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Processo n.º 46/11
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Notificado do acórdão da Secção Criminal da Relação de Guimarães que, em 5 de Julho de 2010, julgou totalmente improcedente o recurso interposto, o arguido A. arguiu a nulidade do aresto por entender que o tribunal não fundamentara devidamente a decisão de não ordenar a suspensão da pena. Alegou, na reclamação, que «é de entender como inconstitucional, por violação do dever de fundamentação da sentença (artigo 205º nº 1 da Constituição), o entendimento dos artigos 50º, n.º 1, 51º, 52º e 53º do Código Penal e 374º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos sob condição de imposição de deveres, regras de conduta ou com regime de prova.»
Por acórdão de 10 de Outubro de 2010, a Relação de Guimarães indeferiu a arguição, dizendo, no essencial, o seguinte:
[...] Alega, para tanto que o acórdão não está devidamente fundamentado quanto à não suspensão da execução da pena, limitando-se «a concordar e a remeter, (...) para os fundamentos da decisão da 1ª instância», sem ponderar a «possibilidade de suspender a pena aplicada sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou ainda com regime de prova».
Salvo o devido respeito, não assiste razão ao arguido.
A questão da suspensão da execução da pena foi a terceira questão das quatro que se sintetizaram das extensas conclusões apresentadas. E a ela o Tribunal respondeu ao longo de quase duas páginas, não se limitando a concordar e a remeter para os fundamentos da 1ª Instância, mas fazendo também as considerações que entendeu adequadas.
E certo que a decisão não foi do agrado do arguido mas não é através da invocação de uma inexistente nulidade que pode ser proferida nova decisão em consonância com a sua pretensão.
Improcede, pois a arguida nulidade.[...]
Notificado deste 2º acórdão, o arguido recorreu para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
[...] vem interpor recurso do douto Acórdão prolatado nos presentes autos de 05 de Julho de 2010, objecto de pedido de arguição de nulidade a qual veio a ser indeferida por Acórdão de 10 de Outubro de 2010, para o Venerando Tribunal Constitucional nos termos do artigo 70 n.º 1 al. b) da Lei 28/82 de 15/11, com redacção que lhe foi dada pela Rectificação n.º 10/98, de 23/05, para o que está em tempo e tem legitimidade – cfr. artigos 70°, n.º 1, alínea b), 72° e 75° da citada Lei 28/82 com aquela alteração.
O presente recurso funda-se no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70° acima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão na inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido em termos de estar obrigado a dela conhecer – cfr. artigo 72°, n.º 2 da mesma Lei Orgânica. [...]
Naquela Relação, por despacho proferido em 19 de Novembro de 2010, o Relator indeferiu a admissão do recurso nos seguintes termos:
[...] Dispõe o nº 2 do artº 76° da LTC:
O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando não satisfaça os requisitas do artigo 75°-A, mesmo após o suprimento previsto no seu n.º 5, quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º, quando forem manifestamente infundados
E o nº 2 do artº 75°-A preceitua:
Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.°, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Embora o recorrente não indique nenhum destes elementos, entendo desnecessário convidá-lo a prestar essas indicações, conforme determina o nº 5 do artº 75°-A, pois seria uma manifesta perda de tempo já que o recurso não deve ser admitido pelas seguintes razões:
O recorrente, na sua motivação e conclusões, não suscita, de modo directo e perceptível, a questão de inconstitucionalidade de qualquer norma que tenha sido aplicada na sentença recorrida ou no acórdão de que pretende interpor recurso.
Na motivação, após invocar o disposto no artº 127° do C.P.P., citar Figueiredo Dias quanto ao que se entende por «convicção» e citar um Acórdão do STJ quanto ao princípio in dubio pro reo, limita-se a alegar:
Viola a douta sentença recorrida os artigos, 410º, n.º 2, al. c) e 127º do Código de Processo Penal e 32° da Constituição da República Portuguesa (cfr. fls. 563).
Também nas conclusões, apenas no nº 37 escreve:
A douta sentença recorrida viola os artigos, 410º, n.º 2, al. c) e 127º do Código de Processo Penal, o artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, o artigo 483° do Código Civil e o artigo 50º, nº 1 do Código Penal.
