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Processo n.º 1111/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 
             Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 2 
 de Outubro de 2007, que negou provimento ao recurso interposto do Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Penafiel.
 
  
 
             2 – O recorrente instaurou recurso contencioso contra o Vereador do 
 Pelouro da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, relativamente ao seu despacho 
 de 26 de Fevereiro de 2002, que o notificou para, no prazo de 30 dias, 
 
 “apresentar processo para obtenção da necessária licença de utilização para o 
 estabelecimento de mercearia, ou, em alternativa, para no mesmo prazo, proceder 
 ao encerramento do estabelecimento” e ao despacho, da mesma autoridade, de 17 de 
 Julho de 2002, que indeferiu a “requerida suspensão do prazo concedido pelo acto 
 anterior”.
 
             
 
             3 – Por despacho judicial, foi rejeitado o recurso contencioso, 
 relativamente ao primeiro daqueles despachos, por ter julgado que havia caducado 
 o direito à respectiva interposição.
 
             Tendo prosseguido o recurso relativamente ao segundo despacho, 
 foi-lhe negado provimento por sentença.
 
  
 
             4 – Inconformado com ambas as decisões, o recorrente interpôs 
 recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo, mas sem êxito.
 
             Na parte, circunstancialmente, relevante à compreensão do decidido, 
 discreteou-se na decisão recorrida do seguinte jeito:
 
  
 
 «II.3. DO DIREITO
 II.3.1. Vejamos em primeiro lugar do recurso respeitante ao despacho referido em 
 I.1.
 Tal decisão jurisdicional traduziu-se na rejeição do recurso contencioso por 
 haver caducado o direito à respectiva interposição.
 Como se viu o acto administrativo em causa, materializou-se em ordenar ao 
 interessado que no prazo de 30 dias apresentasse na Câmara Municipal processo 
 para obtenção da necessária licença de utilização para estabelecimento de 
 mercearia, ou, em alternativa, para no mesmo prazo, proceder ao encerramento de 
 tal estabelecimento. (cf. fls, 12 dos autos e 59 do Processo Administrativo).
 Tendo ainda em vista o que decorre do ponto I dos FACTOS, conclui-se ainda que a 
 notificação identificava o seu autor, bem como a data da sua prolação.
 Para a decisão ora impugnada, como ao acto administrativo eram assacados vícios 
 que, a procederem, levariam à sua anulabilidade, atento o disposto nos arts. 
 
 28º, nº 1, al. a) e 29º, 35º, nº 3, da LPTA, e como o recorrente fora notificado 
 do mesmo a 13.03.2002, à data da interposição do recurso (5.11.2002) já o prazo 
 de interposição de recurso se mostrava esgotado. 
 O recorrente em contestação do decidido, no essencial, alega que na p.i.. 
 imputou ao acto impugnado que se mostrava inquinado de vícios que levariam à sua 
 declaração de nulidade, pelo que a sua impugnação, atendendo a que, “a nulidade 
 dos actos administrativos pode ser arguida a todo o tempo e é, até, de 
 conhecimento oficioso, nos termos do art. 134° do CPA” (cf. conclusão 12. da 
 alegação) devia considera-se tempestiva, visto “que não lhe é aplicável o prazo 
 de caducidade do recurso contencioso previsto no art. 29° da LPTA, o qual é 
 restrito à mera anulabilidade” (ibidem). 
 Em abono da sua invocação, em síntese, afirma que relativamente ao acto 
 recorrido se verificou:
 
 - falta de audiência prévia do Recorrente, assim incorrendo em omissão de uma 
 formalidade essencial (cf. art. 100° do CPA, e art. 267°, nº 5 da CRP) 
 
 - faltarem as menções obrigatórias das alíneas c) e d) do nº 1, do art. 123° do 
 CPA – a enunciação do acto ou facto que dá origem ao acto recorrido e a sua 
 fundamentação de facto e de direito;
 
 - estando assim perante falta de elementos essenciais ao acto administrativo o 
 que gera a sua nulidade, nos termos do art. 133°, nº 1, do CPA; 
 
 - sendo a própria Constituição a prescrever, relativamente aos actos 
 administrativos que afectem direitos e interesses legalmente protegidos como é o 
 caso do acto recorrido que “carecem de fundamentação expressa e acessível” (art. 
 
 268°, nº 3);
 
 - mostrando-se assim violado o conteúdo essencial de um direito fundamental (cf. 
 art. 133°, nº 2, al. d), do CPA); 
 
 - pelo que o prazo para o recurso contencioso do primeiro acto recorrido apenas 
 se iniciou com a notificação do segundo acto recorrido, pois que, esse, refere o 
 acto ou facto que deu origem ao primeiro e a fundamentação de facto e de direito 
 no entender do Recorrido, que servirá a um e a outro. 
 
 - o primeiro acto recorrido só se torna definitivo e executório com o segundo, 
 como só com a notificação deste, que mantém, integralmente, aquele, se torna, 
 verdadeiramente, lesivo dos direitos do Recorrente. 
 
 - considera como violados “o disposto nos arts. 9º, 66°, 68°, 100°, 123°, e, 
 designadamente, nº 1, als. c) e d), 124°, nº 1, al. a), 133°, nº 1 e nº 2, al. 
 d), 134°, nºs 1 e 2, 138°, 140° e 141° do CPA e, ainda, o disposto nos arts. 
 
 267°, nº 5 e 268°, nº 3, da Constituição da República Portuguesa”.
 Vejamos:
 O conteúdo dispositivo do acto em causa traduziu-se (i) na asserção de que o 
 estabelecimento de mercearia do recorrente carecia de licença de utilização, e 
 
 (ii) em intimação do interessado para desencadear na Câmara e no prazo que lhe 
 foi indicado o respectivo processo, ou, em alternativa, para no mesmo prazo, 
 proceder ao seu encerramento.
 Analisemos as invocações do recorrente tendentes à demonstração de que, por se 
 estar perante a falta de audiência prévia e de fundamentação se estaria perante 
 vícios que conduziam à nulidade daquele acto, concretamente porque faltariam 
 elementos essenciais do acto.
 Ora, o conceito de “elementos essenciais do acto administrativo” para efeitos do 
 art. 133.º, n.º 1, do CPA, tem a ver com a densificação desses elementos, que 
 decorre dos tipos de actos em causa ou da gravidade dos vícios que os afecta, 
 podendo pois dizer-se que são nulos, nos termos daquele normativo, os actos a 
 que falte qualquer dos elementos indispensáveis para que se possa constituir 
 qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam cada espécie 
 concreta, ou feridos de vícios graves e decisivos equiparáveis àquela 
 carência[1].
 
  Mas assim sendo, há que dizer que a formalidade da audiência prévia não 
 contende com a estrutura [a ideia de essencialidade estrutural ou funcional de 
 que fala o Prof. Vieira de Andrade, citado naquele acórdão do STA de 17-02-2004] 
 ou perfeição do acto administrativo, constituindo antes elemento do procedimento 
 administrativo tendente à produção do acto; e o dever de fundamentação dos actos 
 possui uma natureza meramente instrumental constituindo um conceito relativo, 
 que varia em função do concreto tipo de acto. “A exigência de fundamentação diz 
 respeito ao modo de exteriorização formal do acto administrativo e não à 
 validade substancial do respectivo conteúdo ou pressupostos”, sendo relevante a 
 tal respeito o “esclarecimento das razões da decisão, no sentido da sua 
 determinabilidade e não no sentido da sua indiscutibilidade substancial ou da 
 sua convincência' (Acs. do STA de 04-07-2002, Rec. 0616/02, e de 19.12.2001, 
 Rec. 47774).
 Como a jurisprudência do STA vem afirmando, a falta de audiência do interessado, 
 prevista no art. 100º do CPA, quando devida, gera, em princípio, mera 
 anulabilidade, pois, não sendo o direito de ser ouvido um direito fundamental, é 
 de aplicar a regra geral contida no art. 135º do mesmo Código.
 A função instrumental do direito de audiência, como se expendia já no acórdão de 
 
 01/03/2000 (Rec. 44545) torna incompreensível que se lhe atribua a dignidade de 
 direito fundamental – e, muito menos, que se considere que a sua preterição 
 ofende 'o conteúdo essencial de um direito fundamental' (art. 133º, nº 2, alínea 
 d, do CPA) em termos de que tal gravidade justifique o seu sancionamento com a 
 nulidade do acto conclusivo do respectivo procedimento – quando o direito 
 substantivo em causa no procedimento não merece, ele próprio, a qualificação de 
 direito fundamental. 
 E, é justamente o que ocorre no caso presente, em que o direito substantivo em 
 causa – o direito à licença de utilização de um estabelecimento – não reveste as 
 características de direito fundamental.
 Também no que à fundamentação dos actos administrativos, em si mesma concerne, 
 constituindo um direito instrumental ou formal, com vista à defesa de outros de 
 conteúdo material, também não contende com algum direito fundamental, salvo se 
 em concreto serve a defesa de um direito desta natureza, o que, como se viu, não 
 
 é o caso dos autos. 
 Estando em discussão a natureza de vício que inquina o acto – anulabilidade ou 
 nulidade (por pretensa preterição dos deveres de audiência e de fundamentação), 
 concretamente para aferir da tempestividade da impugnação –, ou seja a 
 
 (in)validade do acto, a alusão neste âmbito à notificação de acto administrativo 
 que não contenha os seus elementos essenciais (cf. conclusão 14), constitui 
 questão de todo impertinente, por respeitar à eficácia do acto, até pelo que 
 acima se deixou referido sobre o que a propósito foi registado em sede de 
 probatório.
 Pelas mesmas razões e tendo em vista o já exposto a respeito do nº 1 do art. 
 
