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Processo n.º 536/2007
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. Em 21 de Maio de 2007 foi proferida, nestes autos, decisão
sumária a julgar manifestamente infundado o recurso interposto por A.. A decisão
é do seguinte teor:
«1.
1.1.
Condenado em 12 anos de prisão no 1º juízo Criminal de Loulé como co-autor
material de um crime p. e p. no artigo 24.º, b) do Decreto-Lei n.º 15/93, A.
recorreu para a o Tribunal da Relação de Évora que, por intempestivo, lhe
rejeitou o recurso.
Dessa decisão recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando,
em síntese:
“1. O presente recurso tem por objecto a aliás douta decisão do Venerando
Tribunal da Relação de Évora, datada de 13 de Setembro do corrente ano, a qual
determinou a rejeição do recurso interposto por A., de harmonia com o nº 1 do
artigo 420º do CPP.
2. Com tal decisão não se pode o aqui Recorrente conformar, pois, por um lado
não foi notificado da necessidade de proceder ao pagamento de qualquer multa e,
por outro, não foi notificado de que o não pagamento da mesma importaria a perda
do seu direito a recorrer.
3. Entende o aqui Recorrente que a presente decisão viola de forma clara o
disposto na alínea h), do nº 1 do artigo 61º do CPP, porquanto lhe é retirada a
possibilidade de recorrer de uma decisão que pessoalmente o afecta.
4. Entende o aqui recorrente que a presente decisão viola de forma clara o
previsto no nº 9 do artigo 113º do CPP, uma vez que a notificação para pagamento
de uma multa, cuja consequência é a perda do direito a recorrer, deve ser feita
directamente ao arguido.
5. Assim, deveria o aliás douto tribunal a quo ter notificado o arguido (podendo
seu também o seu defensor) da necessidade de efectuar o pagamento de uma multa.
Notificação essa seguida da cominação prevista na lei, ou seja, a perda do
direito a recorrer.
6. Entende o aqui Recorrente que não é necessária a expressa indicação na lei da
necessidade de notificação para pagamento de uma multa, sendo que o que
interessa é o espírito subjacente ao princípio, a regra que por detrás dele
norteia o legislador.
7. O legislador entendeu dever salientar, não de forma taxativa, mas meramente
indicativa, as notificações a fazer ao arguido. E tanto assim é que, note-se, o
legislador começa por referir que as notificações do arguido, do assistente e
das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. “Podem” e
não “têm necessariamente que ser”, ou “são exclusivamente feitas”.
8. Caso assim se não entenda, colide-se directamente com os direitos, liberdades
e garantias fundamentais do aqui Recorrente.
9. Refere o nº 1 do artigo 32º da CRP que: “O processo criminal assegura todas
as garantias de defesa, incluindo o recurso.” Se assim é, como é que se pode
alegar a perda do direito a recorrer quando a restrição do referido direito não
é notificada pessoalmente ao interessado em agir?
10. Entende o aqui Recorrente que para que se possa, em toda a linha, respeitar
a disposição supra referida, cuja importância lhe confere um lugar na
Constituição da República Portuguesa, necessário será notificar o arguido, in
casu, notificá-lo da necessidade de efectuar o pagamento de uma multa,
notificação essa seguida da cominação de que o não pagamento da mesma importará
a perda do direito a recorrer.
11. Só assim se fazendo se cumprirá, na íntegra e em toda a sua amplitude, o
disposto no artigo 32º da CRP.
12. Entende o aqui Recorrente que as normas constantes dos 145º nº 6 do Código
de Processo Civil, 107º nº 5, 414º nº 2º e 420º nº 1 do Código de Processo
Penal, assim interpretadas, são inconstitucionais, por derrogação do artigo 32º
da CRP.
13. As referidas normas, aplicadas com a interpretação que lhes foi dada pelo
Venerando Tribunal da Relação de Évora, esbarram claramente com o Direito ao
recurso, constitucionalmente garantido.
14. Os direitos a uma ampla e efectiva defesa não respeitam apenas à decisão
final, mas a todas as que impliquem restrições de direitos ou possam condicionar
a solução definitiva do caso.
15. Ao abrigo do disposto no artigo 61º, nº 1, alínea h) do Código de Processo
Penal, tem o aqui Recorrente direito a recorrer, nos termos da lei, das decisões
que lhe forem desfavoráveis.
