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Processo n.º 664/2010
3 Secção
Relator: Conselheiro Carlos Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Decidiu-se sumariamente, nos presentes autos, não conhecer do objecto de todos os recursos de constitucionalidade neles interpostos, tendo reclamado da decisão sumária (n.º 526/2010) os recorrentes A., B., C., D., E., F., G., H., I., J., L., M., N., O., P., Q., R., S., T., U., V., X., Z., AA., BB. e CC., e pedido a respectiva aclaração o recorrente DD..
Os reclamantes pedem, a final, que o Tribunal Constitucional tome conhecimento do objecto dos respectivos recursos de constitucionalidade, invocando, para tanto, razões de discórdia que, por economia processual, se enunciarão aquando da respectiva apreciação, tendo o Ministério Público, em sede de resposta, considerado ser de manter pelo colectivo de juízes a decisão sumária reclamada, por correctos os seus fundamentos e, no essencial, irrelevantes ou não comprovados os factos em que assenta a contra-argumentação desenvolvida pelos reclamantes para justificar a modificação de julgado.
No que respeita ao pedido de aclaração, fundado numa alegada obscuridade de uma das razões invocadas como fundamento do não conhecimento do recurso de constitucionalidade, o Ministério Público é também do parecer de que deve ser indeferido, por claramente inteligíveis os fundamentos em que assenta a decisão sumária dela objecto.
2. Cumpre apreciar e decidir.
2.1. Das reclamações
A decisão sumária considerou, quanto a todos os recorrentes ora reclamantes, não ter sido observado, nos termos legalmente impostos, o ónus de suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade que constitui objecto dos respectivos recursos de constitucionalidade ou de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, acrescendo a tal razão de não conhecimento, quanto aos recursos interpostos pelos recorrentes O., P., Q., R., S., T., U., V., X. e Z., o facto de o respectivo objecto, na parte atinente a uma das questões de inconstitucionalidade invocadas, carecer de conteúdo normativo.
Sustentou-se, em concreto, em termos sucessivamente renovados na apreciação de cada um dos recursos de constitucionalidade interpostos, entre outros, pelos recorrentes, ora reclamantes, que sendo a decisão recorrida o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que rejeitou, por inadmissíveis, os recursos interpostos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o momento processualmente oportuno para suscitar a questão de inconstitucionalidade atinente às normas que regulam os pressupostos da admissibilidade de tal recurso, ou qualquer interpretação normativa que as tivesse por fonte, era o da própria interposição motivada do recurso ou, no máximo, o da resposta ao parecer do Ministério Público junto daquela última instância ordinária de recurso – de que, para esse efeito, foram oportunamente notificados – onde se defendeu, justamente, a inadmissibilidade dos recursos pelos fundamentos que, no essencial, vieram a ser acolhidos no acórdão recorrido.
Nesse pressuposto, julgou-se, pois, inobservado tal ónus pelos recorrentes que invocaram no recurso de constitucionalidade questões de inconstitucionalidade atinentes a tal núcleo normativo mas não o fizeram em sede de motivação do recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo menos nos moldes posteriormente retomados no recurso de constitucionalidade, nem em sede de resposta ao parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, considerando-se irrelevante, para esse efeito, que o tivessem feito na reclamação que antes procedentemente deduziram perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça contra o despacho do relator no Tribunal da Relação que rejeitou, por inadmissíveis, os recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, por não ser dele a decisão de que recorreram para este Tribunal Constitucional.
Com excepção dos reclamantes B., C., D., E., F., G., H., I., J., L., M., N. e BB., que não invocam sequer quaisquer razões da discordância, todos os outros defendem nas respectivas reclamações, em síntese, que, contrariamente ao sustentado na decisão sumária, observaram o ónus de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade, objecto do recurso, porque a invocaram na motivação do recurso interposto junto do Supremo Tribunal de Justiça (reclamante AA.) e/ou na reclamação que deduziram contra o despacho que o rejeitou (reclamantes A., O., P., Q., R., S., T., U., V., X., Z., AA. e CC.).
Vejamos se lhes assiste razão.
No que respeita à relevância processual da suscitação da questão de inconstitucionalidade, objecto do recurso, na reclamação deduzida, com sucesso, perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para o efeito de se julgar observado o correspondente ónus legal (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC), afigura-se incontornável que, impondo a lei, como condição de legitimidade do recorrente, nesse âmbito, que este «haja suscitado a questão de inconstitucionalidade (…) perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (itálico nosso), a observância de um tal ónus, no caso concreto, implicaria a prévia suscitação da questão perante o Tribunal que proferiu a decisão que constitui objecto do recurso de constitucionalidade, isto é, perante o Supremo Tribunal de Justiça que proferiu o acórdão recorrido.