 123º do CPA, e não se integrando a invocação do mais que é alegado no elenco das 
 nulidades (concretamente no enunciado no nº 2 daquele dispositivo), não pode a 
 mesma deixar de improceder.
 Face ao exposto o haverá que manter decidido.
 
  
 II.3.2. Vejamos agora do recurso respeitante à sentença (referida em I.2.).
 A sentença recorrida, por entender que tal constituía a questão essencial a 
 decidir, apreciou se assistia fundamento ao pedido de suspensão do prazo a que 
 se referia o acto de que se tratou em I.1., face ao regime legal respectivo, 
 tendo concluído pela negativa. 
 Para assim concluir, e arrancando da matéria factual que seleccionou, ponderou a 
 circunstância de nunca o recorrente haver feito prova da existência de “alvará 
 de licença sanitária”, sendo que era a ele que cumpria fazer a respectiva prova, 
 tendo em vista a previsão do art. 33.º[2], do Dec. Lei 370/99 de 16 de Setembro, 
 pois que apenas fora exibido um atestado de fiscalização sanitária anual passado 
 para o ano económico de 1957, não se apresentando outro atestado anual ou outro 
 alvará de licença sanitária, concretamente o Alvará de Licença Sanitária emitida 
 ao abrigo da Portaria nº 6.065, de 30 de Março de 1929.
 Censura o decidido o recorrente nos termos já vistos.
 Importa que se adiante, desde já, que a denegação de provimento ao recurso 
 contencioso contida na sentença deve manter-se.
 Na verdade, o conteúdo dispositivo do acto prendeu-se com o indeferimento do 
 pedido de suspensão (por 60 dias) do prazo para obtenção da licença de 
 utilização, ou encerramento do estabelecimento, por haver entendido que a pedida 
 suspensão nada resolveria, prazo esse que havia sido fixado no acto referido em 
 I.1., e de que já acima se tratou.
 Ou seja, a um acto administrativo que, nos termos já vistos, depois de ter 
 asseverado que o estabelecimento de mercearia do recorrente carecia de licença 
 de utilização, determinou ao interessado que, em dado prazo (de 30 dias) 
 desencadeasse processo para a sua obtenção, ou, em alternativa, para no mesmo 
 prazo, proceder ao encerramento de tal estabelecimento, seguiu-se um outro que 
 indeferiu o pedido de suspensão daquele mesmo prazo.
 Naturalmente que cada uma dessas decisões administrativas é susceptível de se 
 mostrar inquinada de vícios próprios inerentes à sua própria estatuição, não 
 sendo, em princípio, transponíveis para a impugnação de cada uma delas os vícios 
 que são típicos de cada uma das outras, desde logo porque a cada uma preside 
 regime jurídico próprio. 
 Assim, para aquilatar da (in)validade de um acto que indeferiu pedido de 
 suspensão de prazo terá que se indagar do regime a que estava subordinado um tal 
 prazo, concretamente se, e em que termos, admitia a sua suspensão.
 Em conformidade, a decisão recorrida, entrando na decisão da aludida questão 
 essencial que enunciou, concluiu que as “disposições legais apontadas pelo 
 recorrente como violadas pelo acto recorrido nada têm a ver com a questão da 
 permissão ou não da prorrogação do prazo requerido pelo recorrente, pois nenhuma 
 delas permite a prorrogação desse prazo”, mais ali se acrescentando que a 
 questão da necessidade ou não da obtenção da licença de utilização se prendia 
 com o anterior despacho que lhe fixara prazo para dar início do respectivo 
 procedimento. 
 Efectivamente, a indagação sobre a necessidade (ou não) da obtenção da licença 
 de utilização relativamente ao estabelecimento em causa (re)abriria uma 
 discussão que tinha a sua sede própria na impugnação do acto referido em I.1, 
 por se prender com a legalidade do acto que determinou que o aqui recorrente 
 apresentasse na Câmara processo para a obtenção daquela licença.
 Ora, na sua alegação de recurso, o recorrente, em resumo, para além de suscitar 
 questões – como a da inexistência do alvará de licença sanitária e sobre quem 
 competia o respectivo ónus de prova –, sustenta que o prazo de 30 dias para dar 
 início ao procedimento para obter a licença de utilização lhe fora fixado 
 livremente pela Administração, acrescentando que era susceptível de prorrogação. 
 
 
 Só que, como se alcança do probatório, o despacho impugnado assentou na 
 convicção de que, face à inacção do recorrente em apresentar no prazo ali 
 indicado o pedido de licenciamento (“uma vez que, em 12 de Janeiro de 2002, já 
 havia decorrido o prazo consagrado no nº 1 do art. 32º do Dec. Lei 370/99”), “o 
 pedido de suspensão…não irá resolver a situação em crise” (cf. ponto 3º).
 Refere o Ministério Público no seu aludido parecer, que se tratou “de uma 
 decisão discricionária do recorrido, ancorada em motivação de ordem pragmática e 
 sem apelo a dispositivos legais, nada tendo a ver com uma eventual 
 improrrogabilidade do prazo que lhe fora concedido”.
 Efectivamente, segundo aquele artigo 32.º do citado DL 370/99, sob a epígrafe 
 estabelecimentos sem anterior licença sanitária ou autorização de funcionamento:
 
 “1 - Os estabelecimentos abrangidos pelo presente diploma já em funcionamento, 
 que não possuam o alvará de licença sanitária previsto na Portaria n.º 6065, de 
 
 30 de Março de 1929, ou a autorização de funcionamento emitida ao abrigo da 
 Portaria n.º 22970, de 20 de Outubro de 1967 e do Despacho Normativo n.º 148/83, 
 de 25 de Junho, ou de legislação anterior, dispõem do prazo de um ano para 
 requerer a licença de utilização prevista no presente diploma e de dois anos 
 para procederem às adaptações exigidas. 
 
 2 - Quando, por razões de ordem arquitectónica ou técnica, não possam ser 
 integralmente cumpridos os requisitos exigíveis para o tipo de estabelecimento 
 em causa, deve o seu titular propor soluções alternativas, as quais serão 
 apreciadas pela câmara municipal, com vista à respectiva aprovação”. 
 Ora, para além dos referidos prazos, não se antolha qualquer outra previsão 
 legal referente à matéria, bem como a possibilidade de alguma prorrogabilidade 
 ou suspensão do procedimento, pelo que se compreende a aludida posição de 
 incredulidade da Administração.
 Aliás, o recorrente, para justificar a prorrogabilidade do prazo, afirma 
 estar-se em presença, não “do prazo previsto no art. 32º do DL nº 370/99, mas, 
 antes, do prazo de 30 dias concedido – discricionária, infundamentadamente e sem 
 que se encontre previsto em qualquer dispositivo legal – pela Administração…” 
 
 (cf. conclusão 14), não sendo “um prazo fixado por Lei, mas, antes, fixado 
 livremente pela Administração” (cf. conclusão 15). 
 Assim sendo, quando pelo acto impugnado foi indeferido o pedido de suspensão de 
 prazo, e tendo presente, como se refere no probatório, que já havia muito que 
 decorrera o prazo consagrado no citado nº 1 do art. 32º do Dec. Lei 370/99, 
 caberia alegar e provar que se incorrera nalgum dos vícios que enformam a 
 actuação discricionária da Administração (com destaque para o desvio de poder, 
 ou violação de princípios da igualdade e proporcionalidade), o que se não 
 encetou.
 Como assim, o que vem invocado em impugnação do decidido – como a questão 
 jurídica da existência ou não do alvará de licença sanitária e da repartição do 
 
 ónus da prova pertinente –, e com também refere com pertinência o Ministério 
 Público, configura questões alheias à apreciação da legalidade do acto 
 impugnado, antes contendendo com o anterior acto que havia determinado prazo 
 para o desencadeamento do procedimento necessário à obtenção da licença 
 sanitária, cuja sindicância contenciosa foi rejeitada, por intempestiva». 
 