16. Nos termos da redacção dada ao artigo 113º, nº 9, do Código de Processo
Penal as notificações podem ser feitas ao defensor ou advogado do arguido,
ressalvando-se as que directamente possam colocar em questão uma ampla e
efectiva defesa ou possam condicionar a resolução do processo.
17. A interpretação e aplicação das normas que podem conduzir ou que impliquem
restrições de direitos, nomeadamente o direito ao recurso, tem necessariamente
que ser cautelosa e revestir um elevado cuidado, pois em questão estão direitos
e garantias constitucionais.
18. Interpretação diferente, salvo o respeito devido por melhor e douta opinião,
colidiria manifestamente com princípios constitucionalmente consagrados.
Interpretação e aplicação diversa colocaria em questão o Direito ao Recurso,
colidiria claramente com o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
19. Assim, por contrária aos princípios constitucionais vigentes, por violadora
do princípio geral sobre garantias de defesa e do direito ao recurso, por
violadora do disposto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, por
desconforme com o supra citado princípio constitucional, não deverá ser outra a
interpretação, devendo ser, em consequência, revogado o aliás douto acórdão,
notificando-se o aqui Recorrente para proceder ao pagamento da multa.”
1.2.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão lavrado em 12 de Abril de 2007, negou
provimento ao recurso do arguido, com base na seguinte fundamentação:
“Como vimos, a Relação considerou intempestivo o recurso conjunto então por
todos interposto do acórdão da 1ª instância, por ter sido apresentado no 3º dia
útil após o termo do prazo, sem que tivesse sido paga a multa a que se refere o
art. 145º nº 6 do CPC, apesar de para tal expressamente notificados.
Alegam os recorrentes que deveriam ter sido pessoalmente notificados para pagar
a multa, como em seu entender é imposto pelo nº 9 do art. 113º do CPP, o que não
sucedeu, pois foi notificado (apenas) o seu mandatário. Mais alegam que qualquer
interpretação do citado preceito que restrinja a notificação daquele acto ao
mandatário seria inconstitucional, por colidir com o direito constitucional ao
recurso.
Vejamos se assiste razão a estes recorrentes.
O citado nº 9 do art. 113º do CPP versa sobre os destinatários das notificações
em processo penal. Estabelece ele que, em princípio, as notificações às partes
(arguido, assistente e partes civis) são feitas ao respectivo defensor ou
advogado. No entanto, há notificações que, sendo também feitas aos mandatários
forenses, são necessariamente efectuadas na pessoa dos sujeitos processuais. São
elas, segundo o texto do mesmo preceito: as “respeitantes à acusação, à decisão
instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as
relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à
dedução do pedido de indemnização civil”.
Trata-se, como é facilmente constatável, de uma enumeração exaustiva, ou seja:
só nestes casos é que é obrigatória a notificação pessoal dos sujeitos
processuais. Nos restantes, é suficiente a notificação do mandatário forense.
É lógica e natural esta opção legislativa. O mandato forense, fundando-se numa
relação de confiança entre mandante e mandatário, confere a este a plena
representação em juízo do mandante, acrescendo que, na generalidade das
situações, só o mandatário, devido aos seus conhecimentos técnicos, está em
condições de interpretar e saber reagir aos actos e despachos transmitidos pelas
notificações.
Há, no entanto, momentos e actos decisivos do processo, com repercussões na
decisão da causa ou afectando directamente as partes, de que estas não podem
deixar de ter conhecimento pessoal. São precisamente os enumerados naquele nº 9
do art. 113º. Constituem eles os passos cruciais do processo, cujo conhecimento
directo e pessoal permite à parte ter o domínio da evolução do procedimento,
participando no patrocínio da sua posição no processo, dando eventualmente ao
seu mandatário as informações e até instruções que entenda, inclusivamente
revogando o mandato se perder a confiança no mandatário. Desta forma, o direito
ao recurso está directamente garantido através da notificação pessoal da
sentença.
Todas as outras situações que se situam fora deste elenco não justificam a
notificação pessoal das partes. Elas reportam-se a actos que só o mandatário
pode praticar, porque é ele quem representa a parte em juízo.
É este manifestamente o caso da notificação para pagamento da multa, nos termos
do art. 145º, nº 6 do CPC, que se inclui nos poderes de representação que o
mandato judiciário confere.