Não explica minimamente o sentido em que a interpretação das normas jurídicas aplicadas e que conduziram à sua condenação, violam o citados artigo da Constituição.
Ora, como é sabido e é frequentemente afirmado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, o controlo de constitucionalidade no direito português incide sempre sobre normas e não sobre decisões judiciais, ou seja, ao Tribunal Constitucional cabe apenas apreciar a conformidade constitucional de normas e não de decisões judiciais.
A propósito, escreve-se no Acórdão nº 355/2009: No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o poder de sindicância do Tribunal Constitucional respeita apenas à inconstitucionalidade normativa e não à inconstitucionalidade das decisões judiciais em si mesmas, também não lhe competindo controlar a correcção da concreta interpretação acolhida pela decisão recorrida.
Pelo exposto e nos termos do artº 76° nº 2, parte final, da LTC, não se admite o recurso.[...]
Irresignado, o recorrente reclama perante o próprio Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º n.º 4 da LTC (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro), nos seguintes termos:
[...] O aqui reclamante interpôs recurso do Acórdão de fls. 629 a 650, objecto de arguição de nulidade a qual veio a ser indeferida por Acórdão de fls. 676, para o Venerando Tribunal Constitucional nos termos do artigo 70º n.º 1 al. b) da Lei 28/82 de 15/11, com a redacção que lhe foi dada pela Rectificação n.º 10/98, de 23/05, para o que está em tempo e tem legitimidade — cfr. artigos 70º, n.º 1, alínea b), 72º e 75º da citada Lei 28/82 com aquela alteração.
O referido recurso funda-se no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º acima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido em termos de estar obrigado a dela conhecer — cfr. Artigo 72º, n.º 2 da mesma Lei Orgânica.
Na verdade o recorrente invocou no seu requerimento de arguição de nulidades do douto Acórdão de fls. 655 a 662, que o Tribunal da Relação de Guimarães, no seu douto Acórdão violou o disposto no artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Uma vez que é de entender como inconstitucional por violação do dever de fundamentação da sentença (art. 205º nº 1 da Constituição), o entendimento dos artigos 50.º, n.º 1, 51º, 52º e 53º do Código Penal e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos sob condição de imposição de deveres, regras de conduta ou com regime de prova.
Entendeu o recorrente que, nem o Tribunal recorrido nem o acórdão da Relação ponderaram a possibilidade de suspender a pena aplicada sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou ainda com regime de prova (cfr. os artºs 50.º, 51º, 52º e 53º do Código Penal) violando o princípio da fundamentação das sentenças judiciais, pelo que o acórdão recorrido é nulo por violação do disposto no art.º 374º nº 2, 375º nº 1 e 379.º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal.
Ou seja, quer o acórdão recorrido, quer o acórdão da Relação sob análise não afirmaram quais as razões pelas quais se entendeu que, ainda que com imposição de deveres, regras de conduta ou com regime de prova, não era de suspender a pena aplicada ao recorrente.
Quer isto dizer que o acórdão proferido enferma de falta de fundamentação quanto à eventual suspensão da pena sob condição (artºs 51º, 52º e 53º do CP).
Com efeito, não basta que se afirme que o Tribunal recorrido ponderou a eventual suspensão da pena com ou sem condições ou com regime de prova, necessário se tornava saber porque se entende que a aplicação da suspensão da pena sob condição foi ponderada, quando no acórdão recorrido nenhuma alusão é feita quer às normas dos artºs 51º, 52º ou 53.º do Código Penal, quer à eventual aplicação das regras de conduta ou regime de prova.
Assim, deve entender-se que o douto acórdão proferido é nulo por falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artºs 425º nº 4 e 374º nº 2 do Código de Processo Penal.
Acontece que, entendeu a Ilustre Desembargadora Relatora, não ser de admitir esse recurso por entender que o recorrente, não suscitou de modo directo e perceptível, a questão de inconstitucionalidade de qualquer norma que tenha sido aplicada na sentença recorrida ou no acórdão de que pretende interpor recurso.
Entendeu também, que o recorrente não explicou minimamente o sentido em que a interpretação das normas jurídicas aplicadas e que conduziram à sua condenação, violam o citado artigo da Constituição.
Termos em que se deverá o citado despacho ser declarado nulo e ordenada a sua reforma, admitindo-se o recurso interposto.
Assim se fazendo, uma vez mais,
Justiça![...]
No Tribunal Constitucional o representante do Ministério emitiu parecer contra o deferimento da reclamação.
2. A interposição do recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade foi indeferido na Relação de Guimarães por se haver entendido que, ao contrário do que impõe artigo 72º nº 2 da já referida LTC, o recorrente não suscitara, «de modo directo e perceptível», a questão de inconstitucionalidade de norma aplicada na sentença recorrida, limitando-se a invocar que a «sentença recorrida viola os artigos 410º, n.º 2, al. c) e 127º do Código de Processo Penal, o artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, o artigo 483° do Código Civil e o artigo 50º, nº 1 do Código Penal.» Sendo certo que «o controlo de constitucionalidade no direito português incide sobre normas e não sobre decisões judiciais», o recurso não seria admissível.
Na presente reclamação, o reclamante reafirma que o acórdão da Relação de Guimarães de que pretendia recorrer «é nulo por falta de fundamentação» e que «invocou no seu requerimento de arguição de nulidades do douto Acórdão de fls. 655 a 662, que o Tribunal da Relação de Guimarães, no seu douto Acórdão violou o disposto no artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa».
Na verdade, o recorrente invocou, perante o tribunal recorrido, que «é de entender como inconstitucional, por violação do dever de fundamentação da sentença (artigo 205º nº 1 da Constituição), o entendimento dos artigos 50º, n.º 1, 51º, 52º e 53º do Código Penal e 374º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos sob condição de imposição de deveres, regras de conduta ou com regime de prova». Tal arguição traduz – aparentemente – uma acusação de inconstitucionalidade às normas dos referidos preceitos, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos sob condição de imposição de deveres, regras de conduta ou com regime de prova. Mas o certo é que a Relação não aplicou as ditas normas com o imputado sentido, conforme revela o acórdão ao afirmar que «a questão da suspensão da execução da pena foi a terceira questão das quatro que se sintetizaram das extensas conclusões apresentadas. E a ela o Tribunal respondeu ao longo de quase duas páginas, não se limitando a concordar e a remeter para os fundamentos da 1ª Instância, mas fazendo também as considerações que entendeu adequadas.»
O que a reclamação revela é, assim, que o recorrente discorda do entendimento de que a decisão negativa de suspensão da pena estava suficientemente fundamentada; pelo contrário, em seu entender, a solução de lhe negar o benefício não está fundamentada, ao invés do que proclama o próprio tribunal recorrido; deste modo, a discordância cifra-se directamente nas ponderações e juízos da própria decisão recorrida e não em normas que esta porventura haja aplicado. Com efeito, o que verdadeiramente o reclamante sustenta é que o tribunal recorrido aplicou erradamente os artigos 50º, n.º 1, 51º, 52º e 53º do Código Penal e 374º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e não que tais preceitos contenham normas inconstitucionais.
No entanto, o recorrente tem o dever de suscitar, perante o tribunal que profere a decisão recorrida, a questão de inconstitucionalidade, traduzida na acusação de inconstitucionalidade imputada a uma determinada norma efectivamente aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi. Sendo patente que o acórdão não aplicou as normas com o sentido invocado, a acusação de desconformidade constitucional só pode ser entendida como dirigida ao próprio acórdão proferido e não a qualquer norma ou normas que nele hajam sido aplicada o que, de resto, se mostra em sintonia com o teor do requerimento de interposição do recurso no qual o recorrente não identifica qualquer norma inconstitucional que haja sido aplicada na decisão recorrida. Pode, portanto, concluir-se que o recorrente não suscitou «adequadamente» qualquer questão de inconstitucionalidade que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, possa ser conhecida no Tribunal Constitucional.
3. Termos em que se confirma o despacho reclamado, indeferindo a reclamação formulada. Custas pelo reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.