  
 
             5 – Dizendo-se, mais uma vez, inconformado, o recorrente interpôs 
 recurso para o Tribunal Constitucional, através de requerimento do seguinte 
 teor:
 
  
 
    «Sendo, quanto ao primeiro acto administrativo recorrido e ao primeiro 
 recurso jurisdicional interposto, as normas constitucionais violadas os arts. 
 
 267°, nº 5 e 268°, nº 3, da CRP, nas interpretações feitas na 1ª Instância e 
 mantidas no STA, quanto à primeira dessas normas, e, também, quanto às dos arts. 
 
 100º e 133°, nº 1, do CPA, no sentido de não ser a audiência prévia elemento 
 essencial do acto administrativo e, quanto à segunda dessas normas, e, também, 
 quanto às dos arts. 123°, nº 1, al. d), 124°, nº 1, al. a) e 133°, nº 1, do CPA, 
 no sentido de não ser a fundamentação dos, actos administrativos que afectem 
 direitos ou interesses legalmente protegidos elemento essencial desses actos e 
 direito fundamental dos cidadãos, 
 
  
 
    Tendo tais questões de inconstitucionalidade sido suscitadas nas alegações do 
 recurso jurisdicional perante o STA, designadamente no 1°, 2°, 8° e 9° 
 parágrafos da segunda página e nas conclusões 1., 2., 3., 4., 5., 7., 8., 9., 
 
 10., 17. e 18.. 
 
  
 
    E sendo, quanto ao segundo acto administrativo recorrido e ao segundo recurso 
 jurisdicional interposto, a norma constitucional violada o art. 266°, nº 1, da 
 CRP, na interpretação feita na 1ª Instância e mantida no STA, desse preceito e 
 dos arts. 4° do CPA e 33° do DL nº 370/99, de 18 de Setembro, no sentido de não 
 ser ónus da alegação e prova da Administração a inexistência do Alvará de 
 Licença Sanitária emitido ao abrigo da Portaria nº 6065, de 30 de Março de 
 
 1929». 
 
  
 
             6 – No Tribunal Constitucional, o relator proferiu despacho a 
 ordenar a notificação das partes para alegarem e, ainda, para se pronunciarem 
 
 “querendo, sobre a questão prévia do eventual não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade relativo às normas constantes dos art.ºs 4.º do CPA e 33.º 
 do DL. n.º 370/99, de 18 de Setembro, por não terem constituído fundamento 
 normativo ou ratio decidendi do decidido, relativamente ao recurso interposto 
 para o STA da sentença de 1.ª instância”.
 
  
 
             7 – Apenas, o recorrente alegou, concluindo a sua argumentação do 
 seguinte modo:
 
  
 
 «1. As questões de constitucionalidade que se colocaram perante o Supremo 
 Tribunal Administrativo são, como se resume no requerimento de interposição de 
 recurso para este Tribunal Constitucional, duas: 
 
  
 a)      Saber se é ou não inconstitucional, por violação do disposto no art. 
 
 267°, nº 5, da Lei Fundamental, a interpretação feita na 1ª Instância e mantida 
 no STA dos arts. 100° e 133°, nº 1, do CPA, no sentido de não ser a audiência 
 prévia elemento essencial do acto administrativo; 
 
  
 b)      Saber se é ou não inconstitucional, por violação do disposto no art. 
 
 268°, nº 3, da Lei Fundamental, a interpretação feita na 1ª Instância e mantida 
 no STA dos arts. 123°, nº 1, al. d), 124°, nº 1, al. a) e 133°, nº 1, e — 
 acrescente-se aqui por, apenas por lapso, não ter sido invocado no requerimento 
 de interposição de recurso — nº 2, al. d), do CPA, no sentido de não ser a 
 fundamentação dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses 
 legalmente protegidos elemento essencial desses actos e direito fundamental dos 
 cidadãos. 
 
  
 
 2.      A audiência prévia é formalidade essencial do procedimento 
 administrativo. 
 
  
 
 3.      Mas, se assim é, não deve distinguir-se formalidade essencial de 
 elemento essencial. 
 
  
 
 4.      Sobretudo quando é inegável que a CRP atribui dignidade constitucional 
 ao princípio da participação dos cidadãos nas decisões administrativas que lhes 
 digam respeito, ao impor, no seu art. 267°, n.º 5, que a lei ordinária assegure 
 tal participação. 
 
  
 
 5.      Aliás, não deixa essa participação de constituir um direito e uma 
 garantia dos administrados face à administração, pese embora não integrar de 
 forma expressa o art. 268°. 
 
  
 
 6.      Mas, se assim é, não pode deixar de considerar-se que tal direito de 
 participação há-de ter o tratamento dos direitos fundamentais. 
 
  
 
 7.      Não há que distinguir consoante a natureza do direito ou interesse que 
 esteja a ser posto em causa. 
 
  
 
 8.      Mas, no caso, não vale dizer-se que o direito à licença de utilização de 
 um estabelecimento não reveste as características de direito fundamental. 
 
  
 
 9.      Justamente, reveste-as, pois integra-se, inelutavelmente, no direito ao 
 exercício livre da iniciativa económica privada no respeito pela Constituição e 
 pela Lei, que aquela integra no seu art. 61º, nº 1, no seu catálogo de direitos 
 fundamentais. 
 
  
 
 10.    O art. 100° do CPA é o preceito da lei ordinária que responde ao acima 
 invocado imperativo constitucional. 
 
  
 
 11.    Pelo que apenas uma interpretação do art. 100º e 133°, nº 1 do CPA que 
 conte a violação do direito de audiência prévia imposta pelo primeiro entre os 
 elementos essenciais do acto administrativo para cuja falta o segundo culmina a 
 nulidade estará conforme o art. 267°, nº 5 da Constituição. 
 
  
 
 12.    Não ficando por dizer que, aliás, a nulidade do acto administrativo 
 recorrido — e que é do conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art. 
 
 134°, nº 2, podendo ser declarada por qualquer Tribunal – decorreria, também, do 
 art. 133°, n° 2, al. d) do CPA. 
 
  
 
 13.    Pois será evidente que a total omissão do direito de audição prévia 
 ofende o conteúdo essencial desse direito. 
 
  
 
 14.    Por tudo o que é, efectivamente, inconstitucional, por violação do 
 disposto no art. 267°, nº 5, da Lei Fundamental, a interpretação feita na 1ª 
 Instância e mantida no STA dos arts. 100º e 133°, nº 1, do CPA, no sentido de 
 não ser a audiência prévia elemento essencial do acto administrativo. 
 
  
 
 15.    Assim devendo ser declarado por esse Venerando Tribunal. 
 
  
 
 16.    O art. 268° da CRP estabelece os direitos e garantias dos administrados, 
 ou seja, os direitos fundamentais do cidadão enquanto administrado, entre os 
 quais, o direito à fundamentação dos actos que afectem direitos ou interesses 
 protegidos. 
 
  
 
 17.    Trata-se de direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e 
 garantias, partilhando do mesmo regime, designadamente a aplicabilidade directa 
 e a limitação da possibilidade de restrição apenas nos casos expressamente 
 previstos na Constituição e mediante lei geral e abstracta. 
 
  
 
 18.    Pelo seu número, importância e significado sob o ponto de vista do 
 princípio do Estado de direito democrático, este conjunto de direitos e 
 garantias dos administrados constitui uma espécie de capítulo suplementar do 
 catálogo constitucional de direitos, liberdades e garantias, ao lado dos de 
 carácter pessoal, dos de participação política e dos trabalhadores. 
 
  
 
 19.    O dever de fundamentação expressa está constitucionalmente consagrado 
 quanto aos actos que afectam direitos ou interesses legalmente protegidos dos 
 cidadãos, no que sempre se incluirá o respeito perante situações 
 jurídico-patrimoniais estabelecidas. 
 
