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Processo n.º 957/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificada do Acórdão n.º 37/2011, de 25.01.2011, que julgou inconstitucional, por violação do critério da 'justa indemnização' (artigo 62.º, n.º 2, da Constituição) e do princípio da igualdade (artigo 13.º), a norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com as alterações posteriores), quando interpretada no sentido de 'classificar como solo apto para construção um solo abrangido em plano director municipal por área florestal estruturante', com total desconsideração desta vinculação administrativa, a recorrida A., Lda., veio requerer o “esclarecimento das obscuridades e ambiguidades nele ínsitas” nos seguintes termos:
«1. No douto despacho que suscitou a questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso em toda a sua extensão, mostra-se escrito:
“Do exposto resulta que, independentemente das considerações genéricas que o acórdão recorrido (e a sentença da 1.ª instância, para a qual este remete) possa ter feito a propósito de (ir) relevância das normas regulamentares que atribuem ou retiram capacidade construtivas aos prédios, o certo é que, in casu,, complementa a ratio decidendi do acórdão a consideração de que as normas regulamentares aqui aplicáveis (os artigos do PDM de Paços de Ferreira aí identificados) atribuíam essa capacidade edificativa no que se refere à área acima identificada em b 2) [parcela 86.1]. Assim nesta parte, a decisão não teve apenas por base o critério normativo identificado como objecto de recurso (e a respeito do qual a recorrente suscitou, no decurso do processo, a questão da inconstitucionalidade) o qual tem subjacente a ideia de que a classificação do solo, em PDM como “área florestal estruturante” implica a perda do respectiva capacidade edificativa. Fundamentou-se também na capacidade edificativa que o próprio PDM, atribui à área em questão, fundamento este que, por si só, se afigura suficiente para manter inalterada a decisão recorrida, nesta parte, ainda que venha a ser proferido juízo de inconstitucionalidade sobre aquele critério normativo”
Porém, no douto Acórdão pode ler-se
“conclui-se por todo o exposto, que o presente recurso da constitucionalidade tem por objecto a norma do art.º 25.º al. a) do Código das Expropriações quando interpretada no sentido de classificar como solo apto para a construção um solo abrangido em plano director municipal por área florestal estruturante”.
Com todo o devido respeito, afigura-se-nos haver manifesta contradição em, por um lado, reconhecer-se que a questão da (in)constitucionalidade suscitada se prende com a aplicação da norma do art.º 2.º n° 2 al. a) (com a interpretação que lhe foi dada); e, por outro reconhecer-se que, relativamente à parte dos terrenos da parcela 86.1 que foram tidos como” aptos para a construção” o foram, e assim avaliados, não só pelo disposto naquele artigo 25.° n.° 2 al. a) mas, e principalmente, porque no PDM vigente neles era possibilitada a construção.
Ora, afigura-se-nos que a recorrente fundamentou o seu recurso apenas numa das duas dimensões que levaram à decisão do Tribunal de Primeira Instância e do Tribunal Relação do Porto e, consequentemente, que não tendo suscitado a questão na sua totalidade, dever ia este Venerando Tribunal abster-se de ter conhecido do objecto do recurso.
Pretende-se, por isso, ver esclarecida (s) a (s) razão (ões) que determinaram que, não obstante a recorrente não ter suscitado, no processo a questão da (in) constitucionalidade relativamente à globalidade das razões que determinaram a classificação de parte dos terrenos da parcela 86.1 como apta para a construção” e a sua avaliação em conformidade, tenha este Tribunal tomado conhecimento do objecto do mesmo, nesta parte-
E
Saber qual o sentido útil de uma decisão que emite um juízo de inconstitucionalidade de uma norma quando é certo que a decisão em que foi aplicada foi tomada não só pelo sentido e alcance dado a essa norma mas também e conjuntamente de outras normas
2. De igual modo, pode ler-se no douto Acórdão ora sob esclarecimento
“E, de qualquer forma, mesmo a entender-se que persistem duvidas na interpretação a dar ao acórdão recorrido, a sua solução contende apenas com a delimitação da incidência, sobre ela, da decisão a emitir por este Tribunal. De facto, caso venha a ser proferido um juízo de inconstitucionalidade sobre a dimensão normativa questionada, a consequente reformulação do acórdão recorrido não terá um sentindo pré determinado. Caberá ao Tribunal da Relação do Porto, em sede de reformulação, retirar as consequências devidas no que respeita à decisão de classificação parcela 86.1, em consonância com as razões que efectivamente lhe subjazem.
E mais adiante
“Simplesmente, dessa classificação não decorre um único padrão indemnizatório, dado, além do mais, o disposto no artigo 26.º, nº° 12 do CE.. Constata-se, todavia, que embora faça uma alusão a este preceito, como capaz (conjuntamente com a norma o n.° 5 do artigo 23.º) de resolver a questão da indemnização dos terrenos integrados em RAN ou REN (fls 943 dos autos), em momento algum o acórdão recorrido lançou mão do critério indemnizatório nele consagrado.”
Parece, assim, claro que o Tribunal, ao valorar apenas as características do terreno, pelo prisma dos elementos constantes do n.° 2 al. a), do artigo 25, para efeitos da sua classificação (e consequente indemnização ) seguiu uma interpretação, de acordo com a qual a destinação, fixada em plano director municipal, a “ área florestal estruturante” de um terreno dotado de objectiva potencialidade edificativa não interfere na aplicação daquela norma, para efeito da aplicação do calculo indemnizatório que lhe estão associadas”
Com o devido respeito, enquanto do transcrito em 1. transparece não haver dúvidas de que o Acórdão recorrido, que a sentença da Primeira Instância fizera aplicação quer do art.° 25.º n° 2 al. a) do CE quer das normas do PDM por concluir que parte dos terrenos da parcela 86.1 devia ser qualificados, e como tal avaliados, como “ solo apto para construção”, agora, pelo que se deixa transcrito, já se admite que se não sabe se é esse o sentido da decisão tomada no Acórdão recorrido, muito embora os dados processuais tenham permanecido imutáveis.
Por isso, pretende-se ver esclarecido:
a) Que elementos determinaram que haja dúvidas quando antes havia certezas-
b) Se havia dúvidas do sentido da decisão do Tribunal da Relação do Porto porque não foi determinado que essa dúvida fosse esclarecida previamente à decisão sob esclarecimento- E porque não obter esses esclarecimentos-
3. Pode ler-se também no douto acórdão sob esclarecimento
“No mesmo sentido de que o binómio “solos aptos para construção”- “solos aptos para outros fins” pode não nos dar, em definitivo, um critério concreto de cálculo indemnizatório, depõe o disposto no n.°5 do artigo 23.° do CE. Aí se estabelece que “ (…) o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”
“Por esta norma se evidencia que “os critérios referenciais” legalmente fixados não passam disso mesmo, ou seja, de directrizes orientativas para encontrar o “valor real e corrente”dos bens numa situação normal de mercado. Este é que constitui o padrão substantivo de cálculo, de que o julgador se não pode afastar. Em face dele, os critérios constantes dos art.º s 26.° e segs. têm uma função facilitadora, comportando ainda ganhos de segurança e previsibilidade. Mas não gozam de imperatividade absoluta, detendo o julgador a faculdade de aplicar um critério correctivo ou alternativo, quando entender que essa é a única forma de atingir a, medida da “justa indemnização”, constitucional e legalmente imposta.”
E mais adiante
“Mas a interpretação que presidiu ao acórdão recorrido desconsiderou totalmente a circunstancia de o terreno se encontrar classificado em PDM com “área florestal estruturante”, limitando-se a aferir da existência desse elementos, efectuou uma classificação do solo como apto para a construção, nos mesmos termos que seriam aplicáveis a um solo que, detendo idêntica potencialidade edificativa, não estivesse sujeito a semelhante vinculação normativa (em PDM) limitativa dessa mesma potencialidade.”
“Ora ao tratar de forma idêntica a duas situações diferentemente valoráveis, o tribunal recorrido está simultaneamente a conceder uma vantagem excessiva ao expropriado, facultando-lhe a percepção, por força da expropriação, de uma indemnização de valor manifestamente superior à contrapartida ao seu alcance fora da relação expropriativa, à data em que esta se constituiu”
Caberá perguntar para ver esclarecido: Mas então, se o que conta é o valor real e corrente dos bens numa situação normal de mercado, sendo os critérios referenciais os dos art.ºs 26 e segs. meras “directrizes orientativas”, como se pode concluir que um bem avaliado por apelo ao art.º 25.° n.° 2 al. a) CE. (concedendo, não faia também das normas do PDM) determine um valor necessariamente excessivo-
O que determina a certeza que assim seja-
E se assim é, em tese, então, no caso dos autos em que se mostra junto o laudo da peritagem, com data de 25/11/05, em que os Srs. Peritos
Maioritários dizem expressamente
“ Conforme já foi referido e é bem explicitado no Relatório de Vistoria “a.p.r.m.” as parcelas expropriadas tinham acesso pavimentado dotado de diversas estruturas urbanísticas e nesse arruamento existiam diversos aglomerados de habitação”
Não só por esse facto. Mas também em consideração toda a envolvente, os peritos entenderam que parte das áreas das parcelas confinantes com esse arruamento até à profundidade de 50 m, deverá ser considerada como terreno apto para a construção, e como tal valorizado, por forma a cumprir o disposto no n.°5 do art.º 23.° do Código, isto é, para se atingir o valor real do mercado (sic. sublinhado nosso)
Como se pode concluir que a avaliação dos terrenos expropriados, na parte em que foram tidas como “aptas para a construção” determinou a atribuição aos expropriados de uma indemnização em muito superior àquela que os seus vizinhos, não expropriados obteriam iam pela venda dos terrenos o mercado-
Donde e por que advém essa certeza-
4.No douto Acórdão sob esclarecimento pode ler-se:
“Mas a interpretação que presidiu ao acórdão recorrido desconsiderou totalmente a circunstância de o terreno se encontrar classificado em PDM como “área florestal estruturante”, limitando-se a aferir da existência dos elementos do art. 2.5° n.° 2, alínea a). Ao apelar unicamente para a verificação desses elementos efectuou uma classificação do solo como solo apto para a construção, nos mesmos terrenos que seriam aplicáveis a um solo que, detendo idêntica potencialidade edificativa, não estivesse sujeito a semelhante vinculação normativa (em PDM), limitativa dessa mesma potencialidade”
Então vejamos
- Como se transcreveu em 1. do douto despacho de fls. escreveu-se
“Do exposto resulta que, independentemente das considerações genéricas que o acórdão recorrido (e a sentença de 1.ª instância ara a qual este remete) possa ter feito a propósito da (ir) relevância das normas regulamentares que atribuem ou retiram capacidade construtiva aos prédios, o certo é que, in casu, complementa a ratio decidendi do acórdão a consideração de que as normas regulamentares aqui policiáveis (os artigos do PDM de Paços de Ferreira aí identificados) atribuíam essa capacidade edificativa no que se refere à área acima identificada em b 2) [ parcela 86.1]
depois como se transcreveu em 2. escreve-se no acórdão sob esclarecimento
“e de qualquer forma, mesmo a entender-se que persistem dúvidas na interpretação a dar ao acórdão recorrido... [saber se e faz aplicação apenas das normas do art. 25.° n.° 2 al.a)) ou também dos normas do PDM/Paços de Ferreira.
E agora, escreve-se que o acórdão recorrido limitou-se a aferir a existência dos elementos do artigo 25.º n.° 2 al. a) para tomar por “solo apto para construção” parte do terreno da parcela 86.1
As contradições são evidentes:
Primeiro - art. 25.° n.°2 al. a) CE + Normas do PDM
Segundo - duvida determinam a decisão
Terceiro - Só art.º 25 n.° 2 al. a do CE.
Pergunta-se:
O Acórdão recorrido teve parte da parcela 86.1 como “sendo apto para construção” por aplicação do disposto no art.° 25 n.° 2 al. a) do CE. e pelas normas do PDM/ Paços de Ferreira ou, persistem dúvidas quanto à interpretação , ou teve-a somente por aplicação das normas do art.º 25.º n.° 2 al. a) do C.E.)-
Finalmente
5. Afigura-se-nos que a decisão de julgar inconstitucional a norma do art.º 25 n.° 2 al. a) CE. quando interpretada no sentido de classificar como “solo apto para a construção” um solo abrangido em plano director municipal por “área florestal estruturante” com total desconsideração desta vinculação administrativa, tem ínsita a ideia de que se, para além dos pressupostos previstos no art.º 25 n.° 2 al. a) do CE., e concretamente a este, se verificassem outros pressupostos (como sejam os do art.° 26.° n.° 12 CE, do art.º 23.° n.° 5 e das normas do PDM, tudo referido no douto Acórdão), se não formularia um juízo de inconstitucionalidade relativamente àquela norma.
Parece-nos, por isso relevante esclarecer se efectivamente constitui entendimento do douto Acórdão o de que a ocorrência dos pressupostos do art.º 25.° n.° 2 al. a) CE com as do art.º 26.° n.° 12 CE e com as do art.º 23.° n.° 5 do CE. ou com as normas do PDM/Paços de Ferreira no entendimento de que parte da parcela 86.1 se possa classificar como “solo apto para a construção” assegura (ou não) o respeito, in casu, pelos princípios da igualdade e de justa indemnização-»
2. A recorrente B., S.A., não se pronunciou quanto ao pedido de aclaração.
3. Nos termos do disposto no artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável por força do artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), é facultado às partes o esclarecimento da sentença quando esta contenha obscuridades (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambiguidades (por comportar dois ou mais sentidos).
O pedido de esclarecimento não é, assim, o meio adequado para demonstrar divergência com os fundamentos da decisão ou para suscitar a necessidade de esta ser completada.
A ora requerente, ainda que adoptando uma retórica interrogativa, vem, na verdade, salientar o seu desacordo quanto aos fundamentos da decisão.
Assim, as pretensas interrogações, formuladas no final dos pontos 1. e 2. do requerimento sub judicio, constituem verdadeiras contestações do decidido no Acórdão quanto à questão prévia do conhecimento do objecto do recurso, sendo certo que em parte alguma se identifica uma qualquer obscuridade ou ambiguidade do acórdão sob aclaração.
Da mesma forma, os “esclarecimentos” pedidos nos pontos 3. 4. e 5. do requerimento reconduzem-se, mais uma vez, à alegação de supostas inconsistências ou insuficiências da fundamentação do acórdão, na parte em que apreciou a questão de constitucionalidade.
Ou seja, o requerente censura a decisão, não por esta não se lhe afigurar clara, mas porque, no seu entender, não foi encontrada a melhor solução para a questão de constitucionalidade.
Quanto à invocada contradição entre o acórdão recorrido e o despacho no qual se suscitou a questão prévia de eventual não conhecimento de parte do objecto do recurso, diga-se, antes do mais, que a recorrida, aqui requerente, parece ignorar a natureza e função de um despacho que se destina a ouvir previamente as partes sobre uma questão que o Tribunal irá decidir. Importa salientar, por outro lado, que o pedido de aclaração apenas pode fundamentar-se numa contradição entre os termos da própria decisão aclaranda, não podendo ser considerados quaisquer elementos externos a esta. Ora, quanto à questão levantada dubitativamente pelo referido despacho, o acórdão dá-lhe uma resposta perfeitamente clara e unívoca, ao escrever-se: «É razão determinante da decisão [a decisão recorrida], no seu todo, um critério normativo adoptado por interpretação daquela norma, não se confirmando, assim, a hipótese de dualidade de fundamentos, suscitada no despacho em referência».
Quanto ao mais, resta dizer que, atento o padrão do destinatário normal, o acórdão aclarando não se afigura ambíguo ou obscuro em qualquer dos seus trechos.
4. Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido de aclaração.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 3 de Março de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.