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Processo nº 626/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram 
 como recorrente a Região Autónoma da Madeira e como recorrido o Ministério 
 Público, foi interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro (Lei do Tribunal Constitucional).
 Em 22 de Outubro de 2007 foi proferida decisão sumária em que se decidiu não 
 tomar conhecimento do recurso, com os seguintes fundamentos: 
 
  
 
 3.  Analisados os autos, conclui-se que é de proferir decisão sumária, ao abrigo 
 do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei 
 do Tribunal Constitucional).
 Segundo o requerimento de recurso, o presente recurso de constitucionalidade é 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 Como muito bem se sabe – e como inúmeras vezes tem sido repetido por este 
 Tribunal – através deste tipo de recursos [previstos, antes do mais, pela alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição] só pode o Tribunal Constitucional 
 conhecer de questões relativas à constitucionalidade de normas. As decisões 
 judiciais, em si mesmas consideradas, não são em direito português objecto de 
 controlo de constitucionalidade. Daí que, para o Tribunal Constitucional, surja 
 naturalmente como um dado a norma de direito infra-constitucional que é 
 questionada no recurso. Como se disse no Acórdão n.º 44/85, “saber se a norma 
 era ou não aplicável ao caso, ou se foi ou não bem aplicada – isso é da 
 competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal Constitucional.” (Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, p. 408).
 A exigência de prévia suscitação da questão de constitucionalidade (prévia em 
 relação à prolação da decisão recorrida) faz assim todo o sentido no quadro dos 
 pressupostos do recurso de constitucionalidade. Tratando-se este de um recurso 
 que incide sobre normas e não sobre decisões, lógico é que se pressuponha que o 
 tribunal a quo, de cuja decisão se recorre, tenha nessa mesma decisão aplicado a 
 norma cuja constitucionalidade se questiona, pelo que tal questionamento terá 
 que ter sido feito pelo próprio recorrente durante o processo, isto é, antes da 
 prolação das decisão recorrida.
 Nos termos do artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da Lei do Tribunal Constitucional, 
 incumbe também às partes o ónus de indicar a norma que pretendem submeter à 
 apreciação do Tribunal Constitucional, já que, como é sabido, também no recurso 
 de fiscalização concreta da constitucionalidade vigora o princípio do pedido 
 
 (artigo 79.º‑C da Lei do Tribunal Constitucional), ou seja, os poderes de 
 cognição do Tribunal Constitucional estão limitados pelo pedido. Assim, cabe ao 
 recorrente, no requerimento de interposição do recurso, a definição precisa do 
 seu objecto. Se apenas questiona uma dada dimensão ou interpretação de uma 
 norma, deve precisar o sentido que pretende ver submetido à apreciação do 
 Tribunal Constitucional, de modo a que, se tal norma vier a ser julgada 
 inconstitucional, o Tribunal Constitucional a possa enunciar na decisão e que o 
 tribunal recorrido saiba qual o sentido da norma que não pode ser aplicado por 
 desconforme com a Constituição. Tal necessidade de individualização do segmento 
 ou de enunciação do sentido ou interpretação normativos que a recorrente reputa 
 inconstitucional é particularmente evidente quando o preceito ao qual se imputa 
 a inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, contém vários segmentos 
 normativos, ou se reveste de várias dimensões ou sentidos interpretativos, 
 susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade diversas.
 Tudo isto não representa qualquer nova exigência não legalmente prevista, antes 
 resulta simplesmente do sentido e da função das exigências contidas no artigo 
 
 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da Lei do Tribunal Constitucional, 
 como tem sido esclarecido por uma jurisprudência firmemente estabelecida, 
 e amplamente conhecida, deste Tribunal – cfr., por exemplo, 
 os arestos indicados no Acórdão n.º 116/2002 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), como, por ex., o Acórdão n.º 199/88 (Diário da 
 República, II Série, de 28 de Março de 1989), onde se escreveu:
 
  
 
 [...] este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe cumpre 
 proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de ‘decisões’ – o 
 que exige que, ao suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, se deixe 
 claro qual o preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona, ou, 
 no caso de se questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido 
 ou a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental. 
 
 (Ver também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 178/95 – publicado no Diário da 
 República, II Série, de 21 de Junho de 1995 –, 521/95 e 1026/96, inéditos).
 