Assim sendo, é, de facto, irrelevante, em tal perspectiva, que os reclamantes, como alegam, tenham ou não suscitado a questão de inconstitucionalidade que pretendem ver apreciada (de mérito) por este Tribunal Constitucional, na reclamação que deduziram, aliás com sucesso, perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho que havia rejeitado os respectivos recursos para esta última instância, pois que não é este claramente o órgão jurisdicional de cuja decisão ora recorrem, como sumariamente decidido.
E a verdade é que, embora se insurjam contra tal afirmação de princípio e sua aplicação ao caso vertente, nenhuma razão invocam que sustente diferente perspectiva das coisas, limitando-se a insistir que suscitaram a questão de inconstitucionalidade em tal sede de reclamação sem precedentemente equacionar sequer da relevância processual de tal facto, para o efeito de julgar observado o correspondente ónus, ou quedando-se na conclusão não fundamentada, como sucede com o reclamante CC., de que o momento processual oportuno de suscitação é mesmo o da reclamação.
Acrescenta ainda este último reclamante àquele fundamento de reclamação a circunstância de não ter sido notificado nos termos e para os efeitos do artigo 75.º-A, nºs 5 e 6, da LTC, como imposto pelo n.º 2 do artigo 78.º-A do mesmo diploma legal, o que, a seu ver, inviabiliza a aplicação do n.º 1 deste último normativo legal ao abrigo do qual foi proferida a decisão sumária em causa.
Tal argumentação, para além de impertinente, considerando o concreto posicionamento processual do reclamante, não tem qualquer consistência interpretativa.
Na verdade, a aplicação do invocado artigo 75.º-A, nºs. 5 e 6, da LTC como condição prévia da prolação de decisão sumária nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC só se impõe quando há omissão dos vícios formais do requerimento de interposição de recurso a que se referem os n.ºs 1 e 2 desse artigo 75.º-A, e não tem aplicação quando esteja em causa a não verificação, logo descortinável, dos pressupostos processuais de que depende o conhecimento do recurso de constitucionalidade.
Ora, no caso, o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade do ora reclamante não só não padecia de quaisquer dos vícios formais que legitimariam a aplicação do invocado artigo 75.º-A, nºs. 5 e 6, da LTC, como, ainda que padecesse, seria inútil o seu aperfeiçoamento porquanto não observou, desde logo, o ónus (suscitação prévia) que a lei (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC) impõe como condição de prosseguimento do recurso, pelas razões, que também lhe são aplicáveis, acima enunciadas.
Por outro lado, também não releva o que o reclamante A. também invoca como fundamento adicional da reclamação, ao sustentar que «a ser entendida a posição versada na decisão sumária agora reclamada, estaria descoberta a fórmula de nunca a questão de inconstitucionalidade poder ser apreciada pelo Tribunal Constitucional: bastaria o tribunal recorrido simplesmente não se pronunciar sobre a inconstitucionalidade invocada».
É que o que justificou o não conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto pelo referido reclamante foi o facto da não apreciação, pelo Tribunal recorrido, da questão de inconstitucionalidade que integra o respectivo objecto, resultar da sua não suscitação prévia em termos de este estar processualmente obrigado a dela conhecer, sendo, pois, legítimo, por inobservância pelo recorrente do correspondente ónus, o seu não conhecimento pelo Tribunal recorrido, tal como legítimo o não conhecimento, por não verificado tal pressuposto processual, do objecto do recurso de constitucionalidade por este Tribunal Constitucional.
Por tudo isso, é de indeferir as reclamações que, com tais fundamentos, foram apresentadas pelos recorrentes A., O., P., Q., R., S., T., U., V., X., Z., CC. e AA., sendo certo que, quanto a este último reclamante, também não se descortina nas motivações do recurso que interpôs junto do Supremo Tribunal de Justiça a suscitação, nos seus termos delimitativos essenciais, da precisa questão de inconstitucionalidade que constitui objecto do recurso de constitucionalidade, como alega, nem na resposta que, reproduzindo o que antes havia invocado em sede de reclamação, apresentou ao parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.
Relativamente àqueles que, de entre os ora reclamantes, impugnaram a decisão sumária sem concretizar minimamente ou com o mínimo de contra-argumentação relevante, os fundamentos da sua impugnação (B., C., D., E., F., G., H., I., J., L., M., N. e BB.), afigura-se ser também de confirmar a decisão sumária reclamada.
Com efeito, verifica-se, compulsados os autos, que, como sumariamente decidido, a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo ora reclamante BB. nas alegações de recurso que apresentou perante o Supremo Tribunal de Justiça, atinente ao julgamento dos factos de que vinha acusado e à decisão condenatória que nele se baseou, por alegadamente desigual ao julgamento proferido quanto a outros arguidos absolvidos, carecia de conteúdo normativo, por reportado à própria decisão recorrida e não aos seus fundamentos normativos.
Também quanto aos restantes reclamantes, acima identificados, verifica-se que nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa suscitaram em sede de motivações do recurso interposto junto do Supremo Tribunal de Justiça e de resposta ao parecer do Ministério Público junto desta última instância ordinária de recurso, sendo irrelevante, pelas razões acima invocadas, que o tivessem feito na reclamação apresentada perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e processualmente inadequada a sua suscitação na «reclamação para a conferência» do acórdão recorrido, que apresentaram em juízo, tal como se sustentou na decisão sumária.
Assim, também quanto a estes reclamantes, se impõe o indeferimento da reclamação e, em consequência, a confirmação da decisão sumária dela objecto.
Finalmente, não tendo os reclamantes O., P., Q., R., S., T., U., V., X. e Z. impugnado a decisão sumária, na parte em que decidiu não conhecer da questão de inconstitucionalidade atinente ao valor das condenações em taxa de justiça e custas fixadas no acórdão recorrido, por carecida de conteúdo normativo, operou-se, no que a esta diz respeito, o trânsito da decisão de a não conhecer.
2.2. Do pedido de aclaração
A alegada «obscuridade» da decisão sumária que o requerente DD. pretende ver esclarecida, no presente incidente, decorre do facto de, tal como sintetizado no requerimento ora em apreciação, se ter considerado «adequadamente concretizada [no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade] a interpretação normativa que se reputa de inconstitucional», e concluído que «a questão que se pretende sujeitar à apreciação do Tribunal Constitucional (…) não tem conteúdo normativo».
Mas o que, a propósito, referiu a decisão sumária, é, por claramente enunciado, facilmente inteligível.
Com efeito, o que se sublinhou quanto ao recorrente DD., em confronto com a situação processual do co-recorrente EE. – cujos recursos de constitucionalidade foram conjuntamente apreciados – é que aquele, contrariamente a este, indicou no seu requerimento de interposição de recurso a interpretação cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada, concretizando adequadamente o seu conteúdo, pelo que se não justificava, quanto a ele, a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC.
Mas uma coisa é a indicação no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade da interpretação cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, que é um requisito formal de tal requerimento (artigo 78º, n.º 1, da LTC); outra a aferição do carácter normativo da interpretação sindicada, que é um pressuposto processual do recurso de constitucionalidade (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da mesma lei).
No caso concreto, o que se considerou na decisão sumária, em termos que não deixam margem para dúvidas, é que, apesar de o recorrente, ora requerente, ter concretizado no seu requerimento de interposição do recurso “adequadamente a interpretação que reputa de inconstitucional” – “artigo 372.º do Cód. Penal, quando interpretado (…) no sentido de que a redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março não consubstancia o regime concretamente mais favorável ao arguido” –, não se encontrava, no entanto, verificado o pressuposto processual atinente ao carácter normativo do objecto do recurso de constitucionalidade, porquanto a «interpretação» sindicada, com o conteúdo acima enunciado, não consubstanciava qualquer critério normativo susceptível de ser apreciado por via do recurso de constitucionalidade mas um juízo estritamente jurisdicional, insindicável por tal meio impugnatório.
Não se verifica, pois, a obscuridade que o requerente alega como fundamento do seu pedido de aclaração, pelo que se impõe o seu indeferimento.
3. Pelo exposto, decide-se:
3.1. Indeferir as reclamações deduzidas pelos recorrentes A., B., C., D., E., F., G., H., I., J., L., M., N., O., P., Q., R., S., T., U., V., X., Z., AA., BB. e CC., confirmando-se, em consequência, a decisão sumária proferida nos presentes autos.
3.2. Indeferir o pedido de aclaração formulado pelo recorrente DD..
Custas pelos reclamantes e pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça, para cada um deles, em 20 (vinte) unidades conta.
Lisboa, 2 de Março de 2011.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.