Nenhuma restrição ao direito de recurso integra a limitação ao mandatário da
notificação a fazer nos termos desse preceito. Como qualquer direito, também o
direito de recurso tem de ser exercido segundo certas regras e em determinadas
condições. A imposição do patrocínio judiciário obrigatório, como o
estabelecimento de um prazo, e de uma “prorrogação” do mesmo sujeita a “sanção
pecuniária” a cumprir também dentro de certo prazo, etc., são condicionalismos
que não contendem com o direito constitucional ao recurso, pois se limitam a
regulá-lo.
Sempre se poderá dizer, porém, que a notificação, nos termos do art. 145º, n.º 6
do CPC, à própria parte reforçaria as garantias das partes contra os advogados
“esquecidos”. Mas este argumento é claramente de rejeitar. Não compete ao
tribunal interferir no regular exercício do mandato forense. Este, como ficou
dito, assenta necessariamente na relação de confiança entre as duas partes.
Quando se quebra essa relação, quebra-se necessariamente o contrato. Por outro
lado, o incumprimento dos deveres do mandatário importa não só responsabilidade
contratual, como também disciplinar. Mas tido isso é matéria alheia à
interpretação do art. 113º, nº 9 do CPP.
Conclui-se, portanto, que não tinha o tribunal que notificar pessoalmente os
recorrentes para os efeitos do art. 145º, nº 6 do CPC, sendo suficiente a
notificação feita ao seu mandatário judicial.
Esta foi de facto feita, mas as multas devidas não foram pagas, como se alcança
de fls. 2238, e 2268-2272. Precludido ficou, pois, o seu direito de recorrer, já
que a petição de recurso deu entrada a 4.1.2006 (fls. 1830), sendo certo que a
leitura (e depósito) da decisão fora efectuada a 15.12.2005 (fls. 1636 e 1638).
Consequentemente, nenhuma censura merece o acórdão recorrido na parte em que
rejeitou os recursos dos arguidos”.
1.3.
É desta decisão que, inconformado, o recorrente interpõe recurso para o Tribunal
Constitucional (fls. 2906 e ss.), ao abrigo do disposto no n.º 1, alínea b) do
artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), pretendendo sindicar a interpretação feita pelo Supremo
Tribunal de Justiça no sentido de que “não se verifica uma limitação/restrição
ao recurso a notificação apenas ao mandatário do Recorrente da necessidade de
proceder ao pagamento de uma multa, mesmo quando a consequência do seu não
pagamento seja a rejeição do recurso”. No entender do ora recorrente, tal
interpretação é violadora do disposto no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da
República Portuguesa.
2.
Cabe, em primeiro lugar, delimitar o âmbito do presente recurso de
constitucionalidade.
Suscita o requerente a apreciação das normas previstas no artigo 145.º, n.º 6 do
Código de Processo Civil e das normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 107º
nº 5, 414º nº 2º e 420º nº 1, todas do Código de Processo Penal.
Contudo, o Tribunal só se pronunciará sobre a dimensão interpretativa suscitada
por referência ao disposto nos artigos 145.º, n.º 6 do Código de Processo Civil
e 113.º, n.º 9 do Código de Processo Penal, pois só estes foram aplicados
enquanto ratio decidendi da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3.
Recorre o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que
lhe não admite o recurso por causa que determina a sua não admissão – no caso, o
recurso ser intempestivo porque interposto para além do prazo determinado por
lei (foi apresentado no 3ª dia após o terminus do prazo) e não ter sido paga a
correspondente multa comunicada.
Importa desde já referir que, como é sabido, não compete ao Tribunal
Constitucional pronunciar-se sobre a bondade, ao nível da interpretação do
direito ordinário, do critério adoptado no acórdão recorrido, no sentido de que
da regra contida na 1ª parte do n.º 9 do artigo 113.º do CPP não se impõe a
notificação ao arguido, mas antes se basta com a notificação de determinado acto
a praticar ao defensor do mesmo. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça
confirmou a decisão da Relação de Évora por considerar que só nos casos
enumerados na 2ª parte do artigo 113.º, n.º 9 “é que é obrigatória a notificação
pessoal dos sujeitos processuais. Nos restantes, é suficiente a notificação do
mandatário forense”.