  
 
 4.  No caso dos autos, a recorrente sustenta, no requerimento de interposição do 
 recurso para este Tribunal, que “suscitou a inconstitucionalidade decorrente da 
 interpretação dada ao art.º 287.º do Código Penal, por negar o acesso ao Direito 
 e aos Tribunais e impedir a garantia da protecção jurídica, em violação do art.º 
 
 20.º da CRP”, sem especificar desde logo, e sem o ter feito sequer 
 posteriormente, na resposta ao convite a aperfeiçoamento desse requerimento que 
 para o efeito lhe foi efectuado, qual o sentido interpretativo, ou dimensão 
 normativa, do referido artigo, cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada 
 no recurso de constitucionalidade.
 A identificação do sentido da disposição aplicável que entendia inconstitucional 
 era, porém, ónus da recorrente, e um ónus cujo cumprimento era essencial para se 
 poder apreciar a constitucionalidade de uma qualquer particular interpretação da 
 disposição em causa: só esse cumprimento permitiria, por exemplo, averiguar se o 
 sentido normativo impugnado fora ou não efectivamente aplicado pela decisão 
 recorrida (e sendo certo que o preceito ao qual foi imputada a 
 inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, se pode revestir de várias 
 dimensões ou sentidos interpretativos, susceptíveis de suscitar questões de 
 constitucionalidade diversas, eventualmente passíveis, também, de respostas 
 distintas).
 Efectivamente, dizer que se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade de um 
 preceito na interpretação normativa que lhe é dada por uma decisão judicial 
 recorrida não é identificar essa interpretação normativa. Antes, ao limitar-se a 
 remeter para a interpretação que ao preceito é dada pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa, a recorrente mais não está do que a transferir para o Tribunal 
 Constitucional o ónus, que sobre ela impende, de identificar o objecto do 
 recurso.
 Note-se que se trata de um problema central do recurso de constitucionalidade: o 
 da definição do respectivo objecto, em termos de o Tribunal Constitucional ter 
 competência para o julgar. 
 Nestes termos, decide-se não conhecer do presente recurso.
 
  
 
  
 
 2.  Notificada desta decisão, a Região Autónoma da Madeira veio reclamar para a 
 conferência, dizendo o seguinte: 
 
  
 
 1.  É princípio geral de direito processual de todas as jurisdições mas que, por 
 
 óbvias razões, ganha maior sentido e alcance na jurisdição constitucional, cujo 
 recurso é irrenunciável, o da maior amplitude na admissibilidade e conhecimento 
 dos recursos. 
 
 2.  Parece, com o devido respeito, que, no presente caso, vem acontecendo 
 exactamente o contrário. 
 
 3.  Nos termos do n° 1., do art° 75°-A da Lei n° 28/82, de 15/11: 
 
 “O recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, 
 no qual se indique a alínea do n° 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é 
 interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o 
 Tribunal aprecie”. 
 
 4.  Por sua vez, o n° 2., da mesma disposição refere: 
 
 “Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n° 1 do artigo 70°, 
 do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio 
 constitucional ou legal se considera violado, bem como da peça processual em que 
 o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade”. 
 
 5.  Vejamos, então, se o requerimento de interposição do recurso apresentado 
 pela requerente, satisfazia, ou não, as exigências legais, constantes das 
 disposições acima transcritas. 
 De tal requerimento de interposição de recurso constava: 
 
 “1. A recorrente interpõe o presente recurso nos termos do art° 70º, n° 1, 
 alínea b), da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro. 
 
 2. O ora recorrente suscitou a inconstitucionalidade decorrente da interpretação 
 dada ao art. 287° do Código Penal, por negar o acesso ao Direito e aos Tribunais 
 e impedir a garantia da protecção jurídica, em violação do art. 20° da CRP. 
 
 3. Tal inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações de recurso para o 
 Tribunal da Relação, mas precisamente na p. 14 e na conclusão n°13, ou seja 
 durante o processo e de forma explícita e tempestiva. 
 
 6.  Parece não restarem dúvidas de que as exigências processuais consignadas na 
 lei para a interposição do recurso foram integralmente satisfeitas. 
 
 7.  Em qualquer caso, o n° 5., do art° 75°-A, da citada Lei n°28/82, de 15/11, 
 estabelece: 
 
 “Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos 
 previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa 
 indicação no prazo de dez dias”. 
 
