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Processo n.º 771/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Arguição de nulidade e pedidos de aclaração e reforma
O Recorrente veio arguir a nulidade e pedir a aclaração e a reforma do acórdão n.º 23/2011, proferido em 12 de Janeiro de 2011, nestes autos.
Invocou o seguinte:
“Na decisão sumária escreveu-se:
“O despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que apreciou o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não admitiu o recurso na parte em que imputa a inconstitucionalidade à alínea c), do n.º 1, do artigo 400º, do CPP.
Não tendo sido impugnada esta decisão, a mesma transitou em julgado, pelo que o objecto do recurso cinge-se à questão da constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, f), do CPP, no entendimento de que é irrecorrível uma decisão proferida em recurso por tribunal de 2.ª Instância, que se pronuncia sobre questão superveniente e que por isso não havia sido apreciada na 1.ª instância.”
Ora, acontece que o ora aqui arguente impugnou expressamente essa decisão, processo que tomou o número 770/10, da 1ª Secção, desse Venerando Tribunal Constitucional.
Assim, aquando da prolação da decisão sumária, existe um erro notório sobre a apreciação da matéria fáctica, o qual se fosse conhecido podia e deveria, ter levado à emissão de pronúncia sobre a questão da inconstitucionalidade da alínea c), do art.º 400º, n.º 1, do Código do Processo Penal, não constituindo a mesma, nenhuma situação de litispendência, pelo singelo facto de estarmos também, perante invocação de argumentos diferentes.
Tal situação constitui uma nulidade por erro notório sobre os pressupostos de facto, a qual se argui para todos os efeitos legais, devendo a decisão final proferida em conferência ser reformada face a esse erro.
É que, escreveu-se agora na douta decisão da conferência:
“Existindo, pois, um segundo fundamento para a decisão, o qual não integra o objecto do recurso de constitucionalidade, o eventual conhecimento da constitucionalidade do outro fundamento nunca teria repercussão no sentido da decisão recorrida”.
Tendo a decisão sumária partido de pressupostos fácticos errados, a decisão final agora proferida também não se encontra correcta. Sendo intenção do ora arguente interpor recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, é seu Direito que a decisão esteja devidamente reproduzida para poder exercer de forma adequada, lógica e exaurível, o respectivo recurso.
De outra face, o ora arguente escreveu no seu requerimento de reclamação para a conferência.
“Não podemos, com o devido respeito que é muito, concordar com tal asserção.
Desde logo, é óbvio que o recurso não é admitido porque, nem o Tribunal da Relação, nem o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, concorda com a possibilidade de recurso nesse caso, pois, se concordasse tê-lo-ia admitido. Em segundo lugar, quando o recorrente, ora reclamante, recorreu para o Tribunal Constitucional, fê-lo com fundamento, quer no despacho do Tribunal da Relação, quer com fundamento no despacho do Supremo Tribunal de Justiça, pois, uma integra-se na outra. Por último, da própria forma de abordagem e análise da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, se compreende que o mesmo não é admitido por discordância do fundamento invocado pelo recorrente, ora reclamante, mais uma vez e essencialmente, porque se não o fosse teria sido admitido. É que o Supremo não encontra nenhuma excepção à dupla conforme, razão pela qual defende uma interpretação literal do art.º 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Se assim não fosse e caso não se entenda está encontrada a forma de nunca ser apreciada qualquer questão de inconstitucionalidade, pois, basta pura e simplesmente o decisor ignorar o que é vertido pelo recorrente e em sede de aclaração ou reforma, voltar a omitir tal referência expressa e até condenar o recorrente por tentativa de protelar o processo. Convenhamos, com todo o respeito, que um “non liguet” não deverá ser criado por vias ínvias, por mais exigências de culpabilidade e punição que a sociedade hoje exija” (sublinhado nosso).
Da decisão ora agora arguida, não consta qualquer apreciação sobre a inconstitucionalidade de um “non liquet” judicial, ou seja, viola os princípios da não denegação de justiça e da proporcionalidade, admitir que uma decisão judicial, pura e simplesmente, tenha a possibilidade de se abster de se pronunciar sobre matérias que colidem com os princípios do direito à liberdade até culpa formada em contrário, os quais se argúem para todos os efeitos legais.
Acresce a omissão de pronúncia da douta decisão da conferência sobre tal questão.
Termos em que e nos melhores de Direito, deverá ser reformada e aclarada a decisão, face ao ora aqui arguido, tudo nos termos expostos e com as respectivas consequências legais”.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.
Fundamentação
1. Da delimitação do objecto do incidente pós-decisório
No Requerimento agora apresentado pelo Recorrente, por um lado, pede-se a reforma do Acórdão impugnado, com fundamento em que o mesmo teve como pressuposto um dado fáctico processual, constante da decisão sumária apreciada que não corresponde ao ocorrido no processo, e, por outro lado, invoca-se a sua nulidade, por omissão de pronúncia, por não ter apreciado questão colocada na reclamação deduzida. Apesar de ser pedida também uma aclaração do mesmo Acórdão, não se aponta qualquer ambiguidade ou obscuridade que fundamente este pedido, pelo que apenas se apreciará do mérito do pedido de reforma e da arguição de nulidade do Acórdão visado.
2. Do pedido de reforma
O Recorrente alega que na decisão sumária reclamada se teve em consideração que o despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não havia admitido o recurso, na parte em que imputa a inconstitucionalidade à alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, tinha transitado em julgado devido ao Recorrente não o ter impugnado, o que não corresponde à verdade, uma vez que o Recorrente impugnou essa decisão perante o Tribunal Constitucional. Esta incorrecção, na tese do Recorrente, não só impossibilitou o conhecimento daquela questão de constitucionalidade, como também permitiu que o Acórdão impugnado tivesse utilizado na sua fundamentação o argumento de que, existindo um segundo fundamento para a decisão (o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP), o qual não integrava o objecto do recurso de constitucionalidade, o eventual conhecimento da constitucionalidade do outro fundamento (o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP), nunca teria repercussão no sentido da decisão recorrida.
É certo que na decisão sumária reclamada existe uma referência a que o mencionado despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça transitou em julgado por não ter sido objecto de impugnação. Contudo, o que foi relevante na fundamentação daquela decisão não foram as razões porque esse despacho transitou em julgado, mas sim o facto dele ter transitado.
Ora, verifica-se, face à informação fornecida pelo Recorrente, que este efectivamente reclamou dessa decisão para o Tribunal Constitucional (reclamação com n.º 770/2010) e que sobre a mesma recaiu o Acórdão n.º 470/2010, transitado em julgado, que a indeferiu, mantendo-se, assim, o despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não havia admitido o recurso, na parte em que imputava a inconstitucionalidade à alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
Assim, nunca neste recurso teria sido conhecida a questão de constitucionalidade da norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, tal como se mantém válida a afirmação feita no Acórdão aqui em análise de que, existindo um segundo fundamento para a decisão (o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP), o qual não integrava o objecto do recurso de constitucionalidade, uma vez que não foi admitido nessa parte, o eventual conhecimento da inconstitucionalidade do outro fundamento (o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP), nunca teria repercussão no sentido da decisão recorrida.
Por estas razões não se justifica a reforma do Acórdão n.º 23/2011, o qual se, numa das duas vertentes da sua fundamentação, partiu do pressuposto verdadeiro de que a questão de constitucionalidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, não integrava o objecto do recurso, face ao trânsito em julgado do despacho de não admissão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não contém qualquer referência ao modo como esse despacho transitou em julgado.
3. Da arguição de nulidade
O Recorrente invoca que o Acórdão em análise é nulo porque omitiu a apreciação da questão da inconstitucionalidade de um “non liquet” judicial, resultante do Tribunal Constitucional não poder apreciar da constitucionalidade de uma norma, por esta não integrar a fundamentação da decisão recorrida, quando essa ausência resulta de uma omissão de pronúncia dessa decisão.
Em primeiro lugar, o Recorrente na reclamação apresentada, nomeadamente no excerto que transcreve no requerimento agora apresentado, não invoca expressamente a violação de qualquer parâmetro constitucional pela decisão reclamada que competisse à conferência apreciar.
Em segundo lugar, o Acórdão impugnado não assumiu que se estivesse perante uma situação de “non liquet”, tendo encarado essa questão do seguinte modo:
“É indiscutível que, neste caso, a decisão recorrida não aplicou expressamente a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, f), do Código de Processo Penal, cuja constitucionalidade o Recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, apesar deste ter colocado a respectiva questão à instância recorrida, verificando-se por parte desta uma omissão da apreciação desse argumento.
Sustenta o Recorrente que o silêncio da decisão recorrida, nessa parte, traduz um juízo implícito correspondente à interpretação que constitui o objecto do recurso colocado ao Tribunal Constitucional.
Se é verdade que é possível a fiscalização pelo Tribunal Constitucional de interpretações implicitamente acolhidas pelas decisões recorridas (vide BLANCO DE MORAIS, em “Justiça Constitucional”, tomo II, pág. 702, da ed. de 2005, da Coimbra Editora, e LOPES DO REGO, em “Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, pág. 111-112, da ed. de 2010, da Almedina), é necessário que essa interpretação esteja necessariamente subjacente à decisão proferida, por ser o necessário pressuposto da solução jurídica que se adoptou.
Nesta hipótese, em que a decisão recorrida omite completamente qualquer alusão ao argumento invocado pelo Recorrente, não é possível afirmar se a solução adoptada ponderou esse argumento, afastando-o, silenciosamente, na interpretação cuja conformidade constitucional se pretende agora ver apreciada, ou se essa omissão radicou noutra interpretação, ou ainda se foi involuntária, não tendo esse argumento sido objecto de qualquer ponderação.
Esta dúvida só poderia resultar esclarecida em incidente pós-decisório que confrontasse o Tribunal recorrido com essa omissão.
Não tendo ocorrido esse esclarecimento, não tem este Tribunal meios para poder concluir pela aplicação efectiva implícita da interpretação normativa que se pretende ver sindicada, pelo que não é possível a apreciação do presente recurso.”.
Entendeu-se, pois, que a situação de impasse denunciada pelo Recorrente era passível de ser superada através da utilização de mecanismos pós-decisórios previstos na lei processual que naquele caso não tinham sido accionados, pelo que, não se tendo admitido que existia uma situação de non liquet, nunca se justificaria a apreciação da constitucionalidade de tal solução.
Por estes motivos o Acórdão impugnado também não é nulo, por omissão de pronúncia, pelo que também deve ser indeferido o requerimento apresentado pelo Recorrente, nesta parte.
Decisão
Pelo exposto decide-se:
- não conhecer do pedido de aclaração;
- indeferir o pedido de reforma;
- indeferir a arguição de nulidade.
Custas do incidente pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 3 de Março de 2011.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.