O entendimento defendido foi, pois, o de que a notificação ao defensor para
pagamento de uma multa sem o conhecimento, no mesmo momento, do arguido – dado
que o tribunal recorrido não considerou que a notificação pessoal do mesmo se
impunha – era suficiente e era, necessariamente, o imposto pela lei e, também, o
visado teleologicamente pelo legislador.
Ou seja, considerou o tribunal recorrido que o conhecimento pessoal da
notificação para pagamento da multa pelo arguido era irrelevante: efectivamente,
o tribunal recorrido não definiu o direito aplicado de acordo com critérios
relacionados com a alegação do recorrente, mas entendeu como bastante o critério
normativo-literal estabelecido pelo legislador ordinário segundo o qual a
comunicação ao defensor da necessidade de pagamento da multa para que o recurso
interposto fora de prazo fosse admitido é bastante e suficiente para que o
direito ao recurso seja assegurado.
A intenção do legislador ordinário ao concretizar dois segmentos distintos no
dispositivo legal contido no n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal
foi a de distinguir as situações de suficiência da notificação ao mandatário do
arguido (interpretação feita da 1.ª parte do n.º 9 do artigo 113.º do Código de
Processo Penal) daqueloutras em que, por respeitarem a fases cruciais para o
desfecho do processo, se impõe a notificação quer do arguido, quer do seu
advogado (2ª parte do mesmo preceito legal). São, obviamente, estas últimas as
notificações respeitantes a actos e decisões processuais relevantes na condução
do processo, com repercussão na decisão da causa ou afectando directamente as
partes (de que estas não podem deixar de ter conhecimento pessoal) e não todas
as outras situações que se situam fora deste elenco e que não justificam a
notificação pessoal das partes, como por exemplo, as notificações respeitantes a
actos ou despachos de mero expediente ou a actos de secretaria.
Como se disse no Acórdão deste Tribunal n.º 723/98 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) as multas aplicadas não integram o 'preço' do
serviço de justiça, não constituem a contrapartida da prestação de qualquer
serviço público. As multas têm antes carácter sancionatório, são sanções
processuais, de natureza pecuniária, impostas à parte que, no decurso do
processo, não cumpre adequada e tempestivamente os seus deveres.
O dever de pagar a multa tem natureza meramente processual, e não corresponde a
nada mais do que a exigência de contrapartida por uma actividade processual
negligente. A Constituição não impõe, sequer, ao legislador ordinário que admita
este tipo de actividade processual.
Assim, o entendimento defendido pelo recorrente “só poderia valer se se
desconsiderassem os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o
defensor do arguido”, como, correctamente, se sublinhou nos Acórdãos n.ºs 59/99
e 109/99 (publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 30
de Março de 1999 e de 15 de Junho de 1999).
Não existe, consequentemente, com a dimensão interpretativa fixada no acórdão
recorrido do disposto na 1ª parte, do n.º 9 do artigo 113.º do Código de
Processo Penal qualquer restrição a um direito – no caso, o direito a ver
asseguradas todas as garantias de defesa do arguido, maxime, o direito ao
recurso – que possa considerar-se não admitida pela Constituição da República.
Para efeito do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, a suscitação desta questão de inconstitucionalidade deve
considerar-se manifestamente infundada.
4.
Decide-se, em consequência, proferir decisão sumária de não conhecimento do
presente recurso de constitucionalidade.
[...]»
Contra esta decisão reclama A., dizendo em conclusão:
“1-Por douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, foi decidido manter a
decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora.
2-No acórdão em referência os Meritíssimos Juízes Desembargadores do Venerando
Tribunal da Relação de Évora decidiram: “Rejeitam o recurso interposto pelos
arguidos B., A., C., D. e E., de harmonia com o artigo 420º do Código de
Processo Penal”.
3- Não pode o aqui Reclamante entender o aliás douto acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça... por inconformado o aqui Recorrente interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional.
4-Também não se conforma o aqui Reclamante com a aliás douta decisão sumária
proferida pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator.
5-Entende o aqui Recorrente que se jogam aqui garantias e direitos
constitucionalmente garantidos, nomeadamente o direito ao recurso.
6-A questão da inconstitucionalidade da norma foi suscitada em sede de
motivações e conclusões de recurso interposto para o Supremo Tribunal de
Justiça, que deu origem ao Processo n.º 4680/06-5.