 8.  E o n° 6., do mesmo art° 75°-A, preceitua: 
 
 “O disposto nos números anteriores é aplicável pelo relator no Tribunal 
 Constitucional, quando o juiz ou o relator que admitiu o recurso de 
 constitucionalidade não tiver feito o convite referido no n° 5”. 
 
 9.  A Meritíssima Juíza Conselheira Relatora teve, porém, uma dúvida (e só uma), 
 ou seja, a necessidade de ser esclarecida sobre “qual a norma cuja 
 inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie”. 
 
 10.  Efectivamente, por douto despacho de fls. ordenou: 
 
 “Nos termos do n° 5 do art. 75°-A do Tribunal Constitucional (Lei n° 28/82) 
 convido o requerente a indicar, com maior precisão, qual a norma cuja 
 inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie”. 
 
 11.  A Senhora Juíza Conselheira não teve qualquer outra dúvida, nem considerou 
 que o requerimento de interposição do recurso contivesse qualquer outra 
 insuficiência suprível, pois, por certo, por razões até da mais elementar boa 
 fé, tê-lo-ia enunciado no mesmo despacho e determinado o seu suprimento. 
 
 12.  Se a requerente nada dissesse, ou seja, não respondesse ao convite, teria a 
 sorte prevista no n° 7., do art° 75°-A: - o recurso era logo julgado deserto 
 
 (mas só nesse caso). 
 
 13.  Porém, a Meritíssima Juíza Conselheira-Relatora só tinha uma dúvida – a de 
 qual a norma cuja inconstitucionalidade se pretendia que o Tribunal apreciasse. 
 
 14.  E percebeu-se, em princípio, a necessidade de esclarecimento, em nome do 
 rigor, que a Meritíssima Juíza Conselheira-Relatora teve, pois, por lapso de 
 escrita, manifesto, como se via de todo o processo, a requerente, no 
 requerimento de interposição do recurso, referia-se ao art° 287° do Código 
 Penal, quando queria referir o art° 287° do CPPenal. 
 
 15.  Dando satisfação e cumprimento ao douto despacho de aperfeiçoamento, a 
 requerente apresentou o seguinte requerimento: 
 
 “A REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA, recorrente nos autos à margem identificados, em 
 que é recorrido o Ministério Público, vem, em cumprimento do douto despacho de 
 fls., esclarecer qual a norma que, no seu entender, e por força da interpretação 
 dada pelo Acórdão recorrido, confirmativa da interpretação dada pela 1ª 
 Instância, é inconstitucionalizada, por violação do art° 20º da C.R.P., ou seja, 
 por obstar ao efectivo acesso ao Direito e à Justiça. 
 Trata-se do art° 287° do Código de Processo Penal (e não Código Penal como por 
 lapso se referiu no requerimento de interposição de recurso). 
 Efectivamente, rejeitou-se o requerimento de abertura de instrução por 
 inadmissibilidade legal, o que corresponde a uma inconstitucionalização da 
 interpretação e aplicação do art° 287° do CPPenal. (V. citado Acórdão da Relação 
 de Lisboa, de 95-07-12, bem como o Acórdão do S.T.J., de 26-04-2000)”. 
 
 16.  Ora, com todo o respeito, das duas, uma: - ou o esclarecimento pedido pelo 
 Tribunal, e dado pela requerente, era necessário, e bastante, para se conhecer 
 do recurso, e tal despacho justificou-se, como se justificou o seu cumprimento, 
 e o Tribunal, outra alternativa já não tinha, senão a de conhecer do recurso, 
 ou, não adiantava, nem atrasava, e então estávamos perante um acto inútil. 
 
 17.  Não é, porém, pensável, nem admissível, que o Tribunal Constitucional 
 pratique e (ou) faça praticar actos inúteis, que a lei processual claramente 
 proíbe (art° 137° do CPCivil). 
 
 18.  Acresce que, como se pode ver do requerimento acima transcrito, a 
 requerente teve o cuidado de explicitar, naquele requerimento, em que consistia 
 a inconstitucionalidade do art° 287° do CPPenal, ou seja, que a interpretação 
 dada pela 1ª Instância e pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao art° 287° do 
 CPPenal, inconstitucionalizava aquela norma, na medida em que obstava ao 
 efectivo acesso ao Direito e à Justiça, violando o art° 20º da Constituição. 
 