  
 
 20.    A imposição do dever de fundamentação expressa dos actos administrativos 
 que afectem direitos e interesses legalmente protegidos indicia claramente que, 
 pelo menos nestes casos, o dever de fundamentação é, sob o ponto de vista 
 constitucional, uma dimensão subjectivo-garantística dos direitos fundamentais. 
 Não se trata apenas de uma condição objectiva dos direitos; é, sim, um dos 
 vários componentes do feixe de direitos enquadráveis no âmbito de um determinado 
 direito fundamental, globalmente considerado. 
 
  
 
 21.    O sentido jurídico-constitucional do dever de fundamentação aponta 
 inequivocamente para a contextualização da fundamentação; ela deve ser parte da 
 decisão administrativa (e não elaborada a posteriori) e deve ser notificada 
 juntamente com ela, independentemente de pedido do interessado. 
 
  
 
 22.    Repete-se que, no caso, não vale dizer-se que o direito à licença de 
 utilização de um estabelecimento não reveste as características de direito 
 fundamental. 
 
  
 
 23.    Justamente, reveste-as, pois integra-se, inelutávelmente, no direito ao 
 exercício livre da iniciativa económica privada no respeito pela Constituição e 
 pela Lei, que aquela integra no seu art. 61°, nº 1, no seu catálogo de direitos 
 fundamentais. 
 
  
 
 24.    A nulidade do primeiro acto administrativo recorrido – e que é do 
 conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art. 134°, nº 2, podendo ser 
 declarada por qualquer Tribunal – decorre, flagrantemente, do art. 133°, nº 2, 
 al. d) do CPA, mas, também, do seu nº 1. 
 
  
 
 25.    É, efectivamente inconstitucional, por violação do disposto no art. 268°, 
 nº 3, da Lei Fundamental, a interpretação feita na 1ª Instância e mantida no STA 
 dos arts. 123°, nº 1, al. d), 124°, nº 1, al. a) e 133°, nºs 1, e nº 2, al. d), 
 do CPA, no sentido de não ser a fundamentação dos actos administrativos que 
 afectem direitos ou interesses legalmente protegidos elemento essencial desses 
 actos e direito fundamental dos cidadãos. 
 
  
 
 26.    Assim devendo ser declarado por esse Venerando Tribunal. 
 
  
 
 27.    O art. 32° do DL nº 370/99, de 18 de Setembro, foi o fundamento essencial 
 de direito para o acto recorrido. Como, também, conjugado com a referida 
 inverificação do art. 33° do mesmo diploma e exactamente com a mesma 
 interpretação feita a propósito do ónus da prova, foi o fundamento essencial de 
 direito da decisão de 1ª instância. 
 
  
 
 28.    Esse referido art. 33° do DL nº 370/99 e, bem assim, o art. 4° do CPA, em 
 conjugação com o disposto no art. 266°, nº 1, da CRP, cujas violações lhes 
 imputou o aqui Recorrente, foram os fundamentos essenciais do recurso perante o 
 STA. 
 
  
 
 29.    E foi também argumento essencial do Acórdão recorrido o art. 32° do DL nº 
 
 370/99 e o facto de que, quando se apresentara o pedido de suspensão, já há 
 muito decorrera o prazo de um ano aí fixado. 
 
 30.    Acontece que os referidos arts. 32° e 33° do DL nº 370/99 são duas faces 
 da mesma moeda que, como essas, se opõem - o primeiro rege para os 
 estabelecimentos existentes que não possuam o Alvará da Portaria nº 6.065 e o 
 segundo para os que o possuam. 
 
  
 
 31.    O que deixa intacta a questão da necessidade de saber a quem incumbe o 
 
 ónus da prova da existência ou inexistência do Alvará da Portaria nº 6.065. E o 
 que – no sentido de que esse ónus da prova, o da existência, cabe ao aqui 
 Recorrente – constitui, assim, um pressuposto lógico, inelutável, do Acórdão 
 recorrido. 
 
  
 
 32.    Pelo que não procede a questão prévia suscitada. 
 
  
 
 33.    Nos termos do art. 32° do DL nº 370/99, os estabelecimentos em 
 funcionamento “que não possuam o alvará de licença sanitária previsto na 
 Portaria nº 6.065 (...) dispõem do prazo de um ano para requerer a licença de 
 utilização prevista no presente diploma”. 
 
  
 
 34.    Ou seja, a Administração só pode exigir o início dos procedimentos 
 tendentes à emissão da licença de utilização aos titulares de estabelecimentos 
 existentes que não possuam o alvará. 
 
  
 
 35.    O mesmo é dizer que é elemento constitutivo do direito da administração 
 de exigir a licença de utilização aos titulares de estabelecimentos 
 pré-existentes ao diploma que a exige. Logo, é seu o ónus da prova – cfr. art. 
 
 342°, nº 1, do CC. 
 
  
 
 36.    Até porque os Alvarás de autorização para o funcionamento de 
 estabelecimentos, são, como eram, emitidos pela Administração. 
 
  
 
 37.    O estabelecimento do aqui Recorrente estava em funcionamento muito antes 
 da entrada em vigor do DL nº 370/99. 
 
  
 
 38.    Nos procedimentos sancionatórios e, como regra geral, em todos aqueles 
 que tendam a provocar uma privação de direitos, a prova dos factos terá de 
 incumbir à Administração e não ao particular visado. 
 
  
 
 39.    No caso, pretende-se privar o aqui Recorrente da exploração do seu 
 estabelecimento, que há muito vem exercendo, bem à vista da Administração, tendo 
 até, pela junção de atestados de fiscalização sanitária anual, inculcado ser 
 possuidor do Alvará de licença sanitária da Portaria nº 6.065. 
 
  
 
 40.    Nos termos do art. 4° do CPA: “Compete aos órgãos administrativos 
 prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses 
 legalmente protegidos dos cidadãos”. 
 
  
 
 41.    O que decorre do imperativo constitucional consagrado no art. 266°, nº 1, 
 da CRP, de que é a transcrição. 
 
  
 
 42.    Assim, é, efectivamente, inconstitucional, por violação do disposto no 
 art. 266°, nº 1, da CRP, a interpretação feita na 1ª Instância e mantida no STA, 
 dos arts. 32° e 33° do DL nº 370/99, de 18 de Setembro, e do art. 4° do CPA, no 
 sentido de não ser ónus de alegação e prova da Administração a inexistência do 
 Alvará de Licença Sanitária emitido ao abrigo da Portaria nº 6.065, de 30 de 
 Março de 1929. 
 
  
 
 43.    Como, aliás, é essa interpretação inconstitucional por violação, também, 
 do art. 61°, nº 1, da Lei Fundamental». 
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             8 – Da questão prévia
 
  
 
             8.1 – Como se disse, o presente recurso vem interposto ao abrigo do 
 disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
 
             De acordo com este preceito, que reproduz o texto constitucional 
 
 [art.º 280.º, n.º 1, alínea b)], o objecto do recurso de fiscalização concreta 
 de constitucionalidade, nele previsto, há-de, necessariamente, traduzir-se numa 
 questão de (in)constitucionalidade de norma(s), previamente suscitada perante o 
 Tribunal a quo, e que tenha(m) constituído o fundamento normativo, ou ratio 
 decidendi do, aí, decidido.   
 
             
 
             8.2 – Ora, aplicando este critério normativo ao caso sub judice, 
 constata-se que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso referente 
 
 à alegada “interpretação feita na 1.ª instância e mantida no STA dos artigos 4.º 
 do CPA e 33.º do DL. n.º 370/99, de 18 de Setembro, no sentido de não ser ónus 
 de alegação e prova da Administração a inexistência do Alvará de Licença 
 Sanitária emitido ao abrigo da Portaria n.º 6065, de 30 de Março de 1929”.
 
             Na verdade, ao contrário do sustentado pelo recorrente, essas 
 disposições não foram fundamento do decidido, no recurso jurisdicional, quanto 
 ao segundo acto contenciosamente recorrido.
 
             É certo que, como alega o recorrente, a sentença da 1.ª instância, 
 para negar provimento ao recurso contencioso, relativo ao segundo acto 
 administrativo, apreciou se assistia fundamento ao pedido de suspensão do prazo 
 a que se referia o primeiro acto contenciosamente impugnado e, para assim 
 concluir, «ponderou a circunstância de nunca o recorrente haver feito prova da 
 existência de “alvará de licença sanitária”, sendo que era a ele que cumpria 
 fazer a respectiva prova, tendo em vista a previsão do art. 33.º do Dec. Lei n.º 
 
 370/99 de 16 de Setembro, pois que, apenas, fora exibido um atestado, de 
 fiscalização sanitária anual, passado para o ano económico de 1957, não se 
 apresentando outro atestado anual ou outro alvará de licença sanitária, 
 concretamente o Alvará de Licença Sanitária, emitida ao abrigo da Portaria nº 
 
 6.065, de 30 de Março de 1929».
 
             Mas, o acórdão, agora, recorrido, concluindo, embora, pela 
 
 “manutenção da denegação do recurso contencioso”, respeitante ao segundo acto 
 administrativo, distraiu essa solução de outros fundamentos normativos.
 
             Para tal decisão, estando apenas em causa, relativamente ao segundo 
 acto administrativo, a legalidade da estatuição administrativa de não concessão 
 da suspensão do prazo de 30 dias, que, no primeiro acto, contenciosamente 
 sindicado, fora fixado pela administração, para que o recorrente “desencadeasse 
 processo para a sua obtenção, ou, em alternativa, para no mesmo prazo, proceder 
 ao encerramento de tal estabelecimento”, importava, apenas, saber se havia 
 disposição legal que autorizasse essa suspensão, ou se, tratando-se de acto 
 discricionário da administração, como fora alegado pelo recorrente, esta 
 
 “actuação discricionária da Administração” incorrera em “algum dos vícios que 
 enformam esse tipo de actos (com destaque para o desvio de poder, ou violação de 
 princípios da igualdade e proporcionalidade)”.
 
             E a tais questões o acórdão recorrido respondeu do seguinte modo: no 
 tocante à primeira, que “para além dos referidos prazos [refere-se aos prazos 
 estipulados no art.º 32.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 370/99] não se antolha 
 qualquer outra previsão legal referente à matéria, bem como a possibilidade de 
 alguma prorrogabilidade ou suspensão do procedimento, pelo que se compreende a 
 aludida posição de incredulidade da Administração” e que, “quando o acto 
 impugnado [o segundo] foi indeferido já há muito que decorrera o prazo 
 consagrado no citado n.º 1 do art.º 32.º do Decreto-Lei n.º 370/99”; quanto à 
 segunda, caberia à recorrente alegar e provar se a actuação discricionária da 
 Administração incorrera nalguns dos vícios que enformam esse tipo de actos (com 
 destaque para o desvio de poder, ou violação de princípios da igualdade e 
 proporcionalidade), o que não se encetou”.
 
             Resulta, pois, claro, que o acórdão recorrido não inferiu a 
 denegação do recurso contencioso respeitante ao acto administrativo de não 
 concessão da requerida suspensão do prazo dos “art.ºs 4.º do CPA e 33.º do DL. 
 n.º 370/99, de 18 de Setembro, no sentido de não ser ónus de alegação e prova da 
 Administração a inexistência do Alvará de Licença Sanitária emitido ao abrigo da 
 Portaria n.º 6065, de 30 de Março de 1929”.
 
             Deste modo, não se conhecerá dessa parte do objecto do recurso 
 constitucional.
 
  
 
             9 – Do mérito do recurso
 
             
 
             9.1 – No requerimento de interposição de recurso, o recorrente pede 
 a apreciação da questão de constitucionalidade de duas normas. 
 
             A primeira respeita aos “art.ºs 100.º e 133.º, n.º 1, do Código de 
 Procedimento Administrativo (CPA), no sentido de não ser a audiência prévia 
 elemento essencial do acto administrativo”; a segunda refere-se aos “art.ºs 
 
 123.º, n.º 1, alínea d), 124.º, n.º 1, alínea a), e 133.º, n.º 1, do Código de 
 Procedimento Administrativo, no sentido de não ser a fundamentação dos actos 
 administrativos que afectem direitos e interesses legalmente protegidos elemento 
 essencial desses actos e direito fundamental dos cidadãos”.
 
             Nas alegações apresentadas, o recorrente manteve a formulação dada à 
 definição da primeira questão de constitucionalidade. 
 
             Todavia, no que respeita à segunda, o recorrente passou a abranger, 
 no elenco dos preceitos de direito positivo, ao qual reporta o critério 
 normativo cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, também, a alínea d) 
 do n.º 2 do art.º 133.º do CPA.
 
             Tal inclusão não envolve, porém, uma alteração do objecto do recurso 
 de constitucionalidade.
 
             Não obstante a formulação verbal usada parecer centrar as questões 
 de constitucionalidade nas circunstâncias de a audiência prévia [art.º 100.º] e 
 de a fundamentação dos actos administrativos não constituírem ou serem havidos, 
 pelo legislador ordinário, como elementos essenciais dos actos administrativos, 
 verifica-se, porém, que o que o recorrente, em boa verdade, se apresenta a 
 questionar é a não atribuição legislativa do efeito jurídico que o art.º 133.º, 
 n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPA associa à falta daqueles elementos e à ofensa do 
 conteúdo essencial de direito fundamental, ou seja, o seu não sancionamento com 
 a nulidade do acto administrativo e a possibilidade da sua arguição a todo o 
 tempo, que constitui um aspecto específico do regime da mesma, nos termos do n.º 
 
 2 do art.º 134.º do CPA.
 
             Tendo sido a projecção destes efeitos jurídicos, que o legislador 
 ordinário acoplou à falta dos elementos essenciais do acto administrativo, ou, 
 de entre outras situações que não vêm ao caso, à ofensa do conteúdo essencial de 
 um direito fundamental, que constituíram o concreto fundamento normativo da 
 decisão proferida, no acórdão recorrido, e estando eles conformados pelo 
 legislador como uma consequência necessária em caso de, entre outras hipóteses, 
 falta dos elementos essenciais do acto administrativo ou da ofensa do conteúdo 
 essencial de um direito fundamental, entende-se ser de restringir a tal âmbito 
 normativo as questões de constitucionalidade que foram postas.
 
             
 
             9.2 – O recorrente sustenta, em síntese, que traduzindo-se o direito 
 de audição dos interessados, consagrado no art.º 100.º do CPA, numa 
 concretização do princípio constitucional de participação dos cidadãos, nas 
 decisões administrativas que lhes digam respeito, afirmado no art.º 267.º, n.º 
 
 5, da Constituição, o mesmo assume a natureza de formalidade essencial do 
 procedimento administrativo e, como tal, também, de elemento essencial do acto 
 administrativo, por não haver razão para distinguir “formalidade essencial de 
 elemento essencial”. 
 
             Por outro lado, nas suas alegações, aduz, ainda, que, embora, não 
 integre, expressamente, o art.º 268.º da Constituição, “não deixa essa 
 participação de constituir um direito e uma garantia dos administrados face à 
 administração”, pelo que “há-de ter o tratamento dos direitos fundamentais”, até 
 por, no caso, ter por objecto o exercício do direito de livre iniciativa 
 privada, que integra, de acordo com o disposto no art.º 61.º, n.º 1, o seu 
 catálogo dos direitos fundamentais.
 
             Vejamos.
 
             O art.º 267.º, n.º 5, da Constituição dispõe do seguinte modo:
 
             “O processamento da actividade administrativa será objecto de lei 
 especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e 
 a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes 
 disserem respeito”.
 
             O preceito constitucional assume, expressamente, que a participação 
 dos interessados, na formação das decisões ou deliberações administrativas, ou, 
 dito de modo mais singelo, no procedimento administrativo, constitui um 
 princípio que o legislador da “lei especial” deve assegurar, ao dispor sobre “o 
 processamento da actividade administrativa”.
 
             A doutrina divide-se quanto à natureza do direito de participação 
 dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem 
 respeito.
 
             Enquanto uns Autores o perspectivam como direito análogo aos 
 direitos, liberdades e garantias fundamentais e façam, daí, decorrer a sanção da 
 invalidade constitucional da lei que o viole e a nulidade do acto administrativo 
 praticado com ofensa do direito de audição, de acordo com o disposto no art.º 
 
 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA (cf. Sérvulo Correia, «O direito à informação e 
 os direitos de participação dos particulares no procedimento», in Cadernos de 
 Ciência de Legislação, 9/10, Janeiro-Junho de 1994, pp. 156-157; Vasco Pereira 
 da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, 1996, pp. 426 e segs.; 
 Marcelo Rebelo de Sousa, «Regime do Acto Administrativo», in Direito e Justiça, 
 vol. VI, 1992, p. 45; David Duarte, Procedimentalização, Participação e 
 Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade 
 Administrativa como Parâmetro Decisório, 1996, pp. 143 e segs), outros negam-lhe 
 essa qualidade (cf. Freitas do Amaral, «Fases do procedimento decisório de 1.º 
 grau, in Direito e Justiça, Vol. VI, 1992, p. 32; Pedro Machete, A Audiência dos 
 Interessados no Procedimento Administrativo, Universidade Católica Editora, 
 
 1995, pp. 511 e segs.; José Manuel da S. Santos Botelho, Américo J. Pires 
 Esteves e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo, Anotado, 
 Comentado, Jurisprudência, 3.ª edição actualizada e aumentada, p. 352).
 
             Não tem, porém, o Tribunal Constitucional de tomar posição, aqui, 
 tal contenda. 
 
             Na verdade, a questão de constitucionalidade, concernente ao direito 
 de audição, foi definida, no requerimento de interposição de recurso, apenas, em 
 torno do art.º 100.º do CPA, defendendo o recorrente ser tal direito elemento 
 essencial do acto administrativo, em face do disposto no art.º 267.º, n.º 5, da 
 CRP, e, consequentemente, ter a sua falta de considerar-se, necessariamente, 
 abrangida pela hipótese e estatuição, definidas no art.º 133.º, n.º 1, do CPA.
 
             O recorrente não questionou, tocantemente ao direito de audição, 
 qualquer critério ou dimensão normativas, referidas aos art.ºs 100.º e 133.º, 
 n.º 2, alínea d), do CPA, ou seja, qualquer norma que, por interpretação 
 conjugada, deles houvesse sido inferida, no sentido de a falta de audição não 
 importar a lesão do núcleo essencial de um direito fundamental e, 
 decorrentemente, a nulidade do acto administrativo, sob pena de violação do 
 disposto no art.º 267.º, n.º 5, da CRP.
 
             Assim sendo, o que importa apurar é se decorre deste preceito 
 constitucional que o direito de audição deva ser havido como formalidade 
 essencial do procedimento administrativo e se esta, por razões constitucionais, 
 tem de equivaler a falta de elemento essencial do acto administrativo que deva 
 ser sancionada com a nulidade.
 
             Resulta, claramente, do referido preceito que a Constituição não 
 prevê a participação dos interessados, no procedimento administrativo, como uma 
 garantia individual cuja concreta operacionalidade prático-jurídica, 
 relativamente a determinado sujeito, derive, directa e imediatamente, da norma 
 constitucional.
 
             A Constituição limita-se a afirmar a existência da garantia como um 
 instrumento jurídico-procedimental que o legislador especial deve prever, ou 
 seja, como garantia dependente de intermediação e densificação legislativas.  
 
             A audição do interessado tem, assim, a natureza de princípio 
 constitucional cuja efectivação como regra se impõe que seja adoptada pelo 
 legislador ordinário, não podendo a sua dispensa deixar de estar sujeita aos 
 princípios da necessidade e da proporcionalidade, ínsitos no princípio do Estado 
 de direito democrático (cf. art.º 2.º da CRP).
 
             Nesta perspectiva, o direito de audição corresponde a uma 
 formalidade essencial do procedimento administrativo, funcionalizado para a 
 formação das decisões e deliberações administrativas, com a participação dos 
 interessados.
 
             Mas, atribuir-se ao direito de audição, na conformação do 
 procedimento a que o legislador ordinário se encontra obrigado, uma função 
 essencial, e, até, quando previsto, a natureza de uma formalidade essencial, não 
 consequencia, necessariamente, que o preceito constitucional o tenha como 
 elemento essencial do acto, até, porque o acto é evento posterior do 
 procedimento a que respeita a audição, ou, sequer, que o mesmo artigo obrigue o 
 legislador ordinário a atribuir-lhe tal natureza cuja falta haja de ser 
 sancionada com a nulidade, nos termos do art.º 133.º, n.º 1, do CPA, em vez de o 
 ser, apenas, mediante a sanção regra que o legislador ordinário adoptou para 
 sancionar a ilegalidade dos actos administrativos – a anulabilidade (art.º 135.º 
 do CPA).
 
             O que vem de dizer-se não impede que, em certos casos, se reconheça 
 ao direito de participação, sob a forma de direito de audição, uma natureza 
 especial tal que demande que a sua violação seja sancionada com o estigma da 
 nulidade própria da afectação do núcleo essencial dos direitos fundamentais (cf. 
 art.º 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA). 
 
             Será o caso do direito de audiência e de defesa, nos procedimentos 
 contra-ordenacionais e quaisquer processos sancionatórios (art.º 32.º, n.º 10, 
 da CRP) e nos processos disciplinares (art.º 269.º, n.º 3, da CRP).
 
             Mas, aqui, a configuração como verdadeiro direito subjectivo 
 fundamental não se funda, directamente, no referido art.º 267.º, n.º 5, da 
 Constituição, mas em outros preceitos constitucionais, prendendo-se, 
 directamente, não com o interesse da comparticipação dos interessados na 
 formação das decisões ou deliberações administrativas, no processamento da 
 actividade administrativa, compaginante da melhor realização do interesse 
 público e dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, mas com 
 a fixação das condições, necessárias e indispensáveis, à garantia ou à 
 realização “dos direitos fundamentais”, impondo-se, então, como um postulado da 
 dignidade da pessoa humana ou por um direito fundamental material em que ela se 
 concretize (cf. José Carlos Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa 
 de Actos Administrativos, 1991, pp. 197 e segs.).
 
             Temos, assim, de concluir que o sancionamento da falta do direito de 
 audição, a que se refere o art.º 100.º do Código de Procedimento Administrativo, 
 com a anulabilidade, nos termos do art.º 135.º, do mesmo código, não viola o 
 disposto no art.º 267.º, n.º 5, da Constituição, nem qualquer outra norma ou 
 princípio constitucional.
 
             
 
             9.3 – Vejamos, agora, a questão de constitucionalidade que o 
 recorrente imputa aos art.ºs 123.º, n.º 1, alínea d), 124.º, n.º 1, alínea a), e 
 
 133.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo, no 
 sentido de não ser a fundamentação dos actos administrativos que afectem 
 direitos e interesses legalmente protegidos elemento essencial desses actos e 
 
 [conteúdo essencial de] direito fundamental dos cidadãos.
 
             Sob o seu n.º 3, o art.º 268.º da Constituição, que tem por epígrafe 
 a expressão “Direitos e garantias dos administrados”, dispõe que “Os actos 
 administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista 
 na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos 
 e interesses legalmente protegidos”.
 
             O dever de fundamentação expressa dos actos administrativos que 
 afectem direitos ou interesses legalmente protegidos só adquiriu assento 
 constitucional expresso, na revisão de 1982, sendo antes distraído do princípio 
 do Estado de direito democrático. 
 
             Mesmo, no plano do direito ordinário, a exigência só foi assumida 
 como dever geral da Administração no art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 
 
 17 de Junho, tendo este artigo procedido, nos seus n.ºs 2 e 3, ao recorte 
 constitutivo desse dever de fundamentação expressa.
 
             Conforme o exórdio deste diploma, o legislador visou “reforçar as 
 garantias de legalidade administrativa e dos direitos individuais dos cidadãos 
 perante a Administração Pública”, tendo presente o diagnóstico efectuado sobre o 
 resultado dos recursos contenciosos que apontava para a existência de um grande 
 número de impugnações rejeitadas relativas a actos tácitos, resultantes da 
 passividade da Administração, “admitidos nas legislações a benefício dos 
 particulares, operam, no entanto, em prejuízo dos menos precavidos ou menos 
 familiarizados com a técnica jurídica”, bem como para uma elevada percentagem de 
 anulações contenciosas de actos com fundamento em ilegalidade que poderiam ser 
 evitadas dando-se aos órgãos da Administração a possibilidade de reverem os seus 
 actos”, terminando a proclamar que “bem pensadas [as melhorias introduzidas pelo 
 diploma e a “radical metamorfose” por que irá passar o Código Administrativo], 
 têm a virtude para dar do contencioso dos actos administrativos uma nova imagem, 
 sem dúvida mais consentânea com uma instante preocupação de defesa dos direitos 
 do homem em face da Administração”.
 
             A referida revisão de 1982 assumiu, expressamente, o dever de 
 fundamentação, reportando a exigência constitucional ao conceito que a doutrina 
 e a jurisprudência de então haviam precisado, em face dos referidos preceitos de 
 direito ordinário.
 
             E pode dizer-se existir, nelas, grande consenso, em torno, quer do 
 conceito normativo do dever de fundamentação, quer da sua função. 
 
             Assim, tem-se entendido que o dever de fundamentação se desonera 
 através da enunciação contextual, expressa, dos motivos de facto e de direito 
 com base nos quais a administração se decidiu praticar o concreto acto 
 administrativo, nos precisos termos em que o fez.
 
              A doutrina aponta, em geral, como sendo os seguintes os objectivos 
 da fundamentação: uma função de pacificação traduzida na idoneidade para 
 convencer o administrado da “justeza” do acto; uma função de defesa do 
 administrado, ao possibilitar-lhe o recurso aos meios contenciosos e graciosos; 
 uma função de autocontrole, por facilitar “a autofiscalização da Administração 
 pelos próprios órgãos intervenientes no processo ou pelos seus superiores 
 hierárquicos”; uma função de clarificação e de prova, porquanto “fixa em termos 
 claros qual o significado que os órgãos administrativos atribuíram às provas e 
 argumentação jurídica desenvolvida, qual a marcha do raciocínio e opções que se 
 precipitaram no acto”; uma função democrática, por dar a conhecer aos 
 administrados as razões da sua actuação concreta; uma função de incentivo à boa 
 administração, pois que a “obrigação de motivar obriga as autoridades 
 administrativas a examinar atentamente o bem fundado das decisões que pensam vir 
 a tomar”; uma função de um bom controle da Administração, na medida em que “o 
 conhecimento dos motivos das decisões habilitam os terceiros a melhor ajuizar da 
 necessidade de interpor recurso administrativo ou contencioso dos actos que os 
 afectam” (cf., entre muitos, Rui Machete, «Processo Administrativo Gracioso 
 perante a Constituição Portuguesa de 1976», in Estudos de Direito Público e 
 Ciência Política; José Osvaldo Gomes, Fundamentação do Acto Administrativo, 
 
 1979; José Carlos Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos 
 Administrativos, 1991, pp. 65 e segs.)
 
             Sintetizando, pode dizer-se que o dever de fundamentação cumpre, 
 essencialmente, três funções: a de propiciar a melhor realização e defesa do 
 interesse público; a de facilitar o controlo da legalidade administrativa e 
 contenciosa do acto e a de permitir aos órgãos hierarquicamente superiores ou 
 tutelares controlar, mais eficazmente, a actividade dos órgãos subalternos ou 
 sujeitos a tutela.
 
             A natureza deste dever de fundamentação – se direito fundamental 
 integrante do direito fundamental do direito ao recurso contencioso, se direito 
 autónomo análogo a direito ou garantia fundamental, se “direito” de natureza não 
 fundamental ou simples “imposição objectiva, dirigida imediatamente à 
 Administração”, não atributiva de um direito subjectivo – é objecto de 
 controvérsia. A jurisprudência do Tribunal Constitucional, tecida, 
 essencialmente, acerca da [in]conformidade constitucional do Decreto-Lei n.º 
 
 356/79, de 31 de Agosto, e do Decreto-Lei n.º 10-A/80, de 18 de Fevereiro (que 
 consideravam que “os actos de transferência ou exoneração de funcionários da 
 Administração Pública, de institutos autónomos ou de empresas públicas, quando 
 praticados legalmente no uso de poderes discricionários, independentemente de 
 qualquer ilícito disciplinar, e se refiram a funcionários nomeados 
 discricionariamente, consideram-se suficientemente fundamentados quando o 
 fundamento invocado for o da conveniência de serviço”),  e, no âmbito da versão 
 originária da Constituição, que não continha um preceito semelhante ao acima 
 transcrito, dividiu-se sobre a matéria.           
 
             Assim, enquanto alguns acórdãos afirmaram a sua natureza de direito 
 fundamental com base, essencialmente, numa irradiação necessária do direito ao 
 recurso contencioso, postulada pelas suas exigências de efectividade e de 
 concessão de tutela plena, ou defenderam a tese do direito de fundamentação como 
 direito autónomo, análogo a direito ou garantia fundamental, cuja configuração 
 como “direito de origem e nível exclusivamente legal” poderia ser mesmo 
 surpreendida na legislação anterior e sujeito no seu regime, no mínimo, ao 
 princípio, da “proibição das restrições injustificadas ou desproporcionadas” 
 
 (Acórdãos n.ºs 109/85 e 190/85 e 78/86, publicados no Diário da República II 
 Série, respectivamente, de 10 de Setembro de 1985, 10 de Fevereiro de 1986 e 14 
 de Junho de 1986), outros negaram essa natureza de direito fundamental ou de 
 direito de natureza análoga (cf. Acórdãos n.ºs 63/84, 86/84, 89/84, 51/85, 
 
 150/85, 32/86 e 266/87, publicados no Diário da República II Série, 
 respectivamente, de 2 de Agosto de 1984, 2 de Fevereiro de 1985, 5 de Fevereiro 
 de 1985, 13 de Abril de 1985, 19 de Dezembro de 1985, 9 de Maio de 1986 e Diário 
 da República I Série, de 28 de Agosto de 1987).
 
             Analisando a estrutura da norma constitucional que o prescreve, 
 verifica-se que a fundamentação está prevista como dever objectivo, que integra 
 o quadro de legalidade ao qual a Administração está sujeita quando pratica actos 
 ou deliberações administrativas (cf. art.º 266.º, n.º 2, da CRP).
 
             Ao dispor que “os actos administrativos carecem de fundamentação”, o 
 legislador constitucional está a constituir, em geral, sem necessidade de 
 intermediação do legislador ordinário, ou seja, directamente e com tal âmbito, o 
 dever da Administração de, na sua actividade, fundamentar os actos 
 administrativos quando estes afectem direitos ou interesses legalmente 
 protegidos.
 
             Mesmo assim, a norma constitucional “não dispensa a conformação ou, 
 pelo menos, a mediatização concretizadora do legislador relativamente ao alcance 
 ou extensão da obrigatoriedade da fundamentação” e “não é claro que resolva as 
 questões de externação-comunicação que lhe estão associadas e que visivelmente 
 pretende abranger” (cf. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit., p. 218).
 
             É que “o preceito constitucional que consagra a obrigatoriedade de 
 fundamentação tem um núcleo essencial, a que corresponde o dever de 
 fundamentação contextual dos fundamentos, e uma garantia acessória, que a lei 
 concretizou no dever de comunicação expressamente estabelecido – um dever que 
 será um corolário implicado, mas não abrangido no dever de fundamentação e, por 
 isso, sujeito a um regime jurídico diverso” (cf. José Carlos Vieira de Andrade, 
 op. cit., p. 62).
 
             Mas, daí, não resulta que, em correlação com o dever de 
 fundamentação, se contraponha, no outro pólo, uma posição autónoma do 
 interessado que tenha por conteúdo concreto o direito “em si” à fundamentação, 
 desfuncionalizado relativamente a outros direitos, fundamentais ou não, que 
 possam constituir objecto de relações jurídico-administrativas, e que tutele um 
 bem jurídico-constitucional cuja protecção encontre a sua razão de ser 
 determinante no princípio da dignidade da pessoa humana que constitui o radical 
 unitário dos direitos fundamentais ou de natureza análoga (cf. José Carlos 
 Vieira de Andrade, op. cit., pp. 194 e segs.). 
 
             O interessado “tem o direito” a exigir que a Administração, na sua 
 actividade decisória sobre quaisquer direitos, fundamentais ou não, e interesses 
 legalmente protegidos dos cidadãos, cumpra o quadro de legalidade, nele se 
 abrangendo o dever de fundamentação, sem que possa afirmar-se, sem mais e em 
 geral, a existência de um direito subjectivo dos interessados ao cumprimento do 
 bloco de legalidade, por parte da Administração, donde os “preceitos relativos 
 ao dever de fundamentação serem [são] afinal aquilo que parecem ser: normas de 
 acção que regulam o comportamento administrativo em função de um conjunto 
 multipolar de interesses, incluindo dos administrados, que nessa medida são 
 juridicamente protegidos” (cf. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit., p. 214). 
 
 
 
             De qualquer modo, “é certo que a projecção normativa dos direitos 
 fundamentais fortalece o dever de fundamentação quando estes estejam em causa, 
 não podendo o legislador ordinário eliminar o dever em termos de precludir o 
 conhecimento pelo particular das razões do acto que toque os seus direitos 
 fundamentais, nem restringi-lo nesses casos fora do quadro previsto no artigo 
 
 18.º da Constituição” (cf. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit. 213), ou 
 seja, apenas fora do núcleo essencial exigido pela garantia dos direitos 
 fundamentais dos administrados, o legislador ordinário “pode optar por soluções 
 diversas das já estabelecidas”.
 
             Nesta perspectiva, pode concluir-se não existir, em geral, um 
 direito fundamental à fundamentação, ou, sequer, um direito análogo aos 
 direitos, liberdades e garantias (cf. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit., 
 pp. 202 e 204), mas poder ele vir a ser permeado com as exigências dos direitos 
 fundamentais, pelo menos, naqueles casos em que a fundamentação seja condição 
 indispensável da realização ou garantia dos direitos fundamentais.
 
             No caso em apreço, o dever de fundamentação toca-se com dois 
 direitos fundamentais: o direito de acesso aos tribunais, na dimensão de direito 
 ao recurso contencioso contra actos administrativos lesivos de direitos e 
 interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art.ºs 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 
 
 4, da CRP) e o alegado direito análogo a direito fundamental, da iniciativa 
 privada (art.º 61.º, n.º 1, da CRP).
 
             Pensa-se, todavia, como no referido Acórdão n.º 150/85, que “a 
 fundamentação dos actos administrativos não constitui pressuposto juridicamente 
 necessário, ou condição insuprível, do exercício do direito de recurso 
 contencioso, mas unicamente condição ou factor da uma sua maior viabilidade 
 prática”.
 
             A fundamentação constitui um instrumento institucional 
 administrativo cuja existência potencia o conhecimento dos pressupostos de facto 
 ou de direito, com base nos quais se praticou o acto ou deliberação 
 administrativas, com certo conteúdo ou disposição constitutiva – a motivação e a 
 justificação do acto (cf. Acórdão n.º 53/92, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) –, e, consequentemente, das possíveis causas da 
 sua invalidade.
 
             Ora, o direito de acção ou de recurso contencioso tem por conteúdo a 
 garantia da possibilidade do acesso aos tribunais para a defesa desses direitos 
 e interesses legalmente protegidos, afectados ou violados por actos 
 administrativos.
 
             A fundamentação, apenas, propicia, na perspectiva de um eventual 
 exercício desse direito ou garantia fundamental e da sua efectividade, a 
 obtenção do material de facto e de direito cujo conhecimento poderá facilitar ao 
 administrado, de modo mais ou menos determinante e decisivo, a interposição da 
 concreta acção e o seu êxito, através da qual se pretende obter a tutela dos 
 concretos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja ofensa é imputada ao 
 concreto acto e deliberação.
 
             Por mor da sujeição da administração ao princípio da legalidade 
 administrativa e através desse instituto, o cidadão terá à mão, porventura, mais 
 facilmente do que acontece nas relações privadas, onde lhe caberá desenvolver a 
 actividade investigatória que tenha por pertinente, os elementos de facto e de 
 direito com bases nos quais se pode determinar, pelo recurso aos tribunais, 
 configurar os concretos termos da causa e apetrechar-se dos meios de prova, para 
 a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
 
             O dever de fundamentação não tem, pois, uma relação de necessidade 
 com o direito de acesso aos tribunais, existindo este sem aquele.
 
             Nesta perspectiva, pode concluir-se que o dever de fundamentação não 
 constitui uma condição indispensável da realização ou garantia do direito 
 fundamental de recurso contencioso contra actos administrativos lesivos dos 
 direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
 
             Vejamos, agora, se ele adquire a especial força normativa, atrás 
 referida, em função do alegado direito análogo a direito fundamental, da 
 iniciativa privada, previsto no art.º 61.º, n.º 1, da Constituição.
 
             De acordo com o disposto neste preceito “a iniciativa económica 
 privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei 
 e tendo em conta o interesse geral”.
 
             Consagrando, embora, o direito de liberdade de iniciativa económica 
 privada, nas suas diversas significações (liberdade de criação de empresa, 
 liberdade de investimento, liberdade de estabelecimento, por um lado, e 
 liberdade de organização, gestão e actividade da empresa) (cf. J. J. Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume 
 I, p. 790; e Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, tomo I, p. 620), não deixa o preceito de reconhecer a existência de uma 
 ampla margem para a delimitação ou configuração legislativa, ao dizer que esse 
 direito só pode exercer-se “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei”.
 
             Admite-se, deste modo, que, não obstante a regra seja a liberdade de 
 iniciativa, possa ela ser objecto de limitações e restrições que terão de ser 
 justificadas à luz do princípio da proporcionalidade e ressalvar, sempre, o seu 
 núcleo essencial.
 
             Ora, a subordinação da liberdade de estabelecimento à obtenção de 
 alvará sanitário e de licença administrativa de utilização, mesmo para 
 estabelecimentos [de mercearia] já em funcionamento, nos termos do art.º 32.º do 
 Decreto-Lei n.º 370/99, de 16 de Setembro, configura-se como um condicionamento 
 legislativo inteiramente justificado à luz do princípio da proporcionalidade, 
 desde logo, até, para tutelar, também, outros bens constitucionais, como sejam 
 os direitos dos consumidores (cf. art.º 60.º da CRP), em nada afectando o seu 
 núcleo essencial.
 
             Assim sendo, importa concluir que o dever de fundamentação não vê 
 reforçada a sua força normativa por via da conectação com tal direito 
 fundamental            .
 
             Decorrentemente, pode, também, distrair-se a conclusão de que a 
 falta de fundamentação não demanda, no caso, a sanção da nulidade prevista pelo 
 legislador ordinário para a ofensa do conteúdo essencial de direito fundamental 
 
 [art.º 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA].
 
             Estabelecendo, embora, o dever da fundamentação, a referida norma 
 constitucional não fixa, todavia, as consequências do seu incumprimento.
 
             Como diz José Carlos Vieira de Andrade, caberá, por isso, à lei 
 ordinária esclarecer, por exemplo, se o vício é (ou é sempre) causa de 
 invalidade do acto administrativo, que tipo de invalidade lhe corresponderá, bem 
 como em que condições serão admissíveis a sanação do vício ou o aproveitamento 
 do acto.
 
             Assim sendo, bem poderá, em princípio, o legislador ordinário, na 
 sua discricionariedade constitutiva, sancionar a falta de fundamentação, apenas, 
 com a anulabilidade, erigida a sanção-regra (art.º 135.º do CPA), e não com a 
 nulidade, assumida, legislativamente, como sanção específica (art.º 133.º do 
 CPA), bem como subordiná-las a diferentes prazos de arguição. 
 
             E, dizemos “em princípio”, porque a violação da ordem jurídica pode 
 ser de tal gravidade que, para se manter o essencial da força jurídica da 
 
 “garantia institucional” constitucional do dever de fundamentação, tenha a 
 sanção para a sua falta de constituir na nulidade. 
 
             Serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou 
 uma natureza própria de elemento essencial do acto, acabando por cair debaixo do 
 critério legislativo constante do n.º 1 do art.º 133.º do CPA, ou uma natureza 
 paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [art.º 
 
 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA]. 
 
             Tal “acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da 
 fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos 
 fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a 
 garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da 
 juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo 
 acto fundamentando” ou “quando se trate de actos administrativos que toquem o 
 núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias 
 fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio 
 insubstituível para assegurar uma protecção efectiva do direito liberdade e 
 garantia” (cf. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit., p. 293).
 
             No caso, como decorre do que vem sendo exposto, não estamos, nem 
 perante uma situação em que haja ofensa do conteúdo essencial de direito 
 fundamental, nem em face de qualquer destas duas situações especiais.
 
             De tudo, resulta que o legislador ordinário, bem, poderá cominar a 
 sanção da anulabilidade para a falta da fundamentação relativa ao acto 
 administrativo resultante da aplicação do direito considerado ao caso concreto.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
 10 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar 
 provimento ao recurso.
 Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 25 UCs.
 
  
 Lisboa, 10.12.2008
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos
 
 
 
 
 
 [1] Cf. por todos, acórdão do STA de 17-02-2004 (Rec. nº01572/02), com citação 
 de outra jurisprudência do STA e doutrina, devendo realçar-se que a 
 jurisprudência e doutrina não são unânimes quanto à consideração de que o 
 conceito de elementos essenciais integre o conceito de acto administrativo 
 contido no art. 120.º do mesmo código.
 
  
 
 [2] Segundo o qual:
 
 “Os alvarás sanitários e as autorizações de funcionamento de supermercados 
 emitidos, respectivamente, ao abrigo da Portaria n.º 6065, de 30 de Março de 
 
 1929, e da Portaria n.º 22970, de 20 de Outubro de 1967, e do Despacho Normativo 
 n.º 148/83, de 25 de Junho, ou de legislação anterior, mantêm-se válidos, só 
 sendo substituídos pela licença de utilização prevista no presente diploma, na 
 sequência do licenciamento de obras de ampliação, reconstrução ou alteração”.