7-Com o presente recurso o aqui Reclamante pretende ver apreciada a
inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 145º, nº. 6 do Código de
Processo Civil, 61º, 107º, nº. 5, 113º, 414º, nº. 2 e 420º, nº. 1, todos do
Código de Processo Penal,
(…)
8-Pergunta o aqui Reclamante:
A)…..A não notificação pessoal do aqui Recorrente da necessidade de efectuar o
pagamento de uma multa, que implica a imediata rejeição do recurso, não resulta
inconstitucional quando faz precludir o direito de recorrer?
8)…..A enumeração prevista no n.º 9 do artigo 113º do Código de Processo Penal é
uma enumeração exaustiva, sendo que só nos casos nele previstos é obrigatória a
notificação pessoal dos sujeitos processuais?
C)…..Sabendo-se qual a consequência do não pagamento de uma multa - rejeição do
recurso - não tinha o Tribunal que notificar pessoalmente o aqui Recorrente para
os efeitos previstos no n º 6, do artigo 145º do Código de Processo Civil?
D)…..Não era esta uma fase/acto ou momento decisivo do processo, com
repercussões na decisão final da causa?
E) Não era esta uma fase/acto ou momento que afecta directamente o aqui
Recorrente?
9-A norma constante do artigo 113º do Código de Processo Penal, assim
interpretada é inconstitucional, por derrogação do artigo 32º da Constituição da
República Portuguesa.
10-Entende o aqui Reclamante que a referida norma aplicada com a interpretação
que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça esbarra claramente com o
Direito ao Recurso. A referida norma assim interpretada colide manifestamente
com princípios constitucionalmente consagrados, por violadora do princípio geral
sobre garantias de defesa e do direito ao recurso.
11-Nos termos da redacção dada ao artigo 113º, n.º 9 do Código de Processo Penal
as notificações podem ser feitas ao defensor ou advogado do arguido,
ressalvando-se as que directamente possam colocar em questão uma ampla e
efectiva defesa ou possam condicionar a resolução do processo.
12-As normas constantes dos artigos 145º, n.º 6 do Código de Processo Civil,
61º, 107º, n.º 5, 113º, 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, todos do Código de Processo
Penal, quando interpretadas como o fez o Supremo Tribunal de Justiça são
inconstitucionais, pois, violam de forma clara e objectiva o disposto no artigo
32º da Constituição da República Portuguesa.
13-A norma constante do artigo 113º do Código de Processo Penal, assim
interpretada é inconstitucional, por derrogação do artigo 32º da Constituição da
República Portuguesa.
14-Nos termos da redacção dada ao artigo 113º, n.º 9 do Código de Processo Penal
as notificações podem ser feitas ao defensor ou advogado do arguido,
ressalvando-se as que directamente possam colocar em questão uma ampla e
efectiva defesa ou possam condicionar a resolução do processo.
15-Entende o aqui Reclamante que deve o presente recurso deve ser considerado
procedente por provado e em consequência deverá ser revogado o aliás douto
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com todas as consequências legais.
16-Mais deve o aqui Reclamante ser notificado pessoalmente para proceder ao
pagamento da multa, com a cominação de que a falta de pagamento da mesma implica
a perda do direito a recorrer.
17-Entende o aqui Reclamante que deveria ter sido notificado pessoalmente para
proceder ao pagamento da multa, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 9, do
artigo 113º do Código de Processo Penal, o que não sucedeu, pois, conforme
melhor resulta dos autos, apenas o seu mandatário foi notificado.
18-Também entende que não são só os actos referidos no artigo supra referenciado
que devem ser obrigatoriamente notificados de forma pessoal os sujeitos
processuais, sendo que não se mostra suficiente a notificação ao defensor.
19-Tal entendimento resulta do facto de ser este um momento decisivo do
processo, com directas repercussões na decisão da causa.
20-Tal entendimento resulta também do facto de este ser um momento que afecta
directamente o aqui Reclamante.
21-Tal entendimento resulta do facto de os arguidos serem sempre notificados,
por exemplo:
A)-da necessidade de junção aos autos de procuração forense sob pena de rejeição
do recurso;
B)- da conta de custas e demais encargos com o processo.
22-Mais entende o aqui Reclamante que a notificação pessoal no caso em que a
consequência é a rejeição do recurso apresentado, não colide com o regular
exercício do mandato forense.
23-O aqui Reclamante entende também que apesar de o incumprimento dos deveres do
mandatário importarem responsabilidade contratual e disciplinar, tal não releva
quando se coloca em questão a impossibilidade de ver analisada em segunda
instância a matéria de facto dada como provada.
24-Em face de tudo o supra exposto, em face dos factos relatados, em face de
todos os elementos constantes dos autos entende o aqui Recorrente que com o mui
douto acórdão de que ora se recorre foram violadas as seguintes disposições
legais:
- 145º, n.º 6 do Código de Processo Civil
- 61º do Código de Processo Penal
- 107º do Código de Processo Penal
- 113º do Código de Processo Penal
- 414º do Código de Processo Penal
- 420º do Código de Processo Penal
- 32º da Constituição da República Portuguesa
25-Em face do disposto no artigo 113º do Código de Processo Penal e, em face do
disposto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa deveria o Supremo
Tribunal de Justiça ter considerado procedente por provado o recurso apresentado
com todas as consequências legais.
26-Isso Porque:
A) O aqui Recorrente deveria ter sido pessoalmente notificado para pagar a multa
a que alude o n.º 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil;
B) Tal notificação é imposta pelo n.º 9 do artigo 113º do Código de Processo
Penal;
C) Tal notificação integra-se no espírito do artigo 32º da Constituição da
República Portuguesa.
D) O n º 9 do artigo 113º do Código de Processo Penal não apresenta uma
enumeração exaustiva das situações em que é obrigatória a notificação pessoal
aos sujeitos processuais, antes apresenta um conjunto de actos/momentos que por
decisivos devem ser pessoalmente notificados aos sujeitos processuais.
27-Assim,tendo em atenção a consequência do não pagamento da multa — rejeição do
recurso; tendo em atenção que é um momento decisivo para decisão da causa e que
afecta directamente os sujeitos processuais, tendo em atenção que é um momento
em que se determina a possibilidade de ver analisada em segunda instância a
matéria de facto, deveria o aqui Recorrente ter sido notificado pessoalmente
para proceder ao pagamento da multa.
28-Com a interpretação dada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foi
claramente violado, no entender do aqui Recorrente, o direito ao recurso, cuja
dignidade transparece através da sua consagração constitucional.
(…)”
O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional responde:
1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente, em nada abalando a longa
exposição do reclamante os fundamentos da decisão reclamada.
2º
Sendo, a nosso ver, evidente que o princípio constitucional das garantias de
defesa não impõe que todos os actos processuais — susceptíveis de se
repercutirem negativamente na situação processual do arguido — tenham de ser
simultaneamente notificados ao arguido e respectivo defensor.
3º
Esquecendo o recorrente que o processo penal tem de realizar uma articulação
adequada entre as exigências de celeridade e praticabilidade e o “máximo
absoluto” das garantias de defesa — não tendo ainda em consideração o peculiar
papel que cabe ao defensor do arguido na condução do processo e, muito em
particular, na prática e acompanhamento dos actos que — como a interposição e
fundamentação do recurso — envolvem necessariamente a consideração da matéria de
direito.
2. Cumpre decidir, começando por reafirmar a decisão na parte em que
procedeu à delimitação objectiva do recurso, decisão que o reclamante, aliás,
não chega a pôr directamente em causa na sua reclamação, embora continue a
insistir na pretensão de apreciação de um conjunto de normas constantes dos
artigos 145º n.º 6 do Código de Processo Civil e 113º n.º 9, 107º nº 5, 414º nº
2º e 420º nº 1 do Código de Processo Penal. O recurso deve, com efeito,
restringir-se unicamente às normas dos artigos 145º n.º 6 do Código de Processo
Civil e 113º n.º 9 do Código de Processo Penal, pois só estas foram aplicadas
como ratio decidendi da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça.
A argumentação trazida pelo reclamante na reclamação não apresenta qualquer novo
argumento que possa abalar a decisão sumária ora reclamada quanto ao julgamento
de que as aludidas normas, quando aplicadas no sentido de que 'é suficiente a
notificação ao mandatário do arguido da necessidade de proceder ao pagamento de
uma multa, mesmo quando a consequência do seu não pagamento seja a rejeição do
recurso', não ofendem a Constituição, entendimento que, por isso, o Tribunal se
limita aqui a reafirmar.
3. Em face do exposto, o Tribunal decide indeferir a reclamação,
confirmando a decisão sumária que julgou o recurso manifestamente improcedente.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte (20) UC.
Lisboa, 15 de Junho de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão