau de jurisdição já está apreciada na
decisão da Reclamação e do recurso que se lhe seguir. Assim, não tem qualquer
sentido interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de 30 de
Março, tanto mais que o mesmo foi no sentido de nem sequer se colocar a questão
de nulidade, ou seja, considerou‑se que o problema não é de nulidade.
Não admito, pois, o recurso para o Tribunal Constitucional
interposto em 19 de Abril de 2007, a fls. 126.”
1.8. É contra este despacho que vem deduzida
a presente reclamação, do seguinte teor:
“Para melhor orientação do que está em causa nesta reclamação
dá‑se uma sinopse por paginação e datas do iter recursório seguido para o
Tribunal Constitucional:
a) A fls. 114, 115, 116 e 117, na data de 5 de Dezembro de
2006, é proferida a douta decisão da Reclamação.
b) A fls. 120 e 121, na data de 26 de Março de 2007, entra o
recurso para o Tribunal Constitucional sobre a decisão da Reclamação na parte em
que indefere as inconstitucionalidades das normas aí arguidas.
c) A fls. 122, o reclamante argúi nulidade da decisão de
Reclamação por aplicar norma já anteriormente julgada inconstitucional com tal
sentido interpretativo, quando nada antes faria prever que a Presidência da
Relação, nesse processo, aplicasse tal norma assim interpretada.
d) A fls. 123, em 30 de Março, despacha‑se não haver qualquer
violação ao princípio constitucional da igualdade, pelo que se indeferiu a
nulidade.
e) A fls. 126, em 19 de Abril de 2007, o reclamante recorre
para o Tribunal Constitucional, também, por haver violação ao princípio
constitucional da igualdade na aplicação que é feita da norma aí arguida,
conforme, aliás, já tinha sido acordado anteriormente pelo próprio Tribunal
Constitucional.
f) A fls. 127, profere‑se o despacho aqui em crise no qual não
se admite o último recurso interposto a fls. 126, em 19 de Abril de 2007, por o
duplo grau de jurisdição quanto à inconstitucionalidade já estar assegurado na
apreciação feita na decisão da Reclamação e no recurso que se seguir, interposto
a fls. 120 e 121, em 26 de Março, para o Tribunal Constitucional.
O teor do despacho é o seguinte:
«A questão do duplo grau de jurisdição já está apreciada na
decisão da Reclamação e do recurso que se lhe seguir. Assim, não tem qualquer
sentido interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de 30 de
Março, tanto mais que o mesmo foi no sentido de nem sequer se colocar a questão
de nulidade, ou seja, considerou‑se que o problema não é de nulidade.
Não admito, pois, o recurso para o Tribunal Constitucional
interposto em 19 de Abril de 2007, a fls. 126.»
Está, indubitavelmente, em causa saber se o segundo recurso
não admitido deverá acompanhar o primeiro que o Ex.mo Sr. Presidente da Relação
do Porto considera ser o único recurso a seguir para o Tribunal Constitucional.
Salvo o devido respeito, a mesma Excelência do Sr. Presidente
da Relação do Porto já teve entendimento há alguns anos atrás de que nenhum
recurso poderia haver para o Tribunal Constitucional das suas decisões, o que
foi objecto de decisão contrária pelo Tribunal Constitucional, fazendo com que
daí em diante se começassem a admitir os recursos em matérias de
inconstitucionalidade, pelo próprio Presidente da Relação do Porto.
A matéria dos recursos para o Tribunal Constitucional tem sido
objecto de extensa jurisprudência, inclusivamente para o ponto aqui em ordem,
isto é, em que medida o recurso para o Tribunal Constitucional pode ser
precedido duma arguição da inconstitucionalidade posterior à decisão principal.
E o problema não está no «pode», mas até estará no «deve».
Sobre esse problema o Tribunal Constitucional acquiescit em
numerosas decisões suas na eventualidade de perante uma decisão surpreendente,
inesperada ou extravagante em face da jurisprudência dos tribunais ou daquilo
que é o curso dos autos possa ser arguida a inconstitucionalidade da norma assim
interpretada posteriormente.
É a chamada teoria da imprevisibilidade da invocação na norma
ou dum seu sentido normativo na decisão principal que consente a sua arguição de
inconstitucionalidade posteriormente.
A página 4231 do Diário da República publicado em 23 de Março
de 1999 na 2.ª série encontra‑se jurisprudência do Tribunal Constitucional a
vincar essa possibilidade.
Nesse Acórdão n.º 709/98, que ocorreu em processo do Tribunal
Constitucional n.º 605/98, a secção, composta por dois Conselheiros que vieram
a ocupar a presidência do mais alto tribunal da nossa justiça, decidiu por
unanimidade e num tom bastante forte que a arguição da inconstitucionalidade não
é um mero expediente para a rejeição dos recursos para o mais alto tribunal.
Aí se lê que, estando em causa inconstitucionalidade de norma
ou sentido de norma que vicie a decisão principal, nada obsta a que a arguição
se faça, posteriormente, recorrendo‑se dessa posterior decisão sobre a arguição
para o Tribunal Constitucional.
Cremos que muito bem esse Acórdão distingue a norma ou sentido
normativo julgado pela decisão recorrida, depois da sua arguição prévia pelo
recorrente, da norma ou sentido normativo que vicie a própria decisão
recorrida, cuja arguição, naturalmente, só poderia ser feita depois de
proferida essa decisão, recorrendo‑se da que recaia sobre essa arguição
posterior para o Tribunal Constitucional.
Se o Tribunal Constitucional não tivesse esta jurisprudência
natural, seria caso para parafrasear um termo ouvido numa conferência dum
eminente jurista que recentemente ascendeu ao mais alto tribunal, ou seja, teria
uma jurisprudência «rejeicionista».
De acordo com a palestra desse eminente jurista, hoje
Conselheiro Constitucional, a atitude dos Tribunais Constitucionais só pode ser
a que tem o Bundesverfassungsgericht perante os recursos, havendo decisões
sumárias ou extensas sobre a apreciação da inconstitucionalidade conforme a
discutibilidade dos temas em julgamento, não podendo as decisões sumárias
converter‑se num surto «rejeicionista» procurando abortar pela forma o
julgamento da infracção constitucional, visto como as decisões sumárias do BVG
que podem ter duas páginas ou pouco mais julgam da inconstitucionalidade
recorrida em vez de gastarem mais páginas para limar a rejeição do conhecimento
do recurso.
Se se rejeitam os recursos de inconstitucionalidade por razões
de celeridade mais do que por evidente léxis de forma, melhor seria que o tempo
que se serve para alinhavar a rejeição por forma se empregasse para uma decisão
sumária da inconstitucionalidade que bem poderia ser de procedência do recurso
como ocorre com o BVG.
Nessa mesma palestra a que nos referimos, era grande o
destaque dado ao tema por via de o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
condenar sucessivamente o Estado português por causa de álibis «rejeicionistas»
empregues pelos nossos tribunais a fim de não se conhecerem os recursos em prol
da celeridade processual.
Como solução para melhorar a imagem dos nossos tribunais era
dada a possibilidade da figura das decisões sumárias sobre o fundo da questão,
que bem poderiam ser de procedência do recurso.
Questionado sobre a força e imagem jurídica desse tipo de
decisões sumárias, o mesmo palestrante retorquiu que melhorariam o
funcionamento global do sistema por ganharem mais relevo os trabalhos
preparatórios dos advogados e procuradores nas suas alegações.
Esta urgência de prestigiosidade do nosso sistema é grande a
tal ponto que há alguns anos atrás um dos nossos maiores professores vivos de
Direito, Doutor Castanheira Neves, pouco satisfeito com o rumo formalista e
estatística maioritária de não conhecimento dos recursos no Tribunal
Constitucional, disse que este se estava a converter num «petit comité» e a
deixar de ser um tribunal que se impunha.
Pelo estudo que fazemos do nosso direito constitucional que
não tem meças a dever aos direitos congéneres e pela fé que temos na
magistralidade dos nossos juízes constitucionais e no seu amor ao Direito,
certamente maior do que o nosso que é bem grande, temos o Tribunal
Constitucional como o templo de reparação das injustiças cometidas pelo sistema,
imune a pressões de celeridade ou tratamento diferenciado de quem a ele recorre,
a despeito da radiciação política na eleição dos seus membros.
Batemo‑nos e bater‑nos‑emos para que o Tribunal Constitucional
se mantenha como está, pois a alternativa para os que recusam a imagem de
«petit comité» seria a substituição do nosso mais alto tribunal por uma secção
constitucional no STJ, o que seria catastrófico, pois as injustiças figadais
como as que nos vêm sendo feitas neste tortuoso processo em que as instâncias
comuns nos transformaram, de repente, de autor lesado na sua integridade moral
num arguido de litigância de má fé depois das vastas referências doutrinais e
jurisprudenciais que carreamos para o processo, de nada valendo, havendo a
única esperança que um tribunal fora da hierarquia comum analise friamente e sem
expeditórios a inconstitucionalidade das normas com o sentido com que as nos
aplicaram, o que não seria credível se essa tarefa estivesse à luz duma singela
secção da mais alta instância comum, quantas vezes fautora de iguais
injustiças.
Rumando para o caso em reclamação para a conferência do alto
tribunal, o despacho, que refere só ser de seguir o primeiro recurso para o
Tribunal Constitucional do indeferimento das arguições de inconstitucionalidades
antes feitas em relação à decisão da Reclamação e por haver já, por isso, o
duplo grau de jurisdição não ser de admitir o recurso de inconstitucionalidade
arguida em sede de nulidade contra a decisão de Reclamação, não será de manter
pela conferência do Tribunal Constitucional.
É que a norma cuja inconstitucionalidade se argúi em sede
posterior contra a decisão de Reclamação vicia gravemente essa decisão, é de
todo inesperada em face da ordem jurídica e do que é expectável das suas
instâncias a quem cabe o ius dicere que não pode ser uma cisma de Delphos.
Na parte em crise, a decisão da Reclamação surge com a norma
do artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, imputando‑lhe um
sentido de todo inesperado fora da sua letra, contexto ou expectativa jurídica,
porquanto a mesma apenas reza que não são recorríveis as decisões dos julgados
de paz cujo valor exceda metade da alçada da 1.ª instância, ao passo que a
decisão da Reclamação extrai desta norma legal que as decisões dos julgados de
paz de não condenação por litigância de má fé são recorríveis ao invés do que
ocorre nos tribunais comuns e que por condenação em litigância de má fé na
comarca a funcionar como instância de recurso dos julgados de paz é impossível
recorrer da mesma ao contrário do que ocorre as decisões condenatórias em
litigância de má fé nos tribunais comuns, onde há sempre um grau de recurso para
essa condenação, independentemente da alçada ou do valor da causa.
Tal sentido normativo aplicado pela decisão da Reclamação é
duplamente inesperado e absolutamente imprevisível no quadro do Direito onde as
respectivas decisões se esperam no sentido da Lei ou do Direito.
Tal sentido normativo que emerge da decisão de Reclamação
contraria em primeiro lugar toda a jurisprudência pacífica dos tribunais comuns.
A litigância de má fé é hoje um instituto jurídico enquadrado
nos processos sancionatórios, carecendo por isso de alguns cuidados.
Por um lado, cimentou‑se a ideia de que não é recorrível pela
parte sedenta da condenação qualquer decisão que não condene em litigância de má
fé.
Tal são entendimento pacífico nos tribunais comuns decorre,
por um lado, da regra na qual se um juiz não vê má fé na tese jurídica
professada é por a mesma ter alguns defensores ou hipóteses de viabilidade
discursiva.
Por outro lado, à semelhança dos crimes públicos ou
semi‑públicos de natureza mais grave não deve haver pelo assistente legitimidade
para recorrer da decisão condenatória por lhe faltar legitimidade, já que não há
vencido só por se querer a vindicta.
Por muito menor razão, em naturezas sancionatórias menos
graves como a litigância de má fé, se justificaria o reconhecimento dessa
legitimidade à parte contrária dum processo que, naturalmente, sempre espreita a
desforra por ter sido accionado.
Esse entendimento não persecutório do recurso contra a não
condenação em litigância de má fé é pacífico na jurisprudência, como se nota em
acórdão n.º 864/2000 da própria Relação do Porto disponível em página
informática no seu sumário e em acórdão de 28 de Junho de 2004, proferido no
processo n.º 2205/2007 da Relação de Lisboa, disponível em versão integral no
formato informático da rede.
Inexplicavelmente, a decisão da Reclamação vai conscientemente
pelo sentido contrário quanto ao caso em questão, ninguém percebendo porque terá
de ser assim para os processos provindos do julgado de paz, onde nem se
vislumbra sequer na letra da sua Lei a possibilidade de qualquer parte que aí
proponha uma acção qualquer haver de ser condenada por litigância de má fé.
Se tal sentido normativo que vicia a decisão de reclamação é
totalmente inesperado no quadro jurídico que nos rege e por isso susceptível de
arguição posterior, o que dizer dum sentido normativo extraído da mesma norma no
qual se contraria a jurisprudência do Tribunal Constitucional sufragada?
É que como está bem notado no requerimento em que se argúi a
inconstitucionalidade de tal sentido normativo é pacífico neste alto tribunal
que só nos tribunais que estejam no topo da hierarquia judiciária se permite não
haver recurso das decisões condenatórias em má fé processual, por razões óbvias,
de resto haverá sempre recurso em um grau de qualquer decisão sancionatória.
Vir a decisão de Reclamação com a surpreendência de aplicar
uma norma com o sentido de a mesma obstar a que mesmo em caso de condenação
primária em litigância de má fé se interponha qualquer recurso disso a partir do
tribunal de comarca ou, mais precisamente, de uma instância menor da hierarquia
viola a jurisprudência do Tribunal Constitucional, razão suficiente para
considerar que essa decisão nasce viciada, cujo vício era imprevisível salvo se
acharmos normal que os tribunais comuns afrontem a jurisprudência rata do
Tribunal Constitucional.
Aliás, todo o processo desde o seu início abunda em decisões
imprevisíveis como condenar em litigância de má fé quem está munido de
vastíssimas referências em seu favor e por si citadas no processo ou ser
condenado por pedir honorários a um constituinte oficioso sem haver constituição
oficiosa, ou melhor, depois da constituição oficiosa indeferida por quem de
direito.
Mais, acusa‑se, julga‑se e sanciona‑se o aqui reclamante pela
mesma entidade a pretexto duma infracção disciplinar quando nenhuma das
entidades com o privilégio de acusar, julgar ou sancionar tais infracções se ter
sequer pronunciado em primeira instância sobre a eventual culpa de algo que não
passa duma acusação infundamentada por documentos.
Isto de um qualquer tribunal se arrogar à pretensão de
acumular em si o poder de acusar, julgar e sancionar uma sanção disciplinar cuja
competência lhe está legalmente excluída diz tudo.
Não só … para condenar o aqui recorrente em custas valeu o
Código das Custas Judiciais, mas quando esse Código impunha a ineficácia do
recurso subordinado, em benefício, já não foi esse o Código que se quis aplicar
mas uma portaria das custas do julgado de paz que, por respeitarem unicamente à
tramitação interna e específica dessa ordem, nada referem sobre as custas dos
recursos das decisões dos julgados de paz para a comarca.
Note‑se que toda a literatura jurídica, que é unânime em que a
falta de pagamento de taxa de justiça inicial pela interposição de recursos
contra os julgados de paz impede o conhecimento do respectivo recurso,
reconhece que o não conhecimento dum recurso principal ou que este seja dado sem
efeito faz com que o recurso subordinado também fique ex lege sem efeito.
Como ex professo havia de se condenar o advogado, parte na
causa, nem a Lei, nem a Doutrina e nem a Jurisprudência lhe valeram,
remanescendo‑lhe o Tribunal Constitucional, cuja ultima ratio lhe pertence para
reparar linchamentos da personalidade moral das partes nos tribunais comuns
através da guarda dos direitos, liberdades e garantias pessoais que lhe é
confiada pela Constituição da República.
Se não se cometessem injustiças nos tribunais comuns seria
desnecessária a existência dos tribunais constitucionais para julgar a
inconstitucionalidade das normas como são aplicadas por essa ordem comum.
Há pois que examinar, estudar e decidir o que for de direito,
não sendo este decisionismo, utilitarismo, comodismo ou ajuste entre profissões
jurídicas, mas sim um espólio das leis iguais para todos e dos princípios
civilizacionais do direito natural que impedem o uso das normas como palmatória
para manter em formatura quem denuncia e combate iniquidade e abusos de poder.
O V.º Despacho reclamado para a conferência do Tribunal ad
quem alinha pela ideia que basta o primeiro recurso para estar garantido assim
o duplo grau de jurisdição em matéria de inconstitucionalidades.
Temos por seguro que o recurso para o Tribunal Constitucional
também abarcará os vícios normativos das próprias decisões em últimas
instâncias, cujas inconstitucionalidades das normas assim aplicadas apenas
poderão ser arguidas a posteriori, não tendo os recorrentes feitiço do mal que
lhes permita antever vícios dessas decisões em última instância como violação
inesperada de jurisprudência constitucional sobre a matéria.
Veja‑se na arguição de nulidades contra o venerando despacho
da Reclamação o pedido de vista ao Ministério Público quanto à norma viciadora
desse despacho aplicada com uma interpretação francamente inconstitucional não
só por contrariar jurisprudência pacífica das Relações mas ainda por colidir com
a jurisprudência do Tribunal Constitucional dimanada com o escopo de se fazerem
respeitar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos pela ordem comum.
A instância a quo não deu a vista ao Ministério Público, como
foi requerido, quanto à matéria de arguição da nulidade.
O Ministério Público é uma magistratura cuja intervenção nas
causas civis não se limita apenas, como alguns julgam, a executar as custas
processuais.
No seu estatuto cabe‑lhe velar para que a função jurisdicional
se exerça conforme à Lei e à Constituição e fiscalizar concretamente a
constitucionalidade das normas como são aplicadas nos tribunais.
Tal como deve haver vista obrigatória quando algum juiz afasta
qualquer norma legal por inconstitucionalidade com recurso obrigatório, também
nos parece que o estatuto de magistratura do Ministério Público impõe essa vista
quando arguida a nulidade de dissensão com a jurisprudência constitucional.
Como poderia a magistratura do Ministério Público cumprir a
sua alta missão de velar para que os tribunais actuem conforme à Constituição
se não lhe for dada vista quando se argua violação por esses tribunais do
entendimento que faz o Tribunal Constitucional dos direitos e garantias cravadas
na Constituição?
O pedido de intervenção do Ministério Público nessa arguição
foi feito por convicção legal e não por aquilo que se desconhece ter sido a
razão de não ter sido dada vista naquele momento e para aquele propósito.
Não nos parece que a vista automática dada nos tribunais
superiores logo que notificada uma decisão final às partes seja suficiente para
cobrir a pronúncia que se requer posteriormente em sede de nulidades.
A circunstância de na vista final o Ministério Público não se
pronunciar sobre o desfecho dos processos não equivale a que esteja de acordo
com tudo quanto foi decidido, aliás nunca vimos o Ministério Público
pronunciar‑se sequer nessa vista final pois não lhe compete interferir em
contendas civis, apenas velar pela garantia de cumprimento constitucional dos
direitos dos cidadãos se estes se queixarem e requererem a sua intervenção no
processo apenas para esse fim.
A nossa impressão, no momento em que requeremos a interventiva
promoção do Ministério Público antes da decisão que recairia sobre a arguição
feita, era que o Ministério Público, nos termos do seu estatuto autónomo,
deveria ter a oportunidade de se pronunciar, o que não foi entendido pelo
despacho que ex abrupto indeferiu a nulidade em poucas linhas, reafirmando a
inexistência de violação ao principio constitucional da igualdade com a norma
em causa talqualmente interpretada.
Achamo‑nos no direito de pensar que perante o acórdão
constitucional e respectiva jurisprudência conforme de ser sempre admissível
recurso em um grau para as condenações em litigância de má fé, salvo em
condenações nos tribunais supremos, o Ministério Público não se iria conformar
com a inconstitucionalidade da norma como foi aplicada pelo Venerando
Presidente da Relação do Porto quanto mais a interpretação dada à norma
absolutamente desadequada com esta e insensível ao seu espírito da Lei dos
Julgados de Paz, repetimos de «Paz», onde não se coaduna no seu contexto a
possibilidade de condenação das suas partes em litigância de má fé.
Pretender a condenação duma parte que recorre aos julgados de
paz em má fé contraria todos os princípios que norteiam essa ordem, havendo, no
passado da nossa história do direito, quem defendesse que só poderia ser uma
parte condenada em litigância de má fé se o Ministério Público o requeresse para
afastar o facilitismo de um juiz embrenhado no calor da contenda se ver atraído
por condenar a parte perdedora, quantas vezes injustamente, como se vê na sorte
dos recursos julgados procedentes.
Temos para nós ser um retrocesso na nossa ordem jurídica que o
«visto de má fé» necessário para se condenar alguém em litigância de má fé tenha
desaparecido, sendo hoje recorrente como no nosso caso haver condenação em
litigância de má fé duma das partes sem promoção ou até consulta ao Ministério
Público.
No tempo processual em que o «visto de má fé» era
imprescindível não se conheciam casos processuais como actualmente em que uma
parte acaba por ser condenada em litigância de má fé, por perder a final, depois
de ter vencido numa instância intermédia ou inicial de julgamento ou depois de
ter carreado para o processo vastíssimas referências doutrinais e
jurisprudenciais em seu favor.
Parafraseando o saudoso Prof. Mota Pinto, um dos nossos
maiores juspersonalistas de sempre, digno herdeiro dum outro Doutor Manuel de
Andrade, regressamos ao tempo da justiça «à bruta» em que os avanços
revolucionários introduzidos no nosso Código Civil pela Reforma de 1966 não são
tidos em conta, hoje, pelos nossos tribunais na defesa dos direitos de
personalidade.
Quem fizer um estudo da matéria, perfeitamente revolucionária
para a época e ainda hoje, introduzida pelos reformadores de 1966 na secção dos
direitos de personalidade e a comparar com outros códigos civis estrangeiros
chega à mesma conclusão do espírito desbravador dessa reforma em que tiveram
parte activa os maiores juspersonalistas portugueses que muito falta nos fazem.
O capítulo das cartas‑missivas confidenciais em que nos
fundamentamos para mover a acção inicial é simplesmente sem igual no direito
comparado quer pela extensão da protecção como pela sistemática dos seus quatro
artigos, merecendo elogios rasgados em muita dogmática estrangeira.
Pena é que a invocação que fizemos desses artigos para nosso
direito moral tivesse como resposta de quem nos condenou por litigância de má fé
que assim teríamos «descoberto a forma de qualquer cidadão poder impunemente
praticar em relação a outro os imagináveis crimes passíveis de serem cometidos
por meio de carta a este dirigida».
Por justiça, importa dizer que quem descobriu a protecção das
cartas‑missivas confidenciais não fomos nós mas os brilhantes juspersonalistas
que fizeram a reforma do Código Civil nesta e noutras matérias e, em segundo
lugar, estes criaram a possibilidade de suprimento judicial obrigatório para a
quebra de confidencialidade contra a vontade do autor das cartas, depois de num
processo especial e que ainda se mantém especial no nosso Código de Processo
Civil serem ponderados os direitos de quem quer quebrar a confidencialidade com
os direitos de quem escreveu e o fez na suposição de absoluta confidencialidade,
sem a qual não escreveria.
Os tempos agora são outros … de 1966 até hoje passámos duma
era em que se legislava pela confidencialidade de cartas assim o desejasse e
mencionasse o seu autor para outra era em que quem assim o faça é visto como
vulgar criminoso.
É a hora de ser dada a palavra ao Tribunal Constitucional.
Assim seja.
Conclusões:
1 – O Ex.mo Presidente da Relação do Porto proferiu despacho
em que decide a reclamação apresentada por não subida de recursos, indeferindo
as inconstitucionalidades arguidas e aplicando, imprevistamente, o artigo 62.º,
n.º 1, da Lei n.º 78/2001, que regula os Julgados de Paz com o duplo sentido de
serem recorríveis as decisões do Julgado de Paz que não condenem em litigância
de má fé, mas não serem recorríveis as decisões do tribunal de comarca, a
funcionar em recurso, de condenação primária em litigância de má fé.
2 – O aqui reclamante interpôs recurso do Despacho que
indeferiu as inconstitucionalidades arguidas para o Tribunal Constitucional e
arguiu a nulidade desse Despacho por surpreender o reclamante com uma norma
interpretada dum modo que era contrário à jurisprudência pacífica das Relações
(vide acórdão da Relação do Porto n.º 864/2000 ou acórdão da Relação de Lisboa,
de 29 de Junho de 2004, in processo n.º 2205/2003‑7) que não reconhecem
legitimidade para se recorrer duma não condenação em má fé e dum outro modo
contrário à jurisprudência do Tribunal Constitucional que exige um grau de
recurso contra as decisões condenatórias em má fé salvo se em tribunal supremo.
Nessa arguição de nulidades suscita‑se a evidente
inconstitucionalidade da norma assim aplicada.
3 – O Ex.mo Presidente da Relação do Porto indefere a arguição
de nulidade, negando a evidente violação do princípio constitucional da
igualdade como fora já aliás decidido em acórdão do Tribunal Constitucional
aprovado por unanimidade.
4 – O aqui reclamante interpôs, também, recurso para o
Tribunal Constitucional desse despacho que indefere a nulidade e cita o Acórdão
n.º 453/2002 do Tribunal Constitucional em sua defesa.
5 – O despacho agora reclamado decide que apenas é de seguir o
primeiro recurso para o Tribunal Constitucional, satisfazendo o duplo grau de
jurisdição, não sendo de admitir o segundo recurso por o duplo grau de
jurisdição já ficar cumprido com o conhecimento do primeiro e por a arguição de
nulidade ter sido indeferida.
6 – O reclamante não satisfeito apenas com a subida do
primeiro recurso para o Tribunal Constitucional reclama para a conferência deste
em nome da teoria da imprevisibilidade da invocação de norma ou sentido
normativo por uma decisão final, a fim de que lhe seja também admitido o
segundo recurso pela conferência, porquanto as normas ou sentidos normativos que
viciem as decisões finais dos processos são arguíveis de inconstitucionalidade
posteriormente, não podendo ser antes por os recorrentes não serem obrigados a
antever o cometimento de crassas inconstitucionalidades nas decisões finais como
melhor se lê e compreende no Acórdão n.º 709/98 aprovado unanimemente pelo
Tribunal Constitucional.
7 – Requer‑se conclusão ao Presidente do Tribunal
Constitucional para que determine a intervenção do plenário de juízes, pois a
natureza da questão se são ou não recorríveis as inconstitucionalidades arguidas
depois das decisões finais assim o impõe, de modo que se solidifiquem os
critérios pelos quais serão de admitir recursos para o Tribunal Constitucional
por inconstitucionalidade de normas aplicadas nas decisões finais, visto como
seria pernicioso que pudesse acolher‑se a tese de que normas ou sentidos
normativos inconstitucionais e contrários mesmo à jurisprudência do Tribunal
Constitucional não fossem recorríveis, apenas ao constarem de decisões finais,
impossibilitando a sua arguição prévia aos recorrentes.
Pede‑se ao Tribunal Constitucional o deferimento desta
reclamação com a admissão da subida dos dois recursos e não apenas do primeiro
recurso como ocorreria se esta reclamação fosse indeferida.”
1.9. Neste Tribunal, o representante do
Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“Sendo manifesta a falta de pressupostos processuais de
admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, a que acresce o facto de não
operar de modo minimamente relevante a ocorrência de decisões imprevisíveis, que
dispensassem o ónus de suscitação prévia das questões de constitucionalidade,
afigura‑se‑me que a presente reclamação deverá ser indeferida.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Como resulta do precedente relatório, na
presente reclamação está apenas em causa o despacho de 27 de Abril de 2007 (fls.
127) do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, que não admitiu o recurso
interposto para o Tribunal Constitucional, pelo ora reclamante, em 19 de Abril
de 2007 (fls. 126), contra o despacho da mesma entidade, de 30 de Março de 2007
(fls. 123), que desatendeu a arguição de nulidade, deduzida em 26 de Março de
2007 (fls. 120), contra o despacho de 10 de Março de 2007 (fls. 114 a 117), que
indeferiu a reclamação apresentada nos termos do artigo 688.º do CPC.