 19.  Assim, e por força das mais elementares regras da boa fé, e na legítima 
 expectativa de estarem supridas as insuficiências e na razoável convicção, de 
 que não estávamos perante actos inúteis, outra alternativa não podia, (nem 
 pode), haver que não seja a de se conhecer o recurso. 
 
 20.  Além do mais, e como se demonstrou, não é, nesta fase, exigível à 
 requerente que, no requerimento de interposição de recurso, adiantasse ou 
 consignasse mais do que dele fez constar e que melhor explicitou ou concretizou, 
 com o aperfeiçoamento determinado. 
 
 21.  É que, com a devida consideração, parece esquecer-se duas coisas 
 fundamentais: 
 
 •   Primeiro – Necessário é que a inconstitucionalidade tenha sido suscitada no 
 processo (e dentro do processo) no Tribunal comum – o que aconteceu; 
 
 •   Segundo – Nesta fase, a lei não exige ao requerente mais do que enunciou ao 
 Tribunal, sendo que, a seu tempo, uma vez que, seguindo o recurso os tramites da 
 apelação (art° 69° da Lei n° 28/82, infine), haverá lugar a alegações e aí sim, 
 o requerente explicará e demonstrará que, interpretado como o foi pelas 
 instâncias, o art° 287° do CPPenal é inconstitucional, por violação do art° 20º 
 da Constituição (V. ainda art° 79° da Lei n° 28/82). 
 
 22.  Finalmente, diga-se, também, que não é a decisão que se pretende seja 
 ajuizada, mas sim a inconstitucionalidade de norma na interpretação que lhe foi 
 dada, o que é bem diverso e tem sido objecto de apreciação e decisão deste 
 Tribunal, sem hesitação ou reserva. 
 
 23.  Deverá, pois, a conferência ordenar que seja conhecido o recurso, 
 evitando-se a decisão surpresa, em sentido inverso ao procedimento processual 
 adoptado, tornando-o inútil e atentando-se com os princípios da boa fé e da 
 maior admissibilidade dos recursos, ou seja, do maior acesso ao Direito e à 
 Justiça, exactamente o princípio violado na inconstitucionalidade suscitada.
 
  
 O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu 
 pela seguinte forma à reclamação:
 
  
 
 1°  A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2°  Na verdade a argumentação deduzida pela entidade reclamante em nada abala os 
 fundamentos da decisão reclamada, no que toca à insuficiente especificação da 
 dimensão normativa do preceito legal questionado. 
 
 3º  Apenas se aditando que o recurso sempre seria, subsidiariamente, de 
 perspectivar como manifestamente infundado, já que o direito de acesso à 
 justiça, reconhecido ao assistente, não dispensa o mesmo de, no requerimento que 
 apresenta para iniciar a fase de instrução, proceder a uma indicação e 
 enunciação bastantes dos factos penalmente relevantes que imputa aos arguidos, 
 devidamente identificados. 
 
 4º  Na verdade, a exigência de que o requerimento de abertura de instrução por 
 parte do assistente, no caso de arquivamento pelo Ministério Público, obedeça, 
 no essencial, aos requisitos de uma acusação não traduz qualquer exigência 
 formal desproporcionada, inadequada ou excessivamente onerosa, em nada afectando 
 o cumprimento de tal ónus, plenamente justificado à luz da teleologia da fase de 
 instrução, o acesso ao tribunal pelo pretenso ofendido.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 3.  Adianta-se já que, como defendeu o Ministério Público, a presente reclamação 
 
 é manifestamente improcedente.
 A decisão que é objecto da presente reclamação concluiu no sentido do não 
 conhecimento do recurso interposto, por não se poderem dar como cumpridas as 
 exigências contidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional: a indicação, no requerimento de interposição de recurso, da 
 norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
 
  
 Nos presentes autos, a fl. 412, a recorrente foi convidada a indicar, com maior 
 precisão, qual a norma cuja apreciação pretendia, face ao teor do requerimento 
 de recurso de constitucionalidade, onde constava:
 
  
 
 1.  A recorrente interpõe o presente recurso nos termos do art° 70°, n° 1, 
 alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. 
 
 2.  O ora recorrente suscitou a inconstitucionalidade decorrente da 
 interpretação dada ao art. 287° do Código Penal, por negar o acesso ao Direito e 
 aos Tribunais e impedir a garantia da protecção jurídica, em violação do art. 
 
 20° da CRP. 
 
 3.  Tal inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações de recurso para o 
 Tribunal da Relação, mais precisamente na p. 14 e na conclusão n°13, ou seja 
 durante o processo e de forma explícita e tempestiva. 
 
 4.  Estão, assim, preenchidos todos os pressupostos previstos nos arts. 70° e 
 
 75°-A da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, pelo que se requer a admissão do 
 presente recurso de constitucionalidade.
 
  
 De facto, não podia dar-se como satisfeito o requisito da indicação da norma, 
 uma vez que a recorrente se limitou a remeter para a interpretação que o 
 tribunal recorrido havia feito de determinado preceito legal, não podendo 
 considerar-se uma explicitação de tal interpretação a consideração segundo a 
 qual 
 
  
 
 (O)o ora recorrente suscitou a inconstitucionalidade decorrente da interpretação 
 dada ao art. 287° do Código Penal, por negar o acesso ao Direito e aos Tribunais 
 e impedir a garantia da protecção jurídica, em violação do art. 20° da CRP.
 
  
 Pelo que, e independentemente de se ter considerado que a referência ao artigo 
 
 287.° do “Código Penal” se deveu a mero lapso de escrita, pois nada tem a ver 
 com a questão controvertida, a recorrente foi convidada a indicar, com precisão, 
 qual a norma cuja apreciação pretendia, já que, se por um lado, este Tribunal 
 tem entendido, repetidamente, que pode ser questionado o preceito na sua 
 totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação (cf., entre 
 outros, o Acórdão n.º 232/02, publicado no Diário da República, II Série, de 18 
 de Julho de 2002, e disponível em www.tribunalconstitucional.pt); por outro, não 
 tem deixado de assinalar, reiteradamente, que, neste último caso, a recorrente 
 tem “o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido 
 normativo do preceito que considera inconstitucional” (Acórdão n.º 21/06, também 
 ele disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 Não obstante lhe ter sido dada oportunidade de aperfeiçoamento do requerimento 
 de interposição de recurso, a ora reclamante continuou a não dar satisfação às 
 exigências contidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional, ao responder ao convite que para o efeito lhe foi efectuado 
 dizendo: 
 
  
 Efectivamente, rejeitou-se o requerimento de abertura de instrução por 
 inadmissibilidade legal, o que corresponde a uma inconstitucionalização da 
 interpretação e aplicação do art° 287° do CPPenal. (V. citado Acórdão da Relação 
 de Lisboa, de 95-07-12, bem como o Acórdão do S.T.J., de 26‑04‑2000).
 
  
 Ao contrário do que agora sustenta na reclamação, convidada ao suprimento das 
 insuficiências do requerimento de interposição de recurso, a recorrente não 
 correspondeu à exigência de definição de uma norma - uma questão normativa - 
 susceptível de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional, o que justificou a 
 prolação da decisão ora reclamada. Ora, em conformidade com jurisprudência 
 reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional, afirmou-se no citado Acórdão 
 n.º 21/06:
 
  
 
 (…) identificar uma interpretação normativa é, no mínimo, indicar com precisão o 
 sentido dado à norma, para que o Tribunal, se vier a julgar inconstitucional 
 essa mesma norma - entendida nesse preciso sentido -, possa enunciar, na decisão 
 que proferir, de modo que todos os operadores jurídicos disso fiquem cientes, 
 qual a interpretação que não pode ser adoptada, por ser incompatível com a 
 Constituição. Foi isto, precisamente, o que o ora reclamante não fez, como podia 
 e devia, nem no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, nem, ao menos, na resposta ao convite que lhe foi formulado para 
 que identificasse “os requisitos exigidos pelos artigos 70º n.º 1 e 75º-A- n.º 
 
 1, da Lei 28/82”.
 
  
 Independentemente de quaisquer outras considerações, a decisão sumária no 
 sentido do não conhecimento do recurso merece, pois, ser confirmada.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 a reclamante em custas, com  20  unidades de conta de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 21 de Novembro de 2007
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão