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Processo n.º 814/10
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, veio o Ministério Público interpor recurso, ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.ºs 1, alínea a) e 3; 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.º 1 e 78.º, n.º 4, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. O recorrido, A., citado como revertido na execução fiscal instaurada contra a B. Lda., deduziu oposição, pugnando pela extinção da execução, em relação ao mesmo.
A Fazenda Pública contestou, concluindo pela improcedência da oposição deduzida.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, por sentença de 13 de Outubro de 2010, julgou a oposição procedente, quanto às dívidas de coimas, por considerar inconstitucional a norma do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), que consagra a responsabilidade subsidiária que se efectiva através da reversão no âmbito da execução fiscal, e, por via disso, declarou extinta a execução, nessa parte.
Refere-se o seguinte, na conclusão da fundamentação da sentença:
“Concluímos, pois, (…) que a norma, ínsita no artigo 8° do RGIT, quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra gerentes ou administradores da sociedade devedora, viola o princípio da intransmissibilidade das penas, por essa reversão implicar, necessariamente, a transmissão da obrigação de cumprimento da sanção que constitui a dívida exequenda.
Deste modo, este tribunal considera a norma do artigo 8º do RGIT inconstitucional quando interpretada no sentido acima exposto”.
3. Desta sentença, datada de 13 de Outubro de 2010, veio o Ministério Público interpor recurso de constitucionalidade, por haver sido recusada a aplicação do art. 8.º do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra ou autoriza uma responsabilização subsidiária por coimas aplicadas à sociedade, que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os administradores e gerentes.
4. Em 25 de Janeiro de 2011 foi proferida Decisão sumária que negou provimento ao recurso, tendo julgado inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a norma do artigo 8.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, interpretado com o sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas, que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora, com os seguintes fundamentos:
“A sentença recorrida consubstancia-se numa decisão positiva de inconstitucionalidade relativa ao artigo 8.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Setembro – por tal ser a norma convocada, no caso – na parte em que se refere à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 24/2011, já se pronunciou no sentido de julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a norma do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, interpretado com o sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora.
Nesse aresto, remete-se para a fundamentação exposta no Acórdão n.º 481/2010, que julgou inconstitucional a norma do artigo 7.º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA) (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro), à qual sucedeu o artigo 8.º do RGIT, na parte em que se refere à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal.
Reitera-se, aqui, tal remissão, por os argumentos utilizados no referido Acórdão n.º 481/2010 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt) serem transponíveis para a presente situação.”
5. O Ministério Público reclamou desta decisão, com os seguintes fundamentos:
“1º
Pela Decisão Sumária nº 56/2011, julgou-se inconstitucional a norma do artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n 15/2001, de 5 de Junho, interpretada no sentido de que aí se consagra uma responsabilidade subsidiária pelas coimas, que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora.
2º
Nessa Decisão, refere-se que o Acórdão n.º 24/2011 já havia julgado inconstitucional a norma e que nesse aresto se remeteu para a fundamentação do Acórdão nº 481/2010, que tinha julgado inconstitucional a norma do artigo 7º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), norma de conteúdo idêntico à do artigo 8º do RGIT.
3.º
Porém, sobre a constitucionalidade da referida responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes, prevista no artigo 7º-A do RJIFNA e no artigo 8º do RGIT, já o Tribunal se tinha anteriormente pronunciado no sentido da não inconstitucionalidade (Acórdãos nºs 150/2009 e 129/2009, respectivamente).
4.º
O Ministério Público, nas alegações produzidas nos processos em que foram proferidos os Acórdãos referidos, sempre sustentou a não inconstitucionalidade daquelas normas, posição que se mantém.
5.º
Assim, remetendo-se para a fundamentação constantes dos Acórdãos nºs 129/2009 e 234/2009, deve deferir-se a reclamação, não se julgando inconstitucional a norma do artigo 8º do RGIT. “
II – Fundamentação
6. Na Decisão sumária reclamada seguiu-se a posição sustentada no acórdão n.º 24/11, desta Secção (acessível em www.tribunalconstitucional.pt).
Essa posição não é contraditória com o decidido no Acórdão n.º 129/09, uma vez que, enquanto naquele aresto da 2.ª Secção se apreciou a constitucionalidade duma dada interpretação normativa do artigo 8.º do RGIT, a qual foi efectuada pela decisão recorrida e se impôs ao Tribunal Constitucional como um dado adquirido, sem possibilidade de discussão sobre a sua correcção, já no Acórdão n.º 129/2009, o Tribunal Constitucional foi colocado perante a questão da constitucionalidade do próprio preceito legal, tendo-o interpretado duma forma diversa e julgado essa interpretação por si próprio efectuada como não desconforme à Constituição. Assim, apesar de terem por base o mesmo preceito legal, as duas decisões pronunciaram-se sobre a constitucionalidade de duas leituras normativas distintas desse preceito, isto é tiveram como objecto de fiscalização normas diferentes, pelo que não é possível dizer que o julgamento efectuado nesses Acórdãos seja antagónico e incompatível.
Ora, uma vez que na reclamação apresentada não são aduzidos quaisquer outros argumentos que possam justificar um repensar da questão objecto da decisão reclamada, mantém-se a posição sustentada no referido Acórdão n.º 24/11, indeferindo-se, por isso, a reclamação apresentada pelo Ministério Público.
III – Decisão
7. Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada pelo Ministério Público da Decisão sumária proferida nestes autos em 25 de Janeiro de 2011.
Sem custas.
Lisboa, 3 de Março de 2011.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.