Não está, assim, em causa, na presente
reclamação, a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional,
interposto em 26 de Março de 2007 (fls. 120 e 121), contra o referido despacho
de 10 de Março de 2007 (fls. 114 a 117), recurso esse cuja admissão, aliás, o
reclamante, na presente reclamação, por mais de uma vez dá por assente (embora
não tenhamos detectado nos presentes autos qualquer despacho a admiti‑lo).
O recurso cuja admissibilidade está ora em
causa foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da
LTC, pretendendo o recorrente ver apreciada, a coberto da primeira alínea, a
constitucionalidade da interpretação da norma do artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º
78/2001, de 13 de Julho, no sentido de que há legitimidade para interpor recurso
de uma decisão do Julgado de Paz que indefere o pedido de condenação da parte
contrária em litigância de má fé, mas não há legitimidade para o condenado em
litigância de má fé interpor recurso da decisão que o condene, pela única vez,
proferida pelo tribunal de comarca a funcionar como tribunal de recurso, o que
violaria o princípio constitucional da igualdade; e, a coberto da segunda
alínea, a constitucionalidade da norma que não permite o recurso das decisões
que pela primeira vez condenam uma parte em litigância de má fé, pelo tribunal
de comarca a funcionar como instância de recurso dos julgados de paz, o que
contrariaria a declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão n.º
453/2002 do Tribunal Constitucional.
É manifesta a inadmissibilidade do recurso
assim delineado, pois a decisão recorrida não fez aplicação, como ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais.
O despacho impugnado, de 30 de Março de
2007, limitou‑se a constatar que não constitui causa de nulidade de decisão
judicial a circunstância de pretensamente não ter seguido um anterior acórdão da
mesma Relação. A norma aplicada foi, assim, a do artigo 668.º, n.º 1, do CPC,
que enumera as nulidades das sentenças, aplicável aos despachos por força do n.º
3 do artigo 666.º do mesmo Código.
Não tendo o despacho recorrido feito
aplicação das normas cuja constitucionalidade o reclamante pretende ver
apreciada, é manifesta a inadmissibilidade do presente recurso, o que dispensa a
indagação da verificação dos restantes requisitos específicos dos recursos
interpostos: quanto ao interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC, ter o recorrente suscitado a questão de inconstitucionalidade, de forma
processualmente adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
antes de esta ter sido emitida; e, quanto ao interposto ao abrigo da alínea g)
do mesmo preceito, existir identidade entre a norma aplicada na decisão
recorrida e a norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional.
Apenas se acrescentará que são de todo
irrelevantes as considerações tecidas pelo reclamante quanto à admissibilidade
do recurso relativo à condenação por litigância de má fé, pois o recurso
interposto dessa decisão (de 15 de Julho de 2005) do 1.º Juízo do Tribunal de
Pequena Instância Cível do Porto para o Tribunal da Relação do Porto foi
admitido por despacho de 22 de Novembro de 2005 (fls. 274 do processo principal
e 34 destes autos), estando o seguimento desse recurso apenas dependente do
pagamento, pelo recorrente, da taxa de justiça e da multa em dívida (cf.
despacho de 12 de Outubro de 2006, a fls. 346 a 349 do processo principal e 89 a
92 destes autos) ou do reconhecimento de que esse pagamento afinal não é devido
(caso o recurso deste último despacho viesse a ser admitido e a obter
provimento). O objecto da reclamação para o Presidente da Relação do Porto
respeitava apenas à não admissão dos recursos interpostos do referido despacho
de 12 de Outubro de 2006 (que determinara a notificação do recorrente para pagar
a taxa de justiça e a multa em dívida) e de parte da fundamentação do despacho
de 9 de Novembro de 2006 (que não admitira o recurso anterior), nada tendo a ver
com as questões relacionadas com a condenação do recorrente como litigante de má
fé, que – repete‑se – constituem objecto de outro recurso para o Tribunal da
Relação do Porto, recurso que foi admitido.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir
a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de
justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Junho de 